Thursday 1 November 2012

A TRAJETÓRIA DA FRENTE POPULAR: SITUAÇÃO DE LOCK-IN

Não existe qualquer forma perfeita de governo em que a decisão da sucessão não se encontre nas mãos do próprio soberano.” (Thomas Hobbes, in: Leviatã)
No início do ano, quando comecei a reassumir minha condição de acriano, percebi que dez em cada dez analistas políticos de esquina e/ou de bar davam como certa a derrota da Frente Popular (FP). Ninguém tinha a mínima dúvida. Nem mesmo uma parcela expressiva da própria FP.
Mas agora, a vitória da FP nem é a questão mais fundamental. Talvez, o mais essencial é que o processo já foi transposto. Imagino que aqueles que acompanharam, diariamente, o horário político obrigatório, as manifestações públicas e as análises dos especialistas de bares, por intermédio da mídia, estejam confortavelmente aliviados.
Não tive a oportunidade de acompanhar esse movimento, sua inteireza, visto que não assisto os canais de TV locais. Apenas, percebi, já no final, que predominava uma insatisfação geral por parte daqueles menos comprometidos política, moral, econômica e comercialmente com as eleições.
Os dois candidatos que chegaram ao segundo turno expressavam, ao extremo, o significado do processo eleitoral das democracias modernas, incluindo o nosso caso, aqui, de subperiferia do centro dos poderes econômico e político nacionais.
Nem posso comentar sobre o candidato derrotado Bocalon, pois não o conheço suficientemente para tal. Dele, apenas assisti algumas entrevistas de vídeos disponíveis na internet, realizadas pelos programas das redes de TVs locais. Percebi, pelo pouco que pude ver, que é um político meio atarantado, com poucos recursos de diálogo. Nesse sentido, resta-nos somente associá-lo ao que é a oposição contemporânea brasileira, que tem como único projeto desbancar o PT, a partir de um multifacetado conjunto de causas. Nada mais, além disso.
Então, o que de relevante sobrou do processo eleitoral. Lições? Nenhuma. Digo isso, mesmo tendo um longo processo de debate, discussão e diálogo no campo da inovação tecnológica, que tem como um dos principais componentes a noção de aprendizado.
Nenhuma, porque o processo eleitoral contemporâneo, da perspectiva democrática, se constituiu de um processo absolutamente simplista. Ou seja, as campanhas eleitorais contemporâneas, nas democracias de massas, são, por sua natureza, processos infantilizados. Isso não tem nada de pejorativo. Pode até ser entendido como algo nobre, no limite das possibilidades.
Na realidade, as campanhas eleitorais se resumem às estratégias de captar votos de uma maioria, numa sociedade em que os poderes político e econômico lhes são alheios. Em sendo assim, as estratégias de conseguir votos só podem ser viabilizadas por meio de táticas manipulativas. Impossível não ser assim, dado o distanciamento das massas dos processos decisórios. O resultado mais visível é o papel desempenhado pelos marqueteiros, donde os candidatos, quando não são excepcionais, são esvaziados da essência do político, pois, o que vale é serem apresentados como messias, com poderes sobrenaturais, capazes de resolverem todos os problemas possíveis.
Esse processo eleitoral que operacionaliza este tipo de democracia, denominada de procedimental, que foi discutida bastante por Schumpeter, expressa uma situação na qual o chamado povo não tem possibilidade de qualquer tipo de poder efetivo. Isto é, o processo eleitoral representa unicamente uma disputa acirrada entre aquilo que teoricamente se denomina como elites, organizadas, por força legal, nos partidos políticos.
Dentre as várias implicações desta democracia procedimental, estaria um fato curioso. Nas eleições municipais, por exemplo, debate-se praticamente tudo; os temas levantados são infinitos.
Por outro lado, não é possível tocar em algumas questões. Aqueles pontos que ficam escondidos e jamais podem ser mencionados. É até possível passar por cima de como se obtém o apoio dos vereadores, para se alcançar uma maioria para garantir o processo de gestão; pouquíssimo debatido.
Mas, tem outras questões do grupo das escondidas que são bem críticas. É proibido discuti-las: 1) a definição do modelo de desenvolvimento urbano da cidade; 2) a especulação imobiliária e os interesses envolvidos; 3) a cooperação intermunicipal, mesmo que menos importante para nós; 4) uma discussão mais qualificada sobre educação.
A própria dinâmica do processo eleitoral afasta naturalmente alguns destes pontos. Os interesses envolvidos são mais complexos do que àqueles associados com a infinidade de outros temas que são lembrados.
Estes pontos levantados até aqui não significa dizer que não existem diferenças gritantes entre os candidatos majoritários. Óbvio que os programas políticos são distintos. A Frente Popular, mesmo com todo o desgaste dos últimos anos, não pode ser confundida com as pretensões do projeto daquilo que se convencional a chamar de oposição.
E aí emerge outra dimensão do processo político atual, que, simbolicamente, está associada ao resultado apertadinho das eleições. Uma diferença de menos um por cento, a qual pode ser interpretada de várias perspectivas, desde a incapacidade oposicionista até o alto grau de indecisão da maioria dos eleitores, em função mesmo do que é o processo eleitoral contemporâneo.
Mas, esse apertadinho, também, reflete uma das principais encruzilhadas em que a Frente Popular está postada, expressa, de modo mais explícito, na escolha do candidato para o pleito recém-passado. Nada teria sido mais dolorido para os dirigentes da Frente Popular, em caso de derrota, do que absorver o ônus da decisão da escolha de Marcus Alexandre.
A encruzilhada permanece, visto que os próximos processos de escolhas continuarão extremamente conflituosos. Na realidade, a tendência será de mais tensão. Essa é a lógica do Estado moderno. Quando Thomas Hobbes entregou o Leviatã para Carlos I, na Inglaterra do século XVII, ele não ensinou outra forma de exercer o poder, que não seja o aprofundamento das trajetórias. Ou seja, a Frente Popular não tem como sair de sua trajetória dos anos recentes de forma simples.
Tomando emprestadas as ferramentas analíticas do campo da inovação tecnológica, a Frente Popular está numa situação absoluta de lock in. Precisaria de muita criatividade para se reinventar.
Dificilmente os dirigentes da FP encontrariam um Thomas Hobbes contemporâneo, estabelecido no Acre, que escrevesse um super trabalho, tal como o Hobbes moderno fez, dizendo como o poder do século XXI deveria ser exercido, de uma maneira que fosse capaz de reinventar a trajetória atual, tirando-lhes da encruzilhada de lock in.
Não é uma situação impossível. No entanto, é melhor ter o Leviatã, de Hobbes do século XVII, do que a ousadia de seguir um Hobbes inventivo do século XXI, que demandaria um trabalho coletivo qualificado e abrangente.
Isso também se aplica ao que se chama de oposição, pois tem o agravante de não possuir nem dirigentes hobbesianos, nem projetos que unifique um discurso de Estado.
Jornal Página 20, 31out2012.

A derrota de Serra e a renovação
Por Alberto Carlos Almeida | Para o Valor, de São Paulo
PT está obrigando o PSDB a se renovar, e vice-versa. O Brasil ganhará com isso
Valor, 01-11-2012


Julgamento levou PT a se modernizar, diz Werneck Vianna
por Chico Santos | De Águas de Lindoia (MG)
Para cientista político, desempenho petista mostra que é possível avançar pelas vias institucionais
Valor Econômico - 25/10/2012


O fantasma de Schumpeter ronda as eleições-2012
Campanha parece marcada pela ideia do pensador austríaco, segundo a qual democracia é procedimento manejado pelas elites, que não deve colocar jamais em foco questões estruturais
Por Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida, no Le Monde Diplomatique




As estruturas analíticas da política comercial
Escrito por José Porfiro da Silva  
09-Jan-2013
Em maio deste ano, a presidenta Dilma Rousseff assinou o Decreto 7.734, com a finalidade de incorporar às leis brasileiras a autorização do Mercado Comum do Sul (Mercosul), facultando a criação de uma de lista de 100 produtos passíveis de terem suas tarifas de importação aumentadas.
Seguindo estas regras do Mercosul, bem como da Organização Mundial do Comércio (OMC), a tarifa de 100 produtos foi efetivamente elevada, em setembro, quando a Câmara de Comércio Exterior (Camex) aprovou a medida para proteger e, em tese, dar mais competitividade à indústria nacional em relação aos importados.
Esta medida, para nós que precisamos acompanhar, step by step, o que acontece neste campo, foi maravilhosa. Fomos agraciados com uma intensa discussão (interminável!) sobre tarifas. É sabido que no Brasil é bem difícil convencer a sociedade sobre a necessidade de se elevar tarifas, visto que a mídia é dominada por articulistas extremamente (neo)liberais. Talvez, apenas cinco por cento de acadêmicos que escrevem nos jornais são favoráveis ao uso do expediente do aumento das tarifas como meio de defender a economia do país.
Mas, é justamente por meio do diálogo, com posições diferenciadas, que é possível avançarmos e compreendermos melhor as questões e temas que são postos. No meio dos conflitos de posições divergentes, podemos entender o sentido da política (elevação das tarifas), os vários diagnósticos da economia nacional (indústria, principalmente) e as estruturas analíticas disponíveis, que nos servem de ferramentas para o debate, a discussão e a interpretação de um dos temas mais complexos e controversos da ciência econômica. Aproveitando este mote, vamos abordar alguns aspectos relacionados à estrutura de análise e aos instrumentos (ferramentas) da política comercial.
Em relações às questões dos instrumentos, eles servem para entendermos, tecnicamente, os efeitos de uma tarifa, da perspectiva analítica. Claro, que as nuanças do mundo concreto, às vezes se dão de modo difuso, não necessariamente com as mesmas características da estrutura de análise das teorias. No entanto, é o lado mais fácil e simples da discussão, visto que os instrumentos de políticas são utilizados, em tese, unicamente com duas finalidades: (1) ampliar o comércio de bens e serviços, ou, (2) contrair este mesmo comércio.
Tanto para ampliar o comércio quanto para contrair, os instrumentos atuam nos preços e/ou nas quantidades. No caso dos preços, para contrair o comércio, o governo pode utilizar tarifas ou taxas de exportação, e para ampliar, pode utilizar subsídios à importação e/ou à exportação.
No caso dos efeitos nas quantidades, para contrair o comércio, utiliza-se cotas de importação e/ou restrição voluntária à exportação, já para ampliar, é possível usar o instrumento da expansão voluntária das importações.
Quando se fala em tarifas, neste caso, elas podem ser específicas ou ad valorem. As primeiras se referem a um valor fixo cobrado por cada unidade importada de um bem. Já em relação as tarifas ad valorem, cobra-se uma fração do valor dos bens importados. Por exemplo, uma tarifa de 30% sobre o valor importado. No caso das cotas, a ideia é mais simples.
Em termos da teoria, a grande questão gira em torno da perda de eficiência (consumo ou produção) ou do ganho nos termos de troca, ambos provenientes da utilização de um instrumento de política comercial (tarifa, cota, subsídios, etc.). No geral, aparece a ideia de que é a melhor estratégia está associada com as ações que reforçam o comércio, pois traria mais benefícios para os consumidores ou produtores.
No entanto, a dimensão atraente deste tema não se restringe apenas a esta proposição convencional e dominante no meio do poder econômico e acadêmico mundial e brasileiro, de modo particular, sinalizando que é algo completamente incorreto a adoção de quaisquer medidas contrárias ao comércio internacional.
Por baixo da noção predominante de defesa das práticas do livre comércio há algumas justificativas intelectuais, até consideradas respeitáveis, que justificam medidas restritivas ao livre comércio. Pode-se mencionar as ideias de tarifas e de impostos ótimos, como meio de melhorar os termos de trocas de determinados países. Claro, que os defensores mais aguerridos do livre mercado não concordam com estas ideias.
Uma justificativa mais abrangente em favor de restrições ao livre mercado está relacionada com o argumento das falhas de mercado doméstico, principalmente por intermédio do uso da teoria do segundo melhor, por meio do uso de tarifas ou algo similar, no sentido de trazer benefícios sociais. Mesmo neste caso, os mais radicais não consideram um argumento suficiente para restringir o comércio internacional, porque as tarifas nem sempre seriam uma melhor solução para resolver as falhas de mercado, em função das dificuldades de se analisar de maneira suficiente adequada estas falhas.
Nesta contenta, tem uma vertente que considera que na prática, a política comercial é dominada basicamente pelas questões vinculadas à distribuição de renda. Ou seja, não existiria uma estrutura analítica ideal que orientasse as políticas, mas sim, uma variedade de ideias. Assim, no campo estrito da política, a teoria do eleitor mediano seria um bom parâmetro para se entender a dinâmica da política comercial. Numa esfera mais ampla, o conceito de ação coletiva seria outro mecanismo bastante valioso.
Se saíssemos do âmbito teórico, ou mesmo prático-teórico, e observássemos a trajetória da política comercial das últimas décadas, perceberíamos duas situações curiosas. De um lado, os países desenvolvidos adotando baixíssimas tarifas e/ou cotas. E, do outro, os países não desenvolvidos ou em desenvolvidos, ainda tendo estes instrumentos como elementos muito importantes para suas políticas comerciais. Por esse motivo, o fato da nossa presidenta ter usado o expediente das tarifas reflita esta situação, o que levantou a ira impiedosa dos governos do centro de poder econômico e político mundial, a exemplo das manifestações agressivas dos burocratas do governo dos Estados Unidos.
O importante, neste caso, é que o aumento das tarifas de cem produtos produtos importados pode ser analisado por várias dimensões, desde as mais abstratas, por intermédio do uso das ferramentas analíticas disponíveis, até as dimensões referentes a questão da distribuição de renda, ou mesmo os aspectos econômicos do dia a dia dos agentes econômicos.

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