Sunday, 11 July 2010

IAN BREMMER - STATE CAPITALISM

Capa: Expansão do novo capitalismo de Estado afronta o poder das multinacionais em disputas que terão no Brasil um dos palcos principais, diz o analista de riscos políticos Ian Bremmer.



Mercado para fins políticos
Por Eduardo Graça, para o Valor, de Nova York


09/07/2010
Andrew Harrer/Bloomberg News
Bremmer: "Mercados regulamentados de forma inteligente são modelos econômicos mais eficientes, inovadores e flexíveis do que os controlados por burocratas"


Em seu livro "The End of Free Market: Who Wins the War Between States and Corporations?", que chega às livrarias brasileiras em fevereiro pela editora Saraiva, o cientista político Ian Bremmer, presidente de uma das mais conceituadas empresas de consultoria e pesquisa de riscos políticos, o Eurasia Group, argumenta que a volta do prestígio do capitalismo de Estado como opção de sistema político-econômico tem implicações de alcance global que merecem reflexão. Essa projeção renovada se dá no mundo do G-20, no qual os princípios do capitalismo de mercado, incorporados pelas empresas multinacionais, que antes sustentavam o poder econômico e cultural virtualmente exclusivo do G-7, agora são confrontados com formatos institucionais em que o Estado usa o vigor do mercado principalmente para seu fortalecimento político. Nessa sistema, não tem peso dominante a ideia de que a existência de uma economia de mercado regulamentada - geralmente associada ao exercício da democracia representativa - é essencial para dar fundamentos ao crescimento econômico. A China, com a fabulosa expansão de seu PIB nas últimas décadas, é o exemplo mais ostensivo de que essa opção pode funcionar. Bremmer não tem dúvida de que está aí, nessa oposição de regimes em que o mercado serve a tão diferentes senhores, uma das mais relevantes questões da vida econômica e política global.
Em entrevista ao Valor, Bremmer fala da crise financeira global, da competição entre corporações multinacionais e empresas estatais reinventadas, como a Petrobras, e da importância estratégica do Brasil no novo tabuleiro sócio-econômico do planeta. Em janeiro, Bremmer incluiu o Brasil entre os dez países de maior risco político em 2010, por causa do excesso de otimismo do mercado. Mas a entrevista mostra que ele reviu o conceito. É sua opinião também que, seja qual for o resultado da eleição de outubro, não haverá um aumento do peso do Estado na economia brasileira.


Reuters
Bremmer vê riscos de interesses políticos comprometerem a capacidade de investimento e de inovação da Petrobras em suas atividades principais


Professor da Universidade Columbia, em Nova York, Bremmer é autor de vários outros livros, entre os quais "The J Curve", em que trata da ascensão e queda das grandes potências, escolhido pela revista "The Economist" como um dos melhores de 2006. Oito anos antes ele era um acadêmico com 25 mil dólares no bolso, disposto a convencer Wall Street de que a política é fundamental para o universo dos negócios. Passados 12 anos de atividade, sua empresa conta com mais de duas centenas de clientes nos quatro cantos do planeta e seu tradicional boletim anual é aguardado ansiosamente por analistas, governantes e investidores.


Valor: O senhor afirma em seu livro que a falência do livre-mercado é um mito criado para favorecer o modelo de capitalismo de Estado praticado com mais desenvoltura na China e na Rússia e que essas duas economias estariam minando os ganhos da globalização. Mas Pequim não é um dos participantes mais importantes da economia globalizada?
Ian Bremmer: A China continua sendo um participante essencial e, mais do que isso, é o motor da economia globalizada. Mas a estrutura de seu sistema econômico acaba funcionando contra a globalização, e creio que essa tendência se intensificará nos próximos anos.


AP Photo/Miraflores Press,Juan Carlos Solorzano
" Em Washington, ninguém confunde Lula com Chávez. Lula é visto como um pragmático, disposto a construir acordos, não um ideólogo hostil. O Brasil está distante do modelo venezuelano"


Valor: Quais são esses mecanismos antiglobalizantes?
Bremmer: A China utiliza empresas estatais e fundos soberanos para dominar o mercado com objetivos políticos. Os líderes do Partido Comunista sabem que o Estado não pode administrar um crescimento sustentável a longo prazo simplesmente por decreto. Essa é uma prerrogativa dos mercados. Mas a lógica de Pequim é a de controlar a maior parte possível de riqueza gerada pelos mercados, para proteger os monopólios econômicos que asseguram o poder político interno. Uma nova classe empresarial certamente desafiaria o direito do Partido de governar e de continuar controlando o processo de criação de empregos. Em outras palavras, quando a torrente de ideias e informações está de acordo com os objetivos políticos do Partido, a cúpula do governo procura elaborar políticas harmônicas em relação às forças globalizantes. Mas quando essas mesmas ondas criam problemas políticos, censura-se a internet, por exemplo, a fim de conter uma explosão de desobediência social. A China não é, obviamente, o único país adepto do capitalismo de Estado, mas, por seu tamanho, sucesso e posição estratégica para o futuro da economia global, é o mais importante.
AP
"Os líderes do Partido Comunista chinês sabem que o Estado não pode administrar um crescimento sustentável a longo prazo simplesmente por decreto" (na foto, sessão do Congresso Nacional do Povo)



Valor: Apesar do título, seu livro pode ser lido como uma mensagem de otimismo para os que estão amedrontados frente às falhas do modelo econômico de capitalismo clássico, pois o senhor não acredita que o livre-mercado esteja com os dias contados. De todo modo, como é que a ameaça do modelo chinês pode ser enfrentada pelos EUA e pela Europa?
Bremmer: Mercados regulamentados de forma inteligente são modelos econômicos mais eficientes, inovadores e flexíveis do que os controlados por burocratas. O capitalismo de Estado tem uma fraqueza fundamental: não é nem um sistema econômico singular nem uma ideologia coerente. Cada capitalismo de Estado é diferente do outro, na medida em que se voltam para as necessidades específicas de um governo particular. Pense nos funcionários do Partido Comunista Chinês, na elite política russa e nas famílias que governam os Emirados Árabes Unidos. Não há a formação de um bloco econômico destinado a exportar sua influência política e poder de mercado. A Rússia, por exemplo, precisa que o preço do petróleo seja alto. A China necessita do oposto, uma limitação importante num setor fundamental, o energético.
Valor: O senhor diz que uma das arenas em que a batalha entre o capitalismo de Estado e o livre-mercado se dará de forma mais intensa é o Brasil. O senhor considera o modelo brasileiro mais próximo da Venezuela ou dos EUA?

AP
"Não vejo o presidente Obama como um político hostil ao livre-mercado. (...) Creio que os republicanos vão ganhar terreno nas próximas eleições, mas a saúde do conservadorismo, no longo prazo, é no mínimo duvidosa"


Bremmer: A crise financeira global forçou sistemas de livre-mercado nos quatro cantos do planeta a interferirem mais decididamente na economia, de uma maneira que não fizeram nas últimas décadas. Na Rússia e na China, abertas ao financiamento estrangeiro na maioria dos setores produtivos, produzindo crescimento dinâmico, a economia de livre-mercado e o capitalismo de Estado muitas vezes se sobrepõem. Quanto ao Brasil, está distante do modelo venezuelano. Para os investidores, o legado do governo Lula provavelmente será o consenso que ele ajudou a construir em relação à necessidade de se manter uma política macroeconômica disciplinada e previsível. Nos anos 1960 e 70, o Brasil cresceu significativamente, com políticas de governos autoritários que conduziram um processo de industrialização em velocidade máxima, com grande ênfase nas empresas estatais. Não é o caso do Brasil do século XXI. A Petrobras desempenha papel de crescente importância no desenvolvimento do país, mas acredito que o novo presidente, seja quem for, evitará reestruturar a empresa da mesma maneira que Hugo Chávez fez com a PDVSA.
Valor: O senhor argumenta que as grandes corporações multinacionais, filhas da economia de livre-mercado, estão enfrentando uma crescente e muitas vezes desigual competição de companhias estatais fortalecidas pelo capitalismo de Estado. Onde a Petrobras entra nessa linha de raciocínio?
Bremmer: A Petrobras é uma das grandes empresas de energia mais bem gerenciadas do planeta. Não cabe a um "outsider" dizer como a Petrobras poderá ajudar no desenvolvimento do Brasil. Mas existem algumas questões importantes que os formuladores de políticas devem considerar. Até que ponto os investimentos da Petrobras fora da área de petróleo poderão comprometer a capacidade de investimento da empresa em avanços tecnológicos que a tornariam uma provedora de energia mais eficiente? Sua capacidade de crescimento e inovação poderá ficar limitada se, por exemplo, interesses políticos forçarem a Petrobras a criar oportunidades de negócios para empresas locais que nem sempre sejam capazes de fornecer peças, equipamentos e serviços da melhor qualidade disponível?
Não tenho respostas para essas questões, mas acredito que sejam importantes e que um equilíbrio inteligente possa ser alcançado, mesclando políticas que serão boas para o Brasil e outras que serão boas para a Petrobras. O risco, em minha opinião, é de que a Petrobras poderá tornar-se uma empresa muito maior, mas também muito menos eficiente e inovadora.
Valor: Como o senhor vê, dentro da lógica da interseção entre os modelos do capitalismo de Estado e da economia de livre-mercado, as pressões exercidas pelo governo brasileiro em relação às empresas farmacêuticas, em sua maioria corporações multinacionais, no sentido de redução drástica de preços e cassação de patentes, com a proliferação dos medicamentos genéricos?
Bremmer: Medicina é um bem público importantíssimo e espero estar sendo bem claro em meu livro sobre as falhas que precisam ser analisadas no modelo de livre-mercado. Não vejo o crescimento econômico como um bem absoluto. É impossível, em uma democracia, não levar em conta questões de justiça social no manejo das políticas econômicas. O que é preciso é pensar na saúde da economia em um longo espaço de tempo. Por exemplo, se os políticos, artificialmente, privarem o setor farmacêutico das oportunidades de mercado, acabarão sofrendo os que dependem de medicamentos mais sofisticados. Mais uma vez, é uma questão da inteligência na hora de se encontrar o equilíbrio.
Valor: O senhor diria então que a desregulamentação da economia nos anos Reagan e Thatcher foi um erro? É comum, aqui nos EUA, se atribuir a excessos do modelo econômico que o senhor defende as causas do desastre protagonizado pela BP no Golfo do México. Como responder à ira dos eleitores americanos contra as grandes corporações, os bancos, Wall Street?
Bremmer: Ressaltando ainda mais a importância da regulamentação inteligente dos mercados. A história recente, como você bem lembrou, prova que o setor privado, quando livre de regulamentação, pode causar um dano enorme à economia e à população. Mas considero um equívoco esquecer as lições oriundas do terrível legado do crescimento estatal da antiga União Soviética, ou mesmo do capitalismo de Estado praticado por Pequim. E acho ótimo que os políticos finalmente aprendam que grandes corporações precisam jogar limpo, respondendo a regras bem claras. Mas o risco que enfrentamos agora é outro: o de que os legisladores americanos reajam de forma muito radical e imponham restrições desnecessárias em determinados setores.
Valor: Que importância poderão ter nesse debate as eleições de novembro para renovação do Congresso americano?
Bremmer: Pequena, com exceção, talvez, do setor energético. Não vejo o presidente Obama como um político hostil ao livre-mercado. Ele é um homem cauteloso, pragmático, que recebeu o governo no meio de uma gravíssima crise financeira, com desemprego maciço.
Valor: O senhor recomendaria ao governo Obama outras formas de resposta aos desafios que enfrenta na área econômica?
Bremmer: Em alguns aspectos. A reforma do sistema nacional de saúde roubou energia, tempo e capital político da muito mais urgente e necessária recuperação da economia americana. Era preciso responder mais rapidamente aos problemas que alavancaram a crise financeira. É óbvio que a reforma da saúde era importante. Mas, com o benefício de já saber o que aconteceu nos últimos meses, eu teria dado maior ênfase ao pacote de estímulo econômico e à reforma financeira.
Valor: Qual o papel da direita barulhenta, a do Tea Party, neste momento em que a economia americana ainda se encontra em lenta recuperação? [Tea Party é um movimento político que defende menos presença do governo na vida do país, responsabilidade fiscal, respeito às liberdades individuais e à letra da Constituição. Sua denominação refere-se a um episódio da história da independência americana, conhecido como "Tea Party", em que os colonos de Boston rebelaram-se contra regras de tributação impostas pela Inglaterra ao comércio de chá importado.]
Bremmer: Não acho que o Tea Party tem essa importância toda. Eles são barulhentos e fazem uma senhora performance, daí serem um ímã natural para a mídia. Mas não se trata de um movimento coerente. É dividido em numerosas facções e conta com pessoas de matizes ideológicos completamente opostos. Creio que os republicanos vão ganhar terreno nas próximas eleições, mas a saúde do conservadorismo nos EUA, no longo prazo, é, no mínimo, duvidosa. O que o Tea Party fez foi tomar conta de parte do Partido Republicano, levando-o ainda mais para a direita, para cada vez mais longe da maioria dos eleitores. E, hoje, os republicanos só conseguem se unir em torno da oposição absoluta e total ao governo Obama. Talvez a maior importância do Tea Party esteja em relembrar aos americanos que há forças em nossa política prontas para apoiar uma agenda populista raivosa e reacionária. Comércio, imigração e abertura sócio-cultural sempre foram pilares da América. Se a economia conseguir reerguer-se com rapidez e se os líderes políticos resistirem às tentações do isolamento e do protecionismo, esses fatores voltarão a nos levar para a frente.
Valor: O economista Nouriel Roubini costuma dizer que não se pode esquecer, neste debate sobre modelos econômicos, o peso do maciço déficit fiscal dos EUA, de quase 1 trilhão de dólares por ano. Considerado o poder de obstrução dos republicanos a tentativas do governo Obama de reestruturação orçamentária, os riscos de uma crise fiscal seriam reais, e isso afetaria o mercado de ações nos próximos dois ou três anos. O senhor concorda com essa análise?
Bremmer: Creio que o perigo é menos imediato do que para a Europa e o Japão. Washington, com o recorde de acúmulo de dólares de Pequim, ainda tem algum tempo para colocar a casa em ordem. Mas estamos todos, meu caro, na mesma situação: esperando para ver se vai prevalecer a sabedoria na comissão de déficit fiscal do governo democrata, de modo que se estabeleçam mecanismos mais eficazes para diminuir a dependência da economia americana em relação ao financiamento de seu déficit de conta corrente pela China.
Valor: O senhor também escreveu que, "com governos preocupados com problemas domésticos, há um grande vácuo de poder na política internacional". Como o senhor vê a recente movimentação do Itamaraty em casos como o golpe em Honduras, a crise iraniana e a pressão pela reinvenção de organismos como o Banco Mundial e o FMI?
Bremmer: Não há dúvida de que o presidente Lula pretende estender seu legado político. É fato que o acordo firmado por Brasília e Ancara com Teerã irritou os negociadores americanos e europeus, chocados com a decisão de não ser considerada a falta de transparência do governo iraniano. Mas ninguém em Washington confunde Lula com Chávez. Lula é visto como um pragmático, um negociador, um homem disposto a construir acordos, e não um ideólogo hostil. Para os americanos, ele é uma figura com quem se pode costurar acordos, fazer negócios. Não obstante, a importância crescente do Brasil, da voz brasileira, no jogo da diplomacia internacional continuará como um fato mesmo depois de Lula deixar o poder.
Valor: Teremos eleições presidenciais no Brasil, em outubro. Há uma tentativa de estabelecimento de uma narrativa em que uma candidata supostamente mais inclinada à estatização se opõe a um candidato mais próximo do modelo clássico de livre-mercado. Quais são suas impressões, do ponto de vista econômico, sobre a disputa entre as candidaturas Dilma Rousseff e José Serra?
Bremmer: Já era esperado que a eleição presidencial produzisse esse tipo de caricatura. As duas visões são exageradas e o resultado das eleições será importante em casos específicos, como a da reforma do setor energético. Mas o Brasil não é a Rússia. Trata-se de um país governado por instituições, não por personalidades. Considero Dilma Rousseff a favorita, por causa do bom momento econômico, de eleitores dispostos a ver a continuidade da agenda política de Lula. É verdade que o público está começando a descobrir quem é essa senhora, mas também é fato que Lula ainda nem começou a fazer de fato campanha a favor de sua pretendida sucessora. Mas, ainda que Serra vença - e o resultado final deve ser apertado - não creio em mudanças na área econômica. O ex-governador de São Paulo seria uma face mais amigável para investidores estrangeiros, enquanto a ex-ministra pode até criar uma certa ansiedade, mas, veja bem, ela não é uma sacerdotisa do capitalismo de Estado. Creio que o Brasil continuará sendo uma história de sucesso, com Dilma ou com Serra.

 
 Sexta-feira , 09 de Julho de 2010
CAPITALISMO DE ESTADO by Ian Bremmer
        Os temas atualmente circulam na mídia de forma coordenada
 
 
 
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