Sunday 10 January 2010

BRASIL - LONGO PRAZO + INOVAÇÃO

Bem-vindo aos anos 50
MARIANA BARBOSA
MARCIO AITHDA
REPORTAGEM LOCAL - FOLHA, 31jan2010
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Toca o sinal
Com 1.590 alunos, o Miécimo da Silva é bem cuidado, mas padece dos mesmos males que afetam as demais escolas públicas: burocracia, alto número de faltas e professores insatisfeitos
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Produção científica do Brasil ultrapassa a da Rússia, diz estudo
Número de publicações de artigos de brasileiros deve se tornar o 2º maior dos países BRIC nos próximos anos
BBC

Capa: O momento é dos melhores para a economia brasileira - boa oportunidade para se começar a refinar o debate sobre o que pode ser feito para ter um país ainda melhor no longo prazo.
Hora de pensar o futuro
Por Edson Pinto de Almeida, para o Valor, de São Paulo
08/01/2010
A forma como o Brasil superou a crise financeira, emergindo em grande estilo e por isso ganhando reconhecimento internacional, deixou no ar uma certeza e algumas perguntas. A certeza é de que o país está mais forte do que muitos imaginavam, até, quem sabe, para resistir a uma eventual recidiva da crise internacional no curto prazo. Mas o que dizer do futuro, aquele que, bem ou mal, vai sendo construído, em linha com as oscilações econômicas de curto prazo - aí incluidas as crises, que roubam eventuais conquistas de crescimento - e com maior ou menor intencionalidade de governos e sociedade? O Brasil já pode falar num futuro que lhe pertence, por vontade e formulação próprias, suposição que parece fluir de interpretações mais entusiasmadas dos resultados de políticas aplicadas até agora? Ou o país do longo prazo, aquele que talvez possa ser o do desenvolvimento estabelecido, muito mais que crescimento, ainda é uma folha de papel em branco, à espera de ideias e autores? Faz falta um projeto nacional, um "plano", ou bastará o exercício da democracia, por suas vertentes econômicas, políticas e sociais, para possibilitar consensos e conferir previsibilidade aos destinos do país?
As respostas, seja entre empresários, seja nos meios acadêmicos, misturam perspectivas diversas, mas sempre acompanhadas da constatação de que o fundamental está feito: a estabilização econômica e a opção pela democracia são hoje conquistas fortificadas, e representam avanços importantes na sinalização de possíveis caminhos para o futuro.
Ana Paula Paiva/Valor
Teixeira da Costa: "As entidades empresariais não se falam, pregam apenas para os convertidos e todos só querem o poder. Falta provocar o debate com a sociedade e os partidos políticos"
"O grande desafio está em pensar uma nova estratégia de desenvolvimento", afirma Cláudio Salvadori Dedecca, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Os mais de 20 anos de estagnação corroeram nossa capacidade de pensar o futuro, construiu-se uma reflexão constrangida pelos problemas da crise prolongada. É necessário reorientar o campo de preocupações e os termos do debate econômico e social, reposicionar as preocupações para a construção de uma estratégia de desenvolvimento que potencialize as vantagens atuais e identifique claramente seus obstáculos. Dois deles são evidentes e siameses, as reformas tributária e política." (Ver entrevista na pág. 10)
Como diz Roberto Teixeira da Costa, consultor e membro do conselho de administração da SulAmerica Seguros, "o futuro chegou e precisamos saber o que fazer com ele". Em sua opinião, porém, o grau de percepção no setor empresarial dessa necessária agenda de mudanças é baixo, uma vez que o debate é muito setorizado e ainda predomina uma visão paroquial em relação à necessidade de inserção global do país. "As entidades empresariais não se falam, pregam apenas para os convertidos e todos só querem o poder. Falta provocar o debate com a sociedade e os partidos políticos."
Getulio Bittencourt
Roberto Setúbal destaca o benefício de terem ficado para trás desafios, problemas e propostas que acabavam criando expectativa e insegurança maiores
A ideia de que se possa planejar algo no longo prazo tem a ver com a consolidação do regime democrático, a partir da Constituição de 1988, e com a estabilidade macroeconômica que teve início no Plano Real, em 1994. "No passado, o Brasil tinha desafios tão grandes, problemas tão profundos e as soluções propostas eram tão divergentes que criavam uma expectativa e insegurança maiores", diz Roberto Setúbal, presidente do Itaú Unibanco. Para ele, o Brasil pode cumprir todas as melhores projeções de crescimento se mantiver a política econômica equilibrada, contrastando, assim, com outras economias, como França, Itália e Inglaterra, que terão momentos de baixo crescimento nos próximos anos.
Louis Bazire, presidente da operação brasileira do BNP Paribas, também se coloca entre os otimistas e acredita que a dinâmica de longo prazo alcançada pelo Brasil já pode ser comparada à dos países mais maduros. Estudo da área técnica do banco mostra que o Brasil tem a melhor relação de potencial de crescimento e riscos de desestabilização, se comparado a China, Rússia e Índia. As condições sustentáveis de crescimento no médio prazo com baixo risco de desestabilização da economia estariam no patamar de 4% a 5% ao ano. A partir daí, e aumentados os investimentos, especialmente em infraestrutura, o crescimento poderia passar a 7%, até 8% ao ano.
O professor Francisco Carlos Teixeira, titular de história contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que o Brasil reúne condições para ser a quinta economia do mundo, graças ao grande potencial industrial, agrícola e de jazidas minerais. "O país vai conseguir fazer a passagem de sustentabilidade com energias limpas, mas não vai alcançar, até 2025, uma condição de bem-estar mais justo. Existirão bolsões de diferenças e desigualdades, mas não de miséria."
O Brasil precisa, porém, dar um salto de qualidade na educação. "Estaremos no Segundo Mundo próspero", imagina Teixeira, "mas não no Primeiro de ponta, por falta de tecnologia, inovação e qualidade de gerência, todos elementos que têm a ver com educação." Teixeira reproduz conclusões de estudo que coordenou, realizado pela Fundação Dom Cabral com base em análise feita por dirigentes de nove empresas (Siemens, Telefonica, Algar, TAM, Natura, Brascan, IBM, International Paper, Umicore).
O estudo aponta Estados Unidos, União Europeia e China como centros criadores de redes globais e vias preferenciais dos fluxos de riqueza no mundo, sustentados largamente nas tecnologias digitais. A China deverá atuar como modelo alternativo à Europa, aos Estados Unidos e aos países em rápido crescimento. A concorrência chinesa deve afetar diretamente a presença do Brasil nos mercados mundiais. Por isso, o país deveria aprofundar os acordos bilaterais e, ao mesmo tempo, incentivar a ampliação do Mercosul e o uso da Tarifa Externa Comum (TEC) como um escudo anti-China. Com a pressão protecionista viria "um período de oportunidades para aprofundar mecanismos institucionais no interior do bloco, incluindo um sistema monetário próprio". (Ver quadros na pág. 8)
"Falta um projeto para o país, no sentido mais amplo", diz Laércio Cosentino, presidente da Totvs, uma das maiores empresas da área de sistemas de gestão. Em sua opinião, "não é com eleições a cada quatro anos que vamos mudar o país". Um exemplo de projeto nacional, a seu ver, é o da China, que exige a a participação de 51% de capital local nas empresas abertas por lá. "Precisamos fortalecer o nosso mercado e o setor de tecnologia, para gerar empregos de alto valor agregado e oferecer, assim, melhor remuneração ao trabalho." A estabilidade de que o país precisa para crescer de modo sustentado também poderia ser assegurada pela confluência desses fatores.
Cosentino defende a ampliação da participação no debate sobre o futuro do país. Um fato que chamou sua atenção ocorreu durante palestra para jovens empreendedores, em Minas Gerais. Cosentino perguntou aos 900 presentes se havia alguém se preparando para atuar na política. Apenas um levantou a mão.
Esse alheamento, a seu ver, deve-se ao fato de que a iniciativa privada se descolou da área pública. "Criamos um descompasso entre o Brasil empreendedor e o setor governamental." Cosentino entende que, depois da abertura de mercado e da consolidação da democracia, "a sociedade deixou a gestão pública para trás".
"O Brasil é mais dinâmico que seus governantes", diz Glauco Arbix, professor da USP, onde coordena o Observatório de Inovação do Instituto de Estudos Avançados. Para ele, a classe política vive no tempo dos coronéis, da corrupção, e não está preparada para responder aos desafios que o país deve enfrentar.
A consolidação da democracia é sempre apontada como um dos principais fatores que levaram o Brasil a uma condição de previsibilidade, fundamental para se estabelecerem objetivos de longo prazo. Contudo, o processo, que começou com a promulgação da Constituição de 1988, ainda está incompleto e pode afetar o ritmo do crescimento e atrasar as mudanças necessárias para modernizar o país, avalia Oscar Vilhena Vieira, professor de direito constitucional da escola de direito de Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. "Temos um sistema democrático estável, comparável ao de países desenvolvidos, como Estados Unidos e Alemanha, mas o estado de direito não evoluiu na mesma velocidade", afirma. A consequência mais danosa é que a sociedade não toma a lei como razão de conduta. "O Estado não aplica a lei com a devida imparcialidade e eficiência. Isso gera desconfiança, insegurança jurídica e erosão social."
Os intermináveis debates sobre a reforma do regime tributário têm jogado para o futuro a resolução de questões que, mantidas intocadas, agravam as desigualdades. O pobre paga mais do que o rico por causa da tributação indireta. Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os 10% de menor renda da população brasileira destinam 32,8% de seus ganhos para o pagamento de impostos, enquanto os 10% da faixa superior desembolsam 22,7%. "O Estado tributa mal. Tira de quem tem menos e não devolve na mesma medida. Nossa Constituição é bipolar, pois é ao mesmo tempo distributivista e regressiva. Aparentemente, é generosa e distribui, mas na prática não é", afirma Vilhena. São questões, as tributárias, que precisam ser reequacionadas no mesmo passo em que se deveria cuidar da reforma política.
O professor da FGV entende que o arranjo federativo brasileiro produz um impacto negativo sobre a governança mais eficiente. A composição do Senado é um exemplo. Cada Estado tem três senadores, independentemente do número de habitantes. "Com isso, os estados menores predominam e reforçam o poder das elites, que cobram caro para não bloquear o governo. Essa situação pode levar ao descontrole fiscal", afirma. O desenho constitucional, a seu ver, supervaloriza os pequenos estados, pois não faz justiça ao critério populacional.
Apesar dos avanços, a Constituição de 1988 reforçou, segundo Vilhena, a relação clientelista com o Poder Executivo. A capacidade arrecadatória dos estados e municípios não é compatível com as atribuições estabelecidas pela Constituição. Há uma dependência dos repasses do governo federal nas áreas de saúde, educação e segurança pública. "Os estados têm poder político no Senado, mas são pobres, não têm capacidade financeira e vão pedir ao Executivo. O poder de voto no Senado é usado como barganha para negociar", diz.
São sinais de atraso político, que se refletem sobre a qualidade do debate a respeito do futuro do país e inibem a formulação de políticas públicas renovadoras das possibilidades de desenvolvimento em sentido amplo.
De todo modo, além da consistência dos fundamentos macroeconômicos e da preservação do valor da moeda, houve, sobretudo nos últimos seis anos, expressiva melhora na distribuição de renda, como apontam vários indicadores. Em 15 anos, o trabalho infantil no país caiu 50%, a classe média saltou de um terço para 50% do total da renda brasileira e 32 milhões de pessoas ascenderam socialmente. São números que, um dia, não passavam de projeções espelhadas num horizonte distante, o longo prazo da época.
Olhando agora para a frente, Louis Bazire, do BNP Paribas, acredita que o Brasil leva vantagem em vários aspectos sobre outros emergentes. "Enquanto a China possui 20% da população mundial e 6% da terra agricultável, no Brasil as proporções se invertem, praticamente com os mesmos números."
A produção de alimentos não é a única vocação que Bazire enxerga para o Brasil. Ele acredita que, pela força e dinamismo da economia, o Brasil deve se firmar como centro financeiro da América do Sul, atraindo empresas de outros países da região para engrossarem o mercado de capitais capitaneado pela Bolsa de São Paulo.
Na visão de Oriovisto Guimarães, presidente do grupo Positivo, um dos maiores fabricantes de computadores do país, com interesses também na área educacional, o curto período de estabilidade vivido pelo país ainda não é suficiente para garantir crescimento sustentado no futuro. Para que o Brasil atinja a condição de potência econômica nos próximos 20 anos, ele defende a execução de um programa de governo, sobre o qual parece haver consenso entre seus pares, centrado na modernização do marco regulatório da infraestrutura - em especial, energia, portos, aeroportos e transportes - para atrair capitais privados, a recuperação da capacidade de investimento do governo e mais recursos para educação e tecnologia.
Glauco Arbix, ex-presidente do Ipea, lembra que é fundamental remover o obstáculo da desigualdade social. "Com a industrialização acelerada, que elevou o Brasil da condição de cafezal dos anos 1930 para oitava economia do mundo nos anos 1980, nos tornamos um dos países mais injustos e desiguais." O processo de inclusão, a seu ver, deve ser sustentado por mecanismos de inovação que abram espaço para o empreendedorismo. "Não adianta trazer para o mercado milhões de pessoas se não conseguirmos aproveitar a capacidade delas de trabalhar ou abrir seu próprio negócio. Se não completarmos esse ciclo, seremos responsáveis por um dos maiores desperdícios da história, pois corremos o risco de fazer a inclusão e depois excluir essas pessoas depois de dois ou três anos."
Para o economista Marcelo Neri, e chefe do Centro de Pesquisas Sociais da FGV-RJ, o Brasil trouxe os pobres ao mercado, nesses últimos anos, o que ajudou as empresas a saírem da crise. "Agora precisamos dar o mercado aos pobres, oferecendo educação de qualidade e outros mecanismos, como microcrédito e microsseguro."
Isoladamente, é provável que a ausência de uma educação primária pública de massa e de alta qualidade seja a principal restrição que o Brasil enfrenta hoje para sair da condição de "emergente" e ocupar lugares de relevância conclusiva entre as maiores economias, observa Renato Perim Colistete, professor da FEA/USP. "Não que tal restrição impeça o crescimento econômico, pois o Brasil se constitui num exemplo clássico de que crescimento econômico acelerado convive, e bem, com alta desigualdade. Mas para falar em crescimento sustentado, com melhor distribuição de renda e socialmente mais justo, a educação primária teria de ser elevada à condição de prioridade nacional nas próximas décadas."
"As políticas públicas voltadas à educação básica", lembra Colistete, "sempre foram extremamente limitadas, atingindo uma parcela marginal da população, apesar da consciência que se tinha, desde o século XIX, que isso representava um dos principais fatores de atraso do Brasil em relação aos Estados Unidos e Europa. Com o poder político concentrado nas mãos de poucos, a demanda por educação básica de massa nunca passou de uma bandeira de idealistas, se muito."
Hoje, segundo Colistete, a educação primária pública atinge formalmente a maioria das crianças, "mas continua tão segregadora como antes, dada a baixíssima qualidade do ensino oferecido nas escolas, resultado da baixa prioridade e do pouco caso com que continuam sendo tratados os alunos, os professores e a escola pública primária em geral".
Com a colaboração de Cyro Andrade


Inovação e tecnologia ainda não deslancharam
De São Paulo0
8/01/2010
Ana Paula Paiva/Valor
Laércio Cosentino sente falta de um projeto nacional, do tipo que a China adotou: "Não é com eleição a cada quatro anos que vamos mudar o país"
Além de aumentar sua capacidade de poupança e de investimento, o Brasil também precisa melhorar a produtividade e investir mais em inovação, segundo o professor Glauco Arbix, coordenador do Observatório de Inovação do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo.
Arbix defende um modelo de internacionalização das empresas brasileiras, com expansão em áreas intensivas de tecnologia, como forma de elevar a competitividade da economia. A China, segundo ele, destinou em 2009 US$ 200 milhões para essa finalidade. A maior exposição internacional é uma forma de absorver novos conhecimentos e aperfeiçoar os processos de inovação.
A produtividade no Brasil, segundo Arbix, não cresce de maneira virtuosa, sustentada na inovação e tecnologia. "Esse é o meio mais nobre de se elevar a produtividade, porque se baseia na qualificação e uso pleno do potencial das pessoas."
Embora participe com 2% do PIB mundial, o Brasil é responsável por apenas 0,2% das patentes registradas. De acordo com a revista "The Economist", a Coreia do Sul registrou 30 vezes mais patentes que o Brasil, lembra Jean-Pierre Lehmann, professor International Institute for Management Development (IMD), uma das maiores escolas de negócios da Europa. A meta conjunta do governo e empresas é elevar o investimento em pesquisa e desenvolvimento para 1,5% do PIB em 2010. "Para a próxima década, isso será crucial para fazer do Brasil uma economia mais dinâmica e inovadora. O país precisa dar enormes saltos na produtividade, a fim de de alavancar sua classificação de competitividade", afirma Lehmann.
Gustavo Lourenção/Valor
Glauco Arbix vê o Brasil mais dinâmico que os governantes: para ele, os políticos continuam no tempo dos coronéis e não estão preparados para responder aos desafios que o país deve enfrentar
A tendência no Brasil é de, nos períodos de crise, adiar os projetos de maior risco e postergar as decisões que geram a inovação. "As economias mais aguerridas fazem exatamente o contrário", diz Arbix ao relacionar Nokia, Microsoft, Google e Samsung como exemplos de empresas que nasceram, cresceram e globalizaram seus negócios em momentos em que as condições não eram as mais favoráveis.
O investimento em tecnologia é fundamental para o Brasil permanecer em vantagem nas áreas de produção de alimentos e de energia. "Já somos uma potência verde", diz. Arbix acredita ser esse o grande trunfo do país em relação ao resto do mundo. Na área de energia, por exemplo, ele avalia que o Brasil está anos à frente da grande maioria dos países. "Somos um exemplo único no mundo porque temos uma matriz energética limpa e diversificada." Com energia farta é possível, ao mesmo tempo, sustentar a produção agrícola.
O Brasil, segundo Arbix, é uma potência imbatível no etanol de primeira geração (extraído da moagem da cana). Trata-se de uma vantagem transitória, porém, pois já há pesquisas para desenvolver tecnologias de segunda geração - a partir da celulose. Para Arbix, a boa notícia é que o Brasil também investe nesse tipo de pesquisa e, desta vez, contando com a participação de empresas como Oxiteno, Braskem e Petrobras.
Como cada uma delas trabalha em áreas diferenciadas, Arbix julga importante a iniciativa do Ministério da Ciência e Tecnologia de instalar um centro de pesquisa de etanol de segunda geração em Campinas, no modelo multibancada. Trata-se de um grande laboratório público, porém integrado com as pesquisas de empresas privadas. "É um arranjo institucional forte, porque se pretende promover a convivência de várias vertentes de pesquisa, sem saber a priori qual será a mais promissora."
Em relação às reservas do pré-sal, Arbix observa que o Brasil poderá não só extrair quantidades até então impensáveis de petróleo, mas também desenvolver tecnologia para injetar carbono em águas profundas e, assim fazer, a compensação ambiental do processo. "Pelos estudos disponíveis, será possível injetar 20% a mais de carbono do que a quantidade produzida no processo de extração de petróleo. Significa que o Brasil terá condições de utilizar uma velha fonte fóssil, mas de uma maneira como se estivesse plantando florestas."
Com a utilização mais intensiva da energia hidrelétrica, o Brasil , na visão de Arbix, pode se tornar uma potência energética com características diferentes e mais vantajosas do que China e Índia. "A comparação é favorável também em relação à Rússia, que é grande produtora de petróleo, mas adota políticas devastadoras para o meio ambiente." (EPA)


"É necessário reorientar as preocupações e os termos do debate"
Cyro Andrade, de São Paulo
08/01/2010
Antoninho Perri - Ascom/Unicamp
Cláudio Dedecca: "Construímos uma reflexão constrangida pelos problemas da crise prolongada
O Brasil tem um "potencial enorme de desenvolvimento" a ser utilizado na próxima década, avalia Cláudio Salvadori Dedecca, professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, que assim justifica seu otimismo: "Deslocamos uma das restrições históricas ao crescimento, a dependência energética. Na metade da década de 1980, 2 de cada 3 dólares de divisas eram destinados à importação de petróleo. Hoje, o país tem autonomia nesta e em outras fontes de energia, em especial nas consideradas limpas. Também possui importante capacidade de produção agrícola, em um momento que o mundo discute o crescente risco da segurança alimentar. Temos um parque produtivo industrial e um mercado interno extremamente importantes. Reduzimos a dependência externa em termos de financiamento, temos um padrão de inflação baixíssimo para a história econômica do país e uma situação de controle e gestão das contas públicas inéditos, além de políticas industriais e sociais robustas. São condições que o país jamais conheceu. Cabe a nós brasileiros aproveitar esta oportunidade para produzir um desenvolvimento menos desigual e equilibrado do ponto de vista ambiental."
O grande desafio, afirma Dedecca, está em pensar uma nova estratégia de desenvolvimento. "Os mais de 20 anos de estagnação corroeram nossa capacidade de pensar o futuro, construímos uma reflexão constrangida pelos problemas da crise prolongada. É necessário reorientar o campo de preocupações e os termos do debate econômico e social, reposicionar as preocupações para a construção de uma estratégia de desenvolvimento que potencialize as vantagens atuais e identifique claramente seus obstáculos. Dois deles são evidentes e siameses, as reformas tributária e política.
A seguir, outros trechos da entrevista que Dedecca concedeu ao Valor.
Valor: Por que o Brasil não pôde construir melhores indicadores econômicos e sociais há mais tempo?
Cláudio Salvadori Dedecca: Além dos fatores políticos, como os governos militares e a preservação de oligarquias que garantiram um padrão de posse da terra perverso, o Brasil conviveu nas últimas décadas com restrições econômicas internas e externas importantes. Entre 1930 e 1980, o país cresceu aceleradamente, reproduzindo desequilíbrios sociais intensos. Na democratização, pensava-se que um novo marco legal, que reorganizasse o Estado em direção à democracia, bastava para corrigir o padrão de crescimento anterior. Mesmo considerando acertada essa perspectiva, não foi possível colocá-la em prática, pois as restrições externas e os desequilíbrios internos econômicos eram enormes. Além disso, os desafios para a construção de um Estado democrático eram e continuam sendo ponderáveis. Mesmo assim, o Brasil é, provavelmente, o único país em desenvolvimento que tem um conjunto robusto de políticas industrial, social e de ciência e tecnologia, fundado em instituições consolidadas. Em outros países, a política conservadora destruiu o Estado e as políticas públicas. No Brasil, esse processo ocorreu, mas não com a mesma intensidade. As novas condições econômicas e essas instituições explicam a capacidade do país para enfrentar a crise atual.
Valor: A produtividade é considerada um fator de primeira ordem para se ter um crescimento sustentável. Como se podem comparar desempenhos, sob esse aspecto, entre o Brasil e outros países?
Dedecca: Em um contexto de estagnação, ganhos produtivos são sinônimo de racionalização econômica, fundam-se basicamente em reduções de custos. Elevar a produtividade de modo consistente, em termos tecnológicos e humanos, requer crescimento e desenvolvimento, pois depende de um circulo virtuoso de produção, renda e consumo. A América Latina não conhece isso faz muito tempo. E, dentre os países da região, o Brasil é aquele com maior possibilidade de restabelecer uma trajetória virtuosa. Nos últimos anos, tivemos sinais claros desse potencial. Pela primeira vez, o país conheceu a possibilidade de crescimento com desenvolvimento produtivo e social, com distribuição de renda, recomposição do tecido produtivo, início de recuperação da infraestrutura e melhoria dos indicadores sociais.
Valor: Quais têm sido as influências (favoráveis ou desfavoráveis) da globalização intensificada sobre as capacidades nacionais de criar instituições que podem pavimentar o caminho para o crescimento em países menos desenvolvidos?
Dedecca: A integração dos mercados pode ser um movimento positivo, pois abre a possibilidade de reduzir as desigualdades entre países e regiões. Mas também pode resultar no contrário, caso inexistam políticas públicas multilaterais que promovam uma integração equilibrada. Nestes últimos quase 40 anos, o processo assumiu características perversas, sendo a financeirização a mais explícita. A história do capitalismo mostra que, quando os mercados financeiros conduzem a dinâmica econômica, o resultado final é trágico. O debate recente sobre segurança alimentar e mudanças climáticas também mostra os problemas dessa integração torpe. A crise abriu a possibilidade de o mundo pensar uma outra forma de integração, mais justa socialmente. Espero que as nações sejam capazes de concretizá-la. No caso da América Latina, o Brasil tem jogado um papel importante no sentido de os países atuarem articuladamente e iniciarem a adoção de políticas estratégicas em um mundo baseado em economias mais abertas. Mesmo que de modo difícil, os países sul-americanos têm avançado em um política energética integrada, que será fundamental para o desenvolvimento nas próximas décadas.
Valor: É correto dizer que a crise recente tornou claro que governos devem ser mais intervencionistas para garantir crescimento econômico sustentável?
Não existe processo econômico e social que não tenha aspectos positivos e negativos. E a intervenção do Estado na economia carrega esse dilema. Entretanto, é preciso deixar claro que o desenvolvimento capitalista construiu uma estrutura institucional tão complexa que torna impossível que o mercado seja o lócus privilegiado de regulação econômica e social. As instituições são extramercados e de natureza política. Sendo assim, é inevitável que o Estado tenha papel relevante na regulação da economia. Todos os grandes pensadores, independentemente da matriz ideológica, apontaram essa particularidade da sociedade capitalista. Ocorre que o desenvolvimento capitalista exige transformações recorrentes do papel regulador do Estado. Nos últimos quase 40 anos, o pensamento conservador vendeu e fez vingar a ideia que o capitalismo poderia se desenvolver sem a regulação estatal, que os mercados seriam eficientes, que mercados e Estado não poderiam ter funções convergentes. A crise atual é produto desse desvario, que trouxe a necessidade de uma regulação emergencial do Estado, com um custo econômico e social estratosférico. A experiência brasileira recente mostra que é possível construir uma regulação estatal que gere eficiência, crescimento e desenvolvimento.



Restou para o Brasil a montagem de kits importados
O custo do déficit tecnológico em eletrônica
André Korottchenko de Oliveira e Luiz A. Meirelles
11/01/2010
EUA, Alemanha e Japão importam tecnologias que são melhoradas e, depois, exportadas para todo o mundo
A importação de tecnologia é vital para o desenvolvimento industrial, principalmente nos países em desenvolvimento. O Japão nas décadas de 50/60 e a Coreia do Sul na década de 70 são exemplos de países que importaram tecnologia para desenvolver suas indústrias, principalmente no setor eletrônico. E nem mesmo países desenvolvidos detêm internamente toda a tecnologia que utilizam: de 1998 a 2007 os EUA gastaram U$$ 259 bilhões com importação de tecnologia em valores correntes, a Alemanha gastou US$ 244 bilhões e o Japão US$ 48 bilhões, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Em contrapartida, esses países também obtiveram receita com os royalties decorrentes de tecnologia própria exportada para outros países no mesmo período. Os EUA faturaram US$ 577 bilhões, a Alemanha US$ 237 bilhões e o Japão US$ 136 bilhões licenciando tecnologia. Isso demonstra que os maiores importadores de tecnologia são também aqueles que mais exportam tecnologia, indicando uma correlação positiva entre importação tecnológica e desenvolvimento tecnológico endógeno.
Ao contrário do que se pode imaginar, o Brasil importa pouca tecnologia, mesmo após a abertura econômica da década de 90, quando ocorreu um relaxamento geral nas restrições à importação. Nos últimos dez anos, remetemos ao exterior apenas US$ 13 bilhões na rubrica de tecnologia não incorporada em máquinas ou componentes, com uma média de 1.600 contratos averbados/ano.
No Brasil, a importação formal de tecnologia requer contratos averbados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), assim o contrato produzirá efeitos em relação a terceiros e permitirá remessa de royalties à detentora da tecnologia no exterior com a autorização do Banco Central do Brasil.
Existem vários tipos de contratos de tecnologia, tais como os de Fornecimento de Tecnologia não patenteada, os de Serviços de Assistência Técnica e os de Exploração de Patentes, sendo que um mesmo contrato pode abranger diversas categorias contratuais. Porém, é na categoria de Exploração de Patentes que se encontram as tecnologias mais avançadas e, em média, apenas 28 contratos por ano foram averbados no INPI nessa categoria nos últimos doze anos.
As tecnologias de eletrônica, vitais para o Japão e para a Coreia, além de serem das mais dinâmicas no que se refere à inovação, têm a vantagem estratégica de serem transversais, pois influenciam diversas indústrias. No entanto, desde 1997 o INPI tem averbado em média apenas três contratos por ano envolvendo patentes em eletrônica, menos que 1/9 do total de 28 contratos averbados para tecnologias patenteadas. Uma explicação para esse fato é que a tecnologia em eletrônica está cada vez mais incorporada nos componentes, que são importados, e assim praticamente não há demanda nacional para importação de tecnologia patenteada em eletrônica.
Restou para a indústria brasileira, sobretudo a montagem de kits importados. Isso ocorreu e ainda vem ocorrendo, por exemplo, no caso dos monitores e televisores com tecnologia LCD (tela de cristal líquido), que têm registrado vendas crescentes no Brasil nos últimos anos e cujos componentes, incluindo a tela de LCD, pagam frete barato devido ao seu baixo peso e volume unitário. Não há produção local dos componentes, nem tampouco importação de tecnologia para fabricação. Cenário diferente ocorreu para os televisores e monitores com tecnologia CRT (tubo de raios catódicos), onde há produção local, pois o custo de importação seria proibitivo em função do elevado peso do tubo e do maior risco de avarias.
É notável, ainda, que quase metade dos contratos de importação de tecnologia patenteada em eletrônica tenha à frente, por parte do receptor da tecnologia, empresas não relacionadas ao setor eletrônico, de acordo com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), tais como as empresas de "atividades cinematográficas e de vídeo"; ou de "edição de discos, fitas e outros materiais gravados"; ou de "fabricação de discos e fitas virgens".
Tais empresas fabricam, entre outros produtos, suas próprias unidades de CD, DVD e Blu-Ray e remetem royalties sobre o preço líquido de cada unidade vendida, visto que tais tecnologias são objeto de patentes em vigor no Brasil de propriedade de multinacionais estrangeiras. Isto parece um indício de que, além de pouco expressiva, a importação de tecnologia patenteada em eletrônica por empresas brasileiras é direcionada apenas para o uso. Pode-se supor que os receptores de tecnologia nessa condição não terão possibilidade de absorção nem desenvolvimento dessas tecnologias pois a fabricação de produtos eletrônicos não é o seu negócio principal.
Observada em detalhes, a insignificante importação de tecnologia mais avançada em eletrônica indica que o Brasil ainda está dependente tecnologicamente, ao invés de expressar uma capacidade de assimilação, criação e consequente autonomia tecnológica. Há lacunas graves na cadeia de produção de componentes eletrônicos no Brasil. É uma situação muito precária, considerando-se a relevância da eletrônica nas bases técnicas contemporâneas. Faz-se necessária uma política de expansão da capacitação tecnológica brasileira em eletrônica, na qual um aumento da importação de tecnologia, se bem orientado como foi nos países asiáticos que hoje são grandes exportadores nesse setor, será apenas parte de um investimento positivo para reverter o atual déficit tecnológico em eletrônica em direção a nossa soberania tecnológica nacional.
André Korottchenko de Oliveira é engenheiro eletrônico e consultor.
Luiz Antonio Meirelles é engenheiro de produção e professor da Escola Politécnica da UFRJ.




DESENVOLVIMENTO
Coutinho quer mais investimento em inovação
ANA CAROLINA DANICOLABORAÇÃO PARAA FOLHA, EM PARIS
O Brasil quer maior participação do setor privado para aumentar a capacidade produtiva e estimular investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Ao participar do Fórum Econômico Internacional América Latina e Caribe, realizado ontem, em Paris, o presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Luciano Coutinho, disse que incentivar a inovação é um dos grandes desafios do Brasil.Segundo ele, é necessário esforço de inovação e de mobilização para que, nos próximos quatro anos, o setor privado passe a investir o dobro do que faz atualmente. "O esforço privado é atualmente de 0,5% do PIB do país, e o objetivo é chegar a 1%.
"Coutinho enfatizou que as economias dos países desenvolvidos investem entre 2,5% e 3% em projetos de inovação e que a maior parte desse investimento é feita pelo setor privado. No caso do Brasil, que hoje investe 1,1% do PIB, a ideia é chegar a um investimento total de 2%.
"Apesar de ficar abaixo da média dos países ricos, esse aumento já representaria um esforço grande ", afirmou Coutinho.A estratégia do governo brasileiro é sensibilizar as pequenas e médias e as grandes indústrias. Em parceria com os ministérios da Ciência e Tecnologia e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o BNDES vai participar de uma ampla campanha de informação para sensibilizar os industriais e divulgar os incentivos que, hoje, já são oferecidos pelo governo, como o crédito a juros reduzidos.



Os bancos centrais e a volta do Estado-balofo
Antonio Delfim Netto
12/01/2010
No início de 2010, talvez seja possível assegurar que o nosso crescimento ao longo do ano será qualquer coisa entre 5% ou 6%, com relação a 2009. O que não estão garantidas, entretanto, são a "qualidade" desse crescimento e a probabilidade de sua manutenção em 2011, 2012... Como é evidente, isso está ligado à política econômica (fiscal e monetária) e à "qualidade" e "dimensão" do investimento que ela induzirá o setor privado a realizar.
Quanto ao Estado, a política de boa governança está a recomendar: 1) o controle rigoroso das despesas de custeio; 2) uma atenção maior ao problema previdenciário e trabalhar pela aprovação do projeto de lei que "dorme o sono dos injustos" no Congresso desde 2003. Se aprovado, ele iniciará a correção da mais indecente discriminação nacional entre os benefícios recebidos pela burocracia (do Executivo, do Legislativo e do Judiciário), que se apropriou do poder, e os recebidos pelos trabalhadores do setor privado que a sustenta pagando os impostos; 3) um aumento significativo dos investimentos governamentais em infraestrutura. A miserável tragédia humana a que todos assistimos estarrecidos, no fim de 2009, mostra com clareza a falta de prioridade governamental, que preferiu dissipar em custeio (com os já beneficiários pelo poder) em lugar de atender aos desassistidos; e 4) uma política econômica que induza o setor privado a investir na nova economia de baixo carbono e inicie a entrada do Brasil no século XXI.
É ridículo imaginar que esta é uma sugestão de "Estado mínimo". Pelo contrário, é uma sugestão de um Estado inteligente (se isso, no Brasil, não for um oximoro!), com menos gordura (menor tamanho físico) e mais musculatura (maior produtividade).
É claro que uma parte importante da ação estatal estará nas mãos do nosso Banco Central, que é autônomo e tem credibilidade, o que é bom. Toda pesquisa empírica tem sugerido que a "expectativa de inflação" que o setor privado formula é uma poderosa força para determinar a taxa efetiva de inflação. Dessa forma, qualquer preocupação do setor privado com relação à taxa de inflação futura força uma elevação da taxa presente, em resposta à qual exige-se a combinação da credibilidade com a disposição de agir do Banco Central. Todos sabemos que isso é fácil propor, mas difícil de realizar.
Os "modelos" utilizados pelos bancos centrais estão longe de fornecer segurança às suas decisões. Além do mais, exigem o conhecimento de parâmetros (como é o caso do "produto potencial") que, mesmo quando estimados por sofisticados métodos econométricos, não têm como não ser meras projeções do passado. A questão mais fundamental é que a teoria monetária que conhecemos está em permanente revisão e ainda deixa muito a desejar para transformar-se numa "ciência monetária". O grande problema é que os bancos centrais sempre se consideraram portadores dessa "ciência" do vir a ser...
A prova mais cabal dessa proposição foi a confissão do competente chairman do Fed, o grande economista Ben Bernanke, diante de uma plateia de economistas. Na American Economic Association, ele disse (no dia 4 de janeiro de 2010!) que o Fed não aceita mais a hipótese que não deve intervir para "explodir as bolhas" (antes, a filosofia era assistir à explosão e depois recolher os cacos...) e acrescentou: "Ainda temos muito a aprender sobre a melhor maneira de fazer a política monetária para responder às ameaças sobre a estabilidade financeira nesta nova era".
O que é certo, é que as políticas dos bancos centrais (apoiadas até aqui numa pseudo "ciência monetária") produziram a maior crise desde a segunda metade do século XX. Esta expandiu-se para o setor real da economia do mundo, causando miséria e desemprego, sem que isso os envergonhasse. Eles até hoje fingem que nada têm a ver com ela! Para resolvê-la, apelaram, sem cerimônia, para o "salvador de última instância", o Estado, cuja intervenção sempre condenavam! O maior desserviço dos bancos centrais no longo prazo, entretanto, foi recriar, nos países subdesenvolvidos, a ideia que o "Estado-balofo" é o substituto para o Estado-indutor...
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
E-mail: contatodelfimnetto@terra.com.br



ANTONIO DELFIM NETTO
Sismondi!
A SEGESTA Editora (http://www.segestaeditora.com.br/), de Curitiba, acaba de publicar o nono volume de sua imperdível coleção "Raízes do Pensamento Econômico". Trata-se de empreitada do maior alcance para a ampliação da nossa cultura econômica. As traduções são esmeradas, e a escolha dos textos, cuidadosa.
O nono volume da coleção é a obra clássica de Jean-Charles Léonard Simonde de Sismondi, "Novos Princípios de Economia Política", cuja primeira edição é de 1819.
A segunda é de 1827. Não poderia haver melhor oportunidade para servir Sismondi aos nossos jovens economistas do que o momento atual, quando o fracasso da administração econômica dos países transformou o Estado que prejudicava os "mercados" em seu "salvador de última instância"!
Para Sismondi, o Estado não é um corpo estranho na atividade econômica, mas parte integrante e decisiva para a sua boa realização. O papel do Estado no desenvolvimento econômico que olha para os menos favorecidos pela sorte é o fio condutor do seu pensamento.
Para ter uma ideia da importância de Sismondi, bastam duas indicações: 1ª) O mais distinto dos marxólogos, Maximilien Rubel, afirmou que, para Marx, Sismondi foi tão importante quanto Hegel; 2ª) a grande Joan Robinson disse que, na "Teoria Geral", Keynes deveria ter dado crédito a Sismondi, e não a Malthus, porque aquele é o seu verdadeiro precursor. Aos 30 anos, Sismondi publicou o livro "De La Richesse Commerciale, ou Principes d'Economie Politique", uma habilíssima exposição das doutrinas de Adam Smith. O livro consagrou-o como economista, a ponto de ser convidado para a cátedra de economia política da Universidade de Wilna.
Sismondi era um observador pragmático. Na sua visita à Inglaterra em 1819, ele testemunhou um quadro pavoroso. Uma crise financeira e industrial se abatia sobre o país, derrubando os salários abaixo do nível de subsistência, o que não encontrava explicação em Adam Smith. Isso levou Sismondi à reflexão que constitui os "Novos Princípios de Economia Política", que a Segesta põe agora à disposição de nossos economistas em excelente edição.
Sismondi recusou a Lei de Say, de que a "oferta cria sua própria procura"; desenvolveu uma noção clara do circuito econômico; antecipou o problema da demanda efetiva; introduziu um modelo dinâmico com variáveis datadas etc.
Ele anteviu o Estado do bem-estar e as modernas preocupações com a justiça social. No fim, o "socialista pequeno-burguês" (como a ele se referia Marx) foi mais conforme com o futuro do que o "socialismo científico". Que ninguém perca esse banquete!
contatodelfimnetto@uol.com.br
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.


O impasse no Estado
Marcio Pochmann
12/01/2010
A trajetória recente do desenvolvimento brasileiro permite que o debate político atual possa se concentrar cada vez mais sobre o futuro próximo que o conjunto da sociedade almeja para o país. Até pouco tempo, contudo, o foco das discussões encontrava-se aprisionado, quando não no passado, na emergência do "curtoprazismo".
Esse patamar de maturidade alcançado ao longo dos últimos 25 anos pelo processo de consolidação democrática resulta de certos êxitos obtidos pelo reposicionamento do Estado mais recentemente. Recorda-se que a reforma do Estado defendida na década de 1980 terminou sendo inviabilizada pela forma com que as alianças políticas em prol da redemocratização foram conduzidas.
A nova República teve o inegável mérito de consagrar tanto a transição democrática como a geração da Constituição Federal que reconectou o país nas possibilidades contemporâneas de modernização. Nos anos 1990, contudo, o Estado foi tratado como fundamento principal dos problemas nacionais, passando, por conta disso, por medidas de desconstrução que apontaram para um dos maiores procedimentos de concentração de renda e riqueza da história nacional. Três foram os principais procedimentos adotados para consagrar a brutal transferência de ativos financeiros e econômicos do país. O primeiro referiu-se à opção dos governos de plantão pela elevação do endividamento público, o que permitiu transferir - em menos de uma década - cerca de 1/5 do Produto Interno Bruto (PIB) à cúpula da pirâmide social na forma da financeirização da riqueza.
O segundo procedimento se deu por intermédio do processo de privatização do setor produtivo estatal. Quase 1/6 do PIB foi transferido da propriedade pública para mãos privadas nacionais e estrangeiras, o que possibilitou transformar os já muito enriquecidos nacionalmente em super ricos na escala global. Por fim, o terceiro procedimento resultou do dramático aumento da carga tributária no país. Acontece que a elevação da tributação no montante equivalente a 1/10 do Produto Interno Bruto nacional se deu fundamentalmente sobre a base da pirâmide social brasileira. Ou seja, a população com remuneração de até dois salários mínimos mensais, que pagava tributos responsáveis pela absorção de quase 1/3 de seu rendimento, passou recolher quantia equivalente à metade de seus ganhos mensais. Na cúpula da pirâmide social, a ausência de tributos específicos, bem como a ação do planejamento tributário, continuou permitindo a evasão contributiva continuada da arrecadação tributária nacional.
Em pleno regime de débil dinamismo produtivo, o ajuste fiscal permanente promovido pelas políticas governamentais da década de 1990 favoreceu significativamente os interesses da parcela privilegiada dos brasileiros. Nesse sentido, observa-se que o Estado era concebido como problema enquanto incapaz de oferecer alternativas necessárias à sustentação da riqueza aos segmentos impossibilitados de elevar seus ganhos por meio do baixo dinamismo produtivo. A opção pela macroeconomia da financeirização da riqueza, fundada no ajuste "permanente" das finanças públicas, abriu caminho para que quantia equivalente a 45% do PIB fosse transferida de pobres para ricos no Brasil conduzido pelo neoliberalismo.
A recente volta do vigor econômico apontada pela maior dinâmica do setor produtivo, que cresce quase duas vezes mais que a experiência da década de 1990, permitiu novas escolhas para o reposicionamento do Estado nacional. Sem o abandono do compromisso com a estabilidade monetária, foi possível começar a reorientação da condução das políticas públicas, abrindo cada vez mais oportunidades de apoio também à base da pirâmide social.
Em resumo, o Estado deixou de ser tratado como problema, para assumir a condição de parte das soluções do conjunto dos problemas nacionais. Ao mesmo tempo em que o processo de endividamento público retrocedeu em relação ao PIB, o setor público estatal foi orientado para contribuir no financiamento do investimento voltado, entre outras áreas, para a ampliação da matriz energética, da infraestrutura econômica e social. De um lado, bancos públicos vistos como improdutivos e passíveis de privatização foram resgatados e recolocados na marcha da função de apoio à produção e ao desenvolvimento nacional. De outro, empresas estatais que ainda não haviam sido privatizadas foram reconectadas ao esforço maior de executar suas missões de apoio ao crescimento estratégico da produção.
Toda essa reorganização do Estado brasileiro encontra-se incompleta. Mas seus resultados são inequívocos, especialmente em relação à experiência da década de 1990. Há, ainda, muito a ser feito. Mas isso, todavia, comporá parte do debate sobre os rumos do Brasil dos próximos anos. Para onde seguir. No mesmo sentido do fortalecimento do Estado como condição básica do projeto de desenvolvimento nacional com justiça social e sustentabilidade ambiental?
Quando se analisa a situação do conjunto dos municípios brasileiros, percebe-se que a presença do Estado ainda encontra-se insuficiente. Mais da metade dos municípios não conta com agências de banco público e estabelecimento público de cultura, enquanto um a cada três municípios não tem estabelecimentos públicos de saúde para atendimentos de urgência e internação. Somente 2,8% dos municípios possuem estabelecimentos públicos de ensino superior.
O sentido do desenvolvimento nacional depende da superação do impasse nacional em torno do Estado. Em 2010, esse debate prosseguirá, guiando o futuro do Brasil.
Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor licenciado do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas. Escreve excepcionalmente hoje, sua próxima coluna será no dia 28, quinta-feira.



Impossível alcançar três objetivos ao mesmo tempo.
Lições históricas de um trilema
Por Bernardo S. Wjuniski e Ramón G. Fernández
12/01/2010
Escolhas atuais resultam em mais crises gêmeas, maior perda de produto e tempo de recuperação mais longo
Um dos mais conhecidos conceitos econômicos, que possui grande aplicação prática, é o trilema da impossibilidade, também conhecido pelo nome do seu proponente como trilema de Mundell. Ele foi desenvolvido ainda nos anos 1960 por Robert Mundell, prêmio Nobel de economia de 1999 . Mundell observou que numa economia aberta não é possível alcançar três objetivos simultaneamente: permitir a livre mobilidade de capitais; ter câmbio fixo e conservar a autonomia para executar uma política monetária voltada para fins domésticos. A escolha de dois desses objetivos sempre força o terceiro a se ajustar aos outros. Por exemplo, a escolha da livre mobilidade de capitais e da política monetária independente força os países a deixar o câmbio flexível. Neste contexto, o câmbio fixo não é sustentável devido ao livre movimento de capitais, fortemente influenciado pelas variações na política monetária doméstica. Uma situação semelhante ocorre quando outros dois desses objetivos são escolhidos. O trilema sempre impõe restrições e escolhas.
O trilema não é nenhuma novidade, grande parte dos economistas o conhece e entende sua forma de funcionamento e suas restrições. O que possivelmente está fora do conhecimento geral é a história das escolhas desse trilema, e as lições que podemos tirar dela. Desde 1870, época do início do liberalismo moderno, é possível dividir a história do trilema em três grandes períodos, cada um deles com uma escolha distinta. Entre 1870 e a grande crise, o mundo optou pela livre mobilidade de capitais e pelo câmbio fixo. Isso gerou o início do capitalismo global e dos fluxos de capitais internacionais, e também consolidou o padrão ouro, pelo qual todas moedas mantinham uma paridade fixa com o ouro. Naquela época, o mundo abriu mão da política monetária doméstica, e os países não utilizaram a taxa de juros como mecanismo para incentivar a economia ou controlar a inflação. Após a Segunda Guerra Mundial, a escolha mudou. Durante a recuperação, na chamada era de Bretton Woods, os países optaram pelo controle de capitais, podendo assim manter a taxa de câmbio fixa ao tempo que usavam a política monetária doméstica de forma a incentivar a recuperação. Finalmente, após os choques do petróleo e a quebra da paridade dólar-ouro, o mundo optou pela terceira alternativa dentro do trilema. Retomou-se a livre mobilidade de capitais e manteve-se a política monetária independente, abrindo mão portanto do câmbio fixo e iniciando a era de câmbio flexível.
Evidentemente essas escolhas influenciaram o desempenho econômico dos países e também foram fortemente influenciadas pelas conjunturas de cada época. Mas será possível compará-las e tirar lições dessa história? Estudos recentes de importantes historiadores econômicos como Barry Eichengreen, Michael Bordo e Larry Neal têm olhado para esse problema, visando entender os impactos de cada uma dessas escolhas. Uma das maneiras de fazer isso é comparando as crises econômicas de cada um dos períodos, buscando entender o impacto das escolhas na sua frequência e força. O período intermediário, o do predomínio do arranjo de Bretton Woods, é sem dúvida o de menor incidência de crises e de maior estabilidade, justamente devido à escolha pela restrição da mobilidade de capitais. Porém, comparar o período atual com Bretton Woods seja possivelmente injusto. O pós-guerra foi sem dúvida um momento muito particular na história, caracterizado pelo forte crescimento econômico, poucas crises e grande estabilidade.
Entretanto, a comparação de hoje com um período mais similar, o iniciado em 1870, traz lições interessantes. O período entre 1870 e a grande crise é atualmente chamado por historiadores econômicos de "primeira era da globalização", pois foi caracterizada por forte liberalismo econômico e financeiro, grande desenvolvimento tecnológico, crescimento do comércio mundial, enfim, características próximas a globalização que vivemos hoje. Em termos de crise, ambos os períodos apresentam uma frequência similar de crises bancárias, caracterizadas pela quebra de bancos e por corridas por papel moeda. Mas o período recente apresenta grande frequência também de crises de moeda, caracterizadas por grandes fugas de determinadas moedas ou por ataques especulativos. Como resultado, ocorre grande incidência das crises consideradas gêmeas, isto é, que são bancárias e de moeda ao mesmo tempo. Alguns poderiam argumentar que a incidência desse tipo de crise não é resultado da opção pelo câmbio flexível, mas sim do fato de muitos países tentarem quebrar com essa escolha, adotando medidas para manter o câmbio fixo. De fato, diversos países tentaram passar por cima do trilema, fazendo tentativas de defender os três objetivos simultaneamente, mas isso em grande parte se explica como reação pela própria escolha dentro do trilema. É essa escolha que abre espaço para a possibilidade de fugas de capitais e de crises de moeda: as escolhas anteriores não permitiam que os países a desafiassem dessa forma. Nessa linha, não há como negar que a incidência de crises de moeda e gêmeas é consequência da escolha atual do trilema.
Ainda na comparação entre as duas eras de globalização, as crises bancárias também foram similares em ambos os períodos em termos de perda de produto e de velocidade de recuperação. Entretanto, devido à ocorrência de crises de moeda e, consequentemente, com a transformação dessas em crises gêmeas, a perda de produto e o tempo de recuperação acabam se tornando muito maiores no período atual. Além disso, o câmbio flexível leva ao aumento do contágio, e mais países estão sendo afetados pelas crises nas últimas décadas. Evidencia-se, portanto, o fato de que a escolha atual do trilema, apesar de apresentar resultados similares em termos de desenvolvimento econômico ao de um século atrás, tem causado prejuízos maiores em termos de crises para os países. Essa é a consequência da escolha atual do trilema: mais crises gêmeas, maior perda de produto e mais longo o tempo de recuperação.
Muitos poderiam argumentar que esses impactos são resultado da maior integração econômica e do impressionante desenvolvimento dos mercados financeiros nas últimas décadas. Mas será que esse desenvolvimento também não é resultado da escolha no trilema? Obviamente muitos são os fatores que influenciam a ocorrência de crises, mas é inegável que o trilema é um deles. Apesar de que a escolha atual claramente teve esses impactos negativos, não argumentamos aqui que ela está inteiramente errada; também não defendemos como regra geral a adoção de câmbio fixo ou a implementação de controles de capitais, nem uma mudança radical da escolha do trilema. Queremos destacar que a escolha atual gerou e ainda gera consequências complicadas, e que devemos levá-las mais em consideração. Talvez a dimensão da crise atual seja resultado da escolha feita.
Momentos de crise e de grande turbulência são importantes não apenas para discutir como recuperar as economias mas também para refletir sobre como prevenir a ocorrência de novas crises. Devemos repensar se o sistema adotado é realmente o melhor, e se ele não pode ser aprimorado com base nas lições da história. A escolha atual do trilema é dada como definitiva e imutável por muita gente, mas a história mostra que muitas mudanças já foram feitas, e que elas são possíveis. Não podemos deixar passar a oportunidade de rediscutir a atual escolha em uma época em que a economia mundial deu sinais claros de que ela tem criado sérios problemas. Devemos sempre lembrar que, se existe um trilema, existem escolhas; três, para sermos mais precisos.
Bernardo Stuhlberger Wjuniski é analista da Tendências Consultoria Integrada e Mestre em História Econômica pela London School of Economics (LSE), Reino Unido.
Ramón García Fernández é professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EESP)



Conjuntura: Márcio Holland adverte para risco de uma expansão baseada numa "sociedade de curto prazo"
Para professor, país precisa abandonar âncora do consumo
João Villaverde, de São Paulo19/01/2010
Márcio Holland: "Mesmo para o mercado interno, boa parte das manufaturas é importada, fazemos apenas o acabamento"
O grande perigo da economia brasileira não é crescer a taxas próximas a 6% ao ano, mas sustentar este crescimento numa sociedade de curto prazo, que consome no presente e desconsidera o longo prazo. Esta é a avaliação de Márcio Holland, professor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), que considera o ano de 2010 como a grande oportunidade para se realizar um debate acerca dos rumos da economia. Desde a década de 1980, diz Holland, que as condições econômicas não são tão favoráveis. "Nossa inflação está controlada, temos uma sociedade democrática, boa capacidade de diálogo interno e uma situação em que, independentemente de quem ganhar as eleições, a política econômica será parecida com a praticada hoje. São essas condições que nos dão tranquilidade para discutir sobre nossos rumos e escolhas."
Doutor pela Unicamp, com pós-doutorado em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley, EUA), Holland critica a "primarização" da pauta exportadora, mais concentrada em produtos primários que em bens industriais de média e alta tecnologia. Para ele, os manufaturados de maior valor agregado perdem espaço também no mercado interno. "Não consumimos praticamente nada de tecnologia nacional. Pen drives, celulares, quase tudo já chega pronto, restando apenas ser montado".
O economista avalia positivamente o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deixa o Palácio do Planalto no fim do ano. Mas defende um debate sobre os rumos do crescimento sustentado no consumo das famílias e na diminuição do saldo comercial. Abaixo, os principais trechos da entrevista ao Valor:
Valor: Um crescimento forte em 2010, próximo a 6%, o preocupa?
Márcio Holland: É perfeitamente possível que a economia brasileira cresça a taxas superiores a 5% ou 5,5% ao ano nos próximos três ou quatro anos sem gerar pressões inflacionárias. Podemos crescer mesmo com déficit em conta corrente aumentando, com juros altos, câmbio valorizado, com grande carga tributária, aumento da dívida pública e dos gastos correntes e alguma melhora nos investimentos. Quer dizer, podemos manter este modelo de crescimento, com sucesso, no curto e médio prazos sem causar problemas de inflação, até porque os juros são altos e serão elevados, se for preciso. O problema não é crescer fortemente.
Valor: Qual é o problema então?
Holland: A questão está em crescer por muito tempo com este modelo. Temos de nos perguntar: que tipo de economia nós queremos ser? Se pegarmos dados do FMI, veremos que na década de 1950 nossas exportações representavam 2% do total exportado no mundo. Atualmente, estamos com 1%. Se for isso que queremos manter, então não há problema, basta tocar o jogo como está e continuaremos com a ilusão de que somos uma grande potência industrial.
Valor: Mas antes da crise o Brasil não alcançava recordes de exportações, em volume e quantidade?
Holland: Nossas exportações estão cada vez mais baseadas em produtos primários. No passado, 40 anos atrás, os bens primários e as manufaturas intensivas em produtos primários, como suco de laranja, por exemplo, respondiam por 75% de nossa pauta exportadora. Depois do PND II [Plano Nacional de Desenvolvimento II], na segunda metade dos anos 1970, começamos a alterar esse modelo. Os primários chegaram a representar 44% de nossas exportações totais, em 2005, mas desde então eles têm aumentado sua participação. Hoje, representam cerca de 54% e estão crescendo. Nossa situação é até boa quando comparada com os outros países da América Latina, onde os primários respondem por quase 80% das exportações.
Valor: Mas parte das exportações de manufaturados não têm sido desviada para o mercado doméstico em expansão?
Holland: Sem dúvida. A direção do comércio exterior brasileiro mudou. Em 1990, pouco mais de 24% de nossas vendas externas eram para os Estados Unidos, onde a demanda é predominantemente por bens manufaturados. Em 2009, as exportações para os EUA bateram em 12%. No mesmo período, passamos de 1,98% exportado à China para 12,5% no ano passado. O grande problema está aí: 85% do que vendemos para os chineses são produtos primários, com pouquíssimo valor agregado. Estamos reposicionando nossas exportações para a China e para nosso mercado doméstico.
Valor: O mercado doméstico não garante o crescimento do setor industrial?
Holland: Mesmo para o mercado interno, boa parte das manufaturas é importada, fazemos apenas o trabalho de acabamento. Não consumimos praticamente nada de tecnologia nacional. Pen drives, celulares, quase tudo já chega pronto, restando apenas ser montado. Claro, os ganhos de qualidade industrial nos últimos anos é indiscutível. Mas quando se olha perante o resto do mundo, percebemos que estamos aquém do que poderíamos fazer.
Valor: Este é o nosso modelo de crescimento?
Holland: Vivemos o aumento da classe C brasileira, que durante a era Lula passou a constituir a maior parcela da população. Temos uma nova classe média, ganhando mais e consumindo mais, com carteira assinada e maior acesso à crédito. É uma sociedade acostumada com reajustes crescentes do salário mínimo, que cresceu 75% de 1990 até o ano passado. Uma classe que está pronta para consumir agora, no presente, daí essa explosão do consumo varejista. Nosso crescimento elevado é sustentado por essa nova classe média.
Valor: O crescimento forte do PIB, baseado no consumo das famílias, se sustenta?
Holland: Trata-se de uma sociedade de curto prazo, o que é um perigo para o longo prazo. Fazemos um discurso de grande potência internacional, de líder do G-20, mas estamos exportamos menos produtos manufaturados intensivos em tecnologia. Nos últimos dez anos, segundo dados do IBGE, os investimentos da indústria de média e alta intensidade tecnológica aumentaram 22%. Já os investimentos em manufaturas minerais e agrícolas, de baixo valor agregado, cresceram 490%. As pessoas falam que os produtos naturais podem carregar tecnologia, e é verdade. Mas é possível comparar a tecnologia de uma máquina que corta cana a de uma câmera fotográfica ou de um chip de computador? É incomparável. E é este o padrão de sociedade que se perpetua, do Brasil virando uma grande fazenda, onde nosso exemplo de país é a Austrália.
Valor: Qual país poderíamos usar como exemplo, então?
Holland: Sou cético quanto a elegermos um paradigma. Não se repetem experiências como a China, que cresce fortemente há anos. A questão do câmbio, por exemplo, muito criticada como empecilho, não pode ser central no debate macroeconômico brasileiro.
Valor: Mas a moeda não está muito valorizada?
Holland: O câmbio não é o único fator a ser resolvido. A apreciação do real é um problema, sem dúvida. Mas o câmbio não resolve sozinho um problema estrutural, de modelo de crescimento. Entre 2005 e 2008, o real foi a moeda que mais se valorizou no mundo, tendo se apreciado 25% em relação ao dólar. Na outra ponta, África do Sul e Japão, tiveram, no mesmo período, as maiores desvalorizações, de 22% e 20% respectivamente. E o Brasil cresceu mais do que eles no período. Quer dizer, dentro deste modelo, que privilegia o consumo interno, é plenamente possível crescer com câmbio valorizado. Talvez o que essa sociedade queira do câmbio valorizado sejam os produtos do exterior baratos. Não importa o custo do crédito ou quanto vale a taxa de juros básica da economia, porque ninguém se preocupa com isso. Tivemos uma demanda reprimida por mais de 20 anos sem crescimento, entre 1980 e o começo da década de 2000. Quando a sociedade passa a dispor dessa oportunidade de consumo, não vai abrir mão. Nenhum candidato à presidência fará discurso contra isso.
Valor: Como alterar a rota?
Holland: Não será por meio de políticas intervencionistas ou choques, como ocorria no passado. É preciso um plano estratégico que agregue diferentes setores da sociedade para pensar o médio e longo prazos. Politicamente, isso implica mobilizar o Congresso, as assembleias e câmaras para uma reforma política, o que obviamente vai exigir uma discussão popular. Não podemos perpetuar um modelo de crescimento que desconsidera o futuro. Para isso, precisamos de políticos esclarecidos, especialmente em tempos de mudanças climáticas e novas demandas sociais.
Valor: O aumento do déficit em conta corrente, que em proporção do PIB deve dobrar neste ano, alcançando 3%, o preocupa?
Holland: O déficit é financiável, esse que é o problema. Qual investidor, independentemente de sua natureza, não quer um mercado como o nosso? Teremos mais investimentos estrangeiros diretos com certeza. Mas esse tipo de investimento tem impacto negativo na conta corrente, uma vez que ele implica insumos importados e aumento nas remessas de lucros e dividendos no futuro. É amor e ódio, porque amplia nosso crescimento, mas também nosso déficit com o exterior.
Valor: Os EUA dos anos 1990, que cresceram com elevados déficits em conta corrente, moeda valorizada e forte consumo doméstico, poderiam ser nosso exemplo?
Holland: Os Estados Unidos cresceram dessa forma como sociedade desenvolvida. E o que ocorreu décadas mais tarde? Não vai dar certo. Se não deu certo com os ricos, não tem como dar certo com os pobres.
Valor: As eleições deste ano poderão ser um começo?
Holland: Vivemos o grande momento. Desde os anos 1980 não tivemos uma oportunidade para se refletir a economia brasileira como temos agora. Nossa inflação está controlada, temos uma sociedade democrática, boa capacidade de diálogo interno e uma situação em que, independentemente de quem ganhe as eleições, a política econômica será parecida com a praticada hoje. São essas condições que nos dão tranquilidade para discutir sobre nossos rumos e escolhas.
Valor: O que o sr. proporia como primeira pauta de debate eleitoral?
Holland: Não podemos perpetuar essa discussão centrada em Copom, metas de inflação e taxas de juros. Isso é algo errado e já deveríamos ter superado. Precisamos discutir se queremos continuar crescendo como uma economia primária exportadora.
Valor: Que saldo você faz do governo Lula?
Holland: Analisando com responsabilidade histórica, o saldo do governo é extremamente positivo. Imaginávamos, em 2002, uma nova Venezuela, que romperia contratos. Mas houve muita responsabilidade política. Tivemos grandes avanços na microestrutura, com melhora na distribuição de renda, formalização da mão de obra, aumento do emprego. Amadurecemos como sociedade. Estamos no ponto necessário para fazer uma grande discussão, sobre se vamos perpetuar o crescimento como está ocorrendo ou se mudaremos de rumo.




Pastore teme que "herança inflacionária" reduza PIB de 2011
Sergio Lamucci, de São Paulo19/01/2010
O Brasil está crescendo acima do seu ritmo potencial, o que torna necessário elevar os juros e remover os estímulos fiscais para desacelerar a expansão da economia e, com isso, impedir que o próximo governo receba uma "herança inflacionária" mais pesada, avalia o ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore. "A combinação dessas duas ações evitaria uma redução forte do crescimento em 2011", diz ele, para quem a alta dos juros "será tanto menor quanto mais ativa for a política fiscal". Conceito controvertido, o crescimento potencial se refere ao ritmo de avanço do Produto Interno Bruto (PIB) que não acelera a inflação.
Pastore lembra que a expansão firme da atividade tem esgotado rapidamente a ociosidade na economia e elevado o déficit em conta corrente (as transações de bens, serviços e rendas do país com o exterior). O fim da capacidade ociosa traz a ameaça de pressões inflacionárias, que podem ganhar a indesejável companhia de uma depreciação cambial mais forte. Uma depreciação do real pode ocorrer se diminuírem os fluxos de capitais estrangeiros para o Brasil, em caso de alta dos juros nos EUA, por exemplo, e será tão mais expressiva quanto maior for o rombo na conta corrente, avalia ele. Com isso, cresce o risco de um surto inflacionário maior. "Quanto mais crescermos em 2010, maior será a herança inflacionária deixada para o próximo governo."
Pastore diz que os índices de preços estão contidos devido à existência de capacidade ociosa, ainda que o PIB cresça acima do potencial. "Por algum tempo, isso pode perdurar sem que a inflação apareça, mas não pode continuar quando desaparecer a ociosidade." A valorização do câmbio também atua para aliviar pressões sobre os preços, mas essa tendência também "não é eterna", e pode ser revertida caso mudem as condições no cenário externo. E quando aparecerá uma taxa de inflação mais alta? "Certamente não na primeira metade de 2010, e possivelmente ainda não haverá grandes sustos na segunda metade de 2010. O maior risco da inflação é mesmo em 2011", diz Pastore. "Contudo, isto não significa que o Banco Central possa ou deva esperar que a inflação cresça acima da meta [de inflação] para iniciar o aumento dos juros. Tem que começar antes."
Para a sua consultoria, a A.C. Pastore & Associados, o PIB potencial hoje está na casa de 4%, mas pode fechar o ano perto de 4,7% a 4,8%, dada a forte alta de investimentos. Na média de 2010, ficaria na casa de 4,4%. As previsões dos analistas para a expansão do PIB em 2010 são bem superiores a esse nível, em sua maior parte oscilando entre 5% e 6%.
Para Pastore, "a melhor estratégia é ir elevando os juros reais de forma a produzir suavemente a desaceleração do crescimento atual." Como há defasagens longas entre mudanças na política monetária e a resposta do PIB, o ciclo de alta dos juros tem que começar mais cedo do que supõem muitos analistas, e "certamente" bem antes que se esgote a ociosidade, diz ele. O nível de utilização de capacidade instalada da indústria de transformação atingiu 83,8% em dezembro, na série com ajuste sazonal da Fundação Getulio Vargas (FGV), 2,9 pontos percentuais abaixo do recorde de 86,7% de junho de 2008.
"O BC não pode esperar muito para iniciar a elevação da Selic. Terá que enfrentar a ira de muitos, mas se o fizer estará agindo corretamente", afirma ele, sem definir exatamente em que mês deverá ocorrer a elevação. Hoje, os analistas que veem redução mais rápida da ociosidade apostam em alta dos juros em março. Já quem acredita num cenário mais tranquilo para a ocupação de capacidade prevê aumento da Selic no segundo semestre, enquanto alguns poucos analistas ainda esperam juros estáveis ao longo de 2010.
Em relatório divulgado ontem pela A. C. Pastore, há uma análise sobre o comportamento das vendas do comércio varejista. O documento mostra que elas são sensíveis não apenas ao nível dos juros reais, mas também aos impulsos fiscais, produzidos tanto por meio de mudanças no superávit primário (o resultado das contas públicas sem considerar gastos com juros), como por meio de alterações nas alíquotas do IPI sobre bens de consumo duráveis. Pastore destaca que as vendas "mantiveram um crescimento robusto" em novembro, indicando a "continuidade da expansão do consumo", um das forças por trás do aumento da capacidade instalada.
Num cenário em que fatores como a renda real, a população ocupada e o crédito atuam para a expansão das vendas no comércio, a esperada alta dos juros e um aperto de política fiscal agiriam na direção contrária. O relatório diz que o começo de um ciclo de elevação da Selic é "iminente", "o que levará a uma desaceleração do crescimento das vendas reais", com maior efeito sobre o varejo ampliado, que inclui veículos, motos, partes e peças e material de construção. "Mas não estamos seguros sobre a trajetória da política fiscal." Se o governo recolocar as alíquotas do IPI nos níveis vigentes antes das desonerações tributárias e elevar o superávit primário para 2,6% do PIB (sem considerar o desconto de gastos com obras do Programa Piloto de Investimentos - PPI - e o aporte de recursos do Fundo Soberano), atuará para desacelerar o comércio varejista, "retirando parte da carga imposta à política monetária", avalia a consultoria.
Para Pastore, "os instrumentos para produzir a desaceleração existem e são eficazes". O desejável seria produzir essa desaceleração com a menor alta possível dos juros, o que poderia ser obtido com o aumento do superávit primário e a remoção dos estímulos ao consumo de duráveis através das alíquotas do IPI. "Mas entre o desejável e o que vai de fato ocorrer existe um hiato, cujo fechamento não vem sendo sinalizado pelo Ministério da Fazenda."


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIR
A Herança maldita
Lula se beneficiou de uma taxa de câmbio muito depreciada no início de 2003, mas não soube ser desenvolvimentista
A MANCHETE do caderno Dinheiro desta Folha no último dia 18 é significativa: "Deficit externo é herança maldita". O Brasil está de volta ao deficit em conta-corrente, que neste ano deverá ser de cerca de US$ 50 bilhões, e volta, portanto, a aumentar uma dívida externa que já causou tantos problemas. Desta maneira, assinala o jornal, o governo Lula deixa para seu sucessor uma "herança maldita" semelhante à deixada por FHC.
Será mesmo "maldita" essa herança? Na matéria, um competente economista, Reinaldo Gonçalves, não tem dúvida quanto a isso. Já dois economistas convencionais supõem que, endividando-se, o Brasil aumenta sua capacidade de investimento. Ledo engano de uma ortodoxia local que aceita os conselhos dos nossos concorrentes ricos para tentarmos crescer através de deficits em conta-corrente. Em vez de aumentar o investimento, o que a poupança externa faz quase sempre é apreciar a moeda local, aumentar o consumo e substituir a poupança interna pela externa.
Na política econômica, tanto o novo desenvolvimentismo como a ortodoxia convencional são contra o populismo econômico -gastar mais do que se arrecada- e são contra os deficits públicos crônicos, ou seja, criticam o populismo fiscal. Qual a diferença? Está no populismo cambial, que o novo desenvolvimentismo rejeita e os ortodoxos alegremente esposam ao defenderem deficits em conta-corrente, ou seja, tentar crescer com poupança externa. "Porque assim financiamos o investimento", diz o populista cambial ortodoxo. Na verdade, quando o país incorre em deficit em conta geralmente sua taxa de investimento não aumenta ou pouco aumenta, porque a inevitável apreciação do câmbio provoca o aumento artificial dos salários e do consumo e a substituição da poupança interna pela externa.
Entre 1994 e 1999, por exemplo, o deficit em conta-corrente aumentou de 0,4% para 4,7% do PIB, mas a taxa de investimento, que era de 21,3% em 1994, em vez de subir para 25,6% (mais 4,3% do PIB), como prevê a ortodoxia convencional, baixou para 19,2%. A taxa de substituição da poupança interna pela externa foi de 132%! Em 2006, o Brasil apresentou um superavit corrente de 2,9% do PIB. A diferença entre +2,9 e -4,7%, ou seja, 7,6% do PIB, deveria ser quanto teria diminuído o investimento do país em relação aos 19,2% de 1999.
De fato baixou, mas não para 11,6% do PIB, e sim para 16,5%. Desta vez, enquanto o Brasil crescia com despoupança externa, ocorria o processo inverso de substituição da poupança externa pela interna (a taxa foi de 68%), quando houve uma diminuição relativa de salários e, principalmente, um ajuste fiscal maior. A manchete, portanto, tem razão. Lula está deixando uma herança maldita para seu sucessor. Ele se beneficiou de uma taxa de câmbio muito depreciada no início de 2003 e de um grande aumento no preço das commodities exportadas pelo Brasil, o que permitiu ter superavits em conta-corrente e taxa de crescimento mais elevadas.
Mas não soube ser desenvolvimentista como os países asiáticos dinâmicos, e voltou ao vício do populismo cambial que tanto interessa aos países ricos porque nos torna menos competitivos internacionalmente, mais frágeis financeiramente, mais obrigados ao "confidence building", mais sujeitos a crises de balanços de pagamentos. Para o político local, o populismo cambial ajuda sua reeleição. Não entendo, porém, para que esse populismo serve ao economista ortodoxo brasileiro.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Globalização e Competição". Internet: http://www.bresserpereira.org.br/ bresserpereira@gmail.com



25/01/2010 - 08:31
A visão política do câmbio
Por Jotavê
O artigo do ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira na Folha de hoje é um teorema. Demonstra com fartura de dados o erro da tese martelada como um mantra por nove em cada dez analistas que nós, leigos interessados nos assuntos do país, lemos nos jornais todos os dias: que endividamento externo não é doença, mas sinal de saúde, e que temos, sim, que continuar nos alimentando dessa mistura de dólar lá embaixo e juros na estratosfera para financiar o crescimento do país. O ex-ministro (tucano, sim, e daí?) põe os números na mesa e mostra que estamos diante de um tremendo “non sequitur”. Coisinhas bem simples e irrespondíveis deste tipo:
“Entre 1994 e 1999, o deficit em conta-corrente aumentou de 0,4% para 4,7% do PIB, mas a taxa de investimento, que era de 21,3% em 1994, em vez de subir para 25,6% (mais 4,3% do PIB), como prevê a ortodoxia convencional, baixou para 19,2%.”
O texto é primoroso, e permite que até mesmo um ignorantão no assunto, como eu, acompanhe o raciocínio do começo ao fim. Vale a pena dar uma lida:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2501201007.htm
Três observações finais:
1. Hoje, só uma parcela do PSDB defende abertamente uma mudança na política de câmbio e de juros levada adiante por FHC e copiada com afinco e dedicação pelo governo do PT. Essa parcela inclui indiscutivelmente o candidato José Serra. Por tudo que Dilma Rouseff tem dito e feito, no que depender dela, nada muda nessa área. Está claramente se cacifando junto ao mercado como a candidata da “ortodoxia”. Alguém pode dizer que é blefe. Pode ser. Mas pode não ser também. E tudo indica que não seja, mesmo.
2. Mexer no câmbio, por tudo que leio, não é uma brincadeirinha de crianças, principalmente se você não está num país totalitário como a China. Os defensores da idéia têm que ser um pouco mais explítitos a respeito dos MEIOS que podem ser utilizados, das RESPOSTAS possíveis de um mercado enfurecido com o fim da mamata e das possíveis RÉPLICAS do Governo.
3. Manter o dólar mais alto significa diminuir o consumo. Não é exatamente um passeio pelos Jardins do Éden em termos de custos políticos. É por isso que Lula não quer mexer nesse vespeiro. É o rei da acomodação, do “deixa como está para ver como é que fica”. Promoveu uma tremenda mudança estrutural no perfil da sociedade brasileira com suas políticas de inclusão, mas não tinha e continua não tendo um programa para modificar a estrutura da economia. No que depender dele, os rentistas continuarão sorrindo de ás a ás.
Comentário - Nassif:
Acertou na veia. Só tiraria o “indiscutivelmente”. No governo de São Paulo, Serra não entrou em uma dividida sequer.


No Brasil, a alta taxa de evasão escolar mostra que a lição de casa não foi feita.
Doença holandesa de desindustrialização
Por José Noronha Sacramento
02/02/2010
No Brasil, a alta taxa de evasão escolar mostra que a lição de casa não foi feita
"O grande equívoco é acreditar que a qualidade de vida da população esteja associada apenas ao tamanho do PIB sem considerar a capacidade distributiva de renda da matriz econômica do país."
Em excelente artigo publicado no Valor, os colegas Bresser-Pereira e Marconi mostram que o Brasil segue firme para se tornar a "fazenda do mundo" e que a desindustrialização é um fato.
Parafraseando Goldratt, a meta de todo governo deveria ser "maximizar a qualidade de vida da população de seu país, agora e no futuro". Sabemos que crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) não significa desenvolvimento, porém, a tirania dos indicadores econômicos tem levado governos a adotar políticas que podem apresentar bom desempenho econômico, mas com chance mínima de melhorar a qualidade de vida da população. A qualidade de vida está diretamente relacionada ao poder aquisitivo da população e, portanto, a uma boa distribuição da renda gerada pelas atividades econômicas no país. Estudando o impacto da matriz econômica na capacidade distributiva de renda dos países, verifiquei que não é por acaso que, nas três Américas, apesar de todo crescimento econômico apresentado nos últimos anos, em 2008, o Brasil ainda continuava à frente apenas do Haiti em distribuição de renda.
Matriz econômica de um país é o conjunto das atividades que gera o seu PIB. Essas atividades podem formar "redes ou cadeias de suprimentos" que começam em atividades extrativistas que geram commodities e abastecem os diversos processos de industrialização que adquirem bens de capital e utilizam a infraestrutura do país para atender consumidores finais por meio das inúmeras atividades de serviços - logísticos, financeiros, marketing, tecnologia da informação, educacionais, alimentícios, entretenimento e muitos outros.
Os quatro grandes grupos de atividades econômicas - extrativista, produção de commodities (incluindo agronegócios), industrialização e serviços - são importantes para a economia do país, mas apresentam capacidades distributivas de renda distintas:
A atividade extrativista, além de explorar recursos naturais finitos, requer grande base de ativos e, apresentando ganhos crescentes de produtividade, é a atividade com menor capacidade distributiva entre as produtoras de bens.
A produção de commodities, incluindo agronegócios, também requer uma grande base de ativos e, com ganhos crescentes de produtividade, utiliza cada vez menos mão de obra, tendo baixa capacidade distributiva de renda.
A atividade de industrialização - a grande empregadora no século passado - já exauriu sua capacidade de gerar empregos. Novas tecnologias fazem com que se produza cada vez mais com menos empregados. Nos Estados Unidos, o número de postos de trabalho nas atividades de produção de bens - extrativistas, commodities, agronegócios e indústrias - se mantém estável desde 1950. Com participação decrescente no PIB mundial, sua capacidade distributiva de renda vem sendo reduzida acentuadamente.
Pela infindável diversidade e baixa necessidade de capital inicial, as atividades de serviços passaram a ser a grande alavanca da economia mundial propiciando um crescimento vertiginoso no número de empregos e o surgimento de inúmeros pequenos empreendedores. Atualmente a produção de bens representa menos de 20% enquanto serviços já superaram 80% do PIB mundial. Produtos se transformaram em plataformas para venda de serviços. O governo americano prevê que, em 2016, 86% dos postos de trabalho nos Estados Unidos serão em atividades de serviços. Pela sua grande capilarização pela sociedade, as atividades de serviços têm maior capacidade distributiva. Uma exceção seria o grupo de serviços financeiros - que requer grande base de ativos e é altamente concentrador de renda.
Mas, aumentar a participação de serviços na matriz econômica do país requer planejamento de longo prazo. Por exemplo, antevendo os efeitos da evolução da tecnologia da informação no perfil dos postos de trabalho, o governo americano investiu US$ 1 trilhão em 30 anos para preparar a população para trabalhar em atividades de serviços. O programa alcançou ótimos resultados.
O aumento simultâneo do poder aquisitivo da população americana no mesmo período comprova que a capacidade distributiva de renda aumenta à medida que se caminha downstream na cadeia, ou seja, é baixa nas atividades extrativistas e alta nas atividades de serviços. E o investimento para gerar postos de trabalho também decresce significativamente downstream.
Dados apresentados pelo Ministério do Trabalho brasileiro sobre vagas criadas em 2009 mostram que enquanto as atividades em serviços e comércio geraram quase 800 mil postos de trabalho, a indústria colaborou com apenas 10 mil e a agricultura eliminou mais de 15 mil postos. Esses números contrastam com a política econômica que continua priorizando investimentos em indústria, agricultura e, quando há interesse, em construção civil. Ou seja, continuamos investindo muito dinheiro para gerar pouco ou nenhum posto de trabalho enquanto, por demandarem menor investimento, são criados, quase que a revelia, centenas de milhares de postos de trabalho em atividades de serviço. Mas, como a capacidade distributiva de renda das atividades de Serviço é diretamente proporcional ao nível cultural e educacional da população esses novos postos aumentam a capilarização da distribuição de renda, mas ainda são de baixa remuneração média.
Em 1991, Peter Schwartz, especialista em construção de cenários, já alertava que em países como o Brasil, sem investimentos consistentes em Educação e geração de emprego, os adolescentes, movidos por ambição e/ou medo da pobreza, poderiam enveredar por caminhos indesejáveis. A alta taxa de evasão escolar - apesar do crescimento populacional o número de alunos matriculados no ensino médio caiu 800 mil nos últimos quatro anos e 1,5 milhão de vagas não ocupadas no Ensino Superior - mostra que a lição de casa não foi feita.
Atividades de serviços são movidas pelo empreendedorismo, que será mais importante para o século XXI do que a revolução industrial foi para o Século XX - na China ensina-se empreendedorismo já no ensino fundamental. No Brasil, o empreendedor enfrenta barreiras enormes criadas pela legislação, burocracia, má qualidade dos servidores públicos e corrupção.
Uma comparação entre as principais empresas que movimentam a Bovespa e a NYSE e a constatação de que uma única empresa, a Petrobras, extrativista e produtora de commodities, já representa 10% do PIB brasileiro, comprovam que nossa matriz econômica é fortemente concentradora de renda. E, sem mudanças significativas, a única saída para mitigar a desigualdade social será ampliar ainda mais os programas distributivos governamentais -com todos os riscos que isso significa.
José Miguel Noronha Sacramento é professor do departamento de Produção e Operações da FGV/SP



Instrumentos ampliam raio de manobra da política cambial
Câmbio flutuante e controles de capitais
Geraldo Biasoto Jr. e Daniela M. Prates
25/01/2010
A escolha do regime cambial é uma decisão estratégica de política econômica para os países periféricos
No contexto atual de globalização financeira, a escolha do regime cambial - ou seja, a forma de determinação da taxa de câmbio - constitui uma decisão estratégica de política econômica para os países periféricos que se inseriram no mercado financeiro internacional a partir dos anos 1990. As políticas de câmbio administrado, que prevaleceram nesses países até então, tiveram o mérito de garantir a estabilidade da taxa de câmbio nominal, um dos preços-chave das economias capitalistas, mas se revelaram extremamente suscetíveis à apreciação cambial e a ataques especulativos, que culminaram em sucessivas crises financeiras na segunda metade daquela década.
Após essas crises, aquelas políticas cederam lugar a regimes de flutuação suja. As intervenções frequentes dos bancos centrais das economias emergentes no câmbio decorrem de um conjunto de especificidades dessas economias, que reforçam os efeitos adversos das variações cambiais, dentre as quais a maior volatilidade dos fluxos de capitais; a menor dimensão dos mercados de câmbio e financeiros vis-à-vis esses fluxos; o "descasamento de moedas"; o "pass-through" mais elevado das variações cambiais aos preços; e a menor capacidade de ajuste do setor externo a essas variações, devido, por exemplo, à menor diversificação das pautas de exportação.
A predominância desse regime cambial intermediário entre as soluções polares (câmbio fixo ou flutuação pura) também está associada à chamada "demanda precaucional" por reservas, ou seja, à ampliação da capacidade potencial de sustentação da liquidez externa em momentos de reversão dos fluxos de capitais por meio do aumento das reservas oficiais.
Apesar da adoção quase generalizada do regime de câmbio flutuante nos países emergentes no contexto pós-crise, não existe um modelo geral utilizado. Pelo contrário, os países se diferenciam em relação ao modus operandi, ou seja, à gestão ou política cambial, que, na definição aqui adotada, envolve qualquer transação que altere a posição líquida em moeda estrangeira do setor público, ou seja: intervenções nos mercados à vista e futuro e operações de dívida denominada ou indexada em moeda estrangeira. A política cambial diz respeito tanto aos objetivos macroeconômicos e às metas de política perseguidas, como à forma de atingí-los, ou seja, a intervenção cambial estrito senso.
Dois exemplos são elucidativos: se o objetivo (explícito ou implícito) é o controle da inflação, o BC procurará deter movimentos abruptos do patamar da taxa de câmbio e reduzir sua volatilidade mediante uma estratégia de intervenção (mercado à vista e/ou futuro) que não afete a tendência, em geral; compras ou vendas no final do dia, absorvendo as sobras do mercado ou atendendo as demandas de liquidez. Se o objetivo é a manutenção da competitividade externa, o BC perseguirá uma meta, por meio de intervenções ao longo do dia, em períodos variados, envolvendo grandes volumes.
A eficácia da política cambial dependerá da correlação de forças entre a autoridade monetária e os agentes privados no mercado de câmbio. O êxito das intervenções do BC no sentido de manter a taxa de câmbio no patamar desejado e/ou de atenuar sua volatilidade será inversamente proporcional ao grau de abertura financeira da economia. Este grau, por sua vez, depende das técnicas de gestão dos fluxos de capitais vigentes, que incluem dois tipos de instrumentos: os controles de capitais estrito senso (como a imposição de impostos sobre os fluxos de capitais e/ou de formas de quarentena) e os mecanismos de regulamentação financeira prudencial que afetam as operações dos bancos em moeda estrangeira, como a imposição de limites às posições cambiais. Ao contrário de serem incompatíveis com os regimes de câmbio flutuante, esses instrumentos ampliam o raio de manobra da política cambial, ao contribuírem no sentido de conter fluxos de capitais especulativos e as posições especulativas dos bancos no câmbio.
No caso da economia brasileira, o mercado de câmbio apresenta uma especificidade que amplia a influência da taxa de juros interna e da forma de operação do Banco Central do Brasil (BCB) na determinação da taxa de câmbio: os fluxos cambiais originados de operações comerciais são bem inferiores aos fluxos vinculados a operações financeiras (investimentos estrangeiros diretos e de portfólio, empréstimos externos etc). Ademais, a influência das decisões de alocação de portfólio dos investidores estrangeiros é ainda mais expressiva se adicionarmos as volumosas aplicações nos mercados de derivativos no Brasil e no exterior. Vale lembrar que os fluxos financeiros subordinam-se, em sua grande maioria, a uma lógica de curtíssimo prazo, enquanto os fluxos comerciais são determinados por períodos de produção e embarque, que sentem de forma defasada os efeitos das variações cambiais
Assim, a imposição do IOF sobre os investimentos estrangeiros de portfólio em ações e renda fixa no mercado financeiro doméstico, no final outubro, e a decisão de autorizar o Fundo Soberano do Brasil (FSB) a adquirir dólares, no dia 27 de dezembro, foram iniciativas corretas do do Ministério da Fazenda. Contudo, devido ao elevado grau de abertura financeira da economia brasileira, essas medidas podem se revelar insuficientes para deter a trajetória de apreciação do real caso o contexto de elevado apetite por risco (e, assim demanda por ativos emergentes) predomine em 2010.
Para tanto, outras medidas seriam necessárias, dentre as quais: uma mudança na forma de intervenção do BCB no mercado de câmbio à vista, de forma a exercer uma influência mais ativa na formação do preço do dólar (atuando, por exemplo, de forma imprevista e com volumes variados); a realização de transações somente com bancos dealers com posição comprada; limites às posições vendidas dos bancos nesse mercado (que contribuíram, de forma decisiva, para valorização cambial entre junho e setembro); o retorno das intervenções no mercado futuro (operações de swaps reversos), e; imposição de controles de capitais na BM&F (como ampliação das margens e/ou obrigação de depósitos de garantia em dinheiro - ao invés dos títulos e fiança bancária, aceitas atualmente -, pois a dinâmica do mercado futuro é crucial na formação da taxa de câmbio.
O Brasil levou anos para dar um novo formato ao mercado aberto. A zeragem automática era criticada por todos por manter o BCB sempre como mero legitimador dos movimentos especulativos das instituições financeiras. A manutenção da sustentabilidade de nossas contas externas exige que o País não faça o mesmo com o mercado cambial. Ademais, uma coordenação entre as iniciativas do BCB e do Ministério da Fazenda também poderia contribuir para aumentar a eficácia desta política.
Geraldo Biasoto Júnior é diretor-executivo da Fundação do Desenvolvimento Administrativo do Estado de São Paulo (Fundap) e professor licenciado do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Daniela Magalhães Prates é professora-doutora do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisadora do CNPQ.





O papel da Fazenda na crise
Cristiano Romero
27/01/2010
Muito já se falou sobre o papel desempenhado pelo Banco Central (BC) na crise financeira internacional. Mas e o Ministério da Fazenda? Teve atribuição coadjuvante? Definitivamente, não! Enquanto o BC trabalhou no enfrentamento direto dos efeitos da crise, especialmente no momento mais agudo da turbulência, entre setembro e dezembro de 2008, a Fazenda adotou medidas que ajudaram a economia a se recuperar mais rapidamente.
Principal formulador dessas medidas, o secretário de Política Econômica da Fazenda, Nelson Barbosa, fez um apanhado sobre a experiência para o primeiro número do "Journal of Globalization and Development", uma publicação da Berkeley Electronic Press, criada por quatro renomados economistas - Dani Rodrik, Joseph Stiglitz, José Antonio Ocampo e M. Shahe Emran. O texto, de 13 páginas, está disponível em inglês no seguinte endereço eletrônico: http://www.bepress.com/jgd/vol1/iss1/art13/.
Barbosa diz, em seu artigo, que as ações do governo brasileiro podem ser divididas em três grupos. No primeiro, estão as "iniciativas estruturais" adotadas antes da crise. A primeira delas foi a expansão dos mecanismos de proteção social. Juntos, benefícios previdenciários, seguro-desemprego e programas de transferência de renda (como o Bolsa Família) custaram aos cofres públicos 6,9% do PIB em 2002. No ano passado, atingiram 9,3% do PIB. Na avaliação do secretário, isso ajudou a criar um estabilizador automático e progressivo da renda disponível em períodos de crise.
A segunda iniciativa foi a adoção de uma política de aumentos reais para o salário mínimo (SM). Como 60% dos benefícios sociais e a maior parte do seguro-desemprego estão atrelados ao SM, um dos principais resultados dessa política foi aumentar a transferência de renda para as famílias. Vale lembrar que o SM é também usado como referência no setor informal da economia.
A terceira ação foi a elevação dos investimentos públicos em infraestrutura - de 0,5% para 0,9% do PIB entre 2005 e 2008. Barbosa atribui o aumento do crescimento médio do PIB entre dois períodos do governo Lula - 3,2% em 2003-05 e 4,9% em 2006-2007 - aos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento. Parece um exagero, mas Barbosa tem um bom argumento: no pior momento da crise, o governo incrementou os investimentos da União e da Petrobras, de tal sorte que, em 2008, eles adicionaram 0,6% do PIB à demanda agregada. Em 2009, responderam por 16% do total investido pela economia.
No ano passado, o governo também reduziu impostos - em 0,3% do PIB - no âmbito da política industrial. Além disso, contratou milhares de funcionários públicos e elevou seus salários, numa política deliberada a partir de 2007. O secretário sustenta que a medida teve "impacto macroeconômico altamente expansionista" no curto prazo. Este é um fato, mas elevar os vencimentos de servidores que gozam do benefício da aposentadoria integral não parece ser a política mais adequada - o incentivo à despoupança da parcela mais bem aquinhoada dos trabalhadores terá efeitos deletérios para a economia a longo prazo.
O segundo grupo diz respeito às medidas temporárias. Barbosa explica as iniciativas do BC, mas o foco aqui é a Fazenda. Uma delas foi o empréstimo, equivalente a 3,3% do PIB, dado pelo Tesouro ao BNDES no início de 2009. Foi a forma encontrada para destravar o crédito, inclusive capital de giro, de pequenas e médias empresas. O Tesouro também liberou recursos subsidiados para que Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal apoiassem, respectivamente, a agricultura e o investimento imobiliário. O resultado é que, entre setembro de 2008 e julho de 2009, a oferta de crédito dos bancos estatais cresceu 33%, diante de 9,1% dos bancos privados.
Barbosa não chega a criticar a "demora" do BC em reduzir os juros em meio à crise, mas diz que, diante desse fato, a Fazenda teve que adotar medidas compensatórias do lado fiscal para estimular a economia. Ele cita os cortes de impostos promovidos para evitar uma acumulação excessiva de estoques de alguns produtos - automóveis, eletrodomésticos, bens de capital e insumos da construção civil. Esta foi, sem dúvida, uma medida acertada e de custo relativamente baixo - 0,3% do PIB. O secretário menciona ainda a ajuda dada a Estados e municípios em 2009 - a manutenção dos repasses dos fundos de participação e a assunção de parte dos investimentos desses entes em saneamento básico e transporte urbano. Além disso, o governo aumentou o período máximo de recebimento do seguro-desemprego.
No terceiro grupo de iniciativas estão "novas ações estruturais", como a criação de alíquotas do Imposto de Renda de pessoa física (injeção de 0,2% do PIB na renda disponível em 2009); o lançamento de um ambicioso programa habitacional (Minha Casa, Minha Vida); e a redução da taxa básica de juros (Selic) - de 13,75% para 8,75% ao ano. Nesse quesito, o secretário deixa escapar um comentário irônico. Ele lembra que, antes da crise, o juro real oscilava entre 7% e 9% ao ano e que, agora, está em 5% e, no futuro próximo, deverá variar entre esse valor e 7%. "Essa ainda seria uma taxa de juro real muito alta para padrões internacionais, mas esta é uma outra história", diz Nelson Barbosa.
A crise deixou algumas lições. A primeira delas, na opinião do secretário, é que é preciso ter uma situação fiscal estável e, mais importante do que isso, um nível de reservas internacionais confortável. A segunda lição é que a existência de mecanismos de proteção social ajuda na adoção de políticas anticíclicas e que instrumentos tradicionais de intervenção do Estado, como bancos e empresas estatais, facilitam a ação do governo na estabilização da economia.
A terceira lição é que uma regulação prudencial "pesada" do setor financeiro é não só útil para evitar crises, mas também para combater seus efeitos. A baixa alavancagem dos bancos brasileiros e o elevado recolhimento compulsório, segundo Barbosa, "provaram ser extremamente úteis durante a crise de crédito". Por último, o secretário sustenta que o fato de o governo Lula ser de centro-esquerda facilitou o combate à crise. "As autoridades governamentais não perderam muito tempo debatendo as implicações ideológicas de cada iniciativa", comenta ele.
Cristiano Romero é repórter especial e escreve às quartas-feiras.
E-mail cristiano.romero@valor.com.br



+Política
O futuro da nação
O ex-ministro e professor de direito em Harvard defende 8 pontos essenciais para criar um novo modelo de desenvolvimen- to para o Brasil
ROBERTO MANGABEIRA UNGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Oito séries de opções definem o modelo de desenvolvimento que convém ao Brasil.
Modelo que transforma a ampliação de oportunidades econômicas e educativas no motor do crescimento. E que afirma a primazia dos interesses do trabalho e da produção sobre os interesses do rentismo.
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Eixos dinâmicos da inovação
David Kupfer
05/05/2010
Um diagnóstico da economia brasileira para os próximos anos indica alguns eixos com potencial dinâmico para fazer girar a atividade industrial na direção do desenvolvimento tecnológico. Um primeiro eixo é dado pelas forças represadas no mercado interno. Como evidenciado no passado recente, são múltiplas as oportunidades de novos negócios associadas ao novo padrão de consumo trazido pela expansão da renda nacional e pela melhoria do perfil da sua distribuição. Isso não significa, evidentemente, retirar do mercado externo qualquer papel relevante: significa apenas o reconhecimento de que, em vista das suas implicações mais diretas sobre a produção de commodities, este tenderá a reforçar trajetórias já estabelecidas, dotadas, portanto, de menor poder transformador.
O segundo eixo com grande potencial dinamizador de desenvolvimento tecnológico está ligado ao imperativo do aumento da disponibilidade, eficiência e confiabilidade da infra-estrutura nacional. Isso porque, muito além do enorme déficit causado por anos de sub-investimento na expansão e modernização da infra-estrutura existente no país, coloca-se hoje a necessidade de trazê-la para o século 21, incorporando novas fontes de energia, novas logísticas de transporte, novas soluções para a questão urbana, que está ganhando dimensões de calamidade no Brasil, e assim por diante. A necessidade de soluções inovadoras mais eficientes, mais limpas e mais sustentáveis e, acima de tudo, adaptadas às especificidades brasileiras, poderá fornecer um campo extremamente fértil para atrair esforços mais expressivos de P&D e inovação.
O terceiro eixo dinamizador é diretamente vinculado às condições de desenvolvimento da economia do conhecimento no país. Diferentemente dos anteriores, o Brasil encontra-se em um estágio muito mais incipiente nesse campo: são atividades que, se no passado mostraram-se as mais inalcançáveis, constituem agora um desafio ainda mais formidável. Isso porque, na comparação com outros países, são hoje ainda maiores as fragilidades do sistema empresarial, as insuficiências do sistema de C&T, as lacunas de conexão entre produtores e usuários, enfim, são enormes as carências de recursos requeridos para alavancar a capacidade social de aprendizado e inovação.
Se explorar esses potenciais já constitui um enorme desafio, formular políticas torna-se ainda mais difícil quando se sabe que esses eixos em conjunto podem conduzir a uma dinâmica auto-contraditória. O potencial do eixo do mercado interno depende de manutenção de taxas elevadas de crescimento e do processo de estruturação do mercado de trabalho, com aumento do salário real e da formalização do trabalho. Porém, é necessário reverter a tendência de apreciação do real sob pena de o aprofundamento do hiato de competitividade cambial transferir para o exterior os impulsos dinâmicos esperados. A explosão de importações de bens mais intensivos em inovação dos últimos meses é um preocupante indicador dessa possibilidade. O eixo da infraestrutura exige um padrão de financiamento e um arcabouço regulatório que consigam harmonizar custos baixos de expansão do sistema com a necessária rentabilidade das iniciativas inovadoras viáveis em um horizonte temporal maior. O eixo da economia do conhecimento exige conciliar o avanço na universalização do acesso às suas bases constitutivas (educação, saúde, informação, cultura, etc.) com os pesados investimentos requeridos pela sua contínua qualificação.
O problema é que os atores efetivamente interessados no progresso tecnológico da indústria nacional distribuem-se em diversos grupos, todos muito introjetados na dimensão técnico-científica da questão. Para o grupo dos "ativistas", já existem instituições e instrumentos demais, faltando ação, isto é, iniciativas concretas que dêem vida a parafernália de instrumentos já disponíveis. Para os "linearistas", para os quais prevalece a concepção do chamado modelo linear: invenção (pelo laboratório) - inovação (pela empresa pioneira) - difusão (pelas demais empresas), o problema está no padrão de geração de conhecimento no país, que o mantém represado nas Universidades, sem que se consiga fazê-lo fluir para as empresas e transformá-lo em capacidade para inovar. Para os "construtivistas", que vêem o progresso tecnológico como uma sequência planejada de etapas de complexidade crescente, falta continuidade aos programas de pesquisa e desenvolvimento, que usualmente são esvaziados ou mesmo interrompidos antes de gerarem seus frutos.
Embora todos esses grupos tenham parcela de razão, está mais do que na hora de se encontrar as linhas de convergência para avançar no desenho de um modelo mais efetivo de fomento ao desenvolvimento tecnológico da indústria brasileira. Ainda mais em um momento em que os jornais noticiam que o governo federal está prestes a baixar mais um pacote de apoio às exportações e, como todos sabem, o manejo de incentivos tributários e financeiros com essa finalidade provavelmente já deve estar alcançando o seu limite.
David Kupfer é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ. Escreve mensalmente às quartas-feiras. www.ie.ufrj.br/gic
E-mail: gic@ie.ufrj.br)


Negócios da China
David Kupfer
03/02/2010
A história empresarial brasileira recente vem sendo recheada por inúmeros episódios de fusões e aquisições de grandes grupos econômicos, que estão promovendo uma profunda - e rápida - reconfiguração patrimonial do capitalismo nacional. Mal os analistas absorveram a divulgação da sequência de operações que unificou três líderes do comércio varejista, os Grupos Pão de Açúcar, Globex (Ponto Frio) e Casas Bahia, seguiram-se as notícias da aquisição da Quattor pela Braskem, criando um grupo petroquímico brasileiro de porte mundial, e da associação entre Cosan e Shell que, ao menos no papel, tem potencial para transformar radicalmente o mercado nacional de etanol e de distribuição de combustíveis.
São muitas as possíveis razões que podem levar empresas a se envolverem em operações de compra, venda ou fusão de seus ativos e, provavelmente, somente os seus controladores sabem qual dessas possibilidades é a verdadeira. A literatura de Economia Industrial registra quatro diferentes grupos de motivações para a realização dessas operações patrimoniais. Uma primeira dessas motivações é aumentar o poder de mercado, o que pode ocorrer diretamente, quando as empresas envolvidas na operação atuam no mesmo setor, ou indiretamente, nos casos em que as empresas estão em diferentes setores de uma mesma cadeia produtiva. Uma segunda motivação é a busca de eficiências que, normalmente, tendem a ser auferidas pela empresa consolidada em decorrência das economia de escala ou de escopo nas suas atividades produtivas, de inovação e de esforço de vendas, da redução dos custos de capital e das despesas tributárias e administrativas, enfim toda uma gama de vantagens competitivas com que as grandes empresas costumam ser premiadas. Uma terceira motivação é de cunho estratégico, sendo típica de empresas que desejam acelerar sua velocidade de crescimento e imaginam que detenham vantagens da propriedade de ativos únicos, tais como capacitações tecnológica, gerencial, financeira ou de marketing. Por fim, uma última família de motivações prende-se a uma grande variedade de fatores casuísticos, que vão desde motivos puramente especulativos, envolvendo diferentes precificações dos valores presentes e futuros por parte dos seus controladores dos ativos, muito frequentes em períodos de instabilidade econômica ou, ainda, em função de histórias empresariais específicas (transições geracionais em empresas familiares, etc..).
Embora a literatura explore intensamente os potenciais efeitos anticompetitivos das fusões e aquisições, não é de se esperar que essa seja a motivação predominante na onda recente de consolidação, especialmente quando envolvem fabricantes de bens comercializáveis em economias abertas e, mais ainda, em economias emergentes, onde o porte das empresas tende a ser ainda pouco representativo. No caso brasileiro, de modo geral, as empresas que vêm protagonizando essas operações são grandes grupos econômicos em busca do aprofundamento de seus processos de internacionalização, como resposta estratégica às mudanças na inserção externa da economia brasileira, caso em que os motivos relacionados ao aumento da escala ou de reposicionamento estratégico tornam-se mais prováveis.
Porém, como enquadrar o processo de consolidação em curso no setor do grande varejo que, dada a sua característica de atividade de serviço e, portanto, não comercializável, tende forçosamente a distinguir-se desse padrão? Mundialmente, o movimento estratégico das grandes empresas de varejo vem se direcionado em uma de duas linhas de ação. Uma delas está relacionada ao desenvolvimento de um amplo portfólio de marcas internacionais próprias, como é o caso da espanhola Zara, no segmento de moda, ou da sueca Ikea, no segmento de móveis e utilidades domésticas. Não parece ser esse o objetivo das empresas brasileiras que atuam no grande varejo, que se aproximam mais da estratégia de exercer o comando de redes de fornecedores, por intermédio do controle dos sistemas de distribuição e comercialização, do qual o exemplo mais acabado é dado pela rede Walmart.
O setor de comércio varejista brasileiro passou por importantes transformações nos últimos anos, tendo alcançado taxas de crescimento quase exuberantes desde 2004, com o aumento da disponibilidade de crédito, da recuperação da renda da economia brasileira e da expansão do emprego de da massa salarial. A participação mais efetiva das classes C e D nos mercados de consumo traz à tona uma demanda reprimida de bens de consumo duráveis e semiduráveis, como atesta o consumo per capita ainda muito baixo de diversos desses itens no país, que significa uma mudança do paradigma sob o qual se organizava o varejo brasileiro. Faz parte desse novo paradigma um movimento de crescimento das escalas operacionais que por sua vez busca responder aos desafios trazidos pelas enormes escalas de produção chinesas nas precificação das mercadorias mundo afora, fenômeno que vem ocorrendo agora de modo particularmente intenso nos segmentos de bens de consumo duráveis. A penetração de fabricantes asiáticos e nesses segmentos, que começou com os eletroportáteis, seguiu para os bens eletrônicos e agora está chegando até a linha branca, explicam a premência na reestruturação do setor.
O importante é ter claro que o surgimento desses novos gigantes no varejo é inexorável e que as estratégias de suprimento adotadas por essas empresas vai jogar um papel fundamental para direcionar, positiva ou negativamente, o futuro da indústria de bens de consumo duráveis e semi-duráveis no país. Isso porque a consolidação do setor de varejo pode significar a criação de um poder de oligopsônio, cujo exercício dependeria tão somente da imposição sobre os fornecedores locais de um teto "chinês" de preços, que tenderia a comprimir excessivamente ou mesmo eliminar a rentabilidade da produção doméstica. Porém, se alternativamente esse mesmo grande varejo atuar como a cabeça de cadeias domésticas de suprimento, podem ser criadas condições favoráveis para o fortalecimento da indústria brasileira. É mesmo possível que essa talvez venha a ser uma das poucas opções que viabilizem a sobrevivência desse segmento da indústria brasileira na disputa cada vez mais acirrada travada pelo próprio mercado brasileiro.
David Kupfer é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ




Dinamismo doméstico
Yoshiaki Nakano
09/02/2010
Retomo neste espaço um tema que já abordei em agosto de 2003. Naquela ocasião, decepcionado com o crescimento da indústria de transformação de apenas 0,8% ao ano de 1980 a 2002 e redução de quase 40 no nível de emprego nesse setor, no mesmo período, defendia a tese de que a nossa indústria sofria de uma insuficiência dinâmica - dado que não tinha mecanismos internos de geração de efeitos dinâmicos, ela tendia à estagnação. Sem melhorar o perfil de distribuição por meio da incorporação de novas camadas da população ao mercado de trabalho, com produtividade e salários maiores e, dessa forma, ampliando a demanda real doméstica, o crescimento de longo prazo seria impossível.
GRÁFICO, populaão de jovens, 15 a 24 anos, 200 a 2009
Para um país como o Brasil, que se industrializou construindo uma estrutura produtiva voltado para o mercado doméstico, não seriam as exportações a locomotiva que daria dinamismo à economia. O aumento das exportações e maior abertura comercial seria vital para permitir maiores importações e assim evitar constrangimentos externos bem como para dar competitividade à indústria, mas em última instância, sem dinamismo doméstico seria impossível retomar o crescimento sustentado.
Passado esses anos, a economia brasileira sofreu uma transformação estrutural da maior importância e tudo indica que aquele problema de insuficiência dinâmica foi sanado. Essa transformação teve origem na mudança demográfica que o Brasil assistiu em meados da década de 80, com grande redução na taxa de natalidade e desaceleração no crescimento da população jovem (de 15 a 24 anos). É esse grupo que chega pela primeira vez e pressiona o mercado de trabalho, demandando novos empregos. É o grupo também em que a incidência de desemprego é maior. Vinte anos depois da queda da taxa de natalidade, isto é, a partir de 2004, isso se traduziu numa taxa negativa de crescimento da população jovem, ou seja, sua redução em termos absolutos.
Como se observa no quadro, a partir de 2005 a população jovem de 15 a 24 anos começa declinar em termos absoluto reduzindo a oferta de trabalho e com isso a economia brasileira ultrapassa o ponto de inflexão, do modelo de crescimento de Arthur Lewis, em que para atrair trabalhadores para setores de mais alta produtividade é preciso pagar salários reais mais elevados (acima do "nível de subsistência", isto é, salário mais baixos do setor atrasado). E isso só é possível sem gerar pressões inflacionárias se houver aumento da produtividade física do trabalhador. E é isso que aconteceu nesse início do século XXI. Com redução no excesso de oferta de trabalhadores, a absorção passa a ocorrer com a geração de novos empregos formais e com aumento dos salários reais, ampliando a demanda, gerando novos investimentos, retroalimentando o processo com novos postos de trabalho com produtividade mais elevada etc.. Não foi por acaso que o salário real médio aumentou em torno de 6% ao ano entre 2004 e 2008. A isso se conjuga o fato de que entre 2003 e 2009 foram criados 8,5 milhões de novos postos de trabalho gerando um poderoso circulo virtuoso de crescimento autossustentado.
Do ponto de vista social é quase uma revolução: foi a ascensão da classe C, transformando-se na nova classe média brasileira. Nos últimos 15 anos essa classe passou de 32% para 52% da população, portanto representa hoje mais de 90 milhões de consumidores, incorporados ao mercado e que apropria quase a metade da renda disponível gerada no país. Com isso a economia brasileira está se convertendo numa economia com mercado de consumo em massa das maiores do mundo. Mais importante: nesse momento em que a crise financeira danificou as economia desenvolvidas, provocou queda no comércio mundial e os Estados Unidos deixaram de ser a locomotiva que puxava o resto do mundo como importador e consumidor, em última instância esse dinamismo doméstico passa a ser o grande trunfo do Brasil para transitar para uma nova trajetória de crescimento mais acelerado e com possibilidade de sustentar por longos anos.
Nesse processo, de 2004 para 2009 mais de 30 milhões de pessoas tiveram uma ascensão social. Estamos assistindo, na verdade, a uma mega ascensão social que terá implicações sociais e políticas da maior importância.
Na medida que os setores empresariais se modernizam, enfrentam a competição internacional e aumentam também a demanda de competências técnicas, abre-se o caminho para a ascensão social dessa classe media por meio da educação. O subproduto desse processo será uma consciência política maior dessa classe média que pelo seu tamanho será decisivo nas eleições majoritárias. Mais importante, as pesquisas de opinião mostram que perder emprego é a preocupação maior dessa classe, portanto, estamos introduzindo na agenda dos políticos como item obrigatório a política macroeconômica voltada para a preservação e geração de novos empregos ("É a economia, seu idiota!"). Sem dúvida nenhuma a aprovação popular do governo Lula tem a ver com os 8,5 milhões de empregos que foram gerados até agora.
Para concluir, é preciso lembrar que em termos da dinâmica macroeconômica o crescimento baseado na expansão do consumo de uma nova classe média conflita à primeira vista com a necessidade de ampliação da taxa de investimento e de poupança doméstica. Ou teríamos que recorrer à poupança externa, endividando. Descartando essa estratégia que acaba em crise de balanço de pagamento, a saída é superar o conflito ao longo do tempo por meio do aumento de produtividade. A operação do circulo virtuoso mencionado acima não implica em aumentar a participação do salário na renda nacional, mas gerar novos empregos e aumentar os salários reais de acordo com a produtividade, podendo manter constante essa participação. O fundamental é acelerar o aumento de produtividade pois o salário poderia aumentar no mesmo ritmo, mais do que compensando perdas instantâneas em função do aumento de poupança. A rigor, nos últimos 15 anos, quem aumentou a apropriação da renda nacional foram o governo e o setor financeiro. Se, por exemplo, ao longo dos próximos anos a receita tributária e o consumo do governo aumentarem menos do que a renda nacional será possível aumentar a poupança doméstica e ampliar a taxa de investimento.
Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.


Autor faz algumas incursões pela história econômica que são de arrepiar.
O Brazil, na visão da revista inglesa "The Economist"
Por Alexandre de Freitas Barbosa
11/02/2010
O que surpreende é a semelhança da fórmula usada pela revista e pelo Times, em artigo publicado há 130 anos
No fim do ano, a revista inglesa "The Economist" publicou extensa matéria sobre o Brasil. Com linguajar coloquial, temperado com economês de livro-texto e recheado de entrevistas com gestores de fundos de investimentos e de empresas multinacionais, ex-professores convertidos em banqueiros e consultores estrangeiros, além de um ou outro pé-rapado que deu certo, ficamos sabendo que o Brasil pode chegar lá. A receita parece evidente: menos Estado e mais capital externo; menos intelectuais, mais empreendedorismo.
Lembrei-me então de uma crônica escrita por Eça de Queiroz por volta de 1880 e publicada no livro "Cartas de Inglaterra". Ele relata como naquele tempo o Brasil ocupara, ao menos por uma temporada, o noticiário europeu, motivado por uma matéria no prestigioso "Times". Ainda que revele jamais ter visitado nosso "Império", já nos estertores, Eça diverte-se com as astúcias do correspondente inglês. Esse, por mais que se quisesse um revelador do mundo nos trópicos, ao salpicar seus comentários ácidos com doses calculadas de economia, história e cultura, não passava de "consciência escrita da classe média da Inglaterra".
Depois de "vinte de linhas de êxtase" sobre o gigante e sua grandiloquente natureza, não sem ostentar certo ar de patrocínio, já que "todo trabalho aí empreendido para fazer produzir a natureza é dos estrangeiros", coincidentemente ingleses, algumas "circunstâncias desconsoladoras" eram observadas pelo correspondente de Eça. Uma torrente de dados desfilava como que em procissão, acompanhada de cálculos e comparações mirabolantes. Em seguida, o veredicto sobre o Brasil: "A escassez da população, de rendimento e de comércio são uma prova de que faltam a esse povo algumas das qualidades que fazem a grandeza das nações".
O sarcasmo de Eça conduz de forma sutil o texto ao seu desenlace: diferentemente dos seus vizinhos sul-americanos, preguiçosos e altaneiros, que desprezam a opinião da Europa, o Brasil pode escolher entre deixar sua riqueza estéril ou multiplicá-la pelo trabalho, desde que sob supervisão dos mais experientes...
Chega a ser surpreendente a semelhança da fórmula utilizada pela também inglesa "The Economist" ao escrever sobre o Brasil mais de um século depois. O correspondente do século XXI começa igualmente enumerando o nosso vasto potencial composto de esplêndida oferta de água, abundantes florestas tropicais, solo fértil e riqueza mineral.
Apesar disso tudo, diz ele, investidores estrangeiros teriam perdido fortunas na crença do Brasil como país do futuro. Mas isso foi no passado. Agora o país vive o seu melhor momento desde que "um grupo de navegantes portugueses desembarcou em sua costa".
Um calibrado ufanismo permeia o artigo. O Brasil pode fazer parte no futuro próximo das cinco maiores economias do planeta, já que se tornou autossuficiente em petróleo, adquiriu o "investment grade", se tornou credor do FMI e tem recebido uma nova onda de investimentos externos.
Ressalta que isso se deve, em grande medida, ao "bom senso" dos governos recentes, "em especial o do governo Fernando Henrique, que criou um ambiente econômico estável e favorável para os negócios". Não fosse a interferência governamental - o país sofre de uma espécie de desconfiança genética pelo livre mercado - e o correspondente não teria pejo em embarcar no conto do "país do futuro". Somos então brindados com a hipótese de que Lula, O Sortudo, teria se saído bem por não ter feito nada.
Nosso correspondente faz algumas incursões pela história econômica brasileira que são de arrepiar. O Brasil teria ficado estagnado no século XIX - isso não é verdade para a segunda metade, como nos mostrou Celso Furtado há 50 anos - e visto o seu modelo econômico se estilhaçar durante as crises do petróleo (para o correspondente não houve II PND). Mais à frente, somos informados que o Brasil viveu um ciclo de metais preciosos no século XVII e que o boom do açúcar se localizou no século XVIII! Se não quisesse ler o mestre Furtado - disponível em inglês - nosso correspondente poderia ter feito uma rápida busca em alguma enciclopédia virtual.
Não se trata de mera falta de conhecimento sobre o Brasil. O mais grave é que, ao recontar a história econômica brasileira a seu bel-prazer, tal como fizera o correspondente do "Times", o escriba da The Economist pôde situar o momento da virada do Brasil como aquele que melhor se casava com o script que trouxe pronto da pátria mãe: "the real miracle happened in 1994, when a team of economists under Cardoso."
Os investidores externos são encarados como ingênuos aplicadores que veem seu capital se dissolver frente às mudanças macroeconômicas e ao intervencionismo estatal. Ora, qualquer análise minimamente imparcial pode atestar o fato de que no pré-1930, no governo JK, na ditadura militar, no governo FHC ou no de Lula, o único elemento comum - apesar das diferenças de modelo econômico - é o excessivo zelo pelo capital externo, que geralmente corresponde, especialmente quando a economia encontra-se em processo de expansão, assegurando para si elevados níveis de rentabilidade.
Além do Estado brasileiro, tachado de "autodestrutivo", da Constituição, caracterizada como um "monumento à indexação", do MST, "promotor de invasões", e do "jeitinho brasileiro", nosso correspondente não "gosta" do BNDES, extremamente "nacionalista" e "intervencionista".
A recente queda da pobreza e da desigualdade é saudada pelo correspondente cristão. Supostamente ela se relaciona com a ascensão de uma mítica nova classe média, com o programa Bolsa Família e o aumento do salário mínimo, processos que parecem surgir de forma espontânea, como que guiados pelo Deus mercado ou pela doutrina das políticas sociais focalizadas.
Para concluir sua incursão sobre o "futuro do país do futuro", ele decide fazer uso de um pingue-pongue entre o Brasil e os Estados Unidos, do tipo uns são pobres, outros ricos, uns gostam do governo, outros da iniciativa privada.
Como se percebesse a simplicidade da fórmula, ele descobre que o Brasil são dois: um moderno e outro tradicional. O primeiro Brasil, dos negócios e das finanças, deve predominar sobre o Brasil do crime, da impunidade, da burocracia e da pobreza. Essa a conclusão fascinante do seu opúsculo pré-euclidiano.
O ensaio da "The Economist" sobre o Brasil poderia ser encarado como apenas mais um capítulo do denso volume da história das ideias escrita por "eles" sobre "nós". O problema é que essas elucubrações do Império - hoje não mais sediado territorialmente - apenas reverberam a cantilena local dos nossos falsos cosmopolitas. Comungam da mesma visão de mundo e dos mesmos interesses materiais.
Por isso, não podemos deixar que o espelho deformado do Brazil afete os destinos do Brasil real, que fala um idioma que já passou de português, possui uma imensa dívida social, tem sede de soberania e apenas desperta - depois de uma longa insônia - para o sonho do desenvolvimento.
Alexandre de Freitas Barbosa é doutor em Economia Aplicada pela Unicamp e professor de História Econômica do IEB/USP


For Brazil, It's Finally Tomorrow
How the country of the future has at last made it—and what remains to be done + coments
By PAULO PRADA MARCH 29, 2010
For the past century, Brazil has been a land of great potential—but few results। With runaway inflation and stratospheric national debt, the country was too much of a mess for anyone to take it seriously on the world stage.
How times have changed.
Consider this: In the face of the worst global economic crisis since the Great Depression, Brazil's economic output dipped a tiny 0.2% last year, and is expected to grow as much as 6% this year. Everyday Brazilians have been too busy buying washing machines, cars and flat-screen televisions to even notice the downturn.
Brazil is already the biggest economy in Latin America and the 10th-biggest in the world. By 2050, it will likely move into fourth place, leapfrogging countries including Germany, Japan and the U.K., according to a study by Goldman Sachs.
Clearly, Brazil has turned a corner—and is now a nation with the heft, ambition and economic fundamentals to become a world power। But the country has enormous challenges it must overcome before it can fully live up to its potential। ... ... ... ... ... ... .... ... ... ..



Custo de geração de energia tende a se aproximar do mercado.
Telhados solares e a indústria fotovoltaica
Por Roberto Zilles e Ricardo Rüther
01/04/2010
É preciso estimular a indústria fotovoltaica para que não sejamos meros importadores dessa tecnologia no futuro
A conversão fotovoltaica da energia solar por meio de sistemas conectados à rede promove diversos benefícios ao sistema elétrico e ao meio ambiente. A principal vantagem técnica é a possibilidade de se produzir eletricidade nos próprios pontos de consumo, de preferência integrados diretamente nos telhados, fachadas e coberturas das edificações. Um exemplo desse tipo de aplicação é o prédio da administração do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP que tem 50% da sua eletricidade atendida por um sistema fotovoltaico conectado à rede.
No entanto, a despeito das inúmeras vantagens que esses sistemas apresentam, essa tecnologia enfrenta uma barreira econômica, devido ao elevado custo de geração em relação às fontes convencionais. No Brasil, custa entre duas e três vezes mais gerar energia elétrica a partir de sistemas fotovoltaicos conectados à rede que comprá-la das distribuidoras locais. Muitos países têm enfrentado esse problema com mecanismos de incentivo à produção e à aquisição de equipamentos fotovoltaicos, o que tem dado resultado prático, com a queda gradual no custo de geração, desenvolvimento industrial e geração de empregos nos países que adotaram mecanismos de incentivo associado com o desenvolvimento industrial.
A tarifa convencional brasileira tem sofrido constantes reajustes desde a liberalização do setor elétrico. Se essa tendência se confirmar, vislumbra-se, dentro de alguns anos, um momento em que haverá a equiparação entre o custo de geração por meio de sistemas fotovoltaicos e a tarifa aplicada ao consumidor final. E o Brasil pode não estar totalmente preparado para aproveitar essa oportunidade. Tecnicamente, as experiências com sistemas fotovoltaicos permitem assegurar o domínio da tecnologia e a sua melhor configuração de acordo com os mais variados climas. Mas os investimentos são ínfimos, geralmente ligados a projetos de P&D, realizados por universidades, centros de pesquisa e concessionárias, com uma tímida participação da iniciativa privada.
Em 28/11/2008, após alguns encontros e intensa exposição de motivos ao deputado federal Paulo Teixeira e ao secretário de Minas e Energia Márcio Zimmermann, foi instituído pela Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia (MME) o Grupo de Trabalho sobre a Geração Distribuída com Sistemas Fotovoltaicos. Os objetivos desse grupo incluem a realização de estudos sobre políticas de incentivo ao uso dos sistemas solares fotovoltaicos e proposição de mecanismos de financiamento adequados à população. É também um dos objetivos do grupo que esses estudos culminem em um programa de difusão da geração distribuída com sistemas fotovoltaicos residenciais, comerciais, industriais e de prédios públicos, associado a uma estratégia de desenvolvimento industrial.
A partir da aprovação do relatório final do grupo, em 11 de março passado, fica evidenciado pelos estudos que a tecnologia solar fotovoltaica irá atingir viabilidade econômica e será largamente utilizada no futuro, no Brasil e em boa parte do planeta, e que nosso país está em condição privilegiada tanto por seu farto recurso solar, como pela abundância das matérias-primas necessárias na fabricação dessa tecnologia. Para tanto, se faz necessária uma política pública de desenvolvimento efetiva, que requer recursos e tomadas de decisão que envolvem mais de uma área do governo. Existem já em avançado nível de maturação uma série de projetos-piloto como os da Eletrosul Megawatt Solar, Estádios Solares e Aeroportos Solares, que servem ao duplo propósito de acrescentar à experiência técnica acumulada nessa área no país, bem como de chamar a atenção do público para a tecnologia com esses projetos-vitrine. A proposta de um programa de incentivo aos telhados solares fotovoltaicos por meio de uma tarifa-prêmio se mostra a mais apropriada para as condições do Brasil. Ao contrário do que foi mais adequado em países desenvolvidos, para o Brasil, esse programa de incentivo deve ser limitado em período e porte (potência total instalada com auxílio do incentivo), com custo e impacto tarifário definidos. Esse programa, associado a uma política de desenvolvimento industrial, deve ser grande o suficiente para estimular o mercado fotovoltaico e pequeno o suficiente para não prejudicar a modicidade tarifária.
Na contramão dos esforços e reconhecimento da necessidade de utilização da energia solar fotovoltaica nos telhados brasileiros, associada com o desenvolvimento industrial, aparece o Projeto de Lei 336/2009 que tramita no Senado Federal. Esse projeto propõe a isenção do Imposto de Importação para células solares fotovoltaicas, módulos ou painéis, suas partes e acessórios, classificadas no código 8541.4032 da tabela de incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados, TIPI.
Os módulos fotovoltaicos já gozam do benefício de isenção de ICMS e IPI e atualmente possuem Imposto de Importação de 12%, ademais, os módulos produzidos na China, Estados Unidos, Europa, ao serem importados, tem o abatimento do Imposto do Valor Agregado no país de origem. Portanto, a isenção do Imposto de Importação a módulos fotovoltaicos, proposto pelo PL336/2009, será uma chuva de granizo na proposta de um programa de telhados solares para o Brasil associado com desenvolvimento da indústria fotovoltaica no país. A união de esforços, realizada nos últimos três anos, e as intenções de desenvolvimento industrial no país, revelam que o mais correto é propor a isenção de Imposto de Importação apenas para células fotovoltaicas e de equipamentos para a instalação de fábricas de células e módulos solares fotovoltaicos.
Conceder isenção de importação ao produto finalizado, nas condições atuais, é uma decisão contra o desenvolvimento da indústria fotovoltaica no Brasil. Neste momento em que o trem da história mais uma vez esta passando em nossa porta, precisamos estimular essa indústria no Brasil para que não sejamos, no futuro próximo, mero importadores dessa tecnologia que de qualquer maneira irá desempenhar papel importante em nossa matriz energética no futuro.
Roberto Zilles é dr. pela Universidad Politécnica de Madrid, professor Associado do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo, IEE-USP.(zilles@iee.usp.br)
Ricardo Rüther é Ph.D. pela University of Western Autralia e professor da Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC. (ruther@mbox1.ufsc.br)






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1 comment:

Kevin Lawrence said...

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