Thursday 1 November 2012

A TRAJETÓRIA DA FRENTE POPULAR: SITUAÇÃO DE LOCK-IN

Não existe qualquer forma perfeita de governo em que a decisão da sucessão não se encontre nas mãos do próprio soberano.” (Thomas Hobbes, in: Leviatã)
No início do ano, quando comecei a reassumir minha condição de acriano, percebi que dez em cada dez analistas políticos de esquina e/ou de bar davam como certa a derrota da Frente Popular (FP). Ninguém tinha a mínima dúvida. Nem mesmo uma parcela expressiva da própria FP.
Mas agora, a vitória da FP nem é a questão mais fundamental. Talvez, o mais essencial é que o processo já foi transposto. Imagino que aqueles que acompanharam, diariamente, o horário político obrigatório, as manifestações públicas e as análises dos especialistas de bares, por intermédio da mídia, estejam confortavelmente aliviados.
Não tive a oportunidade de acompanhar esse movimento, sua inteireza, visto que não assisto os canais de TV locais. Apenas, percebi, já no final, que predominava uma insatisfação geral por parte daqueles menos comprometidos política, moral, econômica e comercialmente com as eleições.
Os dois candidatos que chegaram ao segundo turno expressavam, ao extremo, o significado do processo eleitoral das democracias modernas, incluindo o nosso caso, aqui, de subperiferia do centro dos poderes econômico e político nacionais.
Nem posso comentar sobre o candidato derrotado Bocalon, pois não o conheço suficientemente para tal. Dele, apenas assisti algumas entrevistas de vídeos disponíveis na internet, realizadas pelos programas das redes de TVs locais. Percebi, pelo pouco que pude ver, que é um político meio atarantado, com poucos recursos de diálogo. Nesse sentido, resta-nos somente associá-lo ao que é a oposição contemporânea brasileira, que tem como único projeto desbancar o PT, a partir de um multifacetado conjunto de causas. Nada mais, além disso.
Então, o que de relevante sobrou do processo eleitoral. Lições? Nenhuma. Digo isso, mesmo tendo um longo processo de debate, discussão e diálogo no campo da inovação tecnológica, que tem como um dos principais componentes a noção de aprendizado.
Nenhuma, porque o processo eleitoral contemporâneo, da perspectiva democrática, se constituiu de um processo absolutamente simplista. Ou seja, as campanhas eleitorais contemporâneas, nas democracias de massas, são, por sua natureza, processos infantilizados. Isso não tem nada de pejorativo. Pode até ser entendido como algo nobre, no limite das possibilidades.
Na realidade, as campanhas eleitorais se resumem às estratégias de captar votos de uma maioria, numa sociedade em que os poderes político e econômico lhes são alheios. Em sendo assim, as estratégias de conseguir votos só podem ser viabilizadas por meio de táticas manipulativas. Impossível não ser assim, dado o distanciamento das massas dos processos decisórios. O resultado mais visível é o papel desempenhado pelos marqueteiros, donde os candidatos, quando não são excepcionais, são esvaziados da essência do político, pois, o que vale é serem apresentados como messias, com poderes sobrenaturais, capazes de resolverem todos os problemas possíveis.
Esse processo eleitoral que operacionaliza este tipo de democracia, denominada de procedimental, que foi discutida bastante por Schumpeter, expressa uma situação na qual o chamado povo não tem possibilidade de qualquer tipo de poder efetivo. Isto é, o processo eleitoral representa unicamente uma disputa acirrada entre aquilo que teoricamente se denomina como elites, organizadas, por força legal, nos partidos políticos.
Dentre as várias implicações desta democracia procedimental, estaria um fato curioso. Nas eleições municipais, por exemplo, debate-se praticamente tudo; os temas levantados são infinitos.
Por outro lado, não é possível tocar em algumas questões. Aqueles pontos que ficam escondidos e jamais podem ser mencionados. É até possível passar por cima de como se obtém o apoio dos vereadores, para se alcançar uma maioria para garantir o processo de gestão; pouquíssimo debatido.
Mas, tem outras questões do grupo das escondidas que são bem críticas. É proibido discuti-las: 1) a definição do modelo de desenvolvimento urbano da cidade; 2) a especulação imobiliária e os interesses envolvidos; 3) a cooperação intermunicipal, mesmo que menos importante para nós; 4) uma discussão mais qualificada sobre educação.
A própria dinâmica do processo eleitoral afasta naturalmente alguns destes pontos. Os interesses envolvidos são mais complexos do que àqueles associados com a infinidade de outros temas que são lembrados.
Estes pontos levantados até aqui não significa dizer que não existem diferenças gritantes entre os candidatos majoritários. Óbvio que os programas políticos são distintos. A Frente Popular, mesmo com todo o desgaste dos últimos anos, não pode ser confundida com as pretensões do projeto daquilo que se convencional a chamar de oposição.
E aí emerge outra dimensão do processo político atual, que, simbolicamente, está associada ao resultado apertadinho das eleições. Uma diferença de menos um por cento, a qual pode ser interpretada de várias perspectivas, desde a incapacidade oposicionista até o alto grau de indecisão da maioria dos eleitores, em função mesmo do que é o processo eleitoral contemporâneo.
Mas, esse apertadinho, também, reflete uma das principais encruzilhadas em que a Frente Popular está postada, expressa, de modo mais explícito, na escolha do candidato para o pleito recém-passado. Nada teria sido mais dolorido para os dirigentes da Frente Popular, em caso de derrota, do que absorver o ônus da decisão da escolha de Marcus Alexandre.
A encruzilhada permanece, visto que os próximos processos de escolhas continuarão extremamente conflituosos. Na realidade, a tendência será de mais tensão. Essa é a lógica do Estado moderno. Quando Thomas Hobbes entregou o Leviatã para Carlos I, na Inglaterra do século XVII, ele não ensinou outra forma de exercer o poder, que não seja o aprofundamento das trajetórias. Ou seja, a Frente Popular não tem como sair de sua trajetória dos anos recentes de forma simples.
Tomando emprestadas as ferramentas analíticas do campo da inovação tecnológica, a Frente Popular está numa situação absoluta de lock in. Precisaria de muita criatividade para se reinventar.
Dificilmente os dirigentes da FP encontrariam um Thomas Hobbes contemporâneo, estabelecido no Acre, que escrevesse um super trabalho, tal como o Hobbes moderno fez, dizendo como o poder do século XXI deveria ser exercido, de uma maneira que fosse capaz de reinventar a trajetória atual, tirando-lhes da encruzilhada de lock in.
Não é uma situação impossível. No entanto, é melhor ter o Leviatã, de Hobbes do século XVII, do que a ousadia de seguir um Hobbes inventivo do século XXI, que demandaria um trabalho coletivo qualificado e abrangente.
Isso também se aplica ao que se chama de oposição, pois tem o agravante de não possuir nem dirigentes hobbesianos, nem projetos que unifique um discurso de Estado.
Jornal Página 20, 31out2012.

A derrota de Serra e a renovação
Por Alberto Carlos Almeida | Para o Valor, de São Paulo
PT está obrigando o PSDB a se renovar, e vice-versa. O Brasil ganhará com isso
Valor, 01-11-2012


Julgamento levou PT a se modernizar, diz Werneck Vianna
por Chico Santos | De Águas de Lindoia (MG)
Para cientista político, desempenho petista mostra que é possível avançar pelas vias institucionais
Valor Econômico - 25/10/2012


O fantasma de Schumpeter ronda as eleições-2012
Campanha parece marcada pela ideia do pensador austríaco, segundo a qual democracia é procedimento manejado pelas elites, que não deve colocar jamais em foco questões estruturais
Por Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida, no Le Monde Diplomatique




As estruturas analíticas da política comercial
Escrito por José Porfiro da Silva  
09-Jan-2013
Em maio deste ano, a presidenta Dilma Rousseff assinou o Decreto 7.734, com a finalidade de incorporar às leis brasileiras a autorização do Mercado Comum do Sul (Mercosul), facultando a criação de uma de lista de 100 produtos passíveis de terem suas tarifas de importação aumentadas.
Seguindo estas regras do Mercosul, bem como da Organização Mundial do Comércio (OMC), a tarifa de 100 produtos foi efetivamente elevada, em setembro, quando a Câmara de Comércio Exterior (Camex) aprovou a medida para proteger e, em tese, dar mais competitividade à indústria nacional em relação aos importados.
Esta medida, para nós que precisamos acompanhar, step by step, o que acontece neste campo, foi maravilhosa. Fomos agraciados com uma intensa discussão (interminável!) sobre tarifas. É sabido que no Brasil é bem difícil convencer a sociedade sobre a necessidade de se elevar tarifas, visto que a mídia é dominada por articulistas extremamente (neo)liberais. Talvez, apenas cinco por cento de acadêmicos que escrevem nos jornais são favoráveis ao uso do expediente do aumento das tarifas como meio de defender a economia do país.
Mas, é justamente por meio do diálogo, com posições diferenciadas, que é possível avançarmos e compreendermos melhor as questões e temas que são postos. No meio dos conflitos de posições divergentes, podemos entender o sentido da política (elevação das tarifas), os vários diagnósticos da economia nacional (indústria, principalmente) e as estruturas analíticas disponíveis, que nos servem de ferramentas para o debate, a discussão e a interpretação de um dos temas mais complexos e controversos da ciência econômica. Aproveitando este mote, vamos abordar alguns aspectos relacionados à estrutura de análise e aos instrumentos (ferramentas) da política comercial.
Em relações às questões dos instrumentos, eles servem para entendermos, tecnicamente, os efeitos de uma tarifa, da perspectiva analítica. Claro, que as nuanças do mundo concreto, às vezes se dão de modo difuso, não necessariamente com as mesmas características da estrutura de análise das teorias. No entanto, é o lado mais fácil e simples da discussão, visto que os instrumentos de políticas são utilizados, em tese, unicamente com duas finalidades: (1) ampliar o comércio de bens e serviços, ou, (2) contrair este mesmo comércio.
Tanto para ampliar o comércio quanto para contrair, os instrumentos atuam nos preços e/ou nas quantidades. No caso dos preços, para contrair o comércio, o governo pode utilizar tarifas ou taxas de exportação, e para ampliar, pode utilizar subsídios à importação e/ou à exportação.
No caso dos efeitos nas quantidades, para contrair o comércio, utiliza-se cotas de importação e/ou restrição voluntária à exportação, já para ampliar, é possível usar o instrumento da expansão voluntária das importações.
Quando se fala em tarifas, neste caso, elas podem ser específicas ou ad valorem. As primeiras se referem a um valor fixo cobrado por cada unidade importada de um bem. Já em relação as tarifas ad valorem, cobra-se uma fração do valor dos bens importados. Por exemplo, uma tarifa de 30% sobre o valor importado. No caso das cotas, a ideia é mais simples.
Em termos da teoria, a grande questão gira em torno da perda de eficiência (consumo ou produção) ou do ganho nos termos de troca, ambos provenientes da utilização de um instrumento de política comercial (tarifa, cota, subsídios, etc.). No geral, aparece a ideia de que é a melhor estratégia está associada com as ações que reforçam o comércio, pois traria mais benefícios para os consumidores ou produtores.
No entanto, a dimensão atraente deste tema não se restringe apenas a esta proposição convencional e dominante no meio do poder econômico e acadêmico mundial e brasileiro, de modo particular, sinalizando que é algo completamente incorreto a adoção de quaisquer medidas contrárias ao comércio internacional.
Por baixo da noção predominante de defesa das práticas do livre comércio há algumas justificativas intelectuais, até consideradas respeitáveis, que justificam medidas restritivas ao livre comércio. Pode-se mencionar as ideias de tarifas e de impostos ótimos, como meio de melhorar os termos de trocas de determinados países. Claro, que os defensores mais aguerridos do livre mercado não concordam com estas ideias.
Uma justificativa mais abrangente em favor de restrições ao livre mercado está relacionada com o argumento das falhas de mercado doméstico, principalmente por intermédio do uso da teoria do segundo melhor, por meio do uso de tarifas ou algo similar, no sentido de trazer benefícios sociais. Mesmo neste caso, os mais radicais não consideram um argumento suficiente para restringir o comércio internacional, porque as tarifas nem sempre seriam uma melhor solução para resolver as falhas de mercado, em função das dificuldades de se analisar de maneira suficiente adequada estas falhas.
Nesta contenta, tem uma vertente que considera que na prática, a política comercial é dominada basicamente pelas questões vinculadas à distribuição de renda. Ou seja, não existiria uma estrutura analítica ideal que orientasse as políticas, mas sim, uma variedade de ideias. Assim, no campo estrito da política, a teoria do eleitor mediano seria um bom parâmetro para se entender a dinâmica da política comercial. Numa esfera mais ampla, o conceito de ação coletiva seria outro mecanismo bastante valioso.
Se saíssemos do âmbito teórico, ou mesmo prático-teórico, e observássemos a trajetória da política comercial das últimas décadas, perceberíamos duas situações curiosas. De um lado, os países desenvolvidos adotando baixíssimas tarifas e/ou cotas. E, do outro, os países não desenvolvidos ou em desenvolvidos, ainda tendo estes instrumentos como elementos muito importantes para suas políticas comerciais. Por esse motivo, o fato da nossa presidenta ter usado o expediente das tarifas reflita esta situação, o que levantou a ira impiedosa dos governos do centro de poder econômico e político mundial, a exemplo das manifestações agressivas dos burocratas do governo dos Estados Unidos.
O importante, neste caso, é que o aumento das tarifas de cem produtos produtos importados pode ser analisado por várias dimensões, desde as mais abstratas, por intermédio do uso das ferramentas analíticas disponíveis, até as dimensões referentes a questão da distribuição de renda, ou mesmo os aspectos econômicos do dia a dia dos agentes econômicos.

JOSÉ LUÍS FIORI + MARTIN WOLF

O PROTÓTIPO ARGENTINO
por José Luís Fiori
Na altura da Primeira Guerra Mundial, a Argentina era o país mais rico do continente latino-americano e tinha todas as condições para se transformar na sua potência hegemônica
Valor Econômico - 30/10/2012
Foi em 1949 que Raul Prebish (1901-1986) publicou sua famosa crítica da teoria das "vantagens comparativas" e formulou sua teoria do desenvolvimento econômico "periférico", baseado na experiência histórica da Argentina. As ideias de Prebish ocuparam um lugar central no "debate do desenvolvimento", da segunda metade do século XX, mas a Argentina acabou se transformando no protótipo do "modelo primário-exportador" incapaz de se industrializar e que teria ficado à deriva, depois da crise de 1930. Sua história econômica, entretanto, não parece confirmar esse pessimismo, porque apesar de suas grandes crises e depressões cíclicas, no longo prazo, o desenvolvimento argentino foi bem-sucedido, do ponto de vista dos indicadores clássicos utilizados pelos economistas, mesmo depois dos anos 1930.
Como nos Estados Unidos, Alemanha e Japão, a Argentina também viveu uma extraordinária transformação econômica e social, entre 1870 e 1920.
Foi sua "idade de ouro", porque, em 40 anos, seu território mais que triplicou; sua população multiplicou por cinco; sua rede ferroviária passou de 500 para 31.100 quilômetros; e seu Produto Interno Bruto (PIB) cresceu a uma taxa média anual de cerca de 6% (talvez a maior do mundo, no período), enquanto sua renda per capita crescia a uma taxa média de 3,8%. Como resultado, no início do século XX, a Argentina estava entre os sete países mais ricos do mundo, e sua renda per capita era quatro vezes maior que a dos brasileiros, e o dobro da dos americanos. Nesse período, seu crescimento econômico foi liderado pela exportação de bens primários, mas se deu também na indústria, e contou com os investimento na construção da rede ferroviária que integrou o seu mercado nacional, antes do fim do século XIX.
Apesar de suas grandes crises, desenvolvimento argentino foi bem-sucedido, do ponto de vista dos indicadores
Ao redor de 64% da sua população trabalhava na indústria, comércio ou setor de serviços, e 1/3 dos argentinos viviam em Buenos Aires, uma cidade com alto nível educacional e cultural. Ou seja, na altura da Primeira Guerra Mundial, a Argentina era o país mais rico do continente latino-americano e tinha todas as condições para se transformar na sua potência hegemônica, e talvez, numa potência econômica mundial. Mas não foi isto que aconteceu, sobretudo depois de 1930, apesar de sua economia ter seguido crescendo e se industrializando, e sua sociedade ter seguido enriquecendo e melhorando sua qualidade de vida. Mesmo depois da Segunda Guerra Mundial, a economia argentina cresceu a uma taxa média de 3,78%, entre 1950 e 1973; e de 2,06%, entre 1973 e 1998.
Depois de 1930, entretanto, seu crescimento se deu de forma cada vez mais instável, por meio de ciclos cada vez mais curtos e intensos. Raul Prebish atribuiu essa inflexão às mudanças internacionais, e à forma em que operava o novo "centro cíclico" da economia mundial, os EUA, somado à fragilidade industrial endógena das economias "primário-exportadoras". Mais tarde, ortodoxos e neoliberais atribuíram a culpa dessa mudança de rumo às políticas econômicas populistas do governo Juan Domingos Perón, apesar de Perón só ter governado entre 1945 e 1955 e entre 1973 e 1974.
Existe, entretanto, outra maneira de olhar para a história da Argentina, entre a Revolução de 25 de Maio de 1810, e a destituição do presidente Hipólito Yrigoyen, no dia 6 de setembro de1930, início do que os argentinos chamam de sua "década infame". Depois da Guerra da Independência (1810 e 1816), a Argentina viveu meio século de guerra civil quase permanente, até a assinatura da Constituição de 1853, que criou o Estado Nacional da Argentina. Mesmo contra a resistência de Buenos Aires, que só se submeteu definitivamente em 1862. Depois disso, a Argentina participou da Guerra do Paraguai, entre 1864 e 1870, e logo em seguida o estado argentino iniciou suas guerras de "Conquista do Deserto", que duraram toda a década de 1870.
A conquista militar do "oeste argentino" permitiu a expansão ou ocupação econômica contínua de novos territórios, até o fim da década de 1920. Por isso se pode dizer que o Estado "liberal" argentino nasceu de uma guerra civil que durou meio século, e se consolidou com uma estratégia expansiva de ocupação de novos territórios que durou mais meio século. E foi exatamente no fim dessa expansão que estalou a crise política responsável pela desorganização periódica do estado e pela polarização definitiva da sociedade argentina. Durante a "década infame", seus vários governos praticaram políticas econômicas keynesianas e chegaram mesmo a iniciar um ambicioso programa de industrialização, idealizado pelo próprio Raul Prebish. O que lhes faltou, entretanto, foi uma nova estratégia expansiva e de longo prazo, e um grupo capaz de transformar a economia argentina num instrumento de sua própria acumulação de poder internacional.
Fica a pergunta: isto teria sido possível, num país situado fora do espaço eurasiano e do Atlântico Norte? Pelo menos, os "dependentistas" e os "neoliberais" consideram que não.
* Maddison, A., (2001) The World Economy. A Millennial Perspective,, OECD, p: 197
José Luís Fiori professor titular de economia política internacional da UFRJ, é autor do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, e coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ "O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo".

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GEOPOLÍTICA E ÉTICA INTERNACINAL ({[+ wOLF, merkel}])
por José Luís Fiori - 25th September 2013
"Eu via no universo cristão uma leviandade com relação à guerra que teria deixado envergonhadas as próprias nações bárbaras". Hugo Grotius, "O Direito da Guerra e da Paz", 1625


GEOPOLÍTICA E DESENVOLVIMENTOpor José Luís Fiori
Brasil precisa descobrir como projetar seu poder e sua liderança fora de suas fronteiras sem seguir o figurino tradicional das grandes potências
Valor Econômico - 31/07/2013
https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=270557309749716&id=164451773693604 #############

O Brasil e as "potências emergentes"

Por José Luís Fiori
Brasil tem potencial de expansão pacífica e de projeção internacional de sua influencia muito maior que o dos africanos, e mais desempedida ou desbloqueada, que a dos russos e asiáticos
VALOR ECONÔMICO, 23-10-2013
Considerar a China uma "potência emergente" é no mínimo um descuido etnocêntrico ou um grave erro histórico; mas no caso da Rússia, é uma tentativa explícita de diminuir a importância de uma nação que assombra os europeus, desde que os soldados de Alexander Nevsky derrotaram e expulsaram do território russo, os cavaleiros teutônicos germânicos e suecos, na famosa Batalha do lago Chudskoie, em 1242. E que no século XX alcançou em poucas décadas a condição de segunda maior potência econômica, militar e atômica do mundo. Apesar disto, se tornou um lugar comum colocar esses dois países na categoria das "potências emergentes", ao lado da Índia e do Brasil, e a própria África do Sul acabou sendo incluída na produção midiática do Brics 

[AGONIA DO SINDICALISMO NOS EUA ACENTUA A DESIGUALDADE
por Sergio Lamucci | De Washington
Salários ficam estagnados e parcela de associados é de apenas 6,7% do total de trabalhadores
Jornal VALOR ECONÔMICO, 30-04-2014
DEBATE FUTURO DOS BRICS no Fórum Econômico Mundial em Davos]
A somatória simples indica que o peso demográfico e econômico desses cinco países é considerável. Juntos, governam cerca de 3 bilhões de seres humanos, quase metade da população mundial, e desde 2003 o crescimento do grupo representou 65% da expansão do PIB mundial. O produto interno bruto desses países já é de cerca de U$ 29 trilhões, ou seja, 25% do PIB mundial, e já é superior ao dos EUA, e da União Europeia, tomados isoladamente, pela paridade do "poder de compra". A formação de um grupo de cooperação diplomática e econômica, e a existência de um fluxo comercial e financeiro significativo dentro deste grupo de países é um fato novo e pode vir a ser a base material de algumas parcerias setoriais e localizadas entre todos ou alguns deles. Mas não é suficiente para justificar uma "aliança estratégica" entre estes cinco países que ocupam posição de destaque nas suas regiões pelo seu tamanho, território, população e economia, mas são muito diferentes do ponto de vista de sua inserção internacional, geopolítica e econômica.
Logo depois da dissolução da União Soviética, e durante toda a década de 90, muitos analistas vaticinaram o fim da grande potência eurasiana. Mas a Rússia já foi destruída e reconstruída muitas vezes por meio da sua história milenar. Por sua vez, China e Índia controlam um terço da população mundial, possuem 3.200 quilômetros de fronteiras comuns, possuem arsenais atômicos e sistemas balísticos de longo alcance, e já se enfrentaram em várias guerras.
Brasil tem potencial de projeção internacional de sua influência maior que o dos africanos, dos russos e dos asiáticos
Dentro do xadrez geopolítico asiático, China e Índia disputam várias zonas de influencia sobrepostas, e possuem algumas alianças regionais antagônicas. Por sua vez, Brasil e África do Sul compartem com os gigantes asiáticos o fato de serem as economias mais importantes de suas respectivas regiões e de serem responsáveis por uma parte expressiva do produto e do comércio da América do Sul e da África. Mas os dois países não têm disputas territoriais com seus vizinhos, não enfrentam ameaças externas imediatas a sua segurança e não são potências militares relevantes. Mesmo assim, o Brasil é mais extenso, populoso, rico e industrializado do que a África do Sul, dispõe de recursos estratégicos, tem capacidade para ser auto-suficiente do ponto de vista alimentar e energético e possui uma importância e uma projeção regional, política e econômica dentro da América do Sul, muito maior do que a da África do Sul dentro do continente africano. E por isto também, o Brasil também tem, no médio prazo, um potencial de expansão pacífica e de projeção internacional de sua influência muito maior que a dos africanos, e talvez, mais desimpedida ou desbloqueada do que a dos russos e dos asiáticos.
Nas próximas décadas, o mais provável é que a Rússia tente reverter suas perdas depois do fim da Guerra Fria, e se proponha um imediato retorno ao núcleo central das grandes potências, deixando de ser "potência emergente". Enquanto a China tende a se afastar de qualquer aliança que restrinja sua ação no tabuleiro internacional, já na condição de quem participa diretamente da gestão econômica do poder mundial. Por sua vez, a Índia não tem nenhuma perspectiva nem projeto expansivo global e deve se dedicar cada vez mais ao seu "entorno estratégico", onde a expansão da China aparece como sua principal ameaça regional. Comparado com estes três "países continentais", o Brasil tem menor importância econômica do que a China e muito menor poder militar do que a Rússia e que a Índia. Mas ao mes mo tempo, o Brasil é o único destes países que está situado numa região onde näo enfrenta disputas territoriais com seus vizinhos e, por isto, é o país com maior potencial de expansão pacífica, dentro da sua própria região. Por último, o Brasil, mais do que a África do Sul, deve manter e ampliar sua posição de Estado relevante, dentro do sistema mundial, mas com pouca capacidade ainda de projetar seu poder fora do seu "entorno estratégico" durante as próximas décadas.
Somando e subtraindo, a categoria das "potências emergentes" pode gerar iniciativas diplomáticas importantes, mas o mais provável é que este grupo perca coesão e eficácia, na medida em que o século XXI for avançando, e que cada um destes cinco países seja obrigado a tomar o seu próprio caminho, mesmo na contramão dos demais, na luta pelo poder e pela riqueza mundial.
José Luís Fiori professor titular de economia política internacional da UFRJ, é autor do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, e coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ "O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo". Escreve mensalmente às quartas-feiras.

HISTÓRIA DE UM NAUFRÁGIO
por Jose Luis Fiori
É preciso olhar de frente e sem ilusões: a social-democracia e o socialismo europeus acabaram.


O BRASIL E A ÁFRICA NEGRA
por José Luís Fiori

A África é hoje o grande espaço de "acumulação primitiva" asiática, e uma das principais fronteiras de expansão econômica e política da China e da Índia


VALOR ECONÔMICO, 27-11-2013

Ao incluir a África dentro do seu "entorno estratégico" e ao se propor aumentar sua influência no continente africano, o Brasil precisa ter plena consciência que está entrando num jogo de xadrez extremamente complicado. Porque já está em pleno curso - na 2ª década do século XXI - uma nova "corrida imperialista" entre as "grandes potências" e um dos focos desta disputa é, mais uma vez, a própria África.

E não é impossível que as velhas e novas potências envolvidas na disputa pelos recursos estratégicos da África voltem a cogitar a possibilidade de estabelecer novas formas maquiadas de controle colonial sobre alguns países africanos, que eles mesmos criaram depois da Segunda Guerra Mundial.

A África é o segundo maior e mais populoso continente do mundo: tem uma área de 30.221. 532 km2 e uma população de cerca de 1 bilhão de habitantes, 15% da população mundial. O continente inclui a ilha de Madagascar, vários arquipélagos, 9 territórios e 57 Estados independentes. Os europeus chegaram à costa africana e iniciaram seu comércio de escravos negros no século XV e XVI, mas foi só no século XIX que as grandes potências europeias ocuparam e impuseram sua dominação em todo continente, menos a Etiópia. A independência africana, depois da Segunda Guerra Mundial, despertou grandes expectativas com relação aos seus novos governos de "libertação nacional" e seus projetos de desenvolvimento.

Não é impossível que as potências cogitem novas formas maquiadas de controle colonial sobre alguns países africanos

Este otimismo inicial, entretanto, foi atropelado por sucessivos golpes e regimes militares, e pela crise econômica mundial que atingiu todas as economias periféricas na década de 70, provocando prolongado declínio da economia africana. Na década de 90, inclusive, se generalizou em alguns círculos a convicção de que a África seria um continente "inviável" e marginal dentro do processo vitorioso da globalização econômica. E de fato, naquela década, apenas 1% do fluxos dos Investimentos Diretos Estrangeiros de todo o mundo foram destinados aos 57 países africanos. Depois de 2001, entretanto, a economia africana ressurgiu, acompanhando o novo ciclo de expansão da economia mundial, semelhante àquele ocorrido na América do Sul.

Esta mudança radical da economia africana se deveu sobretudo ao impacto do crescimento econômico da China e da Índia, que consumiam 14 % das exportações africanas, em 2000, e hoje consomem 27%, o mesmo que Europa e Estados Unidos, os antigos "donos" comerciais do continente. Na direção inversa, as exportações asiáticas para a África vêm crescendo a uma taxa média de 18% ao ano, junto com os investimentos diretos chineses e indianos, sobretudo em energia, minérios e infraestrutura. Neste sentido, não cabe mais dúvida, devido ao volume e à velocidade dos acontecimentos: a África é hoje o grande espaço de "acumulação primitiva" asiática e uma das principais fronteiras de expansão econômica e política da China e da Índia.

O problema é que neste mesmo período, os Estados Unidos também aumentaram seu envolvimento militar e econômico no continente, em nome do combate ao terrorismo e da proteção dos seus interesses energéticos, sobretudo na região do "Chifre da África" e do Golfo da Guiné, que deverá estar cobrindo aproximadamente 25% das importações americanas de petróleo até 2015.

E o mesmo aconteceu com a União Europeia, e em particular, com a França e a Grã Bretanha, que inclusive participaram nesse período de intervenções militares diretas no território africano. E a própria Rússia tem intensificado seus acordos envolvendo venda de armas e alguns projetos bilionários de suprimento de gás para Europa, através da Itália e do deserto do Saara.

A relação do Brasil com a África, durante quase todo o século XX, foi de estranhamento e submissão aos interesses das potências coloniais europeias e à estratégia americana da Guerra Fria. Foi só no início da década de 60 que esta posição mudou pela primeira vez, com a "política externa independente"- PEI, dos governos de Jânio Quadros e João Goulart, entre 1961 e 1964, política que foi retomada durante o governo Geisel e depois foi relaxada durante os governos neoliberais da década de 90.

Só agora, no início do século XXI, o Brasil retomou e assumiu explicitamente seu interesse estratégico na África, propondo-se irradiar sua liderança e projetar sua influencia política e econômica, sobretudo na sua região subsaariana. O Brasil é o único país sul-americano que é também negro e que tem excelentes oportunidades econômicas no território subsaariano, em infraestrutura e serviços, mas também na indústria e na capacitação da sua mão de obra. Entretanto, para manter sua decisão estratégica e conquistar espaços, o Brasil tem que estar disposto e preparado para enfrentar a pesada concorrência das velhas e novas potências, como China e Índia, que têm muito maior capacidade imediata de mobilização econômica e militar.

E terá que começar pela conscientização e mobilização da sua própria sociedade, e em particular, de suas elites brancas que sempre tiveram enorme dificuldade de reconhecer, aceitar e valorizar as raízes africanas e negras do seu próprio país.

José Luís Fiori, professor titular de economia política internacional da UFRJ, é autor do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, e coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ "O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo". Escreve mensalmente às quartas-feiras.

www.poderglobal.net



O BRASIL E SEU "MAR INTERIOR"
por José Luís Fiori


Brasil segue sendo um país vulnerável do ponto de vista da sua capacidade de defesa de sua costa, e de sua plataforma marítima

VALOR ECONOMICO, 26-12-2013

Situado entre a costa leste da América do Sul, e a costa oeste da África Negra, o Atlântico Sul ocupa um lugar decisivo do ponto de vista do interesse econômico e estratégico brasileiro: como fonte de recursos, como via de comunicação, e como meio de projeção da influência do país no continente africano. Além do "pré-sal" brasileiro, existem reservas de petróleo na plataforma continental argentina, e na região do Golfo da Guiné, sobretudo na Nigéria, Angola, e no Congo, Gabão, São Tomé e Príncipe.

Na costa ocidental africana, também existem grandes reservas de gás, na Namíbia, e de carvão, na África do Sul; e na bacia atlântica, se acumulam crostas cobaltíferas, nódulos polimetálicos (contendo níquel, cobalto, cobre e manganês), sulfetos (contendo ferro, zinco, prata, cobre e ouro), além de depósitos de diamante, ouro e fósforo entre outros minerais relevantes, e já foram identificadas grandes fontes energéticas e minerais, na região da Antártica. Além disto, o Atlântico Sul é uma via de transporte e comunicação fundamental, entre o Brasil e a África, e é um espaço crucial para a defesa dos países ribeirinhos, dos dois lados do oceano.

A Argentina tem 5 mil km de costa, sustenta uma disputa territorial com a Grã Bretanha e tem uma importante projeção no território da Antártida e nas passagens interoceânicas do canal de Beagle e do estreito de Drake. Do outro lado do Atlântico, a África do Sul ocupa o vértice meridional do continente africano, e é um país bioceânico, banhado simultaneamente pelo Atlântico e pelo Indico, com 3.000 km de costas marítimas, e cerca de 1 milhão de km2 de águas jurisdicionais, ocupando uma posição muito importante como ponto de passagem entre o "ocidente' e o "oriente", por onde circula cerca de 60% do petróleo embarcado no Oriente Médio, na direção dos EUA e da Europa.

País segue sendo vulnerável do ponto de vista da capacidade de defesa de sua costa e de sua plataforma marítima

Finalmente, a Nigéria e Angola têm 800 e 1.600 km de costa atlântica, respectivamente, e as reservas de petróleo do Golfo da Guiné estão estimadas em 100 milhões de barris. Mas não há dúvida que o Brasil é o país costeiro que tem a maior importância econômica e geopolítica dentro do Atlântico Sul, com seus 7.490 km de costa, e seus 3.600 milhões de km2 de território marítimo, que podem chegar a 4,4 milhões - mais do que a metade do território continental brasileiro - caso sejam aceitas as reivindicações apresentadas pelo Brasil perante a Comissão de Limites das Nações Unidas: quase o dobro do tamanho do Mar Mediterrâneo e do Caribe, e quase 2/3 do Mar da China. O interesse estratégico do Brasil nesta área vai além da defesa de seu mar territorial, e inclui toda sua Zona Exclusiva Econômica (ZEE), por onde passa cerca de 90% do seu comercio internacional; e onde se encontram cerca de 90% das reservas totais de petróleo do Brasil, e 82% de sua produção atual; e mais 67% de suas reservas de gás natural. Além disto, o Brasil possui três ilhas atlânticas que tem importante projeção sobre o território da Antártida, e que são altamente vulneráveis do ponto de vista de sua segurança.

Apesar disto, o controle militar do Atlântico Sul segue em mãos das duas grandes potências anglo-saxônica. A Grã- Bretanha mantém um cinturão de ilhas e bases navais no Atlântico Sul, que lhe conferem uma enorme vantagem estratégica no controle da região. E os EUA dispõem de três comandos que operam na mesma área: o USSOUTHCOM, criado em 1963, o Africom, criado em 2007, e a sua IV Frota Naval criada durante a Segunda Guerra Mundial, e reativada em 2008, com objetivo explícito de policiar o Atlântico Sul. Além disto, as duas potências anglo-saxônicas controlam em comum a Base Aérea da Ilha de Ascensão, onde operam simultaneamente, a Força Aérea dos EUA, a Força Aérea do Reino Unido e forças dos países da Otan.

Na mesma Ilha de Ascensão estão instaladas estações de interceptação de sinais e bases do sistema de monitoramento global, denominado Echelon, que permite o monitoramento e controle de todo o Oceano Atlântico. Caracterizando-se uma enorme assimetria de poder e de recursos entre as forças navais e aéreas, das potências anglo-saxônicas e da OTAN, e a dos demais países situados nos dois lados do Atlântico Sul.

Neste ponto o Brasil não tem como enganar-se: possui a capacitação econômica e tecnológica para explorar os recursos oferecidos pelo oceano, mas não possui atualmente a capacidade de defender a soberania do seu "mar interior". A capacitação naval do Brasil foi inteiramente dependente da Grã Bretanha e dos Estados Unidos, pelo menos até a década de 70, e o Brasil segue sendo um país vulnerável do ponto de vista da sua capacidade de defesa de sua costa, e de sua plataforma marítima. E este panorama só poderá ser modificado no longo prazo, depois da construção da nova frota de submarinos convencionais e nucleares que deverão ser entregues à marinha brasileira, entre 2018 e 2045, e depois que o Brasil adquirir capacidade autônoma de construção de sua própria defesa aérea.

De imediato, entretanto, o cálculo estratégico do Brasil tem que assumir esta assimetria de poder como um dado de realidade e como uma pedra no caminho de sua política de projeção de sua influência no continente africano, e sobre este seu imenso "mar interior".

José Luís Fiori professor titular de economia política internacional da UFRJ, é autor do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, e coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ "O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo".


www.poderglobal.net




BRASIL, EUA E O HEMISFÉRIO OCIDENTAL"
por José Luís Fiori
O principal objetivo estratégico dos EUA em relação aos países ao sul da Colômbia e da Venezuela sempre foi impedir que surgisse um polo alternativo de poder
VALOR ECONÔMICO, 29-01-2014




BANCO CENTRAL

A BANDEIRA DA INDEPENDÊNCIA
por Alex Ribeiro | De Brasília
No debate sobre autonomia do Banco Central, há um consenso: é necessário que o país tenha maturidade política para conceder liberdade à instituição
VALOR ECONÔMICO, 08-11-2013 [link FIORI]


PARA CALCULAR O FUTURO
por José Luís Fiori
O Brasil deve buscar um novo caminho de afirmação da sua liderança e do seu poder internacional. Um caminho que não siga o mesmo roteiro das grandes potências do passado
Jornal VALOR ECONÔMICO, 28/05/2014



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OS DESENVOLVIMENTISTAS NO PODER
por Pedro Ferreira e Renato Fragelli

O atual experimento se configura um retumbante fracasso: baixo crescimento, alta inflação, estagnação da indústria, atraso tecnológico e exportações em queda

valor econômico, 20-11-2013

Em nenhum momento do passado recente houve tanta unanimidade ideológica entre os formuladores da política econômica como no atual governo. A própria presidente, os ministros da Fazenda e do Desenvolvimento, o presidente do BNDES, o secretário do Tesouro, o ministro da Educação e seus principais assessores, são todos desenvolvimentistas assumidos, com passagem pelas principais escolas desta corrente. Somente no Banco Central se encontram economistas mais ortodoxos, mas estes têm tido pouca influência sobre o resto do governo.

Os desenvolvimentistas vêm diligentemente implantando as políticas econômicas que sua corrente sempre defendeu. Mas, para surpresa dos próprios desenvolvimentistas, embora não para economistas com outra formação, a experiência não deu certo. As políticas em vigor baseiam-se em quatro pilares. O primeiro é uma política cambial destinada a manter o câmbio desvalorizado, de forma a aumentar a competitividade das empresas nacionais, na esperança de que isso as estimule a adotar tecnologias de ponta. O segundo consiste numa política monetária que mantém os juros reais baixos de forma a estimular o investimento. O terceiro pilar é a atuação direta do governo via aumento dos gastos para estimular a demanda, ou indiretamente por meio das empresas estatais, ou ainda pela coordenação de investimentos privados por meio de bancos públicos. Finalmente, a política industrial trataria de estimular setores "estratégicos", incentivar a adoção de novas tecnologias e proteger da concorrência externa - talvez temporariamente - aquelas empresas e setores com potencial de crescimento.

Esses pilares dão continuidade às medidas adotadas (mais timidamente) durante os dois governos Lula. Desde a posse da atual presidente, a desvalorização nominal do câmbio foi de 40%, e a real de 20%. A taxa de juros Selic foi agressivamente reduzida, a partir de setembro de 2011, até atingir sua mínima histórica de 7,25%. Embora hoje esteja em patamar mais elevado, seu nível encontra-se bastante baixo em termos históricos.

Prática foi um fracasso: crescimento baixo, alta inflação, estagnação da indústria e exportações em queda.

Em relação à atuação do governo, não só os gastos públicos têm aumentado continuamente, como o ativismo e a maior intervenção na esfera produtiva tornaram-se marcos da atual administração. A despesa do governo federal aumentou R$ 79 bilhões - uma expansão de 13% - somente em 2013. O superávit primário deve cair à metade durante o atual governo, enquanto o déficit nominal atinge 3% do PIB. Os subsídios, benefícios financeiros e creditícios atingirão R$ 72 bilhões no ano, e o crédito dos bancos públicos, que se expandiu fortemente após a crise de 2008, continuará em patamar elevado. É verdade que os investimentos públicos estão estagnados, mas para quem até hoje considera que cavar e tapar buracos é uma eficiente política de demanda, isto não deveria ser um problema.

Finalmente, desde 2004, três ambiciosos programas de política industrial foram implantados: em 2004, a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior; em 2008, o Programa de Desenvolvimento da Produção; e no atual governo, o Plano Brasil Maior. Esses programas buscavam, por meio de diferentes instrumentos, estimular a inovação, a modernização industrial, a inserção externa e exportações, bem como o aumento da taxa de investimento. Ainda no campo de políticas setoriais, acrescentem-se o progressivo fechamento da economia, as ambiciosas metas para componentes nacionais, bem como a agressiva atuação do BNDES no subsídio ao investimento e consolidação de grandes grupos nacionais.

Não faltou nada do receituário heterodoxo. O resultado, entretanto, mostrou-se um fiasco. O crescimento médio do PIB, ao longo dos quatro anos do atual governo, caminha para míseros 2% ao ano e a taxa de investimento permanece estagnada em 18,5% do PIB. Além de baixo, o pouco crescimento alcançado foi puxado pela agricultura e serviços, justamente os setores considerados menos nobres pelos desenvolvimentistas.

O desempenho não é melhor na área externa. Um dos objetivos das políticas industriais oficiais era a expansão das exportações, mas estas vêm caindo desde 2011, passando de US$ 256 bilhões para prováveis US$ 240 bilhões em 2013. E isto em um período de recorde de produção e exportação de commodities agrícolas. O déficit em conta corrente deve ficar em 3,6% do PIB, mais um recorde. Com a inflação dos preços livres acima de 7%, a inflação oficial só não superou o teto da meta devido ao controle dos preços administrados. Controle este que vem prejudicando fortemente a Petrobras, mais um contrassenso em um governo desenvolvimentista.

Finalmente, apesar das políticas industriais, das inúmeras medidas de micro gerenciamento, dos créditos subsidiados e da proteção comercial, o crescimento da indústria mostrou-se desapontador, assim como a inovação e adoção de novas tecnologias. Como bem registrou neste espaço há duas semanas David Kupfer, um insuspeito defensor de políticas setoriais, "há uma desagradável sensação de que o hiato da indústria brasileira frente à fronteira tecnológica internacional está novamente aumentando". A indústria não cresce e não inova.

Em suma, do ponto de vista dos seus próprios objetivos e metas, bem como de suas métricas de avaliação, o atual experimento desenvolvimentista se configura um retumbante fracasso: baixo crescimento, alta inflação, estagnação da indústria, atraso tecnológico e exportações em queda.

Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso são professores da Escola de Pós-graduação em Economia (EPGE-FGV) e escrevem mensalmente às quartas-feiras.



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A realidade do futuro fiscal dos EUA

Por Martin Wolf
Os EUA criaram grandes programas sociais. Mas parecem incapazes de chegar a um consenso em torno dos impostos necessários para custeá-los.
VALOR ECONÔMICO, 23-10-2013
A partir da frenética batalha política e dos choques de opinião das últimas semanas, um observador poderia concluir que os Estados Unidos se defrontam com uma catástrofe fiscal. Não é verdade. A posição fiscal do país melhorou drasticamente e não representa qualquer risco de médio prazo. A única crise fiscal com que os EUA se defrontam é a infligida pelo suposto desejo de evitar um episódio desse tipo. A verdadeira questão é que governo os americanos querem e a maneira pela qual eles optam por custeá-lo.
Entre 2007 e 2009 o déficit fiscal do governo geral dos EUA, que inclui Estados e municípios, saltou de 2,7% do Produto Interno Bruto (PIB) para 12,9%, em decorrência da crise financeira. Mas a mais recente projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI) aponta para um déficit de 5,8% do PIB neste ano e de 3,9% em 2015. Boa parte desse aperto é considerada estrutural, com um déficit de apenas 3,9% este ano, inferior aos 8% de 2010. O aperto fiscal de 2,6% deste ano ajuda a explicar a precariedade do crescimento. Com o abrandamento do entrave fiscal, o crescimento deverá se intensificar. As mais recentes previsões de longo prazo do apartidário Departamento de Orçamento do Congresso (CBO, nas iniciais em inglês) também justificam o otimismo com o médio prazo. Elas mostram uma queda, de 73% para 71%, da relação dívida federal em poder do público sobre PIB nos próximos dez anos.
No ano passado o CBO fez duas previsões: uma básica e uma alternativa. A básica tinha como pressuposto que as reduções de impostos da era George W. Bush expirariam, como previsto em lei. Em decorrência desse e de outros fatores, a receita alcançaria 24% do PIB em 2037. O BCO considerou essa projeção implausível - corretamente, como ficou claro depois: os cortes de impostos de Bush não expirariam na totalidade. O CBO forneceu uma alternativa. Partiu do pressuposto de que as reduções de impostos (e o alívio proporcionado pelo imposto mínimo alternativo) seriam prorrogadas até 2022. Depois, sua premissa foi de que as receitas permaneceriam em seu nível de 2022, de 18,5% do PIB. As novas previsões, que mostram a dívida alcançando 100% do PIB 25 anos a partir dessa data, são piores do que o cenário básico do ano passado, no qual as reduções de impostos de Bush expiravam, mas muito melhores que a alternativa anterior do CBO.
Os EUA criaram grandes programas sociais. Mas parecem incapazes de chegar a um consenso em torno dos impostos necessários para custeá-los, sustentando, ao mesmo tempo, as funções governamentais essenciais num nível razoável.
Será que essa projeção de longo prazo é um desastre? Não. Os Estados Unidos provavelmente conseguirão sustentar a dívida em poder do público em 100% do PIB. É um coeficiente alto, mas, no limite, administrável. Os custos de fazer isso dependerão da taxa real de juros. Se ela não for superior à taxa real de crescimento (em consonância com a experiência de longo prazo), o país sequer precisará ter um superávit primário para estabilizar o coeficiente de endividamento. Além disso, os aumentos de arrecadação e as reduções de gastos necessários para manter a dívida em 73% corresponderiam a 0,8% do PIB atualmente e a 1,3% em 2020. Isso é pouco em relação ao que foi obtido nos últimos anos.
O CBO sustenta que "reduzir a dívida de novo a 39% do PIB em 2038 - nível em que estava em 2008 -, exigirá uma combinação de aumentos de arrecadação e de reduções em gastos não referentes a juros num total de 2% do PIB nos próximos 25 anos". As previsões de 2012 sugerem que deixar as reduções de impostos de Bush expirar teria gerado parte desse declínio.
Uma vez que a economia americana teve um bom desempenho na década de 1990, antes dessas reduções financeiramente inacessíveis, é estranho que Barack Obama não as tenha deixado expirar quando teve a oportunidade, na luta em torno do "abismo fiscal" do fim de 2012. Essa iniciativa teria dado ao presidente a alavancagem que lhe falta agora para obter um ajuste fiscal equilibrado. Em vez disso, ele deixou o país na angustiante perspectiva do gatilho automático de cortes previsto em lei.
Mesmo assim é bem possível que não seja necessário qualquer ajuste fiscal mais profundo para reduzir o endividamento. No segundo trimestre de 2013, o PIB estava 14% inferior à sua tendência de 1980 a 2007. Ele poderá recuperar boa parte disso. Na verdade, como observou o ex-secretário do Tesouro, Lawrence Summers, as projeções da diferença entre os números muito maiores da arrecadação e dos gastos durante um quarto de século são violentamente incertas.
O crescimento não apenas é incerto, mas facilmente maleável à formulação de uma política pública inteligente tanto no curto quanto no mais longo prazo. O país pode esperar até a década de 2020 para decidir fazer mais alguma coisa. Mas isso não significa que não haja importantes desafios fiscais. É fácil vislumbrar pelo menos cinco deles.
Primeiro, o processo de ativação do gatilho automático de cortes é arbitrário. Precisa ser mudado. Segundo, como observa Ezra Klein, de "The Washington Post", o governo federal é "um conglomerado de seguro protegido por um exército grande, permanente". O CBO prevê que os gastos com previdência social vão crescer de 4,9% do PIB para 6,2%, e que os gastos com assistência médica se elevarão de 4,6% para 8% do PIB no próximo quarto de século. Outros gastos, como os voltados à ciência e educação, sofrerão violento aperto. Se os gastos militares corresponderem a 4% do PIB, os demais gastos, além dos com previdência social, assistência médica e juros, corresponderão a 3% do PIB em 2038 - nível excessivamente baixo para sustentar serviços essenciais.
Terceiro, uma parte da solução é reduzir os gastos com aposentadorias e despesas médicas. Quanto a estas, há uma oportunidade. O governo americano gasta em saúde o mesmo percentual do PIB que muitos Estados de bem-estar social europeus, ao mesmo tempo em que cobre uma parcela muito menor da população. Quarto, os EUA precisam de uma reforma fiscal. Nesse caso o espaço para uma maior eficiência e equidade é enorme.
Finalmente, a parcela do PIB arrecadada terá de subir. Os 19,7% do PIB previstos pelo CBO para 2038 são baixos demais, a não ser que o Tea Party diminua os gastos com previdência social e com o Medicare. Os dados do CBO sugerem que pode ser necessário um aumento da receita federal para 22% do PIB.
Esse percentual é certamente alcançável e define a natureza do debate, que não diz respeito à dívida. Diz respeito à possibilidade, ou não, de os americanos pagarem os impostos necessários para custear o governo que instalaram. Os EUA criaram grandes programas sociais. Mas parecem incapazes de chegar a um consenso em torno dos impostos necessários para custeá-los, sustentando, ao mesmo tempo, as funções governamentais essenciais num nível razoável. Essa luta está disfarçada por trás da retórica em torno da insustentabilidade da dívida e do desestímulo representado pelos aumentos modestos da taxação. Se os EUA criarem, efetivamente, um enorme problema fiscal para si, será porque o acordo em torno do equilíbrio entre o que o governo faz e a forma pela qual isso é financiado é impossível. Mas, em primeiro lugar, as crises artificiais das últimas semanas têm de cessar.(Tradução de Rachel Warszawski).
Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT

KEYNES AND CRISIS IV (MARTIN WOLF)








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Friday 14 September 2012

VALOR (SET-2012): CRISE ECONÔMICA ATUAL E SEUS POSSÍVEIS II

VALOR (SET-2012): CRISE ECONÔMICA ATUAL E SEUS POSSÍVEIS I
Esta é uma série de artigos sobre a crise econômica atual e seus prováveis desdobramentos no mercado internacional e no Brasil, feitos por renomados economistas a pedido do Valor.

Mais do mesmo, durante um longo tempo
por Bernardo Guimarães
VALOR, 18-09-2012a i
A crise internacional continua dominando o noticiário econômico. Há sinais de recuperação em partes do mundo - a economia americana deva crescer cerca de 2% esse ano, mas o crescimento na Europa deve ser próximo de zero e o risco de um default na dívida de alguns países europeus afetar o sistema bancário em países credores e desacelerar a economia por todo o mundo continua alto.
O impacto da crise no Brasil é visível e a expectativa de crescimento da economia neste ano é de não mais que 2%. Várias perguntas sobre a economia brasileira nos próximos anos estão no ar, algumas relacionadas diretamente à crise. Neste artigo vou arriscar previsões com relação a algumas delas.
Começando então pela crise internacional. A situação dos bancos na Europa ainda parece bastante frágil e a atenção de muitos analistas está agora concentradas na possibilidade de um default na dívida soberana dos países do sul da Europa. Uma crise de dívida soberana tem normalmente sérias consequências negativas para as economias dos países envolvidos. No caso da Europa, esses custos de um calote são ainda maiores que normalmente.
Um default na dívida soberana parece simplesmente uma transferência de recursos de credores para os países devedores: o devedor deixa de pagar parte do que deve ao credor. Bom negócio para o devedor? Bem, o não pagamento da dívida tem consequências negativas sérias para o país que dá default - afinal, é por conta dessas "punições" que países devedores normalmente pagam suas dívidas.
No caso da Europa, o preço do default para os devedores é particularmente alto, pois pode levar o país a sair do euro (o que é visto como um alto custo pelos devedores) e afastá-lo dos outros países europeus que são, afinal, seus principais parceiros comerciais. Em geral, quanto mais integrados são credores e devedores, maior o custo para o devedor de se dar o default. Pelo alto grau de integração entre países da Comunidade Europeia, não pagar a dívida seria bastante custoso para os devedores.
Para os credores, o default implica em receber menos dinheiro que se esperava, o que é claramente um custo. Esse custo é ainda maior se os credores são bancos em uma situação relativamente frágil, que podem ter sérios problemas com uma queda brusca no valor de seus ativos. Nesse caso, o default na dívida poderia até levar alguns bancos a uma situação de insolvência, o que causaria uma crise financeira no país credor e reduziria o volume de intermediação financeira. Nesse cenário, o problema atingiria não só os credores que tomaram o calote mas a economia do país todo.
A conclusão é que países credores tem muito interesse para tentar evitar o default na dívida e países devedores também estão dispostos a pagar um custo alto para reduzir as chances de um default. A consequência é que credores e devedores estão fazendo muito para sair dessa. Os países devedores estão apertando o cinto até onde conseguem. As drásticas medidas de ajuste fiscal são impopulares, têm ônus econômicos e altos custos políticos - mas o default na dívida seria também muito custoso. O Banco Central Europeu (BCE) tem oferecido crédito aos bancos (que por sua vez têm usado esse crédito para comprar títulos da dívida dos países em crise) e, de maneira geral, credores têm se mostrado dispostos a conceder auxílios e incentivos para que os devedores consigam arcar com parte substancial de suas dívidas.
Um problema é que o mundo e, principalmente, os países desenvolvidos estão crescendo pouco ou nada. Para os pequenos países europeus, isso implica em menor demanda por suas exportações, menos apetite para investimentos e, consequentemente, maior dificuldade para conseguir recursos para pagar as dívidas que estão vencendo.
O que vai acontecer daqui para frente? Provavelmente, mais do mesmo. Com a economia mundial dando alguns sinais de lenta recuperação, tem-se a esperança de que será mais fácil para devedores honrarem seus compromissos e os bancos de países credores podem aos poucos melhorar a situação de seus balanços. Mas isso, se acontecer, vai demorar bastante. Nesse meio tempo, credores e devedores vão continuar se esforçando para evitar uma crise drástica. Nesse cenário, essa incerteza vai persistir por mais um bom tempo, com consequências negativas para as economias da Europa que tem efeitos no mundo todo. Os jornais continuarão falando de reestruturações na dívida de um ou outro país com novos nomes, analisando um outro plano de ajuste num país devedor, e mais uma negociação entre os líderes europeus. O cenário mais otimista tem uma saída da crise suave, mas lenta.
Em suma, a economia mundial deve continuar em ritmo lento e o risco de uma desaceleração drástica existe. Com esse pano de fundo, vamos então falar da situação do Brasil no momento. Para começar, está o Brasil no caminho de uma crise financeira como a que ocorreu nos Estados Unidos e na Europa?
Os primeiros sinais da crise em 2007 vieram com uma queda brusca nos preços dos imóveis, depois de um período de severa alta nos preços. No Brasil, o preço dos imóveis tem subido drasticamente. Estima-se que desde 2008, o preço dos imóveis tenha praticamente dobrado em várias cidades brasileiras, em termos reais. Estão os apartamentos mais caros que estarão (descontada a inflação) daqui a alguns anos? Há uma bolha no mercado imobiliário?
A incerteza vai persistir por mais um bom tempo, com consequências negativas para o mundo todo
Não, não há. O aluguel de um imóvel por um ano tem custado em torno de 5% do valor do imóvel. Com juros reais a menos que 3%, um retorno de 5% é razoável - um prédio de apartamentos deprecia, mas o valor do terreno em cidades grandes tem aumentado no mundo todo. Os aluguéis subiram muito nos últimos anos, por conta de um aumento na demanda por moradia mesmo (um aumento no preço de aluguéis poderia em algumas situações estar refletindo expectativas infladas dos proprietários, mas isso levaria a um grande número grande demais de apartamentos vazios para alugar, o que não se observa hoje em dia). O preço dos imóveis aumentou mais ainda. A relação entre preço de imóveis e o valor dos aluguéis subiu no período, mas parte desse aumento está compensando a queda nas expectativas para a taxa real de juros para os próximos anos.
Se a taxa de juros real cai, é esperado que a razão entre preço e retorno de ativos aumente: num mundo com juros de 5% ao ano, um ativo que paga R$ 1,00 por ano vale R$ 20,00; num mundo com juros de 4% ao ano, o mesmo ativo vale 25 reais. Expectativas de juros menores contribuem para um aumento no preço dos imóveis, seja porque o custo de oportunidade do investidor que compra imóveis para alugar seja menor, ou porque as taxas de financiamento para quem compra a casa própria diminuam.
Claro, nos próximos anos, algumas regiões vão se valorizar e outras vão se desvalorizar, mas essa oscilação de preços relativos de imóveis é de se esperar e não tem nada a ver com uma bolha ou um aumento exagerado nos preços dos imóveis. Em geral, os preços de hoje não estão sinalizando uma queda brusca futura.
Então, o que deve acontecer com o Brasil nos próximos anos? Quais são as questões mais importantes?
Começando pelos riscos para o Brasil no futuro próximo: o sistema bancário brasileiro não parece apresentar riscos sistêmicos, não há no momento um risco de uma crise financeira como a que ocorreu na Europa e nos Estados Unidos nos últimos anos. Há de fato uma grande expansão no crédito e algumas atitudes do Banco Central parecem tentar reduzir o ritmo dessa expansão - e eu não tenho nada contra essa prudência. Mas os riscos de uma crise financeira no Brasil num futuro próximo são baixos.
O Brasil é afetado pela crise basicamente porque nossos parceiros comerciais e as empresas que poderiam investir no Brasil estão comprando pouco e investindo menos - assim como um dono de armazém que vê seus negócios minguarem quando a clientela está sem dinheiro. Além disso, os riscos de uma crise internacional maior (seguindo um default na dívida soberana de alguns países da Europa, por exemplo) fazem as empresas postergarem seus planos de investimento e isso também afeta o Brasil. Mas note que isso não tem nada a ver com os fundamentos da economia brasileira.
De fato, crises têm pouco efeito de longo prazo sobre as economias pelo mundo. O noticiário econômico de 1997 e 1998 era recheado de notícias sobre a crise nas economias no sudeste asiático. O Produto Interno Bruto (PIB) de vários daqueles países despencou em 1998, caindo cerca de 6% a 8% em alguns deles. Uma recessão enorme e, ainda assim, quando vemos um gráfico com o PIB per capita naqueles países nos últimos 50 anos, essa queda pode passar despercebida. O que importa é a capacidade da economia de produzir e é para isso que temos que voltar nossas atenções.
Riscos no cenário macroeconômico então? Inflação disparando quando subir a demanda? Não vejo esse risco. O Banco Central tem derrubado as taxas de juros básicas da economia por conta de um cenário de recessão e a inflação continua dentro da meta (ou seja, abaixo de 6,5%). Se o risco de inflação voltar a bater quando a economia estiver crescendo mais, o Banco Central vai de novo aumentar os juros para manter a inflação abaixo de 6,5%. Idealmente, seria melhor termos um intervalo (explícito) um pouco mais estreito para a inflação, mas o efeito disso no crescimento da economia brasileira é relativamente pequeno.
É de fato curioso que a recente queda nos juros básicos tenha tido tão pouco impacto na inflação e na inflação esperada (embutida nos títulos públicos indexados a índices de inflação) apesar da preocupação de tantos analistas. Eu não acho que a explicação esteja só na fraca atividade econômica deste ano. Com os spreads bancários altos como são e dada a grande proporção do crédito direcionado na nossa economia - por exemplo o crédito do BNDES indexado a TJLP (que não tem nada a ver com a Selic) - não deve ser surpreendente que movimentos na Selic tenham um efeito na atividade econômica menor que o efeito de juros no produto observado em outros países.
Minha expectativa então é que tenhamos crescimento em torno de 3,5% ou 4% nos próximos anos, que é o que o Brasil tem crescido nos últimos 10 anos, pois não há nenhuma mudança substancial de trajetória. Com juros reais mais baixos que nos últimos anos, esse é um bom cenário para o mercado de ações. Mas há riscos de solavancos no caminho.
É curioso que a queda do juro básico tenha tido pouco impacto na inflação registrada e na embutida em títulos
No fim de agosto, quando este artigo foi escrito, o índice Bovespa oscilava entre 55 e 60 mil pontos. Não sou especialista no mercado de ações, não faço avaliação de empresas, então não sei o suficiente sobre esses preços para emitir uma opinião. Julgando pelo cenário macroeconômico, e atendendo ao pedido do Valor para arriscar previsões, acho que há espaço para subir, o retorno esperado no mercado de ações está bom. Só que há o risco de uma queda brusca nos preços das ações (por conta principalmente do agravamento da crise na Europa), e pode ser que apareça uma oportunidade ainda melhor para comprar. O bom retorno esperado vem com um risco de oscilação grande.
Ainda que eu esteja menos preocupado com a macroeconomia, vejo muitas pedras no caminho para o Brasil e uma necessidade grande de reformas microeconômicas. É preciso criar um ambiente de negócios melhor para o setor privado investir, produzir, inovar, etc.
Em geral, nos rankings de países de acordo com a renda per capita, o Brasil está entre a 50ª e a 70ª posição, dependendo da metodologia utilizada. Nos rankings de indicadores sociais (analfabetismo mortalidade infantil, por exemplo), o Brasil aparece um pouco pior, por volta da 90ª ou 100ª colocação. Em termos da facilidade (ou da dificuldade) de fazer negócios, estamos em situação ainda pior.
Vale a pena visitar o site do Doing Business (www. doingbusiness.org/). Há alguns anos, o Banco Mundial e alguns parceiros preparam um ranking que visa medir a dificuldade ou a facilidade de se fazer negócio em cada país. No geral, o Brasil está na 126ª posição, logo atrás de Suazilândia, Uganda e Bangladesh (mas ainda um pouco à frente da Cisjordânia and Gaza).
Esses indicadores sugerem que a dificuldade de se fazer negócios no Brasil é um gargalo importante para a nossa economia, e que reformas nessa área podem nos ajudar no que diz respeito à renda e aos indicadores sociais também. Esse índice é o resultado de uma média que leva em conta 10 critérios (relacionados a pagar impostos, resolver insolvências, fazer valer contratos, etc).
As diferenças entre o ambiente de negócios em diferentes países saltam aos olhos. Demora-se menos de uma semana para se abrir uma empresa em um país com a Inglaterra ou os Estados Unidos, mas vários meses na maior parte dos países mais pobres. Economistas hoje em dia tendem a concordar que essa é provavelmente uma parte importante da explicação sobre as grandes diferenças na renda dos países pelo mundo. Investimento em estrutura física, por exemplo, parece ser menos importante que um bom ambiente de negócios para o crescimento.
O desempenho econômico Brasil nas próximas décadas dependerá de se conseguir implementar reformas que tornem mais fácil fazer valer contratos, pagar impostos, exportar e importar, etc. Quanto a isso, não estamos avançando muito. São esses, ao meu ver, os maiores obstáculos para um crescimento sustentado no médio prazo.
Bernardo Guimarães é professor da Escola de Economia de São Paulo - Fundação Getúlio Vargas (EESP-FGV)

Este é o sexto de uma série de artigos sobre a crise econômica atual e seus prováveis desdobramentos no mercado internacional e no Brasil, feitos por renomados economistas a pedido do Valor.



Oportunidade para o Brasil tornar-se protagonista
por Yoshiaki Nakano
Com mais meio século de crescimento, ainda que moderado, completaremos o projeto, iniciado nas últimas décadas do século XIX, de ter uma sociedade moderna, democrática e rica
VALOR ECONÔMICO, 19-09-2012
A grande crise financeira de 2008, com o colapso do Lehman Brothers desencadeou um fenômeno com múltiplas dimensões. A crise e o quase colapso do sistema financeiro são o núcleo de uma erupção vulcânica que desencadeou a chamada Grande Recessão de 2008/09, seguida da crise de dívidas soberanas na Europa e causaram uma série de outras mudanças paradigmáticas.
As economias dos Estados Unidos e da Europa saíram da normalidade e passaram a ser regidas por comportamentos induzidos por incerteza, medo, contágios, pânicos e corridas, com mudanças súbitas de humor, de aversão ao risco e das convenções nas quais se baseiam as decisões financeiras e econômicas.
Pela experiência histórica, a crise de 1930 e a crise do Japão nos anos 1990, a única lógica ou elemento racional que prevalecem neste caso é a lógica da desalavancagem, em que os agentes econômicos, que se endividaram na fase anterior de boom de crédito, que precede toda crise financeira, têm agora de pagar as dívidas e limpar seus balanços, num contexto em que seus ativos perderam valor ou viraram pó.
Este processo gera a chamada "balance sheet recession". As famílias terão que aumentar a poupança ao longo dos próximos anos para pagarem a dívida, reequilibrar seus balanço. Mas, para isso, terão que reduzir o consumo, provocando recessão e desemprego.
Diante da recessão e desemprego, as empresas, mesmo tendo lucro, em vez de investirem para ampliar a capacidade produtiva, preferirão pagar suas dívidas para limpar os balanços. Os bancos terão que se desalavancar, em sucessivas rodadas, na medida em que se desfazem de seus ativos para reduzir seus passivos. Esse processo causa a desvalorização dos ativos, gerando a necessidade de novas desalavancagens.
Foi assim que, em 1929, os Estados Unidos levaram uma década para superar a crise. O Japão levou pelo menos uma década e meia para livrar-se dos problemas financeiros que eclodiram em 1989. A atual crise financeira não será diferente. Vai levar mais uma década para que seja superada e a normalidade restaurada. Haverá avanços e recuos nas economias desenvolvidas, mas elas permanecerão semiestagnadas ou com crescimento rastejante.
A atual contração econômica decorre do estouro de uma superbolha financeira. Desde os anos 1980, quando se inicia o período de desregulação financeira, as inovações geraram um superboom de crédito e sucessivas bolhas. A cada estouro, o sistema financeiro ou os países, com crises de "sudden stops", foram socorridos ampliando-se a liquidez e o crédito, o que manteve ficticiamente o valor dos ativos financeiros para, finalmente, a crise do subprime de 2007 desencadear a grande crise financeira de 2007/08.
Tanto as intervenções dos bancos centrais como dos Tesouros Nacionais não têm resolvido o problema real de solvência dos devedores, limitando-se a prover liquidez, a taxa de juros subsidiadas, e transferir ativos financeiros problemáticos para seus balanços.
Se este processo de subsídio e de manutenção dos ativos financeiros problemáticos nos balanços do governo perdurar por mais uma década é possível que as algumas instituições credoras consigam sobreviver. Na realidade, com a fantástica expansão monetária, os sucessivos afrouxamento - o "quantitative easing" - e aquisições de ativos problemáticos, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) e o Banco Central Europeu (BCE) estão agindo como se estivessem reestabelecendo a situação prévia a crise, com a manutenção dos ativos financeiros nos balanços dos bancos não a valor de mercado, mas a preços ficticiamente avaliados pela explosão monetária e creditícia sem precedentes.
A dura realidade é que a própria crise financeira já tornou transparente que a maioria destes ativos financeiros tem valor fictício, pois alguns créditos eram Ponzi, outros eram garantidos por outros títulos que evaporaram e só uma pequena parte tem garantia em produção ou renda futura.
Outra consequência inevitável das crises financeiras é que elas se iniciam com a insolvência de dívidas do setor privado e rapidamente se convertem em déficit, dívida pública e, em seguida, crise do setor público. Atualmente, isso está sendo sentido de forma mais aguda na Europa com a crise das dívidas soberanas.
A adoção da moeda única na Europa criou um problema adicional: sem a prévia integração dos mercados de trabalho e sistemas previdenciários, que continuam nacionais, a mobilidade do emprego é restrita. Assim, o custo unitário do trabalho tornou-se muito elevado nos países orientados para a expansão de serviços não negociáveis (Grécia, Portugal, Espanha etc) comparativamente aos países do norte da Europa, que cresceram com a expansão da indústria e produtos "tradables", onde os ganhos de produtividade foram muito maiores e obrigatórios para enfrentar a competição.
A Alemanha, por exemplo, onde a indústria representa 30% do Produto Interno Bruto (PIB), e transformou-se em grande exportador líquido, enquanto a Grécia, na onda da entrada de capitais, se endividou excessivamente e não tem hoje como pagar as dívidas. É o velho problema da dupla transferência de renda.
Sem a intervenção do Estado, o sistema financeiro europeu e americano teria praticamente desaparecido
O forte ajuste fiscal torna-se obrigatório para reduzir o déficit, a dívida pública e a desvalorização cambial, aumentando o desemprego, a fim de reduzir os salários e preços em euros, reequilibrar o setor externo e promover a transferência externa, ou seja, pagar sua dívida externa.
Muitos acreditam que esta crise levará à dissolução do euro ou, pelo menos, à saída da Grécia, Espanha e, eventualmente, outros países. Não acredito nesta hipótese, pois a integração europeia é antes de tudo um projeto político, e a vontade política é muito forte e dominante neste processo. A opção será por um longo e prolongado ajuste dos países do sul da Europa que deverá levar ainda década de crise profunda e reformas.
Num quadro de crise financeira prevalece a incerteza e o longo prazo é imprevisível. Na incerteza, como dizia Keynes, para tomar decisões é preciso aceitar "convenções" e basear-se nelas para "arriscar previsões". Ao invés de arriscar previsões de curto prazo, este texto tenta perceber as grandes rupturas e tendências históricas, tanto no pensamento dominante, como na dinâmica global da economia mundial. Vamos detectar os deslocamento das forças dominantes que comandarão a economia global e que poderão representar grande oportunidades para o Brasil deixar de ser um país dependente e coadjuvante e se tornar autônomo, ter um projeto próprio de "catching up" e ser protagonista de seu futuro.
Toda a crise financeira profunda e duradoura desencadeia crise política e social. Rompe-se o consenso ou acordo que prevalecia previamente e o poder hegemônico perde legitimidade e se enfraquece. Na economia, os regimes de política econômica, as instituições, a ideologia e o pensamento econômico que as organizam e sustentam, tornam-se disfuncionais, exigindo constante e crescente intervenção do Estado.
O paradigma liberalizante que vigorava desde 1980 entrou em crise e passou a ser questionado pelos fatos, pela necessidade de respostas pragmáticas e rápidas do governo para salvar o sistema. A insatisfação politica da população e a inquietação social é crescente. A ortodoxia econômica envelheceu subitamente e tornou-se disfuncional diante dos fatos, abrindo espaço para novas ideias. A conservadora revista "The Economist" resume a atmosfera do famoso encontro de Jackson Hole, deste ano, onde os banqueiros centrais e os maiores experts acadêmicos em política monetária se reúnem anualmente oferecendo diagnósticos e políticas alternativas - mas todos eram presas de um fato embaraçoso: "Nada do que eles tinham feito funcionou, e eles não sabiam porque".
Com a ascensão do neoliberalismo, a partir dos anos 1980, o mercado transformou-se no princípio dominante de organização da economia capitalista, com retração da função Estado. Entretanto, com a crise, se não fosse a massiva intervenção e socorro prestado pelo Estado todo o sistema financeiro americano e europeu teria praticamente desaparecido. Para a sobrevivência do próprio capitalismo, o Estado-nação está retomando a sua função reguladora e controladora dos mercados, num processo adaptativo, diante da ameaça maior da crise.
Esse deslocamento e processo adaptativo entre mercado e Estado, num novo ambiente desencadeado pela própria crise, levará anos para estabelecer um novo paradigma. A plutocracia financeira, ainda com poder formidável, sofreu baque mortal, mas vem resistindo ao avanço da regulação e dos controles pelo estado. Além disso, as mentes humanas são presas de velhos ideias e levam muito tempo para serem mudadas.
Entretanto, quanto maior for a resistência e o período de dominância das velhas ideias e do mercado livre como princípio de organização da economia, maior será a crise necessária para que o princípio adaptativo funcione e reestabeleça a nova ordem. Nos Estados Unidos, ainda em 2008, o governo republicano, defensor da ideologia neoliberal, teve que reagir reduzindo os impostos e aumentando os gastos para salvar o sistema financeiro, praticando a política de recuperar a demanda agregada, ainda que contra o seu credo.
Com o aumento do déficit e da dívida públicos, veio a reação subsequente com ascensão politica da ala mais conservadora dos republicanos, que poderá travar o instrumento fiscal, com grande risco de um segundo mergulho da economia americana. Tanto é que os jornais já anunciam a possibilidade de um "abismo fiscal", a partir de 31 de dezembro. Se não houver um novo acordo entre democratas e republicanos, difícil num ano de eleição, e se não forem renovadas as medidas adotadas anteriormente de redução de imposto e aumento de gastos fiscais, teremos uma contração fiscal correspondente a 3,5% do PIB, o que levará a economia americana a nova recessão.
Com o deslocamento pela crise do mercado para o Estado, a ascensão econômica e política da China ganha novo significado como o candidato natural para ser o novo paradigma econômico dominante, um novo capitalismo de Estado, em substituição ao modelo da liberalização global.
Nos próximos anos, tanto os Estados Unidos como a Europa deverão ter como prioridade absoluta a revitalização das suas economias, voltando-se para dentro. Somada a isso, com a perda de credibilidade e de legitimidade da sua classe dirigente, a governança global mudará radicalmente. Desta forma, viveremos, nas próximas décadas, um interregno hegemônico, com a ausência de um centro que dite as regras do jogo, exerça dominância política e ideológica, imponha um pensamento econômico e atue como policial do mundo.
Neste quadro, novos atores estão ganhando autonomia e poder global, como os países do grupo dos Brics, por exemplo; outros fóruns estão surgindo, como o G-20; e coalizões de forças políticas estão se formando. É isto que construirá uma nova ordem internacional.
Nesse quadro, conceitos como soberania, Estado-nação e nacionalismo, com novos conteúdos, voltarão a adquirir força política e movimentarão as massas, particularmente nos emergentes. Estes processos estão sendo alimentados pela guerra cambial, crescente protecionismo e pelo fato de o problema de desemprego ser sempre um problema nacional.
Como a crise que afetou em cheio Estados Unidos, o consumidor ou importador em última instância e emissor de moeda reserva, a economia mundial perdeu a sua locomotiva que puxava o resto, desde a Segunda Guerra Mundial. O dinamismo econômico, de um lado, se deslocou para a periferia, para os países emergentes; e de outro, deixou de ser as importações do centro, para os mercados domésticos destes países. Uma nova dinâmica global está emergindo, como mostra nitidamente as tendências e projeções de crescimento pós-crise.
Com mais meio século de crescimento, teremos uma sociedade moderna, democrática e rica
É nesse panorama que cabe colocar o que acontecerá com o desenvolvimento brasileiro. Na verdade, a pergunta correta seria: estamos preparados para aproveitar novamente um período de vácuo de poder e nos inserirmos no novo contexto global e deslanchar um novo projeto nacional de desenvolvimento sustentado?
A industrialização brasileira, a locomotiva do processo de desenvolvimento desde os anos 1930 até a crise da dívida externa, em 1980, não ocorreu por geração espontânea. Foi no interregno hegemônico anterior, entre o declínio do império britânico e a ascensão norte americana, que abriu espaço para manifestação de vontade política.
A partir da crise da dívida externa de 1980, ficamos dependentes do setor financeiro internacional e, com a abertura da conta de capitais e a integração financeira, voltou a dominar a mentalidade colonial na qual passamos a priorizar a estabilidade macroeconômica, em detrimento de um projeto de desenvolvimento; e o fluxo de capitais do exterior, como determinante dos investimentos e crescimento.
As políticas monetária e fiscal e o regime de taxa de câmbio foram subordinadas àquelas prioridades. O polo dinâmico foi deslocado para o exterior: sistema financeiro global e seu fluxo de capitais. O mercado foi alçado a princípio organizador e coordenador da atividade econômica. As ideias correlatas de Estado-nação, interesse nacional e planejamento estratégico foram para o index e retiradas do vocabulário e da prática, substituídas pelo discurso liberalizante e pela teoria de dependência em que somos meros coadjuvantes subordinados e associados ao poder hegemônico.
De 1980, quando finda a industrialização por meio da substituição de importações e temos a crise fiscal do Estado brasileiro, até 2004, a economia estava dominada por aquilo que Celso Furtado chamava de "insuficiência dinâmica" da estrutura produtiva. Apesar da indústria de transformação ser relativamente desenvolvida, era incapaz de gerar efeitos dinâmicos capaz de autoimpulsionar seu crescimento. Com "oferta ilimitada de trabalho" e enorme desemprego, os salários da grande massa eram extremamente deprimidos e a grande maioria ocupava empregos informais. Isso explica por que o Brasil tinha um perfil de distribuição de renda e de salários dos piores do mundo.
Com a forte queda na taxa de natalidade, em meados da década de 1980, a população jovem de 18 a 26 anos parou de crescer e tem declinado desde então. Com a aceleração do crescimento, a oferta de trabalho voltou a crescer. Naquele momento, a economia brasileira sofreu uma transformação estrutural da maior importância do ponto de vista do crescimento econômico autossustentado. Isso significou uma dramática mudança na dinâmica do mercado de trabalho. Os salários na base da pirâmide começaram a aumentar em termos reais e com crescente formalização das relações de trabalho. Pela primeira vez desde a grande onda de imigração, nas primeiras décadas do século XX, começamos a enfrentar uma situação em que mão de obra passou a ser um fator relativamente escasso.
O mais importante é que, nesse quadro, as empresas reagiram, aumentando a produtividade para compensar os aumentos de salários, gerando um círculo virtuoso e dinâmico. Como a nossa indústria de transformação está longe da fronteira tecnológica, há um espaço imenso para aumentar a produtividade do trabalho com simples processo de "catching up". E, de fato, os dados mostram que, a partir daquela data, a trajetória de produtividade sofreu uma inflexão e deslanchou no Brasil até pelo menos a crise de 2008.
Assim, geramos um círculo virtuoso dinâmico em que os aumentos dos salários, de um lado, obrigam os empresários à atualização tecnológica, e aumento de produtividade, de outro, amplia a demanda de bens de consumo que estimulam os investimentos produtivos. Esses investimentos têm sido autofinanciados pelas próprias empresas. A rigor, os dados do IBGE mostram que, nos últimos anos, as empresas brasileiras poupam muito mais do que investem produtivamente, isto é, os lucros retidos são maiores do que os investimentos até pelo menos 2008, a partir de quando os impactos do câmbio valorizado e seus efeitos sobre os custos deprimem as margens de lucro.
A criação desse círculo virtuoso dinâmico tem um paralelo na nossa história econômica. Corresponde ao deslocamento, para dentro do país, do polo dinâmico em 1930, com a introdução do processo de substituição de importações, que permitiu implantar a indústria brasileira e gerou efeitos dinâmicos autossustentados até 1980. Com a crise financeira de 2008 e novo período de interregno hegemônico, abre-se uma oportunidade de voltarmos a completar o projeto de desenvolvimento econômico e social, com o deslocamento do polo dinâmico de crescimento para dentro do país. Com mais meio século de crescimento, ainda que moderado, completaremos o projeto, iniciado nas últimas décadas do século XIX, de ter uma sociedade moderna, democrática e rica.
Yoshiaki Nakano é mestre e doutor em economia pela Cornell University. Professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP/FGV). Ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP).

Este é o sétimo de uma série de artigos sobre a crise econômica atual e seus prováveis desdobramentos no mercado internacional e no Brasil, feitos por renomados economistas a pedido do Valor.


Cenários para o Atlântico Norte
por Samuel Pessôa  -  Valor Econômico - 20/09/2012

O Valor pediu-me para traçar cenários com horizonte no desfecho da crise que aflige os países do Atlântico Norte desde o evento de crédito de setembro de 2008. Como infelizmente não sou dotado de bola de cristal, o que consigo fazer é, a partir de um particular entendimento dos processos que originaram a aguda crise do "subprime" e dos desequilíbrios que foram criados por estes mesmos processos, traçar uma possível sequência de fatos que me parecem sejam logicamente conectados com a dinâmica anterior. Assim, a maior parte do artigo será dedicada a esclarecer ao leitor minha leitura dos processos que colocaram os dois lados do Atlântico Norte onde hoje se encontram. Em seguida apontarei qual é a minha aposta para a dinâmica futura.
Estados Unidos
Na primeira metade dos anos 1990, a trajetória de crescimento da economia americana passou a ser muito mais suave do que tinha sido no pós-guerra. A menor oscilação do produto americano em torno da tendência de longo prazo pode ser atribuída, ao menos em parte, a um melhor entendimento do manejo dos instrumentos de política monetária. Este entendimento gerou o pacote formado por independência dos bancos centrais, emprego da taxa básica de juros para estabilizar a inflação em torno de uma meta e o estabelecimento de diversos mecanismos de comunicação da autoridade monetária com a sociedade.
Além dos avanços na engenharia monetária, o mundo assistia desde a conversão da China no fim dos anos 1970 para uma economia de mercado, o fenômeno mais marcante do capitalismo desde provavelmente a revolução industrial da virada do século XVIII para o XIX, na Inglaterra.
O forte crescimento chinês baseado no investimento e na capacidade colossal de poupar de sua sociedade inundou o mundo de recursos excedentes. Por alguns anos da década de 2000, a China exportou poupança da ordem 10% do Produto Interno Bruto (PIB) chinês. Esta enorme capacidade de poupar em excesso a sua necessidade para o financiamento do investimento local contribuiu para reduzir os juros internacionais.
Adicionalmente, em 2004, foram implantados os parâmetros de regulação bancária prudencial conhecidos por Basileia 2. O principal parâmetro da regulação bancária é a razão de capital dado pelo patrimônio do banco como proporção do crédito que o banco carrega em seu ativo. Quanto maior esta razão mais seguro será o banco pois mais capital próprio terá para fazer frente a imprevistos.
Para aferir o total de crédito que uma instituição financeira carrega em seu balanço, Basileia 2 estabeleceu que os diversos tipos de créditos fossem ponderados pelo respectivo risco. Essencialmente, o risco de um ativo é dado pela variabilidade do seu preço no mercado secundário. Em uma conjuntura de juros em queda, com baixa volatilidade da trajetória de crescimento das economias centrais, a variabilidade dos preços dos ativos reduziu-se muito, reduzindo os pesos para diversas classes de ativos com vistas ao cálculo da razão de capital. Pelos critérios de Basileia 2, a capacidade dos bancos originarem crédito cresceu muito. Este componente regulatório contribui para que os "spreads" entre as taxas básicas de juros e as demais taxas dos ativos de maior risco reduzissem muito no período. Assim, a primeira década do século XXI apresentou juros em queda e spreads em queda.
A redução do custo de capital induziu a um processo de acumulação de passivos nos EUA. Desde os anos 1990, a dívida das famílias americanas elevou-se. Um forte processo de desregulação bancária iniciado em meados dos anos 1970, uma estrutura de incentivos na gestão das empresas financeiras americanas que estimulou a excessiva assunção de risco por parte dos executivos e inúmeros problemas de incentivos das empresas de ratings, além de fortíssima pressão política para que o custo do crédito imobiliário fosse o menor possível fizeram com que nos anos 2000 iniciasse a bolha imobiliária conhecida como "subprime".
A leve tendência de elevação da dívida das famílias dos anos 1990 transformou-se em verdadeiro surto de endividamento. Em poucos anos a dívida bruta das famílias cresceu de 60% do PIB, no início da década de 2000, para algo próximo a pouco menos de 100% do PIB em 2008!
Evidentemente parte do problema ficava escondido pois a valorização dos imóveis e das ações das empresas nas bolsas elevava a riqueza das famílias de sorte que o crescimento do endividamento líquido das famílias parecia ser muito menor. Até que a queda dos preços dos imóveis e da cotação da bolsa mostrasse a realidade da situação das famílias.
Um problema que tem dificultado muito a política econômica americana é o elevado nível de endividamento do setor público. Trata-se de mais uma herança maldita dos anos 2000 que tem imobilizado a economia americana nos últimos anos. A crise de 2008 colocou em discussão o conhecimento da teoria econômica além do funcionamento da própria academia. Há hoje o reconhecimento que houve excessos com relação ao uso acrítico de diversos resultados da teoria. O exemplo mais patente foi a crença nos resultados da teoria da precificação eficiente dos mercados financeiros que foi utilizado como argumento para uma liberalização excessiva dos mercados financeiros e uma crença excessiva na auto regulação dos mercados financeiros.
Também houve comportamentos promíscuos de diversos acadêmicos de primeira grandeza que defenderam interesses econômicos utilizando-se a neutralidade do conhecimento "científico" como biombo para a defesa de interesses econômicos circunscritos. É verdade que tudo isto ocorreu e a academia está revendo diversos de seus procedimentos como está em curso também todo um processo de construção legislativa corrigindo os excessos da desregulação dos anos 1980 e 1990.
Retomando o fio da meada do parágrafo anterior cuja chegada será a política fiscal americana, se é verdade que parte dos excessos que produziram a crise pode ser debitada na conta da academia internacional também é verdade que boa parte dos problemas que hoje enfrentamos foi devido à inobservância de alguns princípios básicos de livro texto. Este é o caso da política fiscal americana.
A primeira década do século foi um período de forte crescimento na economia americana. Um princípio elementar de política fiscal é que ela deve ser contracíclica: nos anos das vacas gordas a dívida pública tem que ser reduzida. Ao chegar as vacas magras a dívida como proporção do produto será pequena o suficiente de sorte que a autoridade fiscal de bala na agulha para injetar demanda se for necessário.
A economia de mercado na China é o fenômeno mais marcante do capitalismo desde a revolução industrial
A resposta americana ao ataque às torres gêmeas foi iniciar uma série de guerras que foram financiadas com a elevação do endividamento público. O livro texto de finanças públicas diria que nas circunstâncias dos anos 2000 as guerras teriam que ter sido financiada com elevação de impostos. A economia americana na entrada do período agudo da crise no final de 2008 apresentava dívida na casa de 70% do PIB o que dificultou o enfrentamento da crise.
Europa
Exatamente no início da primeira década do século a Europa lançava sua moeda única, o euro, criando a união monetária. O euro apresentou pelo menos três erros de arquitetura. Primeiro, não se construiu previamente a união bancária. Um dos efeitos da união monetária foi a convergência das taxas de juros.
A convergência das taxas em uma união monetária produz fortíssimas interconexões entre os diversos sistemas bancários. Ativos e passivos dos sistemas bancários dos diversos países acumularão papéis de outros sistemas bancários. É necessário haver uma centralização da regulação prudencial com uma legislação unificada de falência bancária dando poderes ao regulador de intervenção e liquidação de bancos com regras claras de precedência sobre a massa falida. Adicionalmente o regulador com poder de liquidação tem de ser dotado de um fundo garantidor de crédito de forma a garantir o regular funcionamento do sistema bancário por ocasião de um evento de falência de alguma instituição financeira.
O segundo erro de arquitetura do euro foi não haver previamente a construção da união fiscal. Uma lista mínima sugere que a entidade fiscal europeia tinha que ao menos ter alguma poder de tributação para financiar o fundo garantidor de crédito - pode ser como ocorre no Brasil por meio de algum imposto sobre operações financeiras - e para financiar o seguro desemprego. Em uma união monetária é irracional que os tesouros das unidades que a formam sejam responsáveis por um gasto que seja totalmente associado ao ciclo econômico.
Evidentemente a criação de um seguro desemprego Europeu exigiria a harmonização das regras nacionais de acesso, prazos, remuneração e contrapartidas requeridas ao desempregado com acesso ao programa.
O terceiro erro foi regulatório. Por isonomia, definiu-se que no cálculo da razão de capital com vistas ao atendimento dos limites de Basileia a dívida soberana de qualquer economia pertencente à união monetária teria tratamento simétrico. Todas teriam peso nulo por serem consideradas ativo livre de risco não contribuindo para o cálculo do patrimônio líquido com proporção dos ativos. Este erro regulatório estimulou assunção excessiva de risco por parte dos bancos Europeus que carregaram seu ativo com créditos contra os tesouros das economias do sul da união monetária. A política, pela vias de menor resistência, construiu a união monetária à revelia do livro-texto de economia.
A consequência da unificação monetária e do erro regulatório de tratar a dívida soberana de todas as economias da região de forma simétrica foi a fortíssima queda dos spreads das dívidas soberanas das economias da periferia, em um momento que os juros no mundo já estavam em queda.
O resultado foi um forte processo de acumulação de passivos em diversas economias da periferia da Europa. Uma sociedade somente acumula passivos importando poupança, isto é, absorvendo na forma de consumo e investimento mais do que a produção da economia. O excesso da absorção sobre a produção será a poupança externa. Ocorre que somente é possível absorver poupança externa na forma de bens e serviços transacionáveis. Como parte do excesso da absorção sobre a produção será na forma de demanda por serviços que tipicamente são bens de oferta local, o processo de acumulação de passivos necessariamente gera excesso de demanda por serviços.
Crescimento potencial diminuiu nos Estados Unidos e dificulta a redução da taxa de desemprego
O excesso de demanda por serviços, por sua vez, produz elevação dos preços dos serviços. Os países da periferia da zona monetária apresentaram ao longo da década de 2000 forte elevação dos serviços e dos salários, estes últimos bem acima da produtividade. De sorte que em 2008 havia uma perda competitiva da periferia em relação à Alemanha, tomando 2000 como base, da ordem de 25%.
Prognóstico
Assim, em meados de 2008, tínhamos o setor público e as famílias americanos muito endividados e a periferia da união monetária europeia apresentando perda de competitividade relativamente ao norte da Europa da ordem de 25%. No caso grego o setor público tinha se endividado muito; no caso espanhol, o problema foi do setor privado; e, no caso português, um pouco de cada.
Em seguida ao estouro da bolha imobiliária nos EUA, iniciou-se um longo processo de redução das dívidas das famílias. No período da grande moderação, as famílias, que investiam 1% do PIB além de sua poupança, passaram a poupar além do investimento 3%. A desalavancagem das famílias americanas retirou 4% do PIB de demanda. A piora das expectativas e a elevação da incerteza fez com que as empresas, que não estavam particularmente endividadas, reduzissem o investimento em excesso à poupança em outros 3% do PIB.
Portanto, o ajustamento do setor privado, famílias e empresas, retirou 7% do PIB de demanda agregada. Parte foi compensada pela redução da absorção da poupança externa. No entanto a incapacidade do setor público em fazer uma política fiscal contracíclica mais incisiva tem mantido a economia crescendo 2% ao ano.
Qual é o prognóstico para a economia americana? Parto de duas hipóteses com respeito ao funcionamento da economia.
Primeira, houve nas últimas duas décadas em função de alterações demográficas uma redução da taxa de crescimento do produto potencial. No pós-guerra a economia americana cresceu em média 3% ao ano. A taxa de crescimento do produto potencial para a economia americana situa-se hoje pouco acima de 2% ao ano. Certamente abaixo de 2,5%. É por este motivo que, ao crescer 2% ao ano nos últimos anos, a taxa de desemprego não tem aumentado continuamente.
De fato, crescer 2% ao ano não é ruim para a economia americana. A questão é que é necessário crescer além deste nível durante uns anos para eliminar o desemprego.
A segunda hipótese é que a elevada taxa de desemprego não é fruto de mau funcionamento do mercado de trabalho mas é consequência de uma situação keynesiana de carência de demanda agregada. É verdade que há problemas estruturais na economia americana como atesta a contínua tendência à piora da distribuição de renda desde meados dos anos 1970. No entanto, no meu entender, estes problemas estruturais não impedem um equilíbrio da economia com desemprego na casa de 5,5% a 6%.
Dada estas duas hipóteses penso que a economia americana crescerá a partir de meados de 2014 ou 2015 à taxa de 3% a 3,5% ao ano, até que o desemprego se aproxime do natural. A partir deste ponto a economia crescerá à taxa de crescimento do produto potencial, 2% ao ano. Até lá teremos que esperar o término do processo de desalavancagem das famílias, que deve terminar em meados de 2014 ou em algum ponto de 2015.
Outra questão é sabermos quanto tempo levará, em seguida ao término do processo de desalavancagem das famílias, para a taxa de desemprego cair dos atuais 8% para 6%. Na economia americana, a cada 1 ponto percentual de crescimento durante um ano além do crescimento potencial a taxa de desemprego diminui 0,5%. Assim, se passar a crescer 3% ao ano a partir de 2015, a taxa de desemprego será de 6% após 4 anos, por volta de 2018. Se neste período crescer a 4% o pleno emprego será atingido em 2016.
Se houver em 2013 "o abismo fiscal", com a retirada de 3% do PIB de impulso fiscal, todo o processo de desalavancagem levará um ou dois anos a mais. A recuperação ficará para 2016.
A grande diferença entre a economia americana e a economia europeia é que esta patina e não sai do lugar enquanto aquela patina mas consegue evoluir. Mais da metade do processo de desalavancagem das famílias americanas já ocorreu. Na periferia do euro há um processo de ganho de competitividade por meio de uma estratégia deflacionária. O enorme ajustamento a qual estas economias estão submetidas visa ajustar as contas públicas e, por meio de uma deflação de salários e serviços em geral, reverter o processo de inflação de serviços além do observado no norte da Europa que ocorreu na primeira década de vigência da moeda única. A grande dificuldade é que a roda dos preços não gira para trás da mesma forma que para frente. Não há exemplo na história econômica do século XX de experiência bem sucedida de ataque deflacionário a um problema de atraso competitivo de 25%. Esta estratégia não funcionará.
Sendo otimista, o Banco Central Europeu (BCE) continuará refinanciando os Tesouros e, portanto, o processo de inundar a Europa de liquidez persistirá. Em alguns anos, o excesso de liquidez redundará em aceleração inflacionária no norte da Europa o que corrigirá os desequilíbrios de competitividade no interior da união monetária.
Entrementes os políticos europeus fazem o seu trabalho e completam a construção do euro: união bancária com unificação da regulação prudencial e legislação de falência bancária dotada de fundo garantidor de crédito, união fiscal mínima e criação do título europeu livre de risco, emitido pela autoridade fiscal europeia.
Por outro lado o equacionamento dos problemas de arquitetura do euro será a garantia que os desequilíbrios criados na primeira década de vigência da moeda única não se repetirão abrindo espaço para que haja algum grau de mutualização do excessivo endividamento dos países da periferia da Europa. No processo de mutualização, o título europeu desempenhará papel central.
Caso as sociedades do norte da Europa insistam em não aceitar um ajuste inflacionário, não há possibilidade de continuidade da união monetária. Tenho enorme dificuldade de traçar cenários com a dissolução da moeda única europeia. Deixo esta empreitada aos meus colegas (mais corajosos do que eu) que participam da série arriscando cenários.
Samuel Pessôa é pesquisador associado do Ibre-FGV.  - VER MAIS SAMUEL, IN: DESINDUSTRIALIZAÇÃO

Este é o oitavo de uma série de artigos sobre a crise econômica atual e seus prováveis desdobramentos no mercado internacional e no Brasil, feitos por renomados economistas a pedido do Valor.



A crise é permanente, mutante e contagiosa
po Tony Volpon - Valor Econômico - 21/09/2012
Normalmente pensamos em "crise" como algo instável, um processo de transição entre uma situação que não mais se sustenta e uma nova, em que as contradições se resolvem e a estabilidade se restabelece.
Mas será que a crise não se tornou a nossa normalidade? Podemos imaginar a crise não como processo, mas sim como estado, um processo que se autoalimenta e assim se sustenta?
Gostaria de defender essa tese sobre a crise que estamos vivendo. A crise que enfrentamos, em sua essência, não é uma anormalidade que devemos procurar superar. Na verdade, ela define os tempos que vivemos. Isso não implica, necessariamente, que estejamos condenados a um mal-estar permanente. Na etimologia original da palavra na língua grega, "krisis" também significava decisão e poder de escolha. Vou defender a ideia de que isso ocorre na situação atual.
Mas, infelizmente, devemos reconhecer que a crise agora chegou ao Brasil, ou melhor, aos emergentes. Não é por acaso que hoje vemos forte desaceleração de crescimento na maioria das grandes economias emergentes, não somente no Brasil, mas também na China e na Índia.
A crise atual não se diferencia somente por seu caráter permanente. Ela também é mutante e contagiosa. Seu "ground zero", seu ponto de início, não se deu por aqui, mas ela chegou. E, para entender sua essência, devemos voltar ao ponto de origem, isto é, aos Estados Unidos.
Pax americana
A ordem econômica mundial estabelecida com o fim da Segunda Guerra Mundial, tendo os Estados Unidos como poder hegemônico, iniciou um período de estabilidade que, do ponto de vista atual, parece mais e mais como uma época de ouro. A Guerra Fria, com todos os seus riscos apocalípticos, foi no fim do dia, do ponto de vista econômico, pouco relevante.
Nessa nova ordem mundial, todos tinham seu lugar. Os Estados Unidos e os países desenvolvidos detinham a dianteira tecnológica e científica, assim alimentando sua indústria em contínuo processo de crescimento e inovação. Países periféricos, carentes da densidade institucional para concorrer com os desenvolvidos, assumiam lugar subordinado, alguns tendo a sorte de produzir algum tipo de matéria- prima. Ter essa sorte possibilitou maior integração à economia mundial, permitindo, assim, importar manufaturados ou até arriscar a construção de uma capacidade industrial local.
Essa divisão internacional do trabalho foi responsável pela ascensão da grande classe média consumidora nos países desenvolvidos. Por força do processo democrático, os trabalhadores nos países desenvolvidos aumentaram de forma contínua seus rendimentos, o que, pelo crescimento da produtividade, criou um círculo virtuoso de desenvolvimento. Contra tudo que pregava a visão marxista de um embate necessário entre as classes, capital e trabalho andaram juntos nos anos 1950 e 1960 nos países desenvolvidos.
Mas, muito em sintonia com o conceito marxista de que a base tecnológica determina a superestrutura política, social e ideológica, a partir dos anos 1970 um conjunto de desenvolvimentos possibilitou a crescente internacionalização da economia global, especialmente a industrial. De maneira crescente, o processo de produção não estava mais atado a algum local, mas poderia se espalhar, buscando nichos de vantagem competitiva. O pacto econômico e social nos países desenvolvidos entre capital e trabalho começou a se dissolver.
Apesar de ser um processo gradual, ele se acelerou de forma vertiginosa com a entrada da China como plataforma manufaturadora da economia global. Não devemos perder de vista a grande ironia de que foi justamente um país nominalmente comunista que transformou a face do capitalismo global, juntando a disciplina maoísta de sua força de trabalho com a mais "neoliberal" política de abertura para o comércio exterior e os investimentos estrangeiros.
A globalização chinesa
A ascensão econômica chinesa é certamente uma das mais importantes causas do esvaziamento e declínio da indústria dos países desenvolvidos, da decadência da classe média, do crescimento da desigualdade de renda, bem como da falta de sustentabilidade de seus generosos sistemas de previdência social. Cada um desses fenômenos é decorrente do outro, um resultado do rearranjo da economia global, em que o capital se alinha onde há mais ganho, sem limitações geográficas.
Já ficou bastante claro que o grande salto da economia brasileira nos últimos anos tem tido como motor principal o desenvolvimento chinês. Por uma variedade de canais de riqueza e renda, a simbiose entre nosso país, rico em toda variedade de matérias-primas, e a voraz demanda chinesa possibilitou uma mudança no nosso padrão de desenvolvimento. Somos sócios privilegiados da globalização chinesa.
Sofisticação do mercado facilitou a alavancagem que resultou na bolha imobiliária e de crédito
Apesar de os dados mostrarem claramente que a decadência da classe média americana já vem dos anos 70 e 80 do século passado, os mesmos avanços tecnológicos que permitiram a difração do processo produtivo em múltiplas partes espalhadas ao redor do mundo também permitiram uma enorme sofisticação dos mercados financeiros. Isso possibilitou a crescente alavancagem de renda dos americanos, aumentando seu consumo na base do crédito, e assim criando um falso senso de bem-estar que escondeu, econômica e politicamente, uma crescente deterioração da renda real. Como hoje sabemos, tudo resultou numa enorme bolha imobiliária e de crédito.
Na Europa, a dinâmica foi um tanto diferente, mas não o resultado. A união econômica imaginada ao redor do euro junta economias díspares em um projeto de convergência. Mas a moeda única não funcionou como mecanismo de convergência e, sim, de divergência.
As economias do Sul se endividaram a um custo igual ao das mais avançadas economias do Norte, possibilitando um boom de consumo que elevou o custo do trabalho. Isso aumentou fortemente a já grande divergência de competitividade entre as duas regiões do continente. Com isso, tivemos mais uma crise de dívida, nesse caso não somente dos setores privado e bancário, mas também uma crise soberana.
A crise chega aos emergentes
As dinâmicas descritas acima parecem colocar os países emergentes em lugar privilegiado nessa nova ordem econômica mundial. Isso tem sido aceito como um lugar-comum, e muitas políticas e estratégias de negócio (por exemplo, a popularidade dos Brics, grupo de países que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul como tema de investimento) acabaram tendo essa aparente obviedade como parâmetro central.
Por isso, a questão mais urgente hoje não são os últimos desdobramentos da crise europeia ou os derradeiros movimentos do Federal Reserve (Fed), o banco central americano. A questão mais urgente é a desaceleração do crescimento nas grandes economias emergentes, em especial na China e no próprio Brasil.
Acredito hoje ser possível postular que há algo em comum nesse processo, apesar da grande disparidade de condições entre as grandes potências emergentes e os países desenvolvidos.
Nos países desenvolvidos, a crise foi o desdobramento final de um processo longo onde houve uma fundamental ruptura de interesses entre uma elite hoje globalizada e uma classe média e trabalhadora local. Essa ruptura, apesar de ter uma base tecnológica, foi fundamentalmente política. Vemos nisso uma falha no processo democrático, na sua incapacidade de articular um projeto nacional frente a uma economia crescentemente global. Mas nada aconteceu por acaso. Isso decorreu de escolhas políticas.
Vemos uma repetição desse processo hoje nos emergentes. Cada uma das grandes potências emergentes já colheu os ganhos fáceis da nova globalização, mas agora enfrenta problemas estruturais para garantir a continuidade do seu desenvolvimento, para qual, o processo político não tem achado respostas adequadas.
No caso chinês, isso tem a ver com a necessidade de trocar um modelo de crescimento demasiadamente concentrado no investimento por um baseado no consumo, processo que encontra grande resistência na elite que circula entre o Partido Comunista, governo e o setor estatal, que têm a base de sustentação do seu poder no modelo centrado nos investimentos.
O Brasil enfrenta o desafio contrário. Tem que transformar um politicamente popular modelo de crescimento baseado em consumo em outro, focado em investimento e competitividade.
É na incapacidade política de responder na velocidade necessária a um conjunto de mudanças tecnológicas e econômicas que encontramos a essência da crise atual. Hoje isso não mais se limita ao mundo desenvolvido, já vemos com clareza os efeitos nos emergentes, que não podem dar respostas políticas e institucionais adequadas à rápida mudança de circunstâncias impostas pelas tecnologias modernas.
E é exatamente por isso que não podemos pensar no atual estado de crise como algo passageiro: o hiato entre a política e a tecnologia, entre a política e os mercados, não deve ter fim.
Previsões, previsões
O que diz essa conceituação da crise sobre o que deve acontecer doravante? Devemos de antemão reconhecer que uma das principais características do nosso tempo é a sua enorme complexidade, fazendo qualquer tentativa de previsão algo heroico, senão impossível. Mas uma coisa me parece clara: a economia coloca o problema, mas a solução terá que ser política.
No caso da China, a recente queda de sua taxa de crescimento deve ser vista como sendo mais estrutural e permanente do que cíclica. A relutância da liderança do Partido Comunista em lançar mais um programa de investimentos evidencia não só um delicado momento de transição política, mas o reconhecimento de que os resultados dessa política de investimento tendem a ser marginalmente decrescentes.
Não há como criar uma estrutura institucional única na zona do euro sem substancial perda de soberania nacional
Não devemos desprezar as dificuldades de se trocar um modelo baseado em investimento por outro, amparado por exportações e consumo - nenhum dos países asiáticos mais desenvolvidos conseguiu fazer isso com pleno sucesso. Fora as dificuldades de enfrentar os grupos que hoje desfrutam do modelo atual, há o fato de que o desafio de qualquer processo de liberalização, como tem que acontecer no setor financeiro, normalmente aumenta os riscos macroeconômicos.
Enquanto não devemos desprezar a capacidade da sociedade chinesa de achar soluções para seus problemas, essas dificuldades, somadas a uma já esperada implosão demográfica, devem taxar enormemente a sua capacidade de adaptação. Nos próximos anos, um crescimento perto de 7% deve ser visto como um bom resultado na China, e não devemos nos surpreender quando a taxa for de fato menor.
Na Europa, a crise é de superendividamento, com suportes institucional e político inadequados para sustentar uma união europeia. Para resolver a questão da dívida, teremos que ver um "encontro de contas" entre os credores do Norte e os devedores do Sul, algo que passa pelos vários programas de ajuste já em curso.
Mas há limites políticos e sociais para o volume de recursos que serão repassados dos devedores para os credores e a velocidade em que isso vai ocorrer. Esses limites mudam ao longo do tempo. Há uma tendência de o prolongamento da recessão nos países devedores diminuir os limites do ponto de vista político. O recente pacote de ajuda do Banco Central Europeu (BCE) deve garantir tempo para a negociação política dessas transferências e, ao mesmo tempo, construir o suporte institucional necessário à consolidação da moeda única.
Mas o problema central persiste: não há como criar essa estrutura institucional sem substancial perda de soberania nacional. Apesar disso, o terror do caos que se instalaria no continente com a dissolução do euro deve ser suficiente para levar todos os envolvidos a ceder no que for necessário. Mas o processo será bastante complicado e longo.
Talvez, surpreendentemente, o melhor colocado economicamente para superar seus problemas sejam os Estados Unidos, o "ground zero" da crise. De todos os grandes blocos econômicos, têm a melhor situação demográfica. Seus problemas fiscais, por maiores que sejam, podem facilmente ser resolvidos a tempo com um razoável mix de corte de despesas e aumento de receita. E, depois de anos de queda de sua moeda, sua indústria parece ter recuperado certa competitividade. Além disso, sua capacidade de inovação tecnológica ainda é amplamente superior à de qualquer rival.
Apesar dessas vantagens, o desafio de achar um consenso em uma sociedade tão dividida, em meio a partidos crescentemente antagônicos, pode prolongar ou mesmo piorar a crise. O possível "fiscal cliff" será um importante teste para se descobrir se, apesar de tudo, ainda existe racionalidade na política americana.
E o Brasil? A boa notícia é que o baixo crescimento deste e do último ano acabou finalmente com a falsa euforia e colocou no centro do debate questões como a competitividade e a necessidade de se pensar na oferta e não somente na demanda econômica.
Para vencer essa agenda, certos preconceitos políticos, em relação às privatizações e ao tamanho do Estado, por exemplo, precisam ser superados. Precisam ser vencidos os interesses dos grupos que desfrutam de vantagens do modelo atual, assim como ocorre na China. Sem isso, parece que estaremos condenados a ter uma taxa de crescimento potencial mais perto de 3% ao ano do que de 4% ou mais, o que não exatamente se configura como um desastre, mas é bem menos do que podemos atingir. Afinal, a escolha será nossa, como no caso também dos outros países.
Na economia globalizada de hoje, o que conta é flexibilidade e rapidez de ação: o que foi ontem uma vantagem pode ser hoje uma desvantagem, o que foi um ponto forte pode virar uma fraqueza. O tempo da política sempre será necessariamente mais lento que o do mercado, mas admitir isso não implica aceitar que nossos sistemas políticos fiquem indiferentes à necessidade de responder prontamente aos desafios atuais. A crise pode ser uma condição permanente dos nossos dias, mas como bem sabiam os gregos antigos, ela no fundo implica que temos escolhas a fazer.
Tony Volpon é diretor da Nomura Securities International, Inc.

Este é o nono....



O Brasil no novo contexto global
por Ilan Goldfajn e Felipe Salles
Valor Econômico - 24/09/2012
A economia brasileira está demorando a voltar a crescer mais forte. O cenário global não é favorável, os custos no Brasil encontram-se muito altos e os planos de investimento aguardam uma retomada mais consistente. O governo tem adotado novas medidas de estímulo. Vai dar certo?
Se "dar certo" significa que a economia deve tornar a crescer mais do que indicado pelo último número do Produto Interno bruto (PIB) - crescimento de 0,4% sobre trimestre anterior -, a resposta é sim. Componentes cíclicos e conjunturais - reversão do ciclo de estoques, estímulos monetários e fiscais e estabilização da desaceleração mundial - vão contribuir para a economia retomar o crescimento em algum momento no futuro próximo. Mais difícil é saber se o Brasil consegue crescer a uma taxa maior de forma sustentável - no médio prazo, digamos até 2020.
O contexto internacional mudou, e o que era um estímulo global ao crescimento dos países virou uma restrição.
A virada ocorreu com a crise financeira, iniciada com o estouro da bolha no setor imobiliário dos EUA - em particular no mercado subprime -, rapidamente atingiu o setor bancário e culminou com a quebra do Lehman Brothers em setembro de 2008, que afetou a economia global.
Após um período de retomada e otimismo, fruto das ações dos governos e, principalmente, de seus bancos centrais, surgiram problemas nas regiões mais frágeis da economia global. Os países periféricos europeus passaram a apresentar problemas em função de um longo período de crédito farto e barato após a adoção do euro. A política fiscal expansionista ao longo da década (e também na reação à crise) cobrou seu preço: vários países, como Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha tiveram significativo aumento do déficit público, gerando dúvidas com relação à sustentabilidade de suas dívidas e dificultando o acesso aos mercados. Ações de bancos dos países periféricos caíram, sinalizando que a saúde do setor estava debilitada, e famílias e empresas passaram a retirar seus depósitos bancários em alguns países.
Com passos lentos, oscilantes e irregulares, as autoridades europeias tomaram uma série de medidas que, embora necessárias para evitar um colapso na região, ainda não solucionaram o problema. O Banco Central Europeu (BCE) tem sido chave para evitar o colapso, adquirindo títulos públicos problemáticos no mercado secundário, e disponibilizou liquidez barata. Recentemente, comprometeu-se a intervir ainda mais.
Apesar de todo esse esforço, os países da zona do euro têm dificuldade para crescer. A dinâmica da dívida (como proporção do PIB) piora não só por causa déficit público, mas também pela redução do crescimento. Os balanços dos bancos e empresas pioram com a perda das receitas e aumento da inadimplência. O desemprego elevado gera instabilidade social e política.
A Europa terminará em desastre, com o fim da zona do euro? Acreditamos que o euro continuará existindo, mas talvez sem a exata composição atual (com a saída da Grécia, por exemplo). Nesse cenário, a Europa irá, aos trancos e barrancos, avançar nas questões-chave - ajustes fiscais, reformas estruturais e instituições que contemplem maior integração fiscal e regulatória no euro. Esses avanços são lentos, e enquanto as medidas são adotadas, o BCE irá adquirindo boa parte das dívidas dos periféricos para evitar uma quebra na região, realizando efetivamente um enorme estímulo quantitativo, o "quantitative easing" (QE). Delineia-se um período longo de ajuste com crescimento baixo.
Nos EUA, não esperamos uma volta à recessão, nem uma recuperação forte, a exemplo da Europa. A agressiva expansão monetária adotada pelo banco central americano (Fed) logrou evitar uma deflação, que poderia tornar a saída da crise mais complicada (da mesma forma que a inflação elevada reduz o valor real das dívidas, a deflação dificulta o processo de desalavancagem). O desemprego continua elevado, mas nada comparável ao que se seguiu à crise de 1929. O déficit público precisa ser reduzido, mas não existem dúvidas sobre a capacidade de o governo honrar suas dívidas.
O setor privado avançou bastante nos necessários ajustes para retomar o crescimento no longo prazo de forma sustentável. Os balanços de bancos e empresas estão relativamente saudáveis, as famílias elevaram a taxa de poupança e vêm pagando suas dívidas. Os preços dos imóveis estabilizaram-se, o estoque de imóveis à venda reduziu-se e a demanda começa a dar sinais de vida.
O problema é que boa parte do ajuste do setor privado deu-se à custa do setor público. O estoque da dívida pública aumentou, o déficit público aumentou e o balanço do Fed elevou-se de forma significativa. Esse ajuste - o do setor público - ainda está por ser feito, e existem incertezas no processo (por exemplo: será o Fed capaz de reduzir o seu balanço quando as condições financeiras se normalizarem por completo? O risco é de uma inflação mais elevada no futuro longínquo).
As perspectivas são de crescimento moderado: por um lado, o necessário ajuste fiscal dificulta a volta no crescimento, por outro lado, em algum momento, o setor de construção, atualmente estagnado, poderá voltar à normalidade, trazendo estímulos à economia.
Em geral, as condições estruturais para o crescimento de longo prazo não são favoráveis nos EUA e na Europa. Em primeiro lugar, as condições demográficas tendem a piorar. Nos EUA, o crescimento da mão de obra se reduzirá frente ao período recente. Na Europa, a situação é ainda pior: o envelhecimento da população e a dinâmica migratória devem reduzir a população em idade ativa. Em segundo lugar, a taxa de crescimento do estoque de capital será menor. Para manter o crescimento do estoque de capital nos níveis pré-crise, os Estados Unidos necessitariam de elevado déficit em conta corrente, dada a baixa poupança doméstica, o que parece implausível.
O mundo parece estar diante de um período longo de taxas baixas ou moderadas de expansão
A China também enfrenta desafios. O modelo voltado para investimento e exportação dá sinais de esgotamento desde a crise de 2008, e há necessidade de elevar o consumo interno. Essa transição não é trivial, pois um número de reformas institucionais deve ser implementado. A elevação do consumo passa por uma redução da poupança das famílias, o que por sua vez requer maior cobertura previdenciária, maior oferta de serviços públicos (saúde e educação), políticas de elevação do salário real e algum grau de liberalização do sistema financeiro local. A contrapartida da adoção desses ajustes é um aumento dos custos de produção, diminuindo a competitividade do país em bens transacionáveis.
Adicionalmente, o governo chinês tem demonstrado uma opção por um crescimento moderado. A adoção de políticas anticíclicas durante a crise do Lehman gerou desequilíbrios. A participação dos investimentos no PIB, que já era elevada, subiu até chegar a quase 50%. A dívida dos governos locais aumentou bastante, e pairam dúvidas quanto ao pagamento dos empréstimos bancários que financiaram essa expansão. O setor imobiliário deu mostras de superaquecimento, levando o governo a tomar medidas para frear a expansão do setor desde o início de 2011. Perante os desafios domésticos (transição para um modelo de crescimento baseado no consumo) e externos (continuidade da crise externa), o governo chinês optou por um crescimento menor, porém sustentável no longo prazo. Não imaginamos a volta a um crescimento acelerado, de dois dígitos, nem tampouco uma crise que leve a uma parada brusca no crescimento.
Na China projetamos um crescimento mais baixo, porém sustentável, nos próximos anos. A transição para um modelo de crescimento baseado no consumo doméstico requer redução da participação dos investimentos no PIB. A demografia será menos favorável, com redução da população em idade ativa a partir de 2015. Por fim, a migração de trabalhadores do campo para a cidade continuará, mas cada vez mais para o setor de serviços, menos produtivo, do que para a indústria.
O mundo parece estar diante de um período longo de taxas baixas ou moderadas de crescimento. Economias em desenvolvimento não vão mais se beneficiar de um ambiente global estimulativo, a fase de crescimento acelerado baseado nas exportações chegou ao seu fim.
Em números, projetamos as seguintes taxas de crescimento para as regiões mais relevantes da economia global: ao longo da segunda metade da década, a zona do euro voltará a crescer de forma moderada, em torno de 1%. Os EUA terão crescimento médio um pouco acima de 2% na segunda metade da década, e a China verá seu crescimento encolher de cerca de 8% para perto de 6,5%, em 2020. E o Brasil?
O fim do período favorável da economia global tem gerado desafios à economia brasileira nessa transição para um novo regime.
O País sentiu o impacto da crise em 2008. Mas a recuperação não tardou a vir. Com a contribuição da forte retomada global, sob a égide da China, fortes estímulos governamentais levaram o crescimento para 7,5% em 2010 (de -0,3%, em 2009).
Nesse processo, houve alguns excessos nos planos de expansão e produção. Os salários subiram muito acima da produtividade. A inflação acelerou-se e ameaçou estourar o teto da meta. O governo reagiu ao aumento da inflação adotando uma política econômica contracionista.
Tais excessos, associados à deterioração do quadro externo e às medidas do governo para esfriar a economia, levaram a uma desaceleração da economia brasileira (o crescimento de 2011 caiu para 2,7%, continuando a cair até meados de 2012).
O espaço da queda de juros deve ser usado para aumentar o investimento público ou para incentivar o privado
Para a frente, projetamos que a economia doméstica vai se recuperar no fim de 2012 e voltará a crescer (acima de 1,5%, em 2012, e acima de 4%, em 2013).
Estimamos crescimento médio entre 3,5% e 4% na segunda metade da década. Essa expectativa está baseada num conjunto de tendências para a economia brasileira que precisam se delinear mais claramente. Entre elas:
1) É necessário investir mais para continuar crescendo. Não será possível continuar crescendo apenas incorporando mão de obra à produção. Na última década o emprego esteve em alta seguida e as empresas enfrentaram escassez de mão de obra. O desemprego chegou a recorde de baixa. Agora há necessidade de acumular mais capital para manter esses empregos e crescer mais.
2) O aumento do investimento privado é essencial. As parcerias público-privadas e o anúncio recente de leilões de novas concessões na infraestrutura - rodovias, ferrovias, aeroportos, portos - são uma solução. Mas o setor privado vai precisar de retornos adequados para aumentar os investimentos.
3) Os custos de produção estão muito elevados e representam um verdadeiro gargalo. Há várias iniciativas para reduzir os custos. Está ficando claro que parte relevante da redução dos custos envolve, em certa medida, o governo abdicar de suas receitas. O pacote para reduzir o custo da energia no Brasil e as desonerações da folha de pagamentos são os mais recentes exemplos. Os investimentos da Petrobras vão precisar de preços dos combustíveis alinhados com o resto do mundo, o que pode exigir desonerações adicionais de imposto na gasolina e no diesel.
Essas medidas no final vão desembocar na redução da carga tributária, que hoje representa em torno de 35% do PIB e é muito elevada para um país em desenvolvimento. Parece a solução ideal. A redução da carga tributária tem tudo para reduzir os custos de produção e estimular o investimento privado, essencial para crescer mais no médio prazo.
Mas as contas do governo comportam uma queda mais significativa da receita? Sim, um gasto permanente menor de juros pode levar a um déficit nominal menor e permitir uma dinâmica da dívida mais favorável, abrindo espaço fiscal.
Não estamos entre os que creem na queda sustentável dos juros básicos da economia (Selic) por simples decisão do governo. Mas acreditamos na convergência dos juros para padrões internacionais no médio prazo no País, desde a conquista da estabilidade macroeconômica e a consequente queda do risco Brasil.
A tendência tem sido de queda dos juros, apesar de mais lenta que o desejado. Para a frente, o crescimento mais moderado dos gastos do governo e do crédito no País pode permitir uma queda mais sustentada da taxa de juros (evitando a volta dos juros aos dois dígitos, mesmo após a retomada da economia).
O elevado crescimento dos gastos públicos teve até hoje como contrapartida uma alta carga tributária, mas também juros mais altos. Se os gastos crescerem mais devagar (ou forem realocados para investimento), a consequente queda dos juros pode permitir uma carga tributária menor. A cada 1% de queda permanente na Selic, estimamos ser possível reduzir a carga tributária em 0,5% do PIB, sem piorar as contas públicas (déficit nominal).
Mas o espaço da queda de juros, se vier, deve ser utilizado para aumentar o investimento público ou para incentivar o investimento privado. A tentação de aumentar os gastos públicos ou incentivar o consumo privado (com deduções) pode tornar inviável a sustentabilidade da queda de juros, desequilibrar as contas públicas e acarretar o aumento da inflação.
As medidas recentes têm procurado incentivar o investimento por meio da redução de custos. Mas têm incluído também algum esforço para reduzir os preços no curto prazo e incentivar o consumo. O ideal é manter o foco no investimento e no crescimento sustentável no médio prazo, principalmente num mundo cujos ventos não serão favoráveis por algum tempo.
Ilan Goldfajn é economista-chefe do Itaú Unibanco e sócio do IBBA. Felipe Salles é economista sênior do Itaú Unibanco
Este é o último [décimo] de uma série de artigos sobre a crise econômica atual e seus prováveis desdobramentos no mercado internacional e no Brasil, feitos por renomados economistas a pedido do Valor.



Para Stiglitz, crise global está longe de terminar
Por Mônica Scaramuzzo | De Nova York - Valor Econômico, 21-09-2012
O economista americano Joseph E. Stiglitz, prêmio Nobel em 2001, não está otimista em relação à recuperação dos Estados Unidos e acha que a crise global está longe de terminar. Segundo ele, o anúncio feito na semana passada pelo Federal Reserve (Fed), de mais medidas de estímulo na expectativa de combater o desemprego, mostra que "o Fed reconhece que a economia americana não está indo bem".
Stiglitz lembrou que grande parte da população americana ainda tem dificuldades para encontrar emprego em tempo integral e muitos estão trabalhando por meio período - algo que não é um bom sinalizador. A taxa americana de desemprego está acima de 8%.
Stiglitz, que foi economista-chefe do Banco Mundial e participou do governo de Bill Clinton, também citou que o governo precisa encontrar uma solução para refinanciar o programa de hipotecas e atender uma grande parcela da população. "Não estou otimista e o motivo é que as políticas de incentivo talvez não sejam substanciais para resolver o problema", disse.
Stiglitz também se mostrou cético em relação a notícias sobre o consumo nos Estados Unidos, que voltou a subir, embora seja um crescimento pequeno. "A recuperação do consumo é insignificante, se considerar que grande parte da população americana, de baixa renda, não está se beneficiando."
O economista avaliou ainda como "muito sério" o problema por que passa o euro. Severo crítico da austeridade imposta por governos europeus, ele disse que esse tipo de medida traz recessão, lembrando o caso da Argentina durante o período de turbulência financeira. Mas acha que o euro pode ser salvo. "Este é o meu cenário otimista para a zona do euro", disse ele em Nova York, em palestra organizada pela indústria química alemã Lanxess.
Sobre o Brasil, ele afirmou que o governo adotou boas políticas macroeconômicas nos últimos anos, mas a desaceleração pela qual o país passa é reflexo de sua forte dependência das commodities. A desaceleração da China provoca impacto negativo nos países exportadores de commodities, caso do Brasil. Contudo, ele avalia que o governo chinês tem "os recursos, as ferramentas e os incentivos para que a economia não desacelere tanto".
A repórter viajou a convite da Lanxess


Stiglitz: desaceleração da China é ruim para emergentes como o Brasil
Por Mônica Scaramuzzo | Valor
NOVA YORK - O economista americano Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia em 2001, acredita que a economia dos países emergentes, sobretudo daqueles dependentes de commodities, pode ser afetada pela desaceleração da economia chinesa, que deve crescer 7% em 2012.
Durante palestra sobre macroeconomia realizada em Nova York, ele citou que um dos países afetados seria o Brasil, exportador de commodities como grãos e minério, por exemplo. Stiglitz nota que outros efeitos paralelos podem surgir da desaceleração chinesa.
"O governo brasileiro tem adotado bons programas políticos nos últimos anos e o país foi beneficiado pelo boom de exportações de commodities", disse. "Mas se o Brasil não cresce como o esperado, países como Argentina também podem ser afetados", disse.
Ele acredita que o governo chinês tem as ferramentas para incentivar a expansão no país. No entanto, com uma eventual queda de investimentos em infraestrutura, por exemplo, o crescimento pode decepcionar. Países africanos dependentes de atividades como mineração, setor que enfrenta uma desaceleração dos preços, também seriam afetados.
Stiglitz, que foi economista-chefe do Banco Mundial, participou do governo do presidente Bill Clinton e é professor da Universidade de Columbia.
(Mônica Scaramuzzo | Valor)




QUARTA-FERIA DE 1929: O CRASH FATAL
in: Jornal Página 20, 20-10-2012