A nova fase do FMI
Alain Faujas
Chamavam-no de moribundo, injusto, até inútil. Até alguns meses atrás, antes da crise financeira, ele era vilipendiado pelos militantes antiglobalização, cruzados contra esse símbolo do liberalismo triunfante. Detestado pelos ultraliberais, que viam ali o resíduo de um dirigismo ultrapassado. Mas a crise veio, e o Fundo Monetário Internacional (FMI) hoje é reconhecido, solicitado como nunca.Última prova dessa volta por cima, o Congresso dos EUA se prepara para votar, no início de junho, um orçamento de US$ 108 bilhões destinados a ele: é exatamente o inverso de 2008, quando o Fundo foi intimado pelo Tesouro americano a demitir 500 dos 2.800 funcionários para reduzir o déficit no qual ele se afundava. Anteriormente, em 3 de abril, em Londres, os dirigentes do G20 haviam decidido dotar o FMI de US$ 750 bilhões de reservas suplementares para lhe permitir socorrer os países em risco por causa da crise.Alguns - e não somente no Partido Socialista francês - acreditam detectar nessa espetacular virada o dedo do especialista em "tendências" que é Dominique Strauss-Kahn, diretor-geral do FMI há 18 meses. Outros pensam que essa mudança de direção se deve aos ventos políticos mundiais que giraram 180o com a recessão mundial.Em 1944, em Bretton Woods, New Hampshire (EUA), o FMI foi criado por 45 países como reação à crise dos anos 1930, quando o cada-um-por-si dos Estados foi devastador. Ele recebeu como missão promover a cooperação monetária internacional, a estabilidade das mudanças e o crescimento harmonioso do comércio mundial. Instalado em Washington, ele vigia as tempestades e estabelece a cada ano uma auditoria sobre a situação de cada país. Quando a crise aparece, ele empresta dinheiro aos Estados em dificuldade para que eles possam defender sua moeda e restabelecer sua balança comercial.Ao longo dos anos, o Fundo viu sua imagem de bombeiro herói virar uma caricatura de bicho-papão. Impregnados pelo "consenso de Washington" de inspiração anglo-saxã, seus dirigentes adquiriram o hábito de impor pressões aos países que pediam ajuda: os déficits foram suprimidos abruptamente, os serviços públicos privatizados, os programas de proteção social, revistos. "Esses países haviam pecado e deviam ser punidos", explica um veterano do FMI. "Era essa a mentalidade".O filme "Bamako"(2006), de Abderrahmane Sissako, levou às telas a exasperação dos africanos em relação a essa política conduzida nos anos 1990. A Argentina, arruinada pela crise de 2001, assim como pelas remediações do FMI, o considera malévolo por natureza. E o esquentado presidente venezuelano Hugo Chávez lutou por muito tempo para criar um FMI sul-americano que funcionasse seguindo os princípios de sua revolução "bolivariana".Essa reputação infeliz forçou os países emergentes a constituírem reservas, assim que o crescimento lhes permitiu liberar excedentes, para nunca mais terem de "passar pelas humilhações" do FMI - expressão costumeira para designar as pressões macroeconômicas que lhes eram impostas. Assim, por dezenas de bilhões de dólares, a Argentina, o Brasil ou a Indonésia pagaram suas dívidas antecipadamente, em 2006 e 2007.Quando Dominique Strauss-Kahn assumiu sua direção, em 1º de dezembro de 2007, a instituição não tinha moral. Faltava dinheiro, missões, legitimidade. No início de 2008, o Fundo não tinha mais ninguém para salvar, portanto não tinha mais empréstimos para distribuir - US$ 14 bilhões de dívidas em 2006, contra 86 bilhões em 1998 - e não tinha mais receitas. O orçamento de funcionamento se encaminhava em 2007 para os US$ 110 milhões de perdas. Pior, os grandes países em desenvolvimento como a China, o Brasil, a Índia ou o México não suportavam mais o controle dos países desenvolvidos sobre o Fundo, sempre dirigido por um europeu, vigiado de perto pelo Tesouro americano e povoado de economistas saídos das mesmas universidades americanas e europeias. Os direitos de voto dos países ricos (EUA, Canadá, Austrália, Japão, Europa dos 27) eram amplamente majoritários.Então tudo mudou com a crise financeira - que o FMI não viu chegar. A nova situação vai obrigar o governo americano a reinventar um intervencionismo sem precedentes. Trilhões de dólares são mobilizados para apagar o incêndio. O FMI cria coragem e exige dos Estados que têm os meios que dediquem pelo menos 2% de seu PIB para reanimar a demanda. Saem os orçamentos em equilíbrio, entram os déficits astronômicos e "provisórios"! A primazia do privado é esquecida: vivam as nacionalizações do setor automobilístico ou dos bancos e a compra com dinheiro público dos ativos podres que elas acumularam! O ultraliberalismo está na pior.Strauss-Kahn vai aproveitar essa conjuntura caótica para modificar a percepção que as nações têm do Fundo. Mostrando-se abertamente pessimista desde a primavera de 2008, ele irrita Washington, Berlim e Paris, mas os fatos lhe dão razão: a recessão é mundial. Sua credibilidade aumenta. Ele acaba com as "sangrias" prescritas a torto e a direito pelos sabe-tudo. Se os países devem apertar os cintos, é inútil piorar o destino dos mais desfavorecidos. O Fundo aceita que o déficit do Paquistão seja mais elevado do que o desejável para preservar um pouco da previdência social. Na Hungria, ele aconselha não associar os aposentados mais pobres aos sacrifícios.Melhor: no fim de 2008, por iniciativa da Indonésia e da Holanda, o FMI estabelece uma nova linha de crédito "modulável", sem imposições e destinada aos países em dificuldade que não tiveram culpa de nada. Em abril, o México obteve US$ 47 bilhões que ele não utilizará, mas que tranquilizam os mercados e fazem o peso voltar a subir. Agora, não é mais vergonhoso emprestar do Fundo. A questão dos direitos especiais de saque (DES) confirma essa revolução. Inutilizados desde 1981, os DES são direitos concedidos aos países-membros de fazer empréstimos em dólares, euros, yenes ou libras proporcionalmente à sua contribuição. Em Londres, o G20 decidiu que os US$ 250 bilhões de DES seriam emitidos em breve.Os países africanos se beneficiarão, graças a esse mecanismo, de US$ 19 bilhões de dinheiro barato e sem imposições... o que desagrada tanto ao conselho de administração quanto à gerência do Fundo, que julgam, por exemplo, a República Democrática do Congo incapaz de administrar bem essa quantia. "São muitos aqueles que, entre nós, pensam que alguns países vão fazer qualquer coisa com esse dinheiro e fugir de nossa vigilância", explica um membro da diretoria. "Mas o diretor-geral optou por uma linha política que exclui uma tutela permanente, e como a casa é um pouco do tipo militar, todo mundo vai obedecer". E o Fundo volta a empregar, para ser eficaz em tempos de crise.Strauss-Kahn aproveitou a vontade dos chineses de questionar a hegemonia do dólar para se tornar seu aliado objetivo. Os cerca de 40 bilhões de dólares que Pequim trará ao FMI para reforçar suas capacidades de intervenção deverão tomar a forma de uma subscrição de obrigações emitidas pelo Fundo... e concorrentes das obrigações do Tesouro americano.Que atrevimento, Strauss-Kahn! Em 2 de abril, conta um colaborador do G20, "ele mobilizou os africanos para dissuadir Gordon Brown de dar aos países pobres a mais-valia de US$ 6 bilhões da próxima venda das 403 toneladas de ouro. Ele lhes convenceu que a medida era demagógica, pois o ouro seria vendido muito lentamente, e que a mesma soma poderia ser obtida mais rapidamente sob forma de empréstimos vantajosos"."Será que o FMI teria, afinal, uma alma?", se perguntava em 21 de abril o jornal comunista "L'Humanité". Será que o Fundo teria restabelecido sua imagem? Ainda não, responde Guido Mantega, o ministro brasileiro da Economia: "Ele se arrependeu de muitos de seus pecados originais, mas ele continua tendo de responder ao principal dentre eles, que é seu déficit democrático". As ONGs pensam da mesma forma. "Strauss-Kahn recolocou o FMI em funcionamento", comenta Sébastien Fourmy, porta-voz da Oxfam France-Agir Ici. "Mas isso não basta. É preciso aproveitar a crise para rever a arquitetura das instituições mundiais, para que o FMI não volte a dar as cartas em matéria de desenvolvimento. Chega de remendos, vamos nos empenhar em reformas de verdade".Ainda há muito o que fazer, confirma Jean Pisani-Ferry, diretor do Bruegel, centro de pesquisa e debate sobre as políticas econômicas da Europa. "O FMI não teve sucesso em sua missão de vigilância multilateral", ele ressalta. "Se ele quiser ver seu papel reconhecido na questão, é preciso que ele elabore uma verdadeira doutrina, pois não será fácil para ele vigiar os grandes países, especialmente os Estados Unidos. Ele deve se aproveitar de sua fragilidade e da boa vontade do presidente Obama para estabelecer sua legitimidade".Na visão desse economista, o Fundo também deve resolver seu problema de legitimidade: "A reforma das quotas e dos votos que foi decidida em 2008 não é séria: a China continua a ter menos peso que a França, a Índia menos que a Itália, e o Brasil menos que a Bélgica!"Tradução: Lana Lim
Os Bourbon do mundo financeiro mundial
Howard Stein e Claudia Kedar
17/03/2009
Os EUA provavelmente apoiarão o atual esquema que permite aos ricos usar expansão fiscal e que obriga os pobres à austeridade
O Fundo Monetário Internacional (e, em menor grau, o Banco Mundial) lembram, hoje, a descrição dos reis da dinastia francesa dos Bourbon registrada por Talleyrand: nada aprenderam e nada esqueceram. Num momento em que países ricos como os EUA estão com déficits de 12% do PIB devido ao colapso financeiro mundial, o FMI vêm dizendo a países como a Letônia e a Ucrânia - que não desencadearam a crise, mas que recorreram ao Fundo por ajuda para combatê-la - que precisam equilibrar seus orçamentos, se quiserem socorro.
Tal hipocrisia seria risível se as condições econômicas do mundo não estivessem tão sombrias a ponto de até mesmo países que juraram nunca mais recorrer ao FMI voltarem a bater em sua porta, de chapéu na mão. Algum importantes economistas na Argentina justificam essa guinada argumentando que o mundo agora tem um "FMI estilo Obama", um FMI presumivelmente mais amistoso e mais sintonizado com os problemas locais do que o "FMI de Bush". Entretanto, como sugerem os programas do FMI para a Letônia e a Ucrânia, a principal diferença pode ser apenas um sorriso.
É verdade que Dominique Strauss-Kahn, diretor-gerente do FMI recentemente defendeu uma resposta fiscal mundial ao agravamento da recessão. Mas será que o Fundo agora abandonará sua longamente mantida ênfase em cortes de gastos governamentais, contração monetária e austeridade geral, políticas que - na opinião de muitos economistas especializados em desenvolvimento - causam consideravelmente mais danos do que benefícios? Estarão o FMI e o Banco Mundial efetivamente dispostos a reconsiderar suas políticas fracassadas?
Em anos recentes, os empréstimos concedidos pelas duas instituições encolheram enormemente, apesar de terem se tornado cada vez mais os emprestadores exclusivos para os países mais pobres do mundo. Em 2005, a Argentina e o Brasil foram os primeiros países, entre os que haviam denunciado a agenda neoliberal do FMI, a começarem a quitar seus empréstimos. Em seguida, fizeram o mesmo outros grandes devedores, como Indonésia, Filipinas, Sérvia e Turquia.
Com efeito, os créditos da conta corrente de recursos gerais do FMI (GRA, na sigla em inglês) a países em desenvolvimento de renda média caíram inéditos 91% de 2002 a 2007, ao mesmo tempo que países em desenvolvimento mais ricos obtiveram acesso a fontes de financiamento isentas das condicionantes do Fundo. Mas os países mais pobres, que não dispõem de acesso aos mercados internacionais de capital, não têm alternativa se não recorrerem ao Banco Mundial e ao FMI.
Em setembro de 2007, um ano antes que os sinais de advertência dessem lugar ao derretimento financeiro generalizado, o próprio Strauss-Kahn sugeriu que o FMI estava sofrendo uma "crise de identidade". De fato, o declínio sem precedentes dos empréstimos GRA, principal fonte de renda do FMI, obrigou o Fundo a anunciar um plano de corte de custos de US$ 100 milhões em abril de 2008. Pressões similares afetaram o Banco Mundial, tendo sua principal fonte de renda, os empréstimos IBRD, diminuído 40% em 2007, em relação a seus níveis no fim da década de 90.
Mas as dores do mundo têm sido proveitosas para essas instituições. Desde que a crise assumiu caráter mundial, a partir do segundo semestre do ano passado, o FMI viu países fazendo fila diante de suas portas. Entre 5 de novembro de 2008 e 12 de janeiro de 2009, o FMI emprestou quase US$ 50 bilhões a sete países (Hungria, Ucrânia, Islândia, Paquistão, Letônia, Sérvia e Belarus). Também houve uma ressurreição do Banco Mundial em países como Equador, Bolívia e Peru, tendo os empréstimos a essa região da América Latina quadruplicado, ano sobre ano, a partir de setembro passado, chegando a quase US$ 3 bilhões.
Infelizmente, para ambas as instituições, a crescente demanda de financiamento por parte desses países significa apenas uma situação de "normalidade". Consideremos o recente empréstimo-ponte pactuado com a Letônia, cujas condições incluem um enorme corte de 25% nos salários do setor público, redução similar nos gastos governamentais e enorme aumento tributário.
Além disso, o governo da Ucrânia foi instruído a equilibrar seu orçamento reduzindo enormemente as aposentadorias pagas pelo Estado. Somente quando as condições no país agravaram-se ainda mais, depois que o Fundo suspendeu o pagamento da segunda parcela de seu empréstimo, foi que a instituição aceitou abrandar suas condições. Na Letônia, entretanto, o FMI continuou a exigir austeridade mesmo depois que o crescimento despencou e o desemprego cresceu, resultando em manifestações de protesto nas ruas e instabilidade política. Recentes empréstimos concedidos pelo Banco Mundial são analogamente condicionados, em parte, à "disciplina fiscal".
A insistência em tais políticas, num momento em que os EUA e a maior parte do restante do mundo rico estão implementando a estratégia econômica praticamente oposta, sinaliza a necessidade de reavaliação fundamental do que realmente gera crescimento e desenvolvimento. Existe um crescente elenco de ideias alternativas nessa área - entre elas, estudos de Joseph Stiglitz e Paul Krugman, ambos agraciados com o prêmio Nobel - que o FMI e o Banco Mundial deveriam considerar.
É importantíssimo notar que o controle americano sobre essas instituições implicou, durante toda a história delas, no uso do FMI e do Banco Mundial como ferramentas da política externa americana. Em vista do papel central de ortodoxos intransigentes como Larry Summers e Timothy Geithner no governo Obama, as perspectivas de reformas sérias parecem raras. Summers foi um arquiteto crucial das políticas neoliberais quando no Banco Mundial e no Tesouro dos EUA durante o governo Clinton, e Geithner já foi alto funcionário do FMI.
Summers e Geithner provavelmente apoiarão o atual esquema de dois pesos e duas medidas que prevalece no mundo, que permite aos países ricos usar expansão fiscal no combate à recessão, ao mesmo tempo em que obriga países pobres a submeterem-se a condições de maior austeridade. Mas o governo Obama ainda pode ajudar - por exemplo, pedindo ao Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) que amplie os "currency swap arrangements", acordo de troca de moedas para ajudar nas necessidades externas de financiamento dos países, dada a ausência de crédito em dólar, recentemente oferecidos a Cingapura, Coreia do Sul, Brasil e a outros países em desenvolvimento. Dessa maneira, os países pobres do mundo poderão pelo menos evitar as duríssimas condições impostas pelo FMI e Banco Mundial.
Howard Stein é professor no Centro para Estudos Afro-Americanos e Africanos na Universidade de Michigan e membro da Força-Tarefa Africana, da Iniciativa por Diálogo de Políticas, e do Grupo de Trabalho do G-8.
Claudia Kedar é pesquisadora visitante no Centro de Estudos Latino-americanos na Universidade de Michigan e recentemente concluiu seu PhD. sobre a história das relações IMF-Argentina. © Project Syndicate/Europe´s World, 2009. http://www.project-syndicate.org/
Colapso global como freio de arrumação
José Eli da Veiga
17/03/2009
O colapso global ajuda a pensar no seu contrário: o crescimento econômico, um dos mais amplos e profundos anseios coletivos contemporâneos. E oportuna referência está no trabalho de uma comissão formada por 18 sumidades de 16 países, sob a liderança de Spence, Solow e Leipziger, publicado em meados de 2008 pelo Banco Mundial: "The Growth Report - Strategies for Sustained Growth and Inclusive Development".
A comissão propôs que o mundo se mirasse no exemplo de 13 países que, desde 1950, conseguiram que seus PIB crescessem a uma taxa média igual ou superior a 7% em período de ao menos 25 anos: Botsuana, Brasil, China, Hong Kong, Indonésia, Japão, Coreia, Malásia, Malta, Omã, Cingapura, Taiwan e Tailândia. Sem sequer discutir se poderia ser possível para o conjunto aquilo que foi possível para uma de suas partes, caindo assim na conhecida falácia da composição, o relatório pretende que o PIB mundial possa mais do que quintuplicar em um quarto de século.
Isso não quer dizer que tenham sido ignorados problemas como o do aquecimento global, ou de disparada dos preços relativos de produtos energéticos e alimentares. Ao contrário, na quarta parte do documento eles são considerados como "novas tendências globais", junto com temas mais políticos, como as resistências à globalização. Só que tudo isso é entendido como exógeno. Nada teria a ver com o próprio crescimento econômico. Nem mesmo as dificuldades para se reduzir emissões de gases de efeito estufa chegam a ser consideradas nesse cenário de multiplicação do PIB mundial por 5,4 em um quarto de século.
Por que essas 18 altas autoridades em ciência econômica imaginam que aumentos do PIB não tenham custos socioambientais? A resposta aponta um raciocínio muito comum, que também é dos mais falaciosos. Como em um dólar de PIB é declinante a participação relativa de recursos como petróleo e minérios, deduz-se que não existam limites naturais ao crescimento econômico. Um duplo sofisma. Ignora que continua a aumentar o fluxo de recursos naturais que atravessa a economia, mesmo que diminua no PIB seu peso monetário relativo. E também ignora que o valor é sempre acrescentado pelos humanos, mediante sua força e meios que criam para produzir (trabalho e capital), o que inclui evidentemente conhecimento e inteligência. Raciocina-se como se fosse possível a criação de valor adicionado sem uma coisa à qual ele se adicione, em geral recursos naturais.
Quem ler esse relatório também ficará sem saber que desde meados da década de 1990 outros economistas comparam as evoluções do PIB às evoluções de indicadores de bem-estar. E que o fenômeno constatado nas nações mais avançadas foi de clara divergência a partir do início dos anos 1980, mostrando que em países de alto consumo os custos do crescimento passaram a superar seus benefícios, tornando-o antieconômico.
A constatação empírica de divergência entre desempenho econômico (medido pela evolução do produto) e a efetiva qualidade de vida, assim como entre ela e as perspectivas das gerações futuras (sustentabilidade ambiental), são os primeiros sinais daquilo que no plano teórico havia sido antecipado desde 1966 pela genial contribuição de Nicholas Georgescu-Roegen (1906-1994). Foi quem mostrou que as teorias da ciência econômica simplesmente fazem de conta que não existe a termodinâmica, porque seria muito incômodo aceitar a sua segunda lei, da entropia.
Toda transformação energética envolve produção de calor que tende a se dissipar. E calor é a forma mais degradada de energia, pois embora parte dele possa ser recuperada para algum propósito útil, não é possível aproveitá-lo totalmente por causa de sua tendência à dissipação. A degradação energética tende a atingir um máximo em sistema isolado, como o universo. E não é possível reverter esse processo. O que quer dizer que o calor tende a se distribuir de maneira uniforme por todo o sistema. E calor uniformemente distribuído não pode ser aproveitado para gerar trabalho.
Como as mais diversas formas de vida são sistemas abertos, elas só se mantêm como oposição temporária ao processo entrópico. Há entrada de energia e materiais, mas nem toda energia pode ser utilizada: o calor dissipado não é capaz de realizar trabalho. Energia e matéria aproveitáveis são de baixa entropia, e quando utilizadas na manutenção da organização do próprio sistema, são dissipadas, tornando-se de alta entropia. Os organismos vivos existem, crescem e se organizam importando energia e matéria de qualidade de fora de seus corpos, e exportando a entropia.
Também é assim que a economia mantém sua organização material e cresce em escala: é aberta para a entrada de energia e materiais de qualidade, mas também para a saída de resíduos. Toda a vida econômica se alimenta de energia e matéria de baixa entropia, e gera como subprodutos resíduos de alta entropia. Por isso, não pode ser entendida como moto-perpétuo.
No entanto, obcecados pelo fluxo circular monetário, os economistas convencionais se esqueceram do fluxo metabólico real. Por isso chegam ao absurdo de pensar que o crescimento econômico nada tenha a ver com a capacidade do ambiente de assimilar os resíduos, colocando em risco suas funções de suporte à vida. E não há como se saber qual será o nível de impacto a partir do qual os danos ao ambiente serão irreversíveis.
A mais prática decorrência é que poderá ser muito melhor que o PIB mundial aumente, por exemplo, a uma taxa média de 2%, dobrando em 35 anos, em vez de 7%, quintuplicando em 24. Mais importante ainda será que essa média resulte de taxas das mais elevadas em uma centena de países periféricos e das mais baixas nas duas ou três dezenas de países centrais. Só isso poderá permitir que a qualidade do crescimento econômico seja compatível com a conservação ecossistêmica, gerando algo bem mais próximo do generoso ideal que só emergiu no final do século passado: o desenvolvimento sustentável. E, neste caso, o colapso global terá sido um bem vindo freio de arrumação.
José Eli da Veiga, professor titular do departamento de economia da FEA-USP e autor de diversos livros sobre desenvolvimento sustentável, escreve mensalmente às terças. Página web: http://www.zeeli.pro.br/
Mandelson rejeita resultado 'numérico' no G-20
Raquel Landim, de São Paulo
26/03/2009
Jefferson Dias/Valor
Peter Mandelson: "Ninguém pode abdicar da sua responsabilidade de ajudar o mundo a sair da recessão
O ministro para Negócios, Empreendimento e Reforma Regulatória do Reino Unido, Lorde Peter Mandelson, espera que a opinião pública não julgue o encontro do G-20, que se realiza na próxima quinta-feira em Londres, por resultados "numéricos", que dificilmente devem ocorrer. "Não vamos reconstruir Roma em um dia", disse ao Valor.
Ele afirmou que o encontro é parte de um "processo" para uma visão compartilhada da crise e que "será o primeiro de muitos". No início deste mês, o governo britânico não conseguiu convencer alemães e franceses a se engajarem em um pacote maciço de estímulo fiscal e monetário defendido pelos Estados Unidos.
Um dos membros mais influentes do Partido Trabalhista britânico e um dos fundadores do "New Labour", Mandelson, 55 anos, defendeu a posição da Alemanha, que "está gastando mais do que muitos países desenvolvidos" e se recusou a comentar um eventual novo pacote fiscal do Reino Unido, que encontra resistências internas no país.
Para o ex-comissário de Comércio da União Europeia, que ocupou o cargo entre 2004 e 2008, a maior contribuição do Brasil contra a crise é garantir que o comércio mundial se mantenha aberto. Ele aplaudiu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por levantar a bandeira contra o protecionismo e garantiu que ele vai encontrar "um forte aliado" no primeiro-ministro britânico, Gordon Brown.
Em visita ao país em meio aos preparativos para a reunião do G-20, que reúne os líderes das 20 maiores economias do mundo, Brown se encontra hoje com Lula em Brasília. Mandelson chegou um dia antes a São Paulo, acompanhado de uma delegação de 14 empresários. Ele ocupa a pasta de Negócios desde outubro do ano passado, quando voltou ao centro da cena política britânica, para ajudar a combater os efeitos da crise, pelas mãos de Brown, um antigo desafeto.
Brown e Mandelson se desentenderam em 1994, quando o segundo apoiou Tony Blair para a liderança do Partido Trabalhista. Blair foi premiê por dez anos e Brown se sentiu traído. Polêmico, Mandelson foi obrigado a renunciar duas vezes a outros cargos ministeriais e ganhou o apelido de "Príncipe das Trevas". Como no Reino Unido é preciso fazer parte do Legislativo para ocupar uma pasta no gabinete, Brown transformou Mandelson, que estava sem mandato na época, em "Lorde", com uma vaga vitalícia na Câmara dos Lordes.
Valor: Na avaliação do governo britânico, a economia global ainda preciso de estímulos fiscais adicionais para se recuperar? A ação deve ser coordenada entre os países?
Peter Mandelson: Temos que reiniciar o crescimento global. Está cheio de falhas e precisamos estimulá-lo. Mas é isso que estamos fazendo. Na maioria dos países, uma forma de estímulo ou outra está sendo implementada, com intensidades e calendários diferentes. Mas todos sabemos que temos que contribuir para fazer a máquina econômica global seguir adiante de novo, mesmo se não o fizermos da mesma maneira ou ao mesmo tempo.
Valor: Dez dias atrás, após se encontrar com o primeiro-ministro Gordon Brown, a chanceler Angela Merkel disse que a Alemanha não implementaria novas medidas fiscais antes de conhecer os resultados do que já foi feito. Como o senhor avalia a posição alemã?
Mandelson: Algumas pessoas descrevem a política alemã como contrária a estímulos fiscais e argumentam que essas medidas ainda não foram tomadas. Na verdade, a Alemanha está implementando um grande estímulo à sua economia, com foco na concessão de empréstimos e crédito para seus setores industriais, em uma escala maior que muitos outros no mundo desenvolvido. O que a chanceler Merkel está dizendo é: deem a essas medidas uma chance de funcionar antes de tomar os próximos passos. Certamente é razoável.
Valor: E o Reino Unido? O pacote britânico foi muito menor que o alemão (1% do PIB ante 4% no caso da Alemanha). Será necessário um novo pacote esse ano?
Mandelson: Prefiro não falar em termos de pacotes. Em vez disso, deveríamos falar de medidas focadas e cuidadosamente planejadas, que farão uma diferença em áreas-chaves para a atividade econômica e em setores fundamentais não apenas para nos recuperarmos da atual recessão, mas também para nos fortalecermos para o futuro. Ambas as qualificações são importantes, recuperação e construção, como também reformar e trazer novas fortalezas. No meu trabalho como ministro de Negócios, é nisso que estou focado particularmente, assegurando que o que fizermos hoje resultará em maior competitividade amanhã.
Valor: O Banco Central Europeu cortou os juros para 1,5%, mas o Federal Reserve derrubou a taxa para quase zero e adotou medidas "criativas" para irrigar o mercado. Os europeus estão sendo muito conservadores na política monetária?
Mandelson: A política monetária, incluindo redução de juros, é um instrumento essencial, mas não é o único que estamos utilizando. As políticas de compra de ativos - maneira como no nosso país o Banco da Inglaterra está injetando liquidez - existem ao lado do corte de juros. Você tem uma combinação de políticas monetárias funcionando em conjunto com uma série de políticas fiscais. Logo, diferentes países, ou grupos de países, vão usar essas combinações de formas distintas. Não existe um único desenho, uma maneira perfeita. Existem uma variedade de formas e eu não vejo nenhuma vantagem em dizer se vamos dar um prêmio a esse banco, a essa autoridade monetária ou a esse governo. O que estamos enfrentando é uma complexidade de fatores, não apenas sobre o que criou a crise financeira, a recessão e a falta de crédito, mas também sobre o que deve ser feito em resposta a essas questões. Acredito que veremos no encontro do G-20 em Londres na próxima semana uma conjunto de visões compartilhadas sobre as direções da jornada que deveremos fazer, sobre os princípios das ações que temos que adotar. Mas a forma como os princípios são aplicados nos diferentes dos países vai variar e isso é inevitável.
Valor: Se não devemos esperar que todos os países concordem em implementar estímulos fiscais de, por exemplo, 2% do PIB, que resultados concretos devem sair do encontro dos líderes do G-20?
Mandelson: Espero que as pessoas não julguem os resultados do G-20 em termos numéricos. Não é isso que a economia global precisa. Ela precisa de uma agenda comum e de ações em conjunto, mas também de medidas diferentes, costuradas com as circunstâncias de cada economia. É dessa maneira que temos que julgar os resultados do G-20. Estamos falando de um processo de recuperação e não de um único evento que deveria provocar isso. Não faz sentido tirar uma fotografia instantânea do estado do mundo no fim de um encontro internacional. As questões a serem feitas são: para onde estamos indo? Estamos indo na direção certa? Existe uma visão ampla e compartilhada do que devemos fazer? A liderança que foi demonstrada aumentou a confiança? Esses são os patamares sobre os quais se deve julgar a reunião do G-20. E será o primeiro de muitos encontros desse tipo. O objetivo não é 'construir Roma' em um dia, ou melhor, 'reconstruir Roma em um dia'. Precisamos identificar os próximos passos vitais, assegurar que as pessoas se comprometam com isso, e que, com o tempo, esses passos sejam dados.
Valor: Especialistas dizem que os países ricos devem ajudar as nações em desenvolvimento atingidas pela crise ou haverá um novo efeito em cadeia. O senhor concorda?
Mandelson: Acredito que em qualquer crise internacional os mais vulneráveis e frágeis são os mais duramente atingidos. Essas economias enfrentam o maior sofrimento ou têm menos força para resistir aos efeitos da crise. O resto do mundo deve a esses países, mas também a si mesmo, entregar uma ajuda real por meio das instituições internacionais.
Valor: Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que os países emergentes não deveriam colocar mais dinheiro no FMI (Fundo Monetário Internacional), porque não são culpados pela crise. Qual é a expectativa do Reino Unido em relação aos grandes países emergentes, como o Brasil, na reunião do G-20? Eles devem contribuir para o estímulo fiscal?
Mandelson: Eles devem fazer a sua parte, que não será a mesma, nem em qualidade ou escala, que outros como os Estados Unidos ou a Europa. Mas ninguém pode abdicar da sua responsabilidade de ajudar o mundo a sair da recessão. Acredito que, provavelmente, a maior contribuição que um país como o Brasil pode fazer é garantir que a economia global e o sistema de comércio mundial se mantenham abertos para os negócios. Garantir que o mundo não ceda a pressões protecionistas, ajudar a fortalecer a base de regras do sistema de comércio internacional, e assegurar que o fluxo de investimento e de comércio de bens e serviços seja mantido nesses tempos de dificuldade para a economia global.
Valor: Mas os países emergentes devem contribuir com mais recursos para o FMI? O senhor é a favor de reformas das instituições multilaterais que deem mais voz aos países em desenvolvimento?
Mandelson: Depende dos superávits que esses países possuem para fazer as contribuições. Certamente acredito em reformas das instituições financeiras, mas a verdade é que a velocidade com que a economia global e o sistema financeiro mudaram sobrepujaram as reformas da governança global. A governança global terá que alcançar as mudanças que vemos na paisagem da economia global.
Valor: No último encontro do G-20, em Washington, os líderes mundiais se comprometeram a lutar contra o protecionismo. Mas um estudo do Banco Mundial mostrou que 17 deles tomaram medidas para fechar seus mercados. Por que isso ocorreu? O protecionismo vai aumentar no mundo? E, nesse contexto, a Rodada Doha está morta?
Mandelson: A Rodada Doha certamente não está morta, mas suas negociações foram postergadas e precisam ser retomadas. As pessoas devem ver a Rodada como uma maneira importante de fortalecer a governança global e os instrumentos regulatórios da economia mundial, porque sua conclusão traria uma contribuição maior do que qualquer outra medida para robustecer as regras comerciais mundiais e, eventualmente, torná-las mais justas para os países em desenvolvimento. Entendo as pressões que existem nos governos. É uma pena a maneira como alguns deles agiram depois do último encontro do G-20 e apenas evidencia a grande força de vontade política e a união internacional que são requeridas para resistir a pressões inevitáveis.
Valor: O governo chinês propôs a adoção de uma nova moeda para as reservas internacionais em substituição ao dólar. Qual é a opinião do governo britânico sobre isso?
Mandelson: Estou contente que o governo chinês esteja levando essas importantes questões tão seriamente e tenha feito uma contribuição tão valiosa nesse debate, que é muito necessário. Também aplaudo, da mesma maneira, a liderança do presidente Lula, que tem sido firme e vigoroso em defender o comércio livre e justo como uma forma de evitar o enfraquecimento da economia global por causa do protecionismo. É uma importante bandeira que ele tomou. E o presidente Lula vai encontrar um aliado muito forte no primeiro-ministro britânico.
Valor: O presidente do Fed, Ben Bernanke, e outras autoridades americanas não veem a sugestão chinesa como algo viável. O senhor acha que pode funcionar?
Mandelson: Eu vejo da maneira como descrevi, como uma valiosa contribuição a um debate necessário desse assunto.
Liberem o FMI
Daniel Gros30/03/2009
Uma mudança crucial deveria ser a distinção entre as medidas financeiras do FMI e suas funções analíticas
O Fundo Monetário Internacional (FMI) está de volta aos negócios. Durante os anos de bolha, nem seus conselhos, nem seu dinheiro pareciam ser necessários. Agora, no entanto, mais e mais países precisam de auxílio em seus balanços de pagamentos e existe um consenso abrangente de que o sistema monetário mundial precisa de um órgão para supervisionar sua estabilidade geral. O FMI é o único candidato à tarefa, embora a experiência tenha nos mostrado que ele apenas conseguirá desempenhar esse papel se tiver sua governança reformada.
Garantir apoio ao balanço de pagamentos tem importantes implicações fiscais e é natural que deva continuar existindo uma supervisão atenta pelos que, no fim das contas, são os que fornecem o capital - os países membros do FMI.
Porém, cuidar da estabilidade do sistema financeiro mundial, incluindo a avaliação de políticas de câmbio e desequilíbrios de pagamento mundiais, é uma responsabilidade diferente. Para essas funções analíticas, não há necessidade de uma supervisão tão próxima. Ao contrário, a independência e a experiência profissional devem ser decisivas. Portanto, uma mudança crucial deveria ser a distinção entre as medidas financeiras do FMI e suas funções analíticas, especialmente a supervisão das taxas de câmbio e outras fontes de risco financeiro global.
O Conselho Executivo do FMI, que é formado exclusivamente por representantes dos países membros, atualmente comanda os negócios do dia a dia da instituição. O conselho, portanto, não realiza funções de supervisão, mas atua essencialmente como um conselho de administração ampliado, que delega a execução de suas decisões ao diretor-gerente e restante do pessoal.
Este modus operandi precisa ser alterado de forma a dar ao FMI a independência necessária para tornar-se um juiz confiável e imparcial dos desequilíbrios nos balanços de pagamentos e das fontes de risco aos mercados financeiros mundiais.
Esta independência indispensável ao quadro pessoal do FMI pode ser alcançada estipulando que o conselho supervisione apenas o trabalho das funções analíticas do fundo e, ainda mais importante, que sua composição e processo de tomada de decisões sejam revistos das seguintes formas:
O Conselho Executivo deve ser ampliado com o acréscimo de vários (possivelmente três a cinco) membros independentes (como no setor privado), sendo que o princípio de votação deve ser o de um voto por pessoa. Os membros independentes do conselho constituiriam apenas uma pequena minoria, mas sua presença e experiência profissional lhes dariam um peso desproporcional;
A administração teria liberdade para adotar posições em todas as questões que não envolvessem o uso de recursos do Fundo, a menos que fosse explicitamente determinado pelo conselho ampliado. Isto daria à administração uma considerável independência "de facto", já que sob o princípio de um voto por pessoa, os países membros mais ricos não poderiam mais bloquear questões apenas porque são politicamente inconvenientes;
Para todas as decisões envolvendo recursos da instituição (empréstimos a países membros ou o tamanho das cotas financeiras etc.) os procedimentos atuais de tomada de decisões poderiam permanecer. Todas as decisões financeiras, portanto, continuariam sendo tomadas pelo Conselho Executivo existente, com o peso do voto refletindo as contribuições financeiras dos países membros;
O Banco Central Europeu (BCE) proporciona uma analogia interessante, porque possui dois procedimentos de voto, dependendo do assunto em questão. O Conselho do BCE engloba os seis membros da Comissão Executiva e os 16 presidentes/governadores dos bancos centrais nacionais dos países da região do euro. As decisões realmente importantes sobre política monetária são tomadas pelo conselho, com base no processo de um voto por pessoa.
Quando o Tratado de Maastricht foi negociado, os alemães consideraram esta condição como uma importante concessão. Foi indispensável para o BCE realmente ser independente e para todos os membros do Conselho, particularmente os presidentes dos bancos centrais nacionais, basearem suas decisões apenas nos interesses de toda a região do euro (e não apenas de seu país natal).
Em questões financeiras, contudo, (em particular na distribuição de lucros e prejuízos), as regras de votação são diferentes: a Comissão Executiva não participa e os votos dos presidentes dos bancos centrais nacionais do Conselho do BCE são ponderados pelo peso de suas participações de capital.
Quando os líderes do G-20 se reunirem em Londres, deveriam considerar dar ao FMI a independência que precisa para tornar-se guardião efetivo da estabilidade financeira mundial. Colocar especialistas independentes em seu conselho será um passo-chave nessa direção.
Daniel Gros é diretor do Centro para Estudos de Política Europeia (Ceps), em Bruxelas. © Project Syndicate/Europe´s World, 2009. http://www.valoronline.com.br/ValorImpresso/http?www.project-syndicate.org
Reformulações do FMI
Dominique Strauss-Kahn
31/03/2009
As condições associadas às concessões de crédito do FMI serão mais bem moldadas à situação de cada país
O Fundo Monetário Internacional (FMI) precisa ser um porto de escala essencial para países em desenvolvimento e mercados emergentes que enfrentam necessidades financeiras. Com sua capacidade para mobilizar os vastos recursos financeiros e escorar a credibilidade das políticas públicas, o FMI pode ajudar a aliviar os vultosos custos sociais e econômicos frequentemente associados a crises. Contra esse pano de fundo, o mundo se uniu no meio da crise para reformular radicalmente a estrutura de concessão de empréstimos do FMI.
Agora e no futuro, o mundo precisa do FMI para reagir flexível e eficazmente às necessidades dos seus membros. Acima de tudo, nossos pacotes de financiamento devem ser suficientemente grandes em relação ao tamanho do problema para fazerem uma diferença. Além disso, a ausência de uma linha de seguros do FMI com termos aceitáveis tem sido uma grande lacuna na arquitetura financeira global, especialmente para as mais dinâmicas economias de mercados emergentes. Isso, não obstante todas as evidências sobre o valor do acesso antecipado ao financiamento do FMI, antes de uma situação difícil se deteriorar para se transformar numa crise.
Além disso, apesar de continuar sendo essencial vincular condições de política pública a programas apoiados pelo FMI, elas devem ser concentradas diretamente na resolução dos problemas críticos do país, para que as condições sejam relevantes, em vez de invasivas.
Com o apoio dos nossos membros, estamos implantando importantes reformas nas nossas políticas de concessão de empréstimos, que estimularão países a procurar o FMI logo no início, antes que as crises se tornem graves e quase intratáveis. A reforma consiste de três elementos básicos:
Primeiro, as condições de política pública associadas às concessões de crédito futuras do FMI serão mais bem moldadas às condições do país. Uma nova Linha de Crédito Flexível disponibilizará financiamento de grandes somas - antes mesmo de uma crise surgir - sem qualquer condicionalidade de política pública retroativa dirigida a países qualificados com sólidos fundamentos econômicos e estruturas de política pública. Alguns observadores apelidaram a nova linha de crédito de "EZ loan" (cuja leitura em inglês soa como "easy loan", ou empréstimo fácil), apesar de alguns países que se enquadram nos critérios de qualificação não considerarem suas realizações de política pública - e seu comprometimento com a manutenção desse desempenho - nem um pouco "fácil". Para outros, a condicionalidade será mais rigidamente concentrada em áreas essenciais e as condições "estruturais" que exigem medidas legislativas difíceis de mensurar serão julgadas com critérios menos formalistas.
Segundo, para os que não se qualificam para o novo instrumento, a comprovadamente confiável linha de crédito do Fundo, o "Acordo Stand-by", será mais flexível em uma série de dimensões. Elas incluem permitir elevado acesso financeiro antes mesmo de uma crise se materializar, e possibilitar pagamentos sem entraves.
Terceiro, o montante de empréstimos disponíveis a partir do Fundo Monetário Internacional está sendo elevado substancialmente. Os limites normais impostos sobre o acesso aos recursos do FMI estão sendo duplicados - num desdobramento coerente com o crescente consenso de que a capacidade de concessão de empréstimos do Fundo precisa ser ao menos duplicada, dada a gravidade desta crise. Isto é extremamente importante, uma vez que poucas coisas são tão fatais à credibilidade de um pacote de políticas públicas como recursos de financiamento insuficientes.
Tomadas em conjunto, estas medidas equacionam os problemas básicos - o estigma associado no passado à condicionalidade do FMI, a disponibilidade de financiamento pré-crise e a magnitude total dos pacotes de socorro - que algumas vezes diminuiu a eficácia do papel do FMI, de financiador em tempos de crise. Os mercados emergentes que procurarem o FMI logo no começo para financiamento pré-crise encontrarão abrigo dos ventos da desalavancagem global, que por sua vez ajudará a conter a propagação da crise.
O FMI já se articulou rapidamente para ajudar um grande número dos nossos países membros nesse tempo de crise, inclusive protegendo os gastos sociais para amortecer o impacto da crise sobre os mais vulneráveis. As reformas na concessão de empréstimos adotadas esta semana nos permitirão ser ainda mais flexíveis e ágeis na ajuda a um número ainda maior de países.
Ao mesmo tempo, estas reformas são apenas parte de um plano muito mais abrangente para a renovação do FMI. Ainda em maturação, constam iniciativas para incrementar a concessão de empréstimos preferenciais a países de baixa renda atingidos pela crise, fortalecer a capacidade de vigilância e de alerta precoce do Fundo e para aprimorar sua estrutura de governança de maneiras que reconheçam o papel mais amplo desempenhado pelos países de mercados emergentes na economia mundial.
A minha esperança é de que providências adicionais em todas essas áreas sejam tomadas nos próximos meses. Juntas, elas representam um ponto de inflexão na forma como o FMI atua, e permitirão que o Fundo sirva o seu público global de forma ainda melhor.
Há boas chances de avanço na reunião londrina do G-20
Editorial
31/03/2009
A importância da próxima reunião do G-20, que reúne os países que criam 85% da riqueza mundial, pode ser melhor entendida em negativo. O fracasso da tentativa de união para combater a crise mundial colocará o mundo diante de forças recessivas maiores do que quaisquer soluções nacionais poderiam vencer. É por isso que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, coloca como meta para a reunião que marcará sua estreia na arena global a transmissão de uma "forte mensagem de união ao mundo". Os desafios colocados são enormes, uma coordenação internacional que alcance consenso em uma crise de tal profundidade nunca existiu com essa amplitude em tempos de paz, e a maior tempestade econômica global exige uma reação global. O G-20 prova que as instituições de Bretton Woods, como o Fundo Monetário Internacional, ficaram ultrapassadas, e sua capacidade de criar acordos é um fator relevante para que se vença a crise e possa se criar um arranjo multilateral mais justo para o futuro.
Não convém que o G-20 falhe, embora seja difícil mensurar exatamente como ele pode ter sucesso. O esboço do comunicado final que veio a público em Londres não deixa enxergar, na linguagem evasiva da diplomacia, os avanços reais em perspectiva. As declarações de Obama foram significativas para abrir terrenos ao entendimento. Ele colocou a suposta oposição entre forte regulamentação financeira, trombeteada pela União Europeia, e o maior estímulo às economias nacionais, pregada por americanos e bombardeada por europeus, como um falso dilema. Do lado americano e de alguns emergentes, como o Brasil, há o entendimento de que ambos são necessários.
A deterioração da economia europeia é por si só um argumento natural a favor de maiores estímulos fiscais e monetários. A economia da zona do euro deve contrair 4,1% este ano e em março a indústria e serviços da região terão sua décima queda mensal consecutiva. Os alemães encabeçam a resistência na UE, com a chanceler Angela Merkel pregando, contra o vento, a necessidade de uma inacreditável volta à austeridade fiscal. Por outro lado, a Alemanha tem o maior pacote de estímulos para 2009-2010 na Europa, algo como 3,5% do PIB - e já fizeram boa parte do seu dever. O Banco Central Europeu foi o último a ser convencido à política do menor juro possível e deve esta semana reduzi-lo a 1%.
Se é possível avançar com cautela quanto aos estímulos monetários e fiscais adicionais, os pontos de vista dos dois lados do Atlântico estão cada vez mais próximos também em uma vasta área da regulamentação financeira. Novamente, foram os EUA que apararam algumas arestas de sua tradição "mercadista", com o anúncio das propostas de supervisão do sistema financeiro apresentadas na semana passada. Obviamente, os europeus são favoráveis a um controle minucioso e internacional dos bancos, com um órgão supranacional a ditar as regras.
Os EUA não aceitarão isso, mas já aceitam controles impensáveis há algum tempo, e eles estão em linha com o o que querem os governos europeus. Ambos creem imperiosa a exigência de mais capital nos bancos em tempos de bonança, o que dificulta a formação de bolhas de crédito e dá às instituições meios de ação contracíclica em épocas de crise. A supervisão deve se estender aos não-bancos, como seguradoras, fundos de hedge e os falidos bancos de investimento, e abranger todas as instituições que possam oferecer risco sistêmico. Os mercados de derivativos devem ser submetidos a uma clearing e, para alguns dos grandes fundos de hedge serão recomendados exigências de capital e de risco. Tudo isso consta do plano apresentado pelo secretário do Tesouro americano, Tim Geithner, ao Congresso e faz parte da cartilha europeia para uma nova supervisão financeira.
Outro pilar de consenso é a conveniência de dar ao FMI um orçamento que seja o triplo dos US$ 250 bilhões que tem hoje. A questão aqui é a de mudar a participação no órgão de acordo com o peso econômico dos países na arena global, o que daria mais poder aos países emergentes. Há uma decisão favorável em princípio dos países desenvolvidos, mas dificilmente se avançará nela agora. Se apenas o que é consenso for executado, sem perder de vista a prioridade máxima ao combate da crise, grandes passos adiante serão dados pelo G-20.
A culpa dos inocentes
Luiz Gonzaga Belluzzo
31/03/2009
Na terça-feira, 17 de março, a Rosekranz Foundation promoveu, em Nova York, um debate denominado "Blame Washington more than Wall Street for the Financial Crisis". Como o leitor há de perceber, a forma de apresentação do tema já aponta o dedo indicador para os senhores de Washington - aí incluídos o Federal Reserve, o Congresso e o Executivo. Seriam eles os "culpados" pela construção do castelo de cartas que começou a desabar em meados de 2007?
Participaram do conclave, entre outros, o historiador de Harvard Niall Ferguson, o economista Nouriel Roubini, o jornalista do New York Times Alex Berenson e Byron Wien, ex-executivo do Morgan Stanley. A audiência, formada por 700 cidadãos nova-iorquinos, votou antes e depois do debate. No primeiro escrutínio, Washington bateu Wall Street com 42% dos votos contra 30% e 28% de indecisos. No segundo, a coisa piorou para Washington. A culpabilidade do governo foi atestada por 60% dos votos.
O jornalista Alex Berenson discordou da forma pela qual o tema foi apresentado: "Washington-versus-Wall Street é uma falsa dicotomia porque os bancos tornaram-se tão poderosos na esfera financeira que disseram a Washington: se a regulamentação for restritiva, vamos cair fora, criar empregos no exterior e não haverá regulamentação sobre o nada". Niall Ferguson, o historiador, iniciou sua intervenção com uma diatribe contra Washington. Levantou a plateia ao revelar que a seguradora AIG gastou em 2008 US$ 9,7 milhões em ações de lobby no governo federal. As campanhas eleitorais dos presidentes da Comissão de Finanças e o presidente da Comissão de Bancos do Senado foram os maiores beneficiários da grana.
A observação de Berenson e a notícia de Ferguson nos remetem - perdão pelo eufemismo - ao peculiar caráter "liberal" (no sentido europeu) do Estado americano, desde a sua constituição. Nas últimas décadas do Século XIX e no início do Século XX, as práticas financeiras especulativas e os sucessivos episódios de deflação de preços se desenvolveram à sombra de um Estado cúmplice da concorrência darwinista. A ausência de um banco central até 1913 permitiu a eclosão de episódios de liquidação selvagem de ativos que se sucederam na missão de destruir a riqueza do "público", impulsionar a centralização do capital e consolidar o assim chamado capitalismo trustificado. O surgimento e o desenvolvimento da grande corporação americana e de sua capacidade competitiva tiveram o apoio do Estado. Mais tarde, esse apoio seria decisivo no movimento de transnacionalização dos bancos e das empresas americanas.
Na América, a vulnerabilidade do poder político diante dos interesses privados, agora "descoberta" pelos críticos da crise, está no DNA das relações entre Estado, sociedade e economia. Os chamados movimentos "populistas" e "progressistas", débeis nos períodos de euforia, ressurgem vigorosos nos momentos de crise econômica e social. São esperanças, tão efêmeras quanto recorrentes, de interromper o contubérnio entre os grandes negócios e o Estado. A Era Progressiva do começo do Século XX foi um episódio de rebelião "democrática" dos pequenos proprietários, dos novos profissionais liberais e das massas trabalhadoras contra o poder dos bancos e das grandes corporações. "Os progressistas" - escreve Sean Cashman - em America Ascendant, queriam limitar o poder do big business, tornar o sistema político mais representativo e ampliar o papel do governo na proteção do interesse público e na melhoria das péssimas condições sociais e de pobreza.
Tais pretensões foram retomadas e aprofundadas com o New Deal. Desta vez, ficou exposta a fratura entre a "classe financeira" de Wall Street, as exigências da indústria e os interesses da grande maioria da população - fortemente atingida pela depressão. No New Deal, o poder e o prestígio de Wall Street chegaram ao fundo do poço, como atestam as seguidas manifestações iradas contra a ganância dos banqueiros.
A memória dos anos 20 e 30 do Século XX norteou o imaginário dos governos que emergiram da tragédia social e econômica da Grande Depressão e da Segunda Guerra. Na esfera da finança e do crédito, as desordens do entre-guerras estimularam a imposição de regras de bom comportamento aos bancos e às demais instituições financeiras. Durou pouco. Na posteridade dos 30 anos gloriosos, os senhores de Wall Street e de Washington cuidaram de restaurar o império da finança desregrada.
Nos mandatos republicanos de Reagan e de Bush father & sons a promiscuidade era escancarada: difícil dizer se estávamos diante de um governo eleito ou de um escritório de corretagem. Mas os ex-presidentes republicanos não eram exceções: o democrata Clinton protagonizou a façanha de impor os interesses da alta finança americana em todo o mundo, com o aplauso e o apoio entusiasmado dos endinheirados do planeta. Por essas e outras, William Greider, o editor de economia da revista americana "The Nation" pegou no nervo: a crise de "credibilidade" que ora derruba os mercados e trava o crédito não é fruto de malfeitorias isoladas, mas o resultado lógico do contubérnio entre governos cúmplices e negócios espertos. Numa audiência sobre o pacote trilhonário de resgate dos bancos e assemelhados, o republicano Maxine Waters perguntou a Tim Geithner por que, em ocasiões como essa, está sempre interrogando um aluno da Goldman Sachs.
Ao enclausurar as razões da crise na tola dicotomia Washington versus Wall Street, o debate promovido pela Rozenkraz é um exemplo do retrocesso da consciência humana para formas de expressão que o filósofo vietnamita Tran Duc Tao chamou de sincréticas ("nenê sofá sentado"). A formas sincréticas antecedem, na gênese da consciência, a frase capaz de conectar sujeito, verbo e predicado e dar sentido aos substantivos diferenciados. Há quem afirme, como Hanna Arendt, que a degeneração da sociedade dos indivíduos na sociedade de massas produziu a degradação das formas de compreensão do mundo mais abrangentes, próprias da primeira modernidade. As simplificações agressivamente binárias e retrógradas são típicas do pensamento midiático e "internético" contemporâneos, uma forma de dominação eficaz que espezinha o projeto de autonomia do cidadão.
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo , ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras. E-mail: BelluzzoP@aol.com
Diário de viagem
Eliana Cardoso
02/04/2009
Com direito a concerto de jazz no "Snug Harbor", não havia como recusar o convite. Lá fui eu à Universidade de Tulane em New Orleans para a conferência do Banco Mundial sobre as políticas comerciais dos Brics.
Cada um deles tem seu acordo regional. O Brasil, o Mercosul. A Rússia, o Eurosec. A China, o Asean+3. A Índia, o Safta. Cada um a seu modo percorreu estrada parecida com a do Brasil, cujo caminho (nas décadas de 50 e 60) começou com forte protecionismo em busca da industrialização. O país prosseguiu viagem através da promoção de exportações nos anos 70, até chegar à liberalização unilateral e, finalmente, desembarcar na assinatura de acordos preferenciais de comércio.
Depois de 18 anos de vida, o acordo que deveria integrar Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai permanece permeado de contradições. Vários produtos continuam sob regime especial. A lista de exceções à tarifa externa comum sofre revisões ditadas por choques passageiros. Cobra-se a tarifa de importação sobre produto importado de país fora do bloco cada vez que o produto é reexportado dentro do bloco.
Sem objetivos comuns, dificilmente o acordo pode chegar a bom destino. O Brasil vê o Mercosul como uma plataforma estratégica para aumentar sua estatura internacional. A Argentina o vê como a solução mais fácil para crises de curto prazo.
Grandes diferenças separam o Brasil de seus sócios, pois ele representa entre 70% e 80% do território, população, PIB e comércio dos quatro países. Desde 2003, nossas exportações para os outros membros do Mercosul vêm crescendo com maior rapidez do que as deles para nós. O resultado são superávits que, somados à desvalorização do real em relação ao dólar, tendem a agravar os ressentimentos dos parceiros, que reclamam das assimetrias entre o Brasil e o resto do grupo.
Entre 2003 e 2007, as exportações do Brasil para a Argentina cresceram 35% (contra 23% da Argentina para o Brasil); 23% do Brasil para o Paraguai (contra 7% do Paraguai para o Brasil); 33% do Brasil para o Uruguai (contra 11% do Uruguai para o Brasil). Para o Paraguai e o Uruguai, os déficits com o Brasil seriam a prova de que o Mercosul lhes traz poucos benefícios. A Argentina teme que a crescente penetração de produtos industriais brasileiros ameace o desenvolvimento de seu setor manufatureiro.
A evidência empírica parece indicar que as assimetrias das quais nossos parceiros se queixam são tão reais quanto as medidas protecionistas adotadas pela Argentina. No trabalho "Regionalism as Industrial Policy in Developing Countries", Pedro Moncarz, Marcelo Olarreaga e Marcel Vaillant (das universidades de Córdoba, Genebra e Montevidéu) apontam evidência consistente com a hipótese de que o Brasil atingiu objetivos industriais à custa dos parceiros do Mercosul.
Preferências outorgadas a exportadores brasileiros levaram ao aumento das exportações do Brasil para a Argentina, Paraguai e Uruguai de bens relativamente sofisticados, na produção dos quais nosso Patropi não tem vantagem comparativa em nível global. Os três países teriam pagado o custo do desvio de comércio ao trocar as importações de produtores mais eficientes por importações do Brasil. Dessa forma, teriam subsidiado nossa indústria. Além disso, o Brasil teria se beneficiado da criação de comércio, porque aumentou as importações da Argentina, Paraguai e Uruguai de bens na produção dos quais os parceiros gozam de vantagem comparativa em nível global.
Os desvios de comércio e as desavenças do Mercosul são comuns aos acordos preferenciais dos outros Brics. Os grupos de países envolvidos em acordos regionais se parecem com famílias infelizes em casamentos fracassados, onde interesses empedernidos impedem o divórcio. Dentro de alguns anos, os economistas haverão de documentar os custos dos acordos preferenciais, como já documentaram os das políticas de substituição de importações e dos controles de câmbio nas décadas passadas.
Antes de voltar a Sampa, parei em Washington para ver "Íon", em cartaz no Shakespeare Theater. A montagem moderna do drama com final feliz, que Eurípedes escreveu há mais de 2.500 anos, está alegre e divertida. Apolo engravida Creusa, princesa de Atenas. Com medo do rei, ela abandona o recém-nascido, que Hermes leva para Delfos e deixa a cargo da sacerdotisa do templo. Creusa casa-se com Xuto. O casal não consegue ter filhos e vai a Delfos consultar Apolo, que mente para Xuto: o primeiro jovem que você encontrar no templo é seu filho, diz ele. Xuto depara-se com Íon (o filho abandonado de Apolo e criado no templo) e acredita que ele é o fruto de uma aventura dionisíaca que vivera antes do casamento. Alegria, alegria.
Mas Creusa, indignada, porque suspeita que Apolo deixara seu filho morrer enquanto protegia o filho ilegítimo de Xuto, planeja envenenar Íon. Para tanto, tem duas gotas do sangue das Gôrgonas. Uma gota dá vida eterna, a outra mata. O plano fracassa. Creusa é condenada. A sacerdotisa aparece com a cesta e a roupa na qual Creusa envolvera o bebê antes de abandoná-lo. Atenas desce do céu de asas abertas e vestido esvoaçante para resolver a pendenga. O final feliz não consegue apagar os sentimentos negativos que a história desperta, nem a ironia e o ceticismo religioso de Eurípedes. Se os deuses mentem, não há como conhecer a verdade.
A ida ao teatro interrompeu a redação da coluna. Agora é preciso retomar o fio da meada. Vamos lá. Os reis gregos estavam em maus lençóis com o destino nas mãos de deuses malucos. Os governantes de hoje também, porque o deus mercado é cheio de manhas. Guiados por lobbies, os governos repetem erros passados ao substituir tarifas antigas por acordos preferenciais. Como o sangue mau das Gôrgonas, esses acordos matam o livre comércio. Desconfio que o comércio livre é missão impossível - como aquela imposta pelo "conhece-te a ti mesmo" no portal do templo de Apolo, o deus mentiroso.
Eliana Cardoso é professora titular da EESP-FGV e escreve, quinzenalmente, às quintas-feiras
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FMI sugere adoção do euro no Leste Europeu
Ter, 07 Abr, 09h36
O Fundo Monetário Internacional (FMI) sugere a adoção do euro por todos os países do Leste Europeu que fazem parte da União Europeia (UE) como forma de salvar a região da pior crise desde o fim do comunismo, informou o jornal britânico Financial Times, citando documento confidencial do FMI. "Para os países na UE, a euroização oferece o maior benefício em termos de uma solução para sua dívida em moeda estrangeira, removendo incertezas e restaurando a confiança", afirma o FMI, em seu levantamento técnico.A forte flutuação das moedas de Hungria, República Checa e Polônia está transformando a vida das fronteiras, enquanto as economias do Leste Europeu devem sofrer uma contração de 2,5% em 2009. A "euroização" da região é considerada como inaceitável pelo Banco Central Europeu (BCE), enquanto as condições básicas não forem atendidas. O estudo do FMI sugere que a UE deveria relaxar os critérios de adesão ao euro, moeda que hoje circula em 16 países. Entre os países do Leste Europeu, apenas a Eslováquia conseguiu reunir até agora condições para aderir à moeda única.
A queda das moedas locais está aprofundando ainda mais a crise na região. Polônia, Romênia e República Checa, além dos húngaros, são membros da UE, mas não adotam o euro e suas moedas flutuam livremente. Desde o início da crise, a fuga de investimentos e de capital da região fez com que suas moedas tivessem a pior desvalorização entre todos os países. Só o zloty, da Polônia, se desvalorizou 28% em relação ao euro. O forint, na Hungria, caiu em 20%, contra 11% da koruna checa.
Para as contas públicas, isso significou que a dívida explodiu e afastou a região ainda mais dos critérios para adoção do euro. Para 2009, a rolagem da dívida do Leste Europeu será de US$ 413 bilhões. Mas, com dificuldades para ter acesso a créditos, a região deve sofrer uma alta de seu endividamento. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Como será o novo FMI?
Por Raquel Landim, de São Paulo
09/04/2009
AP
A conferência de Bretton Woods, em 1944: FMI está sendo obrigado a mudanças que podem levá-lo mais perto de suas origens keynesianas
Durante a conferência de Bretton Woods em 1944, que estabeleceu a nova arquitetura financeira global no pós-guerra, o negociador-chefe do Reino Unido, John Maynard Keynes, estava cada vez mais frustrado com a arrogância dos americanos liderados por Harry Dextler White. Uma anedota da época conta que, para confortá-lo, o embaixador britânico Lord Halifax disse: "Os americanos podem ter as bolsas de dinheiro, mas nós temos todo o cérebro."
De nada adiantou a pretensa superioridade intelectual inglesa, pois o Fundo Monetário Internacional (FMI) nasceu como desejava White. Prevaleceu a posição dos Estados Unidos de uma instituição menor que aplicaria seus recursos seletivamente. Também venceu a ideia de utilizar as moedas nacionais nos empréstimos, principalmente o dólar, em vez de um novo ativo proposto por Keynes, o "bancor".
AP
A conferência de Bretton Woods, em 1944: FMI está sendo obrigado a mudanças que podem levá-lo mais perto de suas origens keynesianas
O FMI adotou como mandamento a defesa de White aos preços estáveis e à política monetária disciplinada. Com o passar do tempo, tornou-se ainda mais conservador que seu mentor, pois White compartilhava com Keynes a crença em políticas anticíclicas para manter o nível de emprego na crise. Mas essa configuração está se modificando. Passados 65 anos de sua criação, o fundo é obrigado pela mais grave crise econômica desde a Grande Depressão na década de 30 a mudanças que podem levá-lo mais perto de suas origens keynesianas.
A reunião de primavera do FMI, nos dias 24 e 25 em Washington, promete ser um bom teste para sua suposta guinada heterodoxa, pois ainda há muitas questões em aberto. De onde virá o dinheiro para reforçar o seu caixa? Em vez de cobrar austeridade fiscal, o fundo será capaz de incentivar gastos? O FMI vai efetivamente atuar como regulador e supervisor do sistema financeiro? Os emergentes realmente terão mais poder na instituição? "Se até o fim do mês não tiver nada concreto, podemos colocar as barbas de molho", diz Rubens Ricupero, ex-secretário geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad).
AP
A conferência de Bretton Woods, em 1944: FMI está sendo obrigado a mudanças que podem levá-lo mais perto de suas origens keynesianas
Após o encontro do G-20, grupo que reúne as maiores economias do mundo, em Londres na semana passada, o diretor-gerente Dominique Strauss-Khan comemorou: "O FMI está de volta." Não restam dúvidas de que ele está certo. A crise recolocou o fundo no centro da cena internacional depois de um período de duras críticas, corte de gastos e até de objeções à sua existência. Os líderes mundiais prometeram triplicar o caixa do FMI para US$ 750 bilhões e autorizaram mais US$ 250 bilhões em Direito Especial de Saque (DES), uma espécie de moeda da instituição.
Foi a principal decisão da reunião do G-20 e o único tema sobre o qual foi possível chegar a um consenso. Os países emergentes, como China e Brasil, se comprometeram a colocar dinheiro no fundo (embora ainda não tenham especificado valores), mesmo antes de ser atendido seu pleito de maior poder e participação na instituição. Para essas nações, é muito importante restabelecer os fluxos de capital no mundo, e essas mudanças institucionais levam tempo. Foi estabelecido o prazo de janeiro de 2011 para a conclusão da reforma das cotas do FMI. Os emergentes reclamam, com razão, de que estão sub-representados. A China, por exemplo, possui a mesma fatia da pequenina Bélgica.
O FMI também ganhou múltiplos papéis no combate à crise. O G-20 solicitou que a instituição monitore a implementação das políticas fiscais adotadas pelos países; que emita alertas prévios contra novas turbulências (em conjunto com o Fórum de Estabilidade Financeira); e seja parceiro dos países na discussão sobre quais políticas devem ser adotadas. Além, é claro, de utilizar seus recursos para aumentar a liquidez mundial e para ajudar os países emergentes afetados pela crise, especialmente os de menor desenvolvimento relativo.
A "ressurreição" do FMI já havia começado um pouco antes da reunião do G-20, quando nações como Hungria, Ucrânia, Paquistão e Islândia recorreram ao fundo em busca de uma ajuda de emergência para equilibrar sua balança de pagamentos. Fazia tempo que o fundo não tinha tantos clientes. No período pré-crise de abundância de capital e fluidez do crédito, os países em desenvolvimento fizeram reformas, acumularam reservas e deixaram o FMI às moscas. Além disso, a instituição ainda luta contra um forte estigma. Os países evitam recorrer ao fundo a todo custo, pois aceitar suas pesadas condicionalidades envia ao mercado o sinal de estar à beira da bancarrota.
Nas crises da Ásia e da América Latina na década de 90, o FMI recebeu reprimendas de economistas das mais diversas correntes por causa da insistência em recomendar mais privações - como taxas de juros elevadas e rígidos cortes de gastos - a países que já estavam doentes. Para o professor da Universidade de São Paulo Dante Aldrighi, a crise atual impôs mudanças ao fundo, pois não faz sentido pedir sacrifícios às nações pobres enquanto os Estados Unidos jogam dinheiro de helicóptero para recuperar seu mercado. "A crise financeira provocou a revisão de algumas convicções do pensamento ortodoxo", afirma.
O FMI fez o seu dever de casa ao dobrar os limites para os empréstimos sem condicionalidades e flexibilizar significativamente seus critérios. O objetivo do fundo agora é focar na qualificação dos países antes da tomada do crédito, em vez de impor metas de política econômica. Foi criada uma nova linha de crédito flexível, que prevê empréstimos significativos, de longo prazo e sem limites de renovação, liberados logo após sua aprovação, para países com fundamentos econômicos sólidos e políticas fiscais e monetárias consistentes. Para os países que não se encaixarem nesse critério, também foram relaxadas as regras para os tradicionais empréstimos de stand-by.
Afastado do fundo desde 1995, o México surpreendeu o mundo ao revelar que havia pleiteado um crédito de US$ 47 bilhões no FMI por meio da nova linha de condições flexíveis para combater os efeitos da crise internacional. Ao invés de provocar alarme, a notícia animou os mercados, e o peso mexicano valorizou-se. Um resultado e tanto para o fundo, que espera que o exemplo do México estimule outros países a bater à sua porta antes que a sua situação econômica esteja à beira da catástrofe.
Segundo Paulo Nogueira Batista, diretor-executivo do FMI pelo Brasil e mais oito países da América Latina e do Caribe, o governo brasileiro teve papel importante nessa mudança, pois foi o primeiro a propor a flexibilização dos critérios de empréstimos. Ele garante que não existem mais nas regras exigências como adoção de câmbio flutuante, metas de inflação e de superávit primário, mas admite que vai ser preciso supervisionar de perto se as intenções do fundo se transformarão em realidade. "Fizemos dois gols, mas ainda podemos tomar uma bola nas costas e perder a partida", diz.
Há muitas dúvidas entre os especialistas se o FMI vai realmente mudar sua cultura, abandonar as antigas receitas e conceder empréstimos para os países gastarem na reativação de suas economias em vez de economizar para o pagamento de dívidas. Na reunião do G-20, o primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown, declarou que o Consenso de Washington acabou - o conjunto de regras que conduziu a política do FMI para a América Latina.
Martin Feldstein, presidente do prestigiado Escritório Nacional de Pesquisa Econômica (NBER) e professor de Harvard, diz acreditar que o FMI vai seguir recomendando aos países princípios do consenso como livre comércio e câmbio flutuante. Ele está cético sobre o novo papel do fundo e recorda que não ficou claro se a instituição vai receber todo o dinheiro que foi prometido, já que, por enquanto, estão garantidos apenas US$ 100 bilhões do Japão e US$ 100 bilhões da União Europeia. Também duvida que o FMI vá funcionar como um fiscal eficiente se os países não tomarem as medidas necessárias para sair da crise. "Eles não estão realmente dispostos a disciplinar grandes países como os Estados Unidos", diz ao Valor.
Para Ronald McKinnon, professor da Universidade de Stanford, o Consenso de Washington só pode ser considerado passado no que diz respeito à defesa de regulação mínima dos mercados financeiros e do fluxo de capitais. Ele diz acreditar que não haverá mudança nos princípios envolvidos no comércio de bens e serviços. McKinnon defende que a austeridade tradicional do FMI era adequada quando países individualmente estavam com problemas, mas, no momento de uma recessão global, políticas expansionistas generalizadas são justificáveis.
Com diversos acordos de livre comércio, inflação baixa, contas em ordem e câmbio flutuante, o México é um excelente aluno da antiga receita do FMI e um dos melhores exemplos de países que seguiram o Consenso de Washington. Portanto, não é nenhum trauma para os burocratas do fundo aprovarem uma linha de crédito sem condicionalidades para os mexicanos. Mas o que pode ocorrer se a Argentina, que deu o calote nos seus credores, ou a Venezuela, que controla importações e câmbio, recorrerem ao FMI? "São países com políticas heterodoxas populistas, que possuem inflação alta e contas desequilibradas. Se o FMI for socorrê-los, vai ser pelas condições tradicionais", observa Simão David Silber, professor da USP.
Kenneth Rogoff, professor de Harvard e ex-economista-chefe do FMI, avalia que o motivo determinante do fortalecimento do fundo foi a necessidade dos países ricos de transferir recursos para as nações emergentes atingidas pela crise. O temor de Estados Unidos e União Europeia é que a quebradeira desses países provoque uma nova onda de turbulência global. É o caso do México, vizinho e um dos principais parceiros dos EUA, mas principalmente do Leste Europeu. "Eles não conseguiram pensar em um sistema alternativo para o salvar a Europa Orienal", afirma Rogoff ao Valor.
A União Europeia não possui os mecanismos e a expertise para socorrer essas economias em transição do comunismo para o capitalismo. Uma crise de grandes proporções no Leste Europeu pode ter consequências econômicas e políticas significativas para todo o continente. Japão e China também aceitaram participar do esforço para capitalizar o FMI, porque estão preocupados com a situação de países na Ásia. Na América Latina, o Brasil está em melhores condições que muitos de seus vizinhos.
Outro temor de Rogoff é com a sustentabilidade das "dramáticas" mudanças que o fundo promoveu em seus critérios de financiamento. O economista questiona o que pode ocorrer se os países que receberam montanhas de recursos do fundo para enfrentar a crise simplesmente não se recuperarem. "Se a confiança dos mercados não for reconstruída, o que acontece depois? Parece que os líderes mundiais apenas jogaram o problema para a frente."
Uma das principais críticas de diversos especialistas é que prevaleceu entre os líderes mundiais na reunião do G-20 a percepção equivocada de que era preciso apenas resolver os problemas dos países em desenvolvimento. Praticamente nada foi feito até agora para promover mudanças significativas na regulação do mercado financeiro global, especialmente nos países ricos onde a crise nasceu. Há muitas dúvidas sobre se o FMI pode desempenhar esse papel. "Em princípio, o fundo pode fazer isso, mas não tem a expertise suficiente. Seria preciso contratar uma equipe completa de novos funcionários", diz Rogoff.
Sob os auspícios de um FMI fortalecido e com um novo papel na governança global, os líderes mundiais foram bem-sucedidos em sua ofensiva de relações públicas e uma onda de otimismo se espalhou após a reunião do G-20, culminando em um rally dos mercados de ações. O problema é que se as promessas em relação ao fundo não começarem rapidamente a se transformar em realidade, tudo pode cair em descrédito. Com a crise, o keynesianismo e sua receita de estimular gastos públicos estão nos planos de todos os países, com mais (americanos) ou menos (europeus) ênfase. Mas, quando se refere ao FMI, é bem provável que mesmo depois dessa crise White continue vencendo a batalha contra Keynes.
O presidente do Banco Central chinês, Zhou Xiaochuan, revelou recentemente suas preocupações sobre a utilização do dólar como moeda de reserva internacional e sugeriu a adoção dos Direitos Especiais de Saque (DES) do FMI como alternativa, mas sua proposta tem pouquíssimas chances de ir para a frente. E ninguém chega a cogitar a criação de um dinheiro internacionalizado como o "bancor" de Keynes. Ronald McKinnon reconhece que a expansão fiscal está na ordem do dia, mas diz que isso vem sendo feito sem radicalismos, por meio da expansão do poder de empréstimo do FMI através da contribuições dos países membros - exatamente como previa o plano de White.
Um FMI do qual podemos gostar?
Dani Rodrik
14/04/2009
A instituição emergiu do encontro do G-20 com mais recursos e responsabilidades, mas o risco é exceder seu alcance
Que diferença a crise fez para o Fundo Monetário Internacional (FMI)? Há apenas alguns meses, esta importante, porém desprezada, instituição, verdadeira referência dos arranjos econômicos do Pós-Guerra, parecia destinada à irrelevância.
O FMI há muito servia de bode expiatório tanto para a esquerda como para a direita - a primeira, pela ênfase do fundo na ortodoxia econômica e retidão fiscal, e a segunda, por seu papel no resgate de nações endividadas. Os países em desenvolvimento, relutantes, aceitavam seus conselhos, enquanto os países avançados, sem necessidade de dinheiro, os ignoravam. Em um mundo em que os fluxos de capitais privados haviam tornado os recursos em mãos do FMI insuficientes, a instituição acabara por tornar-se um anacronismo.
E, quando há alguns anos alguns dos maiores devedores do FMI (Brasil e Argentina) começaram a pagar antecipadamente suas dívidas, e não havia novos captadores no horizonte, parecia que o último prego havia sido colocado em seu caixão. O FMI parecia condenado a ficar sem renda e a perder sua "raison d'être", sua razão de ser. Reduziu seu orçamento e começou a encolher. Embora tenha ganhado novas responsabilidades nesse entretempo - supervisionar a "manipulação cambial", em particular - suas deliberações mostraram ser, em grande parte, irrelevantes.
A crise, no entanto, revigorou o FMI. Sob o comando de seu competente diretor-gerente, Dominique Strauss-Kahn, o fundo vem sendo uma das poucas agências oficiais na dianteira - em vez de na retaguarda - dos acontecimentos. Agiu de forma rápida para estabelecer uma linha de crédito emergencial de fácil liberação para os países com políticas "razoáveis". Defendeu veementemente estímulos fiscais mundiais na ordem de 2% do PIB global - posição ainda mais notável em face de seu tradicional conservadorismo em questões fiscais. E, no período prévio à reunião de cúpula do Grupo dos 20 (G-20), em Londres, remodelou completamente suas políticas de empréstimos. Tirou a ênfase da tradicional condicionalidade dos créditos, de forma que os países passaram a ter mais facilidade para ficarem aptos a receber os empréstimos.
Ainda mais significativo foi o fato de o FMI emergir do encontro em Londres com recursos substancialmente maiores e com mais responsabilidades. O G-20 prometeu triplicar a capacidade de crédito do FMI (de US$ 250 bilhões para US$ 750 bilhões), lançar US$ 250 bilhões em Direitos Especiais de Saque (DES) - um ativo de reserva composto de uma cesta das principais moedas - e permitir que a instituição capte nos mercados de capitais (o que nunca ocorreu) caso necessário. O FMI também foi indicado como uma das duas principais agências, ao lado do Fórum de Estabilidade Financeira (agora renomeado Conselho de Estabilidade Financeira), e encarregado de alertar antecipadamente sobre riscos financeiros e macroeconômicos, além de emitir as recomendações políticas necessárias.
Outra boa notícia é que os europeus abriram mão da reivindicação de nomear o diretor-gerente do FMI (assim como os EUA o fizeram com a presidência do Banco Mundial). Estes dirigentes, de agora em diante, serão escolhidos "por meio de um processo de seleção aberto, transparentes e baseado em méritos". Isto contribuirá para uma melhor governança (embora a direção de Strauss-Khan venha sendo exemplar) e aumentará a legitimidade de ambas as instituições aos olhos dos países em desenvolvimento.
O FMI, portanto, encontra-se no centro do universo econômico mais uma vez. Como optará por usar seu poder recém-recuperado?
O maior risco é que volte a superestimar sua força e exceder-se em seu alcance. Foi o que aconteceu na segunda metade dos anos 90, quando o FMI começou a pregar uma liberação das contas de capital, aplicou soluções fiscais austeras demais durante a crise financeira asiática e tentou reformular sozinho as economias do continente. Ainda está por ser visto se as lições foram compreendidas integralmente dentro da instituição e se teremos um FMI mais afável e suave e não um rígido e doutrinário.
Um fato encorajador é que os países em desenvolvimento quase certamente terão maior voz para definir como o fundo é dirigido. Isto assegurará que a visão dos países mais pobres encontre ouvidos mais receptivos no futuro.
Simplesmente dar maior poder de voto aos países em desenvolvimento, no entanto, fará pouca diferença se a cultura organizacional do FMI não for mudada também. O quadro de funcionários do fundo é composto por um grande número de economistas bem instruídos, mas que carecem de muita conexão com (e compreensão das) as realidades institucionais dos países com os quais trabalham. Seu conhecimento profissional é validado pela qualidade de seus títulos superiores e não por seus feitos práticos. Isto alimenta a arrogância e um senso de superioridade presunçosa sobre seus pares - autoridades políticas que precisam equilibrar agendas múltiplas e complicadas.
Combater isso exigirá esforços proativos da liderança do FMI no recrutamento, no quadro pessoal e na política de promoções. Uma opção seria aumentar substancialmente o número de recrutas em meio de carreira com experiência prática de fato em países em desenvolvimento. Isso poderia tornar o pessoal do FMI mais consciente do valor do conhecimento local em relação à experiência teórica.
Outra estratégia seria realocar parte do pessoal, incluindo os que estão em departamentos funcionais, para os "escritórios regionais". Esta mudança provavelmente encontraria resistência considerável dos funcionários que se acostumaram aos privilégios de Washington DC. Mas não há melhor forma de apreciar a influência desempenhada pelo contexto do que viver nesse contexto. O Banco Mundial, que promoveu descentralização similar há algum tempo, como resultado melhorou no atendimento a seus clientes (sem enfrentar dificuldades em recrutar bons talentos).
Este é um momento importante para o FMI. A comunidade internacional tem grandes esperanças no desempenho e no poder de discernimento da instituição. O fundo precisará de reformas internas para ganhar plenamente essa confiança.
Dani Rodrik, professor de Economia Política na Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade Harvard, é o primeiro ganhador do Prêmio Albert O. Hirschman, do Social Science Research Council. © Project Syndicate/Europe´s World, 2009. http://www.project-syndicate.org/
Um mundo em que diferentes Estados regulamentam o sistema financeiro de maneiras distintas exige regras de trânsito para gerenciar as interseções de diferentes políticas nacionais.
Valor Econômico - 14/12/2012
'Se precisar, faço até a dança do ventre'
Por Gillian Tett | Financial Times
Lagarde defende reforma que dê mais poder a China e outros mercados emergentes no FMI 15/09/2014 às 05h00
27/04/2009 - BOM...
O que uma crise não faz
DE WASHINGTON - Há quase sete anos acompanho as reuniões bianuais do FMI (Fundo Monetário Internacional) em Washington ou em outros locais do mundo.
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As depreciações de ativos estimadas pelo FMI são iguais a 37 anos de assistência oficial ao desenvolvimento
Corrigir o sistema é apenas o começo
Martin Wolf
29/04/2009
Nas atuais circunstâncias, as chances de captar os valores necessários nos mercados são nulas
Será que podemos nos dar ao luxo de reparar nossos sistemas financeiros? A resposta é sim. Não podemos nos dar ao luxo de não corrigi-los. A grande questão é, na realidade, qual a melhor forma de fazê-lo. Mas corrigir o sistema financeiro, embora indispensável, não é suficiente.
O mais recente relatório "Estabilidade Financeira Mundial" do Fundo Monetário Internacional (FMI) apresenta uma convincente análise sobre o estado do sistema financeiro. Técnicos do FMI elevaram suas estimativas da depreciação de ativos para perto de US$ 4,4 trilhões. Isso se deve, em parte, ao fato de o relatório incluir estimativas de depreciação de ativos europeus e japoneses - da ordem de US$ 1,193 trilhões e US$ 149 trilhões, respectivamente - e de ativos em mercados emergentes, nas carteiras de bancos em economias maduras, no montante de US$ 340 bilhões. Isso também se deve ao fato de depreciações de ativos originadas nos EUA terem dado um salto para US$ 2,712 trilhões, de US$ 1,405 trilhões em outubro passado e de meros US$ 945 bilhões em abril passado.
Para situar isso em contexto, as depreciações de ativos estimadas pelo FMI são iguais a 37 anos de assistência oficial ao desenvolvimento, segundo seu nível em 2008. As depreciações de ativos estimadas para ativos americanos e europeus, em sua maioria nas carteiras de instituições situadas nessas regiões, também alcançam 13% do PIB agregado.
O FMI estima também as necessidades adicionais de capital dos bancos. A estimativa parte do total de depreciações reportadas até o fim de 2008, que somam US$ 510 bilhões nos EUA, US$ 154 bilhões na zona do euro e US$ 110 bilhões no Reino Unido. O capital levantado até o fim de 2008 é, outra vez, US$ 391 bilhões nos EUA, US$ 243 bilhões na zona euro e US$ 110 bilhões no Reino Unido. Mas o FMI estima depreciações adicionais em 2009 e 2010, da ordem de US$ 550 bilhões nos EUA, US$ 750 bilhões na zona do euro e US$ 200 bilhões no Reino Unido. Contra isso, estima lucros líquidos retidos de US$ 300 bilhões nos EUA, US$ 600 bilhões na zona do euro e US$ 175 bilhões no Reino Unido.
O FMI assinala que a proporção do total de "capital tangível" sobre o total de ativos - uma medida em que confiam cada vez mais investidores "queimados" por indicadores mais sofisticados ajustados por risco - foi 3,7% nos EUA no fim de 2008, mas 2,5% na zona do euro e 2,1% no Reino Unido. O FMI conclui que o capital extra necessário para reduzir a alavancagem de 17:1 (ou o capital tangível para 6% do total de ativos) seria US$ 500 bilhões nos EUA, US$ 725 bilhões na zona do euro e US$ 250 bilhões no Reino Unido. Para uma alavancagem 25:1, a injeção necessária seria US$ 275 bilhões nos EUA, US$ 375 bilhões na zona do euro e US$ 125 bilhões no Reino Unido.
Nas atuais difíceis circunstâncias, as chances de captar tais valores nos mercados são nulas. Parte da razão é que eles ainda poderão revelar-se insuficientes. Afinal de contas, as estimativas do FMI das possíveis depreciações apenas de ativos americanos quase triplicaram em apenas um ano. Não seria surpreendente se crescessem novamente.
Mas esses não são os únicos valores necessários. Os governos proporcionaram, até agora, US$ 8,9 trilhões em financiamento a bancos, através de linhas de financiamento, esquemas de compra de ativos e de garantias. Mas isso é menos de um terço de suas necessidades de financiamento. Partindo do pressuposto de que os depósitos crescem acompanhando o PIB nominal, o FMI estima que o "déficit de refinanciamento" dos bancos - a rolagem de fundos diversos de curto prazo, mais a maturação da dívida de longo prazo - crescerá de US$ 20,7 trilhões em fins de 2008 para US$ 25,6 bilhões no fim de 2011, ou seja, um pouco mais de 60% de seu total de ativos. Isso parece uma receita para enorme encolhimento dos balanços patrimoniais. Além disso, mesmo esses montantes ignoram o desaparecimento dos empréstimos securitizados através do denominado "sistema bancário sombra", que foi particularmente importante nos EUA.
O FMI também oferece novas estimativas para os custos fiscais máximos dos esforços de socorro. Os maiores casos são os EUA e Reino Unido, com 13% e 9% do PIB, respectivamente. Em outros países, os custos são muito menores. Essas, felizmente, são somas factíveis. Na verdade, em comparação com o impacto da recessão sobre a dívida pública, parecem bastante administráveis. É verdade que os custos provavelmente acabarão sendo maiores. Mas a esmagadora probabilidade é de que os custos fiscais de recessões profundas sejam substancialmente maiores do que os de socorro ao sistema financeiro. Recusar socorro ao sistema financeiros porque parece muito caro é um caso clássico de "sensatez no miúdo e tolice no graúdo".
Uma razão melhor para recusar socorro aos bancos é seu efeito perigoso no que diz respeito a incentivos. A alternativa seria, então, a falência. Jeremy Bülow, da Universidade Stanford, e Paul Klemperer, da Universidade Oxford, apresentaram um esquema que faria isso ordenadamente. Funções bancárias valiosas de cada instituição seriam separadas e colocadas em um novo "banco-ponte", deixando passivos (com exceção de depósitos) no banco velho. Aos credores deixados para trás seriam dadas participação no capital do novo banco. Os governos poderiam socorrer alguns credores além desse nível, sem ressarcir integralmente todos os credores, como agora.
Segundo opiniões respeitáveis, o melhor seria assegurar socorro integral a credores de instituições sistemicamente importantes. A justificativa para isso é tratar-se da única maneira de anular pânico adicional. A objeção não é o custo fiscal, mas sim de que então surgiria um número limitado de instituições grandes, complexas e "grande demais para que se permita sua falência". Seus credores, naturalmente, acreditavam estar emprestando para governos. Isso seria uma receita para catástrofes ainda maiores em anos futuros.
Mas impor grandes perdas a credores é, de fato, arriscado. As medidas, provavelmente, teriam de ser postas em prática simultaneamente em todos os países. Somente após ficar evidente que os bancos sobreviventes estejam sólidos, alguém estaria disposto a emprestar a eles sem garantias.
Ainda pior do que essa escolha entre alternativas preocupantes é o fato de que o caminho para a recuperação provavelmente será lento, seja qual for o escolhido. Conforme assinala o mais recente relatório "Perspectivas Econômicas Mundiais" em um importante capítulo, recessões que sucedem crises financeiras são incomumente severas. O mesmo vale também para recessões sincronizadas em nível mundial. Mas agora estamos atravessando uma recessão sincronizada em nível mundial que coincide com uma enorme crise financeira irradiada dos países centrais da economia mundial, particularmente dos EUA. Essa é uma receita para uma recessão longa e uma recuperação fraca. Seja lá o que venha a ser feito sobre o sistema financeiro, a "desalavancagem" está na ordem do dia. A posição do Reino Unido nisso parece preocupante. Mas a dos EUA também parece bastante problemática, mesmo em comparação com o Japão na década de 1990.
Para bem ou para mal, as autoridades decidiram socorrer seus sistemas financeiros com dinheiro do contribuinte. Quase todos os países afetados deverão ter condições de fazer isso, pelo menos na escala dos números do FMI. Portanto, agora, tendo tomado a decisão fundamental de impedir falências, eles precisam restituir a saúde a seus sistemas financeiros tão rapidamente quanto possível.
Mesmo assim, isso se revelará uma condição necessária, mas não suficiente, para um retorno a vigorosa saúde econômica. O excesso de endividamento torna a desalavancagem inevitável. Mas ela mal começou. Aqueles que esperam um retorno rápido ao que consideravam normal dois anos atrás estão iludidos.
Martin Wolf é colunista do "Financial Times".
The World Bank: Critical Perspectives
Moderator: Dr. Balakrishnan Rajagopal
Dennis BrutusDevesh KapurNjoki Njehu
May 28, 2002
Running Time: 01:50:04
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"Batalha apenas começou", diz Nogueira Batista
CLÓVIS ROSSICOLUNISTA DA FOLHA - Folha, 29-09-2009
CLÓVIS ROSSICOLUNISTA DA FOLHA - Folha, 29-09-2009
Paulo Nogueira Batista Jr., colunista da Folha e representante do Brasil e de outros oito países latino-americanos no FMI (Fundo Monetário Internacional), foi um dos negociadores da reforma da instituição em que trabalha para dar mais cotas aos países emergentes e em desenvolvimento, tirando-as do mundo rico.Sobre a "guerra", ele disse à Folha que, embora o resultado tenha "sido bom" para o Brasil e importante para o Bric, "a batalha apenas começou".Nogueira Batista, feroz crítico do próprio Fundo e do que chama de "turma da bufunfa", em alusão ao pessoal dos mercados financeiros, faz uma leve autocrítica: "A turma da bufunfa nem sempre erra", em alusão ao que considera acerto da Goldman Sachs em inventar a sigla Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), parceiros de Nogueira Batista na "batalha do FMI".A seguir, os principais trechos da entrevista, feita por e-mail.
A reforma financeira internacional
09/10/2009 13:36:38Luiz Gonzaga Belluzzo
O tema do momento é a reforma da arquitetura financeira internacional, ou coisa assemelhada. São cada vez mais frequentes os rumores sobre a possibilidade de abandono progressivo do dólar em favor de outras moedas no faturamento das transações internacionais e na denominação de contratos. O diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Khan, propõe a transformação do FMI em um emprestador de última instância, uma espécie de banco central dos bancos centrais. O futuro chegou ao passado. Keynes, o delegado da Inglaterra em Bretton Woods, propôs a Clearing Union, uma espécie de banco central dos bancos centrais. A Clearing Union emitiria uma moeda bancária, o bancor, destinada exclusivamente a liquidar posições entre os bancos centrais. Os negócios privados seriam realizados nas moedas nacionais, que, por sua vez, estariam referidas ao bancor mediante um sistema de taxas de câmbio fixas, mas ajustáveis. Os déficits e superávits dos países corresponderiam a reduções ou aumentos das contas dos bancos centrais nacionais (em bancor) junto à Clearing Union. O plano apresentado por Keynes em Bretton Woods buscava uma distribuição mais equitativa do ajustamento dos desequilíbrios de balanço de pagamento entre deficitários e superavitários. Isto significava, na verdade – dentro das condicionalidades estabelecidas – facilitar o crédito aos países deficitários e penalizar os países superavitários. O propósito de Keynes era evitar os ajustamentos deflacionários e manter as economias na trajetória do pleno emprego. Ele imaginava, ademais, que o controle de capitais deveria ser “uma característica permanente da nova ordem econômica mundial”. Mas o espaço econômico internacional, na posteridade da Segunda Guerra Mundial, foi construído a partir do projeto de integração entre as economias nacionais proposto pelo Estado americano e pela hegemonia de sua moeda. A supremacia do dólar impulsionou a transnacionalização da grande empresa, a ampliação e a reorientação dos fluxos de comércio, ao promover o investimento “cruzado” nos mercados dos países industrializados e suscitar a redistribuição geográfica da produção manufatureira para a periferia. A “metástase” da grande empresa ganhou força redobrada na década dos 90 e, a partir daí, concentrou o investimento industrial na China e na Ásia emergente. A “competitividade” chinesa é crescente tanto nos mercados menos qualificados quanto, em ritmo acelerado, nos de tecnologia mais sofisticada. O país tornou-se grande receptor do investimento direto americano, europeu e japonês e, ao mesmo tempo, ganhou participação crescente no mercado de bens finais, peças e componentes dos Estados Unidos e Europa. A redistribuição espacial da indústria manufatureira ampliou os desequilíbrios nos balanços de pagamentos entre os EUA, a Ásia e a Europa, bem como favoreceu o avanço da chamada globalização financeira. Os EUA foram capazes de atrair capitais para cobrir os déficits em conta corrente e, assim, mantiveram taxas de juro baixas, dólar valorizado e importações baratas e calmaria inflacionária. A ampliação dos déficits em conta corrente dos EUA teve como contrapartida a rápida acumulação de reservas nos países emergentes – nos manufatureiros e nos exportadores de commodities, aí incluídos os petroleiros. Utilizadas na compra de ativos americanos, as reservas dos “poupadores” ensejaram a espantosa expansão do crédito, fomentaram a inflação de ativos e estimularam o consumo das famílias. A virtude da temperança incitou os destemperos da finança que levaram à crise. A crise financeira tem relações umbilicais com os déficits e superávits crônicos. Os partidários dos desajustes entre poupança e investimento repartem a responsabilidade pelos desequilíbrios globais entre dois vícios simétricos: os americanos poupam menos do que investem; os superavitários (sobretudo, os asiáticos – não só a China, mas também o Japão e outros menos votados) investem menos do que poupam. Os que acusam os superavitários de manipular a taxa de câmbio sublinham a importância das estratégias de crescimento dos parceiros emergentes, impulsionadas pela expansão das exportações, ancoradas nas moedas subvalorizadas. Conservadores ilustrados, como Martin Feldstein, propõem que a reforma contemple a redução do papel do dólar como moeda de reserva, sua substituição progressiva por um sistema plurimonetário. Recomenda, para tanto, ressuscitar a proposta europeia da chamada “conta de substituição”. Discutida na reunião do FMI em 1979, a proposta foi rejeitada por Paul Volker, que reafirmou o poder da moeda americana, ao impor ao mundo uma elevação sem precedentes da taxa de juro. Tal façanha unilateral está hoje fora do alcance dos EUA.
Luiz Gonzaga Belluzzo
09/10/2009 13:36:38Luiz Gonzaga Belluzzo
O tema do momento é a reforma da arquitetura financeira internacional, ou coisa assemelhada. São cada vez mais frequentes os rumores sobre a possibilidade de abandono progressivo do dólar em favor de outras moedas no faturamento das transações internacionais e na denominação de contratos. O diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Khan, propõe a transformação do FMI em um emprestador de última instância, uma espécie de banco central dos bancos centrais. O futuro chegou ao passado. Keynes, o delegado da Inglaterra em Bretton Woods, propôs a Clearing Union, uma espécie de banco central dos bancos centrais. A Clearing Union emitiria uma moeda bancária, o bancor, destinada exclusivamente a liquidar posições entre os bancos centrais. Os negócios privados seriam realizados nas moedas nacionais, que, por sua vez, estariam referidas ao bancor mediante um sistema de taxas de câmbio fixas, mas ajustáveis. Os déficits e superávits dos países corresponderiam a reduções ou aumentos das contas dos bancos centrais nacionais (em bancor) junto à Clearing Union. O plano apresentado por Keynes em Bretton Woods buscava uma distribuição mais equitativa do ajustamento dos desequilíbrios de balanço de pagamento entre deficitários e superavitários. Isto significava, na verdade – dentro das condicionalidades estabelecidas – facilitar o crédito aos países deficitários e penalizar os países superavitários. O propósito de Keynes era evitar os ajustamentos deflacionários e manter as economias na trajetória do pleno emprego. Ele imaginava, ademais, que o controle de capitais deveria ser “uma característica permanente da nova ordem econômica mundial”. Mas o espaço econômico internacional, na posteridade da Segunda Guerra Mundial, foi construído a partir do projeto de integração entre as economias nacionais proposto pelo Estado americano e pela hegemonia de sua moeda. A supremacia do dólar impulsionou a transnacionalização da grande empresa, a ampliação e a reorientação dos fluxos de comércio, ao promover o investimento “cruzado” nos mercados dos países industrializados e suscitar a redistribuição geográfica da produção manufatureira para a periferia. A “metástase” da grande empresa ganhou força redobrada na década dos 90 e, a partir daí, concentrou o investimento industrial na China e na Ásia emergente. A “competitividade” chinesa é crescente tanto nos mercados menos qualificados quanto, em ritmo acelerado, nos de tecnologia mais sofisticada. O país tornou-se grande receptor do investimento direto americano, europeu e japonês e, ao mesmo tempo, ganhou participação crescente no mercado de bens finais, peças e componentes dos Estados Unidos e Europa. A redistribuição espacial da indústria manufatureira ampliou os desequilíbrios nos balanços de pagamentos entre os EUA, a Ásia e a Europa, bem como favoreceu o avanço da chamada globalização financeira. Os EUA foram capazes de atrair capitais para cobrir os déficits em conta corrente e, assim, mantiveram taxas de juro baixas, dólar valorizado e importações baratas e calmaria inflacionária. A ampliação dos déficits em conta corrente dos EUA teve como contrapartida a rápida acumulação de reservas nos países emergentes – nos manufatureiros e nos exportadores de commodities, aí incluídos os petroleiros. Utilizadas na compra de ativos americanos, as reservas dos “poupadores” ensejaram a espantosa expansão do crédito, fomentaram a inflação de ativos e estimularam o consumo das famílias. A virtude da temperança incitou os destemperos da finança que levaram à crise. A crise financeira tem relações umbilicais com os déficits e superávits crônicos. Os partidários dos desajustes entre poupança e investimento repartem a responsabilidade pelos desequilíbrios globais entre dois vícios simétricos: os americanos poupam menos do que investem; os superavitários (sobretudo, os asiáticos – não só a China, mas também o Japão e outros menos votados) investem menos do que poupam. Os que acusam os superavitários de manipular a taxa de câmbio sublinham a importância das estratégias de crescimento dos parceiros emergentes, impulsionadas pela expansão das exportações, ancoradas nas moedas subvalorizadas. Conservadores ilustrados, como Martin Feldstein, propõem que a reforma contemple a redução do papel do dólar como moeda de reserva, sua substituição progressiva por um sistema plurimonetário. Recomenda, para tanto, ressuscitar a proposta europeia da chamada “conta de substituição”. Discutida na reunião do FMI em 1979, a proposta foi rejeitada por Paul Volker, que reafirmou o poder da moeda americana, ao impor ao mundo uma elevação sem precedentes da taxa de juro. Tal façanha unilateral está hoje fora do alcance dos EUA.
Luiz Gonzaga Belluzzo
"Doing Business 2010": verdade ou nonsensePor Miguel Jorge
14/12/2009
Resultados desconcertantes que provocam críticas mordazes em todo o mundo
Como faz a cada ano, o Banco Mundial publica relatório com a classificação de 183 países quanto a aspectos diretamente afeitos ao livre empreendedorismo. Como sempre, o relatório traz resultados desconcertantes, em flagrante contradição ao mais elementar senso comum. De fato, objetividade não é a melhor qualidade da edição 2010 de "Doing Business" e respectivo relatório.
Críticas mordazes explodem por toda parte, da França ao Brasil, de governos aos meios acadêmicos. "Essas classificações ("Doing Business" e outros índices e rankings internacionais) são frequentemente uma piada!!", fulmina Peter Leeson, eminente PhD em Economia, que recentemente causou alvoroço nos Estados Unidos e na Europa ao comparar o capitalismo "laissez-faire" à pirataria (ver o livro "The invisible hook. The hidden economy of pirates" ou entrevistas no "The New Yorker", "The New York Times" ou no "El Mundo").
Seguem-se algumas curiosidades apresentadas na edição 2010 da publicação:
1) A Geórgia, conturbada ex-república soviética no Cáucaso, está classificada como 11º melhor lugar do mundo para se abrir e operar um negócio, muito melhor do que países como Japão, Suíça e Alemanha!
2) O Quirguistão é o 120º no Indice de Desenvolvimento Humano da ONU, mas para o "Doing Business" é lugar muito bom para se fazer negócios: está na 41ª posição, no comparativo mundial. Ainda mais extraordinário é o fato de que, na edição 2009, o Quirguistão estava em 80ª posição! Em apenas um ano tornou-se melhor lugar para se fazer negócios do que países da União Europeia, como Portugal, Espanha e Luxemburgo, ou do que campeões do comércio mundial, como Taiwan ou Chile!
3) No mesmo período, Ruanda subiu do 143º lugar para o honroso 67º, muito melhor do que países plenamente desenvolvidos como Itália (78º lugar) ou Grécia (109º lugar).
Agora, vamos a uma piada de péssimo gosto sobre o Brasil: o país emergente que mais tem atraído investimento direto estrangeiro por unidade de PIB é um dos piores países do mundo para se fazer negócios (129ª posição, segundo o "Doing Business"). Na publicação, o Brasil aparece muito pior do que Zâmbia (90ª), Papua-Nova Guiné (102ª), Ilhas Salomão (104ª) ou Suazilândia (115ª).
Uma análise atenta da íntegra do relatório "Doing Business" permite constatar que os equívocos indicados acima e outros, aqui omitidos por concisão, não decorrem de deficiências metodológicas de origem, e sim da sua aplicação fragmentada e inconsistente.
São dez as dimensões avaliadas por "Doing Business", e vão de procedimentos e tempo necessário para abrir uma empresa aos procedimentos e tempo necessário para fechá-la, passando por registro no fisco, contratação e demissão de mão de obra etc.
Em cada país, a aplicação da eventual metodologia utilizada pela publicação é feita por um grupo diferente de informantes. Como é impossível harmonizar, plenamente, o entendimento de 183 grupos - até por problemas inevitáveis de falhas em comunicação intercultural - cada grupo pode ter diferentes entendimentos sobre o propósito e o alcance da metodologia como um todo, e sobre cada uma das componentes em particular.
Mas há um fator adicional e crucial de inconsistência na aplicação da metodologia: em cada país, o grupo de informantes tem composição diferente no que se refere à participação relativa de pessoas do governo, do setor produtivo ou de advogados. Por exemplo, no caso do Brasil (129ª posição), os advogados representam 88% dos informantes (!), enquanto em Hong Kong (3ª posição), não são mais de 46%.
Isso, a despeito do enorme esforço de diversos órgãos da União, dos Estados e Municípios brasileiros, que tem resultado na racionalização de procedimentos, abreviando prazos e reduzindo custos. O Projeto Redesim - Rede Nacional para a Simplificação do Registro e de Legalização de Empresas e Negócios, mesmo antes da sua promulgação legal, em dezembro de 2007, tem pontuado, conceitualmente, todas as ações administrativas e operacionais implantadas ao longo desses últimos anos na área do registro mercantil. Como marco inovador está a fixação de graus de riscos para as atividades econômicas, sendo que desse conjunto cerca de 90% são de baixo risco, o que permite conceder o alvará no ato do registro mercantil, sem fiscalização prévia pelos órgãos governamentais.
Causa estupefação que "Doing Business", em atitude que destoa do tratamento dispensado a outros países, não tenha considerado, devidamente, os progressos realizados pelo Brasil.
Não foi por falta de alerta: às críticas do próprio órgão de auditoria do Banco Mundial, somaram-se reiteradas cartas que encaminhei ao próprio presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, relatando, em detalhes, os problemas de metodologia e de sua aplicação, bem como as melhorias introduzidas pelo Brasil na área do registro mercantil.
Há flagrante disparidade no cômputo, país a país, de requisitos administrativos que se aplicam a todas as empresas, ou somente às envolvidas em atividades potencialmente danosas ao ambiente ou a outros bens socialmente valorizados. Estranhamente, no caso do Brasil, o grupo de informantes optou por considerar as atividades de risco como regra e não como exceção.
Exame atento das tabulações de resultados relativos a cada país (de que depende a posição final do país na classificação) permite verificar que, a todas essas inconsistências, ainda se soma a falta de uniformidade de entendimento sobre o conjunto de procedimentos de atendimento compulsório anterior ou posterior à entrada da empresa em operação. No caso do Brasil, mais uma vez, o grupo de informantes optou pelo pior cenário possível.
Assim, não resolvido o problema da inconsistência na aplicação da metodologia, é puro nonsense reduzir a denominador comum realidades nacionais absolutamente díspares, em termos de número e diversidade dos centros de atividade empresarial, desenvolvimento institucional, acesso a tecnologias da informação e da comunicação, sistema jurídico etc.
Miguel Jorge é ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
Resultados desconcertantes que provocam críticas mordazes em todo o mundo
Como faz a cada ano, o Banco Mundial publica relatório com a classificação de 183 países quanto a aspectos diretamente afeitos ao livre empreendedorismo. Como sempre, o relatório traz resultados desconcertantes, em flagrante contradição ao mais elementar senso comum. De fato, objetividade não é a melhor qualidade da edição 2010 de "Doing Business" e respectivo relatório.
Críticas mordazes explodem por toda parte, da França ao Brasil, de governos aos meios acadêmicos. "Essas classificações ("Doing Business" e outros índices e rankings internacionais) são frequentemente uma piada!!", fulmina Peter Leeson, eminente PhD em Economia, que recentemente causou alvoroço nos Estados Unidos e na Europa ao comparar o capitalismo "laissez-faire" à pirataria (ver o livro "The invisible hook. The hidden economy of pirates" ou entrevistas no "The New Yorker", "The New York Times" ou no "El Mundo").
Seguem-se algumas curiosidades apresentadas na edição 2010 da publicação:
1) A Geórgia, conturbada ex-república soviética no Cáucaso, está classificada como 11º melhor lugar do mundo para se abrir e operar um negócio, muito melhor do que países como Japão, Suíça e Alemanha!
2) O Quirguistão é o 120º no Indice de Desenvolvimento Humano da ONU, mas para o "Doing Business" é lugar muito bom para se fazer negócios: está na 41ª posição, no comparativo mundial. Ainda mais extraordinário é o fato de que, na edição 2009, o Quirguistão estava em 80ª posição! Em apenas um ano tornou-se melhor lugar para se fazer negócios do que países da União Europeia, como Portugal, Espanha e Luxemburgo, ou do que campeões do comércio mundial, como Taiwan ou Chile!
3) No mesmo período, Ruanda subiu do 143º lugar para o honroso 67º, muito melhor do que países plenamente desenvolvidos como Itália (78º lugar) ou Grécia (109º lugar).
Agora, vamos a uma piada de péssimo gosto sobre o Brasil: o país emergente que mais tem atraído investimento direto estrangeiro por unidade de PIB é um dos piores países do mundo para se fazer negócios (129ª posição, segundo o "Doing Business"). Na publicação, o Brasil aparece muito pior do que Zâmbia (90ª), Papua-Nova Guiné (102ª), Ilhas Salomão (104ª) ou Suazilândia (115ª).
Uma análise atenta da íntegra do relatório "Doing Business" permite constatar que os equívocos indicados acima e outros, aqui omitidos por concisão, não decorrem de deficiências metodológicas de origem, e sim da sua aplicação fragmentada e inconsistente.
São dez as dimensões avaliadas por "Doing Business", e vão de procedimentos e tempo necessário para abrir uma empresa aos procedimentos e tempo necessário para fechá-la, passando por registro no fisco, contratação e demissão de mão de obra etc.
Em cada país, a aplicação da eventual metodologia utilizada pela publicação é feita por um grupo diferente de informantes. Como é impossível harmonizar, plenamente, o entendimento de 183 grupos - até por problemas inevitáveis de falhas em comunicação intercultural - cada grupo pode ter diferentes entendimentos sobre o propósito e o alcance da metodologia como um todo, e sobre cada uma das componentes em particular.
Mas há um fator adicional e crucial de inconsistência na aplicação da metodologia: em cada país, o grupo de informantes tem composição diferente no que se refere à participação relativa de pessoas do governo, do setor produtivo ou de advogados. Por exemplo, no caso do Brasil (129ª posição), os advogados representam 88% dos informantes (!), enquanto em Hong Kong (3ª posição), não são mais de 46%.
Isso, a despeito do enorme esforço de diversos órgãos da União, dos Estados e Municípios brasileiros, que tem resultado na racionalização de procedimentos, abreviando prazos e reduzindo custos. O Projeto Redesim - Rede Nacional para a Simplificação do Registro e de Legalização de Empresas e Negócios, mesmo antes da sua promulgação legal, em dezembro de 2007, tem pontuado, conceitualmente, todas as ações administrativas e operacionais implantadas ao longo desses últimos anos na área do registro mercantil. Como marco inovador está a fixação de graus de riscos para as atividades econômicas, sendo que desse conjunto cerca de 90% são de baixo risco, o que permite conceder o alvará no ato do registro mercantil, sem fiscalização prévia pelos órgãos governamentais.
Causa estupefação que "Doing Business", em atitude que destoa do tratamento dispensado a outros países, não tenha considerado, devidamente, os progressos realizados pelo Brasil.
Não foi por falta de alerta: às críticas do próprio órgão de auditoria do Banco Mundial, somaram-se reiteradas cartas que encaminhei ao próprio presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, relatando, em detalhes, os problemas de metodologia e de sua aplicação, bem como as melhorias introduzidas pelo Brasil na área do registro mercantil.
Há flagrante disparidade no cômputo, país a país, de requisitos administrativos que se aplicam a todas as empresas, ou somente às envolvidas em atividades potencialmente danosas ao ambiente ou a outros bens socialmente valorizados. Estranhamente, no caso do Brasil, o grupo de informantes optou por considerar as atividades de risco como regra e não como exceção.
Exame atento das tabulações de resultados relativos a cada país (de que depende a posição final do país na classificação) permite verificar que, a todas essas inconsistências, ainda se soma a falta de uniformidade de entendimento sobre o conjunto de procedimentos de atendimento compulsório anterior ou posterior à entrada da empresa em operação. No caso do Brasil, mais uma vez, o grupo de informantes optou pelo pior cenário possível.
Assim, não resolvido o problema da inconsistência na aplicação da metodologia, é puro nonsense reduzir a denominador comum realidades nacionais absolutamente díspares, em termos de número e diversidade dos centros de atividade empresarial, desenvolvimento institucional, acesso a tecnologias da informação e da comunicação, sistema jurídico etc.
Miguel Jorge é ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
ANÁLISE
Cooperação global será legado da criseDOMINIQUE STRAUSS-KAHNESPECIAL PARA O PROJECT SYNDICATE
Cerca de um ano atrás, a situação econômica mundial parecia sombria: uma severa recessão de alcance global, destruição considerável de riqueza e declínio no comércio internacional e no emprego. Mas um desastre de proporções semelhantes à Grande Depressão foi evitado, graças a uma coordenação sem precedentes entre governos de todo o mundo. Agora, a esperança é que a manutenção dessa cooperação seja um dos legados da crise.
Cerca de um ano atrás, a situação econômica mundial parecia sombria: uma severa recessão de alcance global, destruição considerável de riqueza e declínio no comércio internacional e no emprego. Mas um desastre de proporções semelhantes à Grande Depressão foi evitado, graças a uma coordenação sem precedentes entre governos de todo o mundo. Agora, a esperança é que a manutenção dessa cooperação seja um dos legados da crise.
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The World Bank: From Reconstruction to Development to Equity (Paperback) by Katherine Marshall
Jan 31, 2010
Volcker: How to Reform the Financial System
Paul Volcker summarizes his ideas for reforming the financial system:
How to Reform Our Financial System, by Paul Volcker, Commentary, NY Times: President Obama 10 days ago set out one important element in the needed structural reform of the financial system. No one can reasonably contest the need for such reform...
Volcker: How to Reform the Financial System
Paul Volcker summarizes his ideas for reforming the financial system:
How to Reform Our Financial System, by Paul Volcker, Commentary, NY Times: President Obama 10 days ago set out one important element in the needed structural reform of the financial system. No one can reasonably contest the need for such reform...
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By DAVID LEONHARDT, Published: March 22, 2010
[ I। Why We Need Regulation ]
A public good is something that the free market tends not to provide on its own, to the detriment of society. Pollution laws and police departments are classic examples. In the case of finance — and of the crisis of the past two years — this missing good has been strong regulation. A weak system of regulation allowed Wall Street firms to take on enormous debt. Those debts let the firms make more and riskier investments than they otherwise could have, lifting their profits. But when the value of the investments began falling, the firms had little margin for error. They were like home buyers who made a tiny down payment and soon found themselves underwater.
It was tempting to let the banks fail. They certainly deserved it. But big bank failures often cause terrible damage. Credit dries up, and the economy can enter a vicious cycle of falling asset prices and job losses. That is what began to happen in 2008. To get credit flowing again, the federal government came to the rescue with billions of taxpayer dollars. It was a maddening story line: the government helped the banks get rich by looking the other way during good times and saved them from collapse during bad times. Just as an oil company can profit from pollution, Wall Street profited from weak regulation, at the expense of society.
If there has been a theme to the Obama administration’s disparate domestic policies, it has been to invest more in public goods. The administration has increased spending on schools, highways and scientific research and tried to play a more active role in energy policy and health care. “They’re all a necessary part of the network of what makes market economies work,” Timothy F. Geithner, the Treasury secretary, told me recently, “and we have not been good enough about doing them in recent years.” A big part of that network, Geithner added, is financial re-regulation.
To reduce the odds of a future crisis, the Obama plan would take three basic steps. First, regulators would receive more authority to monitor everything from mortgages to complex securities. This is meant to keep future financial time bombs, like the no-documentation loans and collateralized debt obligations of the past decade, from becoming rife. Second — and most important — financial firms would be forced to reduce the debt they take on and to hold more capital in reserve. This is the equivalent of requiring home buyers to make larger down payments: more capital will give firms a bigger cushion when investments start to go bad. Finally, if that cushion proves insufficient, the government would be allowed to seize a collapsing financial firm, much as it can already do with a traditional bank. Regulators would then keep the firm operating long enough to prevent a panic and slowly sell off its pieces.
Will this work? It is difficult to know. No one can be sure where the next bubble or crisis will come from or, as a result, how to prevent it. You can make a plausible argument for many different forms of regulation, and there has been plenty of debate over the various details of re-regulation. How should derivatives be regulated? Should a consumer-protection watchdog be an independent agency or part of the Federal Reserve? Which agency should be responsible for seizing a failing firm?
With that being said, the Obama plan has a lot to recommend it. It would close many of the most obvious holes in the regulatory net. Congress could conceivably overcome its partisan divisions and pass an important bill this summer. If it does, the biggest reason to be nervous about the plan will not be any one of those details that has received so much attention in recent months. It will be something more fundamental. Whatever the regulatory apparatus, it will still be operated by regulators. Regulators will have to set capital requirements, decide when to close a struggling firm and find a balance between protecting consumers and still letting them make choices. The legislation does not spell out many of these details, and neither President Obama nor Ben Bernanke, the Fed chairman, has been especially clear about them. They have not offered much guiding philosophy beyond promising us that regulators will do better next time.
In a way, this issue is more about human nature than about politics. By definition, the next period of financial excess will appear to have recent history on its side. Asset prices will have been rising, and whatever new financial instrument that comes along will look as if it is safe. “When things are going well,” Paul A. Volcker, the former Fed chairman, says, “it’s very hard to conduct a disciplined regulation, because everyone’s against you.” Sure enough, both Bernanke and Geithner, along with dozens of other regulators, overlooked many signs of excess over the past decade.
One way to deal with regulator fallibility is to implement clear, sweeping rules that limit people’s ability to persuade themselves that the next bubble is different — upfront capital requirements, for example, that banks cannot alter. Thus far, the White House, the Fed and Congress have mostly steered clear of such rules.
So it is worth asking whether the current re-regulation plan has enough of a backstop. Even if Wall Street stays one step ahead of Washington, even if future regulators allow too many loopholes in the capital requirements, even if the government does not seize the next Lehman Brothers until too late, can re-regulation still serve the public good?
[ II. How We Got Here ]
For more than a half-century starting ...... ...... ..... ....... ....
It was tempting to let the banks fail. They certainly deserved it. But big bank failures often cause terrible damage. Credit dries up, and the economy can enter a vicious cycle of falling asset prices and job losses. That is what began to happen in 2008. To get credit flowing again, the federal government came to the rescue with billions of taxpayer dollars. It was a maddening story line: the government helped the banks get rich by looking the other way during good times and saved them from collapse during bad times. Just as an oil company can profit from pollution, Wall Street profited from weak regulation, at the expense of society.
If there has been a theme to the Obama administration’s disparate domestic policies, it has been to invest more in public goods. The administration has increased spending on schools, highways and scientific research and tried to play a more active role in energy policy and health care. “They’re all a necessary part of the network of what makes market economies work,” Timothy F. Geithner, the Treasury secretary, told me recently, “and we have not been good enough about doing them in recent years.” A big part of that network, Geithner added, is financial re-regulation.
To reduce the odds of a future crisis, the Obama plan would take three basic steps. First, regulators would receive more authority to monitor everything from mortgages to complex securities. This is meant to keep future financial time bombs, like the no-documentation loans and collateralized debt obligations of the past decade, from becoming rife. Second — and most important — financial firms would be forced to reduce the debt they take on and to hold more capital in reserve. This is the equivalent of requiring home buyers to make larger down payments: more capital will give firms a bigger cushion when investments start to go bad. Finally, if that cushion proves insufficient, the government would be allowed to seize a collapsing financial firm, much as it can already do with a traditional bank. Regulators would then keep the firm operating long enough to prevent a panic and slowly sell off its pieces.
Will this work? It is difficult to know. No one can be sure where the next bubble or crisis will come from or, as a result, how to prevent it. You can make a plausible argument for many different forms of regulation, and there has been plenty of debate over the various details of re-regulation. How should derivatives be regulated? Should a consumer-protection watchdog be an independent agency or part of the Federal Reserve? Which agency should be responsible for seizing a failing firm?
With that being said, the Obama plan has a lot to recommend it. It would close many of the most obvious holes in the regulatory net. Congress could conceivably overcome its partisan divisions and pass an important bill this summer. If it does, the biggest reason to be nervous about the plan will not be any one of those details that has received so much attention in recent months. It will be something more fundamental. Whatever the regulatory apparatus, it will still be operated by regulators. Regulators will have to set capital requirements, decide when to close a struggling firm and find a balance between protecting consumers and still letting them make choices. The legislation does not spell out many of these details, and neither President Obama nor Ben Bernanke, the Fed chairman, has been especially clear about them. They have not offered much guiding philosophy beyond promising us that regulators will do better next time.
In a way, this issue is more about human nature than about politics. By definition, the next period of financial excess will appear to have recent history on its side. Asset prices will have been rising, and whatever new financial instrument that comes along will look as if it is safe. “When things are going well,” Paul A. Volcker, the former Fed chairman, says, “it’s very hard to conduct a disciplined regulation, because everyone’s against you.” Sure enough, both Bernanke and Geithner, along with dozens of other regulators, overlooked many signs of excess over the past decade.
One way to deal with regulator fallibility is to implement clear, sweeping rules that limit people’s ability to persuade themselves that the next bubble is different — upfront capital requirements, for example, that banks cannot alter. Thus far, the White House, the Fed and Congress have mostly steered clear of such rules.
So it is worth asking whether the current re-regulation plan has enough of a backstop. Even if Wall Street stays one step ahead of Washington, even if future regulators allow too many loopholes in the capital requirements, even if the government does not seize the next Lehman Brothers until too late, can re-regulation still serve the public good?
[ II. How We Got Here ]
For more than a half-century starting ...... ...... ..... ....... ....
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Proposta de Geithner remete às preocupações de Keynes em Bretton Woods.
Caminho de volta ao futuro
Martin Wolf, 03/11/2010 VALOR
O debate sobre "desequilíbrios no mundo" voltou ao futuro. A proposta de Tim Geithner, secretário do Tesouro dos EUA, de atacar a questão das contas correntes nos leva de volta às preocupações de John Maynard Keynes, em Bretton Woods, em julho de 1944. Keynes, representando o Reino Unido, estava obcecado com os perigos de ajuste assimétrico entre países superavitários e deficitários. Os EUA, à época o país superavitário dominante no mundo, rejeitaram os apelos em defesa de um mecanismo que imporia pressões sobre ambos os campos. Agora, os EUA estão no outro campo.
Poderia a China aceitar o que os EUA rejeitaram? A resposta pode ser "sim". O comunicado da reunião dos ministros das Finanças e dos presidentes de Bancos Centrais do Grupo das 20 principais economias que estiveram na Coreia do Sul, em 23 de outubro afirmou que "desequilíbrios persistentemente grandes, avaliados em função de referenciais indicativos a serem acordados, devem justificar uma avaliação de sua natureza e das raízes dos entraves ao ajustamento no âmbito da Processo de Avaliação Mútua, reconhecendo a necessidade de levar em conta as conjunturas nacionais ou regionais, inclusive [dos] grande produtores de commodities".
Essa sentença abominável veio em resposta à sugestão do secretário Timothy Geithner de que 4% do Produto Interno Bruto (PIB) fosse tomado como indicador para a conta corrente.
Felizmente, quanto mais bem sucedida for a expansão da demanda mundial e o ajuste das taxas de câmbio reais, menos necessária torna-se essa política sugerida pelo secretário do Tesouro americano de limitar os saldos e os déficits em conta corrente.
Então, o que buscam os EUA? Será que a proposta americana faz sentido? Poderá funcionar? O objetivo dos EUA é estabelecer o princípio de que tanto os países superavitários como deficitários têm a obrigação de se ajustarem. A proposta sugere que deveria haver um valor numérico pactuado para o superávit ou déficit ao qual um país deveria agir. Não seria uma meta. Também não haveria sanções. O regime monetário mundial continuaria sem os mecanismos automáticos propostos por Keynes em 1944. Além disso, os EUA esperam conseguir a apreciação das moedas de uma série de economias emergentes, especialmente da China, contra as dos países de alta renda, especialmente o dólar americano. A proposta faz sentido? Rainer Brüderle, ministro da Economia alemão, manifestou a rejeição ortodoxa. Ele afirmou que "devemos nos inclinar para um processo de economia de mercado e não de economia de comando". Em minha opinião, porém, há três ressalvas decisivas.
Primeiro, os enorme acúmulos atuais de reservas em moeda estrangeira não são um fenômeno de mercado - são produto de decisões de governo. Eles poderiam ser justificados, inicialmente, como uma maneira de criar um seguro contra choques. Mas essas reservas foram muito além disso, como revelou o modesto declínio, durante a crise, de US$ 470 bilhões, ou 6% do total. Em segundo lugar, as repetidas evidências de que a economia mundial é incapaz de usar grandes fluxos de poupança superavitária de uma forma segura e eficaz não podem ser ignoradas. Por fim, o mundo de hoje tem enorme excesso de capacidade. Isso torna enormemente indesejáveis ajustes apenas por países deficitários, como Keynes teria argumentado.
Então, quais países do G-20 seriam afetados pelos indicadores americanos? Se incluirmos a Espanha ao grupo, a previsão é de que os EUA, África do Sul, Turquia e Espanha terão "déficits excessivos" neste ano, e que a China, Rússia, Alemanha e Arábia Saudita terão "superávits excessivos". Presumivelmente, porém, Rússia e Arábia Saudita serão isentos, por serem "grandes exportadores de commodities". Além disso, se nos concentrarmos na escala dos superávits e déficits, em vez de focarmos apenas a proporção em relação ao PIB, o Japão ficaria entre os países superavitários e a Itália, o Brasil e os países do Reino Unido estariam entre aqueles com grandes déficits. Esses indicadores de conta corrente só podem ser um ponto de partida.
Mas indicadores quantitativos podem ao menos tornar a discussão sobre o ajuste bem mais focada do que antes.
Finalmente, será possível tornar essa abordagem factível? Há pelo menos uma probabilidade disso. Nas reuniões anuais do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial em Washington, dois economistas chineses informaram-me de que a China já decidiu limitar seus superávits. Portanto, uma discussão sobre esse tema deve ser muito mais proveitosa do que focar unicamente a taxa de câmbio. No entanto, dada a vasta escala de suas reservas (perto de 50% do PIB) e de seu rápido crescimento, a China deveria buscar, um equilíbrio com o exterior, ou mesmo um déficit, em vez de um superávit de 4% do PIB. Assumida essa meta, o superávit externo poderia ser de US$ 400 bilhões em 2015, pois parece provável que seu PIB em dólares dobrará a cada cinco anos. Ao contrário dos países deficitários que tanto preocupavam Keynes, os EUA, pelo menos, têm armamento pesado à sua disposição, particularmente sua capacidade de emitir a principal moeda de reserva mundial. O resto do mundo não pode obrigar facilmente os EUA a se ajustarem se os americanos não desejarem fazê-lo. Além disso, todos, inclusive os chineses, parecem temer amedrontados em face das consequências monetárias de um alívio quantitativo adicional dos EUA. Felizmente, quanto mais bem sucedida for a expansão da demanda mundial e o ajuste das taxas de câmbio reais, menos necessária torna-se essa política para os EUA.
O cerne de qualquer discussão sobre um ajuste mundial, portanto, deve ficar entre os EUA e a China. A Alemanha continuará a ser obstrutiva. Mas suas vítimas são seus parceiros na zona euro: eles optaram por viver sob a devastadora combinação alemã de competitividade externa com contenção interna, a uma taxa de câmbio irrevogavelmente fixa. O Japão parece simplesmente incapaz de lidar com suas dificuldades macroeconômicas. Mas a China é um caso muito distinto, por ser uma superpotência emergente com uma vasta população e enormes necessidades internas. Não há nenhuma razão para a China continuar a ser um enorme exportador de capitais.
O papel do G-20 é dar cobertura às discussões necessárias entre as superpotências corrente e prospectiva. Se a China assumisse como objetivo fazer crescer a demanda e assim eliminasse seus superávits em conta corrente, idealmente mediante incremento de seu consumo interno, isso melhoraria a vida do povo chinês e também do resto do mundo. Simultaneamente, os EUA deveriam comprometer-se com uma consolidação orçamentária no longo prazo.
Por seu turno, o papel dos outros chefes de governos do G-20 que estarão na Coreia do Sul na próxima semana é promover a necessária concordância. Se tiverem êxito, comprovarão um dos maiores benefícios do multilateralismo: é uma maneira de gerenciar os conflitos entre as maiores potências. Geithner ofereceu uma alternativa criativa o interminável atrito envolvendo o câmbio. O presidente da China deveria aproveitar a "rota de fuga" que os EUA lhe ofereceram.
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT
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Caminho de volta ao futuro
Martin Wolf, 03/11/2010 VALOR
O debate sobre "desequilíbrios no mundo" voltou ao futuro. A proposta de Tim Geithner, secretário do Tesouro dos EUA, de atacar a questão das contas correntes nos leva de volta às preocupações de John Maynard Keynes, em Bretton Woods, em julho de 1944. Keynes, representando o Reino Unido, estava obcecado com os perigos de ajuste assimétrico entre países superavitários e deficitários. Os EUA, à época o país superavitário dominante no mundo, rejeitaram os apelos em defesa de um mecanismo que imporia pressões sobre ambos os campos. Agora, os EUA estão no outro campo.
Poderia a China aceitar o que os EUA rejeitaram? A resposta pode ser "sim". O comunicado da reunião dos ministros das Finanças e dos presidentes de Bancos Centrais do Grupo das 20 principais economias que estiveram na Coreia do Sul, em 23 de outubro afirmou que "desequilíbrios persistentemente grandes, avaliados em função de referenciais indicativos a serem acordados, devem justificar uma avaliação de sua natureza e das raízes dos entraves ao ajustamento no âmbito da Processo de Avaliação Mútua, reconhecendo a necessidade de levar em conta as conjunturas nacionais ou regionais, inclusive [dos] grande produtores de commodities".
Essa sentença abominável veio em resposta à sugestão do secretário Timothy Geithner de que 4% do Produto Interno Bruto (PIB) fosse tomado como indicador para a conta corrente.
Felizmente, quanto mais bem sucedida for a expansão da demanda mundial e o ajuste das taxas de câmbio reais, menos necessária torna-se essa política sugerida pelo secretário do Tesouro americano de limitar os saldos e os déficits em conta corrente.
Então, o que buscam os EUA? Será que a proposta americana faz sentido? Poderá funcionar? O objetivo dos EUA é estabelecer o princípio de que tanto os países superavitários como deficitários têm a obrigação de se ajustarem. A proposta sugere que deveria haver um valor numérico pactuado para o superávit ou déficit ao qual um país deveria agir. Não seria uma meta. Também não haveria sanções. O regime monetário mundial continuaria sem os mecanismos automáticos propostos por Keynes em 1944. Além disso, os EUA esperam conseguir a apreciação das moedas de uma série de economias emergentes, especialmente da China, contra as dos países de alta renda, especialmente o dólar americano. A proposta faz sentido? Rainer Brüderle, ministro da Economia alemão, manifestou a rejeição ortodoxa. Ele afirmou que "devemos nos inclinar para um processo de economia de mercado e não de economia de comando". Em minha opinião, porém, há três ressalvas decisivas.
Primeiro, os enorme acúmulos atuais de reservas em moeda estrangeira não são um fenômeno de mercado - são produto de decisões de governo. Eles poderiam ser justificados, inicialmente, como uma maneira de criar um seguro contra choques. Mas essas reservas foram muito além disso, como revelou o modesto declínio, durante a crise, de US$ 470 bilhões, ou 6% do total. Em segundo lugar, as repetidas evidências de que a economia mundial é incapaz de usar grandes fluxos de poupança superavitária de uma forma segura e eficaz não podem ser ignoradas. Por fim, o mundo de hoje tem enorme excesso de capacidade. Isso torna enormemente indesejáveis ajustes apenas por países deficitários, como Keynes teria argumentado.
Então, quais países do G-20 seriam afetados pelos indicadores americanos? Se incluirmos a Espanha ao grupo, a previsão é de que os EUA, África do Sul, Turquia e Espanha terão "déficits excessivos" neste ano, e que a China, Rússia, Alemanha e Arábia Saudita terão "superávits excessivos". Presumivelmente, porém, Rússia e Arábia Saudita serão isentos, por serem "grandes exportadores de commodities". Além disso, se nos concentrarmos na escala dos superávits e déficits, em vez de focarmos apenas a proporção em relação ao PIB, o Japão ficaria entre os países superavitários e a Itália, o Brasil e os países do Reino Unido estariam entre aqueles com grandes déficits. Esses indicadores de conta corrente só podem ser um ponto de partida.
Mas indicadores quantitativos podem ao menos tornar a discussão sobre o ajuste bem mais focada do que antes.
Finalmente, será possível tornar essa abordagem factível? Há pelo menos uma probabilidade disso. Nas reuniões anuais do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial em Washington, dois economistas chineses informaram-me de que a China já decidiu limitar seus superávits. Portanto, uma discussão sobre esse tema deve ser muito mais proveitosa do que focar unicamente a taxa de câmbio. No entanto, dada a vasta escala de suas reservas (perto de 50% do PIB) e de seu rápido crescimento, a China deveria buscar, um equilíbrio com o exterior, ou mesmo um déficit, em vez de um superávit de 4% do PIB. Assumida essa meta, o superávit externo poderia ser de US$ 400 bilhões em 2015, pois parece provável que seu PIB em dólares dobrará a cada cinco anos. Ao contrário dos países deficitários que tanto preocupavam Keynes, os EUA, pelo menos, têm armamento pesado à sua disposição, particularmente sua capacidade de emitir a principal moeda de reserva mundial. O resto do mundo não pode obrigar facilmente os EUA a se ajustarem se os americanos não desejarem fazê-lo. Além disso, todos, inclusive os chineses, parecem temer amedrontados em face das consequências monetárias de um alívio quantitativo adicional dos EUA. Felizmente, quanto mais bem sucedida for a expansão da demanda mundial e o ajuste das taxas de câmbio reais, menos necessária torna-se essa política para os EUA.
O cerne de qualquer discussão sobre um ajuste mundial, portanto, deve ficar entre os EUA e a China. A Alemanha continuará a ser obstrutiva. Mas suas vítimas são seus parceiros na zona euro: eles optaram por viver sob a devastadora combinação alemã de competitividade externa com contenção interna, a uma taxa de câmbio irrevogavelmente fixa. O Japão parece simplesmente incapaz de lidar com suas dificuldades macroeconômicas. Mas a China é um caso muito distinto, por ser uma superpotência emergente com uma vasta população e enormes necessidades internas. Não há nenhuma razão para a China continuar a ser um enorme exportador de capitais.
O papel do G-20 é dar cobertura às discussões necessárias entre as superpotências corrente e prospectiva. Se a China assumisse como objetivo fazer crescer a demanda e assim eliminasse seus superávits em conta corrente, idealmente mediante incremento de seu consumo interno, isso melhoraria a vida do povo chinês e também do resto do mundo. Simultaneamente, os EUA deveriam comprometer-se com uma consolidação orçamentária no longo prazo.
Por seu turno, o papel dos outros chefes de governos do G-20 que estarão na Coreia do Sul na próxima semana é promover a necessária concordância. Se tiverem êxito, comprovarão um dos maiores benefícios do multilateralismo: é uma maneira de gerenciar os conflitos entre as maiores potências. Geithner ofereceu uma alternativa criativa o interminável atrito envolvendo o câmbio. O presidente da China deveria aproveitar a "rota de fuga" que os EUA lhe ofereceram.
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT
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