Tuesday, 24 March 2009

KEYNES AND CRISIS IV

A restrição de crédito e política anticíclicaJosé Luis Oreiro e Luiz Fernando de Paula
25/03/2009
Entre os economistas brasileiros, é consenso que um dos fatores que contribuiu para agravar a desaceleração econômica no Brasil foi a contração no crédito bancário, que vinha passando por acelerado processo de crescimento nos últimos anos. A contração no crédito doméstico, junto com a parada no fluxo de capitais do exterior, resultou em uma dupla restrição de liquidez e financiamento na economia.
No caso do setor bancário brasileiro, os efeitos da crise financeira se fizeram sentir inicialmente pelas dificuldades de obtenção de fundos no mercado financeiro internacional. É verdade que o peso de tais recursos sobre o funding dos bancos era relativamente pequeno, mas aparentemente foi suficiente, junto com a deterioração das expectativas causada pela percepção da gravidade da crise internacional - deterioração essa que foi reforçada pelos prejuízos que várias empresas brasileiras tiveram com os derivativos cambiais em decorrência da demora do Banco Central do Brasil em intervir no mercado de câmbio após a falência do Lehman Brothers - para dar um início de crise de liquidez no setor bancário brasileiro, resultando em uma situação de "empoçamento da liquidez".
O setor bancário vinha passando por um boom de crédito desde 2004, aumentando a relação crédito total sobre o PIB de 22%, em maio de 2003, para 36% em julho de 2008, puxado tanto pelo crédito a pessoa física quanto a pessoa jurídica. Neste processo cresceram tanto a carteira de crédito de grandes bancos varejistas quanto de pequenos bancos especializados em alguns segmentos do crédito (consignado, "middle market" etc.).
Deve-se ressaltar a diferença entre uma crise de insolvência, como ocorreu no setor bancário americano, com uma crise de liquidez. Uma crise de insolvência ocorre quando há bancos cujos ativos disponíveis a preços de mercado são incapazes de cobrir as obrigações com terceiros (depositantes, por exemplo), o que pode levar à falência do banco. É o que aconteceu com bancos de investimento dos EUA, em função da existência de ativos "podres" em seu portfólio.
Uma crise de liquidez, por seu turno, refere-se a uma situação na qual o banco é solvente, mas não tem momentamente liquidez para cobrir a demanda por recursos por parte de seus clientes. Corriqueiramente problemas de liquidez, que são normais na atividade bancária, em função do descasamento de maturidades entre ativos e passivos que caracterizam a atividade de intermediação, são facilmente resolvidas no mercado de reservas bancárias no qual bancos superavitários emprestam para os bancos deficitários.
Os bancos, como qualquer outro agente, têm preferência pela liquidez determinada por suas expectativas quanto ao futuro. Em particular, na definição de sua estratégia de portfólio se defrontam com o trade-off liquidez versus rentabilidade, sendo a liquidez apreciada em momento de maior incerteza (em detrimento da rentabilidade), e a rentabilidade (e maior propensão a riscos) apreciada em função da menor incerteza percebida. Bancos têm, portanto, um comportamento pró-cíclico: na fase do boom econômico tendem a acomodar a demanda por crédito dos agentes, resultando no aumento de endividamento destes, na suposição da continuidade do crescimento dos lucros e renda na economia; na fase de desaceleração, a maior preferência pela liquidez resulta em um racionamento do crédito, justamente no momento em que os agentes precisam refinanciar suas dívidas.
No caso brasileiro, obviamente não houve crise de insolvência dos bancos, mas observou-se uma crise de liquidez causada pelo "empoçamento da liquidez", resultando em uma desaceleração e maior seletividade na oferta de crédito, em parte causada pelo próprio encarecimento do custo do dinheiro para os bancos (interbancário e CDBs). Uma vez que o quadro de desaceleração econômica mundial e doméstica se configurou, deterioraram-se as expectativas dos agentes quanto ao futuro que, conjugada com a queda na renda e no emprego, por um lado, e o aumento do spread bancário (de 25,6% em julho de 2008 para 30,5% em janeiro de 2009), de outro, resultou em uma retração na demanda por crédito das firmas e das famílias - com queda respectiva de 10,8% e 10,5% em fevereiro deste ano, segundo dados da Serasa. Em outras palavras, a crise do crédito, que começou do lado da oferta, chegou também do lado da demanda.
Mais recentemente, o governo anunciou que irá adotar novas medidas para destravar o crédito. Entre as principais, incluem-se a criação da CaixaPar, subsidiária da CEF a ser constituída com patrimônio de R$ 3 bilhões para adquirir participações minoritárias em bancos médios; e a criação de um mecanismo de seguro - uma espécie de Fundo de Direito Creditório gerido pelo BNDES e com recursos de Tesouro e dos bancos - para garantir o crédito privado. No primeiro caso, pretende-se prover os bancos médios de "funding" para voltarem a operar normalmente, já que estes operam em nichos importantes para estimular o crescimento, como consignado e financiamento de veículos; no segundo, objetiva-se criar um mecanismo que permita superar a desconfiança dos bancos de pagamento do tomador de crédito, uma vez que, em caso de inadimplência, o seguro cobriria uma boa parte da perda dos bancos. A proposta da Febraban é que o fundo seja constituído inteiramente de recursos públicos - o que é um verdadeiro acinte ao cidadão-contribuinte!
As novas medidas deverão ter impacto limitado sobre o crédito, em função da maior preferência pela liquidez dos bancos e, mais recentemente, da retração da demanda por crédito, como visto acima. Contudo, com o cenário de redução da taxa de juros é possível que possa ter um maior efeito, já que a redução da taxa de juros deverá produzir uma redução (ainda que defasada) sobre o spread bancário. Mas quando as expectativas dos agentes estão deterioradas, o melhor antídoto para a crise é a adoção de políticas fiscais contracíclicas, em particular investimento público, em função de suas externalidades sobre o investimento privado. Uma política de enfrentamento da crise deve ser feita através de um mix de políticas que inclui a redução de taxas de juros, o aumento do investimento público e a atuação ativa dos bancos públicos no financiamento ao setor privado.
José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia da UnB e membro da Associação Keynesiana Brasileira (AKB). jlcoreiro@terra.com.br
Luiz Fernando de Paula é professor da Faculdade de Economia da UERJ e vice-presidente da AKB. luizfpaula@terra.com.br


Interpretações da crise
Fernando Ferrari Filho e Luiz Fernando de Paula
22/04/2009
Por necessitarem de escala, instituições incorporaram baixa renda em condições de "exploração financeira"
O público interessado em assuntos econômicos deve ter ficado perplexo ao ler ou assistir, nos meios de comunicação, alguns economistas brasileiros liberais tentando explicar a crise financeira mundial, que desde agosto do ano passado apresentava sinais claros de aprofundamento e contágio mundial. Eles simplesmente não tinham explicação para a crise.
A não percepção de sua natureza e recrudescimento não foi exclusividade tupiniquim. Kenneth Rogoff, ex-economista chefe do FMI, escreveu um artigo no New York Times, logo após a quebra do Lehman Brothers, parabenizando o governo dos EUA pela decisão de não socorrer instituições com "más práticas" financeiras.
John Taylor, em livro recentemente publicado, "Getting Off Track", argumenta que a crise resultou da adoção de uma política monetária excessivamente relaxada no início da década, que teria contribuído para inflar o preço dos imóveis nos EUA, e das ações vacilantes do governo americano ao enfrentar a crise, que acabaram ampliando a insegurança dos agentes. Para ele, se o Fed tivesse mantido em 2003-2005 as taxas de juros de curto prazo nos patamares sugeridos pela Regra de Taylor, a expansão do mercado imobiliário americano teria sido bem mais moderada. A crise teria se aprofundado em função do caráter hesitante do governo, que a teria diagnosticado como uma simples crise de liquidez, sem perceber a extensão dos problemas dos bancos. A quebra do Lehman Brothers seria apenas mais um passo nesta estratégia confusa de lidar com a crise, em que a intervenção do governo piorou a situação.
Alan Greenspan, ex-presidente do Fed, desenvolveu uma interpretação distinta da crise: por um lado, entre 2002-2005, houve uma queda acentuada na taxa de financiamento imobiliário; por outro, o superávit em conta corrente de vários países emergentes, em especial da China, impulsionou as taxas de juros de longo prazo para níveis muito baixos no período. Em outras palavras, para ele a criação de uma espécie de moeda endógena, relacionada à liquidez internacional, teria sido determinante na queda sincronizada global das taxas de juros.
Fiel (ou ofuscado por) aos seus princípios liberais, Greenspan não enxergou na desregulamentação permissiva uma das causas principais da crise financeira. Ele forneceu uma interessante explicação para o estouro da bolha habitacional, mas não foi capaz de ter uma visão mais abrangente da crise. Afinal, porque uma crise imobiliária, em um segmento secundário do sistema financeiro (subprime), acabaria por contagiar o sistema como um todo?
Um aspecto crítico da argumentação de Taylor, além das considerações feitas por Greenspan, é sugerir que, afinal, a propagação da crise teria sido resultado de uma interferência excessiva e indevida do governo, sob o velho argumento liberal de que a ação do governo, ao fim e ao cabo, tende a ser ineficaz. Ora, esta não parece ser explicação convincente da crise, por confundir causa e efeito.
Taylor e Greenspan têm em comum a sua fé no livre funcionamento do mercado, mas deve-se entender que sistemas financeiros, ao mesmo tempo que podem ajudar a potencializar o crescimento, são inerentemente instáveis devido a problemas de assimetria de informações e a instabilidade, que é intrínseca ao seu funcionamento.
Em nossa visão, a presente crise é, sobretudo, a crise da globalização financeira, entendida como uma tendência à criação de um mercado financeiro global e de intensificação do fluxo de capitais entre países. Tal processo remonta a crise do sistema de Bretton Woods e a formação do mercado de eurodólares, que, diga-se de passagem, acabou contribuindo para a desregulamentação doméstica dos sistemas financeiros e a liberalização dos fluxos de capitais.
Como resultado do processo de desregulamentação financeira, observou-se um acirramento na concorrência entre instituições bancárias, tendo como resposta uma tendência à conglomeração financeira e um aumento na escala de operação, via fusões e aquisições. Assim, instituições financeiras passaram a explorar diferentes mercados, inclusive de mais baixa renda. No mercado de títulos, desenvolveram-se mecanismos de securitização, estimulados pelo crescimento de investidores institucionais, em que firmas e bancos se financiam empacotando rendas a receber. Em suma, uma vez que a securitização permitia a diluição de riscos no mercado, as instituições financeiras passaram a aumentar sua alavancagem, supondo que os mecanismos de autorregulação do mercado seriam capazes de continuar avaliando corretamente os riscos inerentes às atividades financeiras.
A crise do subprime acabou por expressar todas as contradições deste processo. A necessidade de ampliação de escala levou as instituições financeiras a incorporarem segmentos de baixa renda em condições de "exploração financeira", que acabou resultando em um processo de estrangulamento financeiro do tomador de crédito. A securitização, que serviria para diluir riscos, na prática serviu para esconder riscos - títulos lastreados em hipotecas eram emitidos por instituições de grande porte, sendo tais ativos classificados como grau de investimento por uma agência de rating. Como resultado da globalização financeira, os referidos títulos foram comprados por investidores de diferentes nacionalidades e, assim, criaram-se novos instrumentos financeiros, não regulamentados pelas autoridades monetárias. Mecanismos de autorregulação mostraram-se falhos devido ao caráter pró-cíclico da tomada de risco.
A propagação e o aprofundamento da crise resultaram da incapacidade dos governos liberais darem conta das questões acima, o que pode explicar o caráter vacilante da intervenção governamental, ao menos num primeiro momento. Uma vez que a crise globalizada está instalada, não há saídas fáceis para enfrentá-las. Será que os liberais tupiniquins e globalizados aprenderão algo com a crise?
Fernando Ferrari Filho é professor Titular da FCE/UFRGS e presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB). Email: ferrari@ufrgs.br
Luiz Fernando de Paula é professor da FCE/UERJ e vice-presidente da AKB. E-mail: luizfpaula@terra.com.br.


Interpretações da crise
Fernando Ferrari Filho e Luiz Fernando de Paula
09/04/2009
Afirmar que a crise teria sido resultada de uma interferência excessiva do governo não é uma explicação convincente
O público interessado em assuntos econômicos certamente deve ter ficado perplexo ao assistir, em programas da TV, alguns economistas brasileiros liberais tentando encontrar explicação para a crise financeira mundial, que, desde agosto do ano passado, apresentava sinais claros de aprofundamento e contágio mundial. Eles simplesmente não tinham explicação para a crise. A não percepção da natureza e profundidade da crise não foi exclusividade tupiniquim - vale lembrar que Kenneth Rogoff, ex-economista chefe do FMI - escreveu um artigo no New York Times, logo após a quebra do Lehman Brothers, dando parabéns ao governo dos EUA pela corajosa decisão de não socorrer instituições com "más práticas" financeiras.
Recentemente foi publicado um pequeno livro de autoria de John Taylor, "Getting Off Track", que parece sintetizar a visão "conservadora" da crise. Para Taylor, a crise resultou da adoção de uma política monetária excessivamente relaxada no início da década, que teria contribuído para inflar o preço dos imóveis nos EUA, e das ações vacilantes do governo americano ao enfrentar a crise, que ao agir de modo confuso ampliou a insegurança dos agentes.
Para o economista americano, se o Fed tivesse mantido em 2003-2005 as taxas de juros de curto prazo nos patamares sugeridos pela "Regra de Taylor", ou seja, acima da efetivamente adotada pelo Fed, a expansão do mercado imobiliário americano teria sido bem mais moderada. A crise teria se aprofundado em função do caráter hesitante do governo, que a teria diagnosticado como uma simples crise de liquidez, sem perceber a extensão dos problemas dos bancos. A quebra do Lehman Brothers seria apenas mais um passo nesta estratégia confusa de lidar com a crise, em que a intervenção do governo acabou piorando a situação.
Alan Greenspan, ex-presidente do Fed, em recente artigo de jornal, desenvolveu uma interpretação distinta da crise: em 2002-2005 a correlação entre a taxa de financiamento imobiliário e a taxa de juros de curto prazo teria reduzido significativamente nos EUA; o superávit em conta corrente de vários países emergentes, em especial da China (e o excesso de poupança dele decorrente), teria impulsionado as taxas de juros de longo prazo para níveis progressivamente baixos no período, contribuindo para uma bolha de preço habitacional global. Em outras palavras, a criação de uma espécie de moeda endógena, relacionada a liquidez internacional, teria sido determinante na queda sincronizada global das taxas de juros.
Greenspan, contudo, fiel (ou ofuscado pelo) aos seus princípios liberais, não enxergou na desregulamentação permissiva uma das causas principais da crise financeira. Assim, ele fornece uma interessante explicação para o estouro da bolha habitacional, mas não é capaz de ter uma visão mais abrangente da crise. Afinal, porque uma crise imobiliária, em um segmento secundário do sistema financeiro (subprime), acabaria por contagiar o sistema como um todo?
Um aspecto crítico da argumentação de Taylor, além das considerações feitas por Greenspan, é sugerir que no final de contas a propagação da crise teria sido resultado de uma interferência excessiva e indevida do governo, sob o velho argumento liberal de que a ação do governo, ao fim e ao cabo, tende a ser ineficaz. Ora, esta não parece ser uma explicação convincente da crise, ao confundir relações de causa e efeito.
Taylor e Greenspan têm em comum a sua fé no livre funcionamento do mercado - mercados financeiros regulamentados tendem a ser pouco inovadores e ineficientes. Contudo, deve-se entender que sistemas financeiros, ao mesmo tempo em que podem ajudar a potencializar o crescimento, são instáveis de maneira inerente, devido a problemas de assimetria de informações e a instabilidade que é intrínseca ao funcionamento dos mesmos.
Em nossa avaliação, esta crise é, sobretudo, a crise da globalização financeira, entendida como uma certa tendência a criação de um mercado financeiro global e de intensificação no fluxo de capitais entre países. Tal processo remonta a crise do sistema de Bretton Woods e a formação do mercado de eurodólares, que, diga-se de passagem, acabou contribuindo para a desregulamentação doméstica dos sistemas financeiros - com o fim da segmentação entre mercados - e a liberalização dos fluxos de capitais.
Como resultado do processo de desregulamentação financeira, observou-se um acirramento na concorrência entre instituições bancárias e consequente queda nas margens de intermediação financeira, tendo como resposta uma tendência à conglomeração financeira e um aumento na escala de operação, via fusões e aquisições. Assim, instituições financeiras passaram a explorar diferentes mercados, inclusive de mais baixa renda. No mercado de títulos, desenvolvem-se mecanismos de securitização, estimulados pelo crescimento de investidores institucionais, em que firmas e bancos se financiam "empacotando" rendas a receber. Em suma, uma vez que a securitização permitia a diluição de riscos no mercado, as instituições financeiras passaram a aumentar sua alavancagem, supondo que os mecanismos de autorregulação do mercado seriam capazes de continuar avaliando corretamente os riscos inerentes às atividades financeiras.
A crise do subprime - mercado de financiamento imobiliário de maior risco - acabou por expressar todas as contradições deste processo. A necessidade de ampliação de escala levou as instituições financeiras a incorporarem segmentos de baixa renda em condições de "exploração financeira" - no caso do subprime, com taxas de juros variáveis (baixas no início e se elevando ao longo do tempo) - que acabou resultando em um processo de estrangulamento financeiro do tomador de crédito. A securitização, que serviria para diluir riscos, na prática serviu para esconder riscos - títulos lastreados em hipotecas eram emitidos por instituições financeiras de grande porte, sendo tais ativos classificados como grau de investimento por uma agência de rating. Tais ativos, como resultado da globalização financeira, passaram a ser comprados por investidores de diferentes nacionalidades. Criaram-se, assim, novos instrumentos financeiros que não foram devidamente regulamentados pelas autoridades. Mecanismos de autorregulação mostraram-se falhos devido ao caráter pró-cíclico da tomada de risco - projetos que são considerados ruins na desaceleração são vistos como bons no boom cíclico.
A propagação e o aprofundamento da crise resultaram da incapacidade dos governos liberais darem conta das questões acima, o que pode explicar o caráter vacilante da intervenção governamental, pelo menos em um primeiro momento. Uma vez que a crise globalizada está instalada, não há saídas fáceis para enfrentá-las. Será que os liberais tupiniquins e globalizados aprenderão algo com a crise?
Fernando Ferrari Filho é professor titular da FCE/UFRGS e presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB). Email: ferrari@ufrgs.br
Luiz Fernando de Paula é professor da FCE/UERJ e vice-presidente da AKB. E-mail: luizfpaula@terra.com.br
Crises são intrínsecas à lógica das economias monetárias
A reestruturação do sistema monetário internacional
Fernando Ferrari Filho e Luiz Fernando de Paula
22/06/2009
O resgate das ideias de Keynes acerca de políticas fiscal e monetária ativas são essenciais atualmente
A presente crise financeira internacional - diga-se de passagem, inicialmente restrita às instituições financeiras americanas que se envolveram com créditos hipotecários de alto risco (subprime) e posteriormente dinamizada globalmente, uma vez que grande parte dessas hipotecas foi securitizada e distribuída a investidores do mercado financeiro -, cujo desdobramento acabou afetando profundamente a atividade econômica tanto dos países desenvolvidos, em maior escala, quanto dos países emergentes, tem gerado um consenso acerca da necessidade de se reestruturar o sistema monetário internacional (SMI), condição imprescindível para que a economia mundial volte a experimentar períodos de estabilidade e de crescimento dos níveis de produto e emprego.
Indo nessa direção, em abril passado o presidente do Banco Popular da China e os países membros do G-20 apresentaram algumas propostas que visam reestruturar o SMI. O presidente do banco chinês sugeriu a substituição do dólar como moeda de conversibilidade internacional por uma moeda universal, soberana e independente das decisões dos bancos centrais nacionais. De outro lado, o G-20 propôs, além da criação de uma linha de crédito emergencial de cerca de US$ 1,1 trilhão para aumentar o volume de funding do Fundo Monetário Internacional e dos bancos de desenvolvimento multilaterais e para financiar o comércio mundial, marcos regulatórios para o sistema financeiro - principalmente dos hedge funds -, reforma das instituições financeiras e restrições aos paraísos fiscais, entre outras medidas.
As proposições acima nos remetem à proposta de Keynes apresentada na conferência de Bretton Woods, em 1944, qual seja, a criação de uma autoridade monetária internacional, International Clearing Union (ICU), emissora de uma moeda de reserva internacional (bancor) não passível de entesouramento e especulação por parte dos agentes econômicos e com o objetivo específico de lastrear as relações comerciais e financeiras do SMI. Para que essa moeda pudesse dinamizar as operações econômicas entre os países, a estabilidade do SMI, segundo Keynes, deveria ser assegurada pela adoção de regras cambiais fixas, porém ajustáveis, e pela implementação de controle dos fluxos de capitais de curto prazo, essencialmente especulativos.
Ciente de que em economias monetárias da produção a organização dos mercados financeiros enfrenta um dilema entre liquidez e investimento - eles estimulam o desenvolvimento da atividade econômica, mas ao mesmo tempo aumentam as possibilidades dos ganhos especulativos -, a ideia central de Keynes, com sua ICU, era tornar a liquidez internacional mais elástica para expandir a demanda efetiva mundial. Para tanto, o bancor, em conjunto com as sistemáticas de taxas de câmbio administradas e de cerceamento da capacidade desestabilizadora dos fluxos de capitais de curto prazo, sinalizaria a convenção estabilizadora das expectativas dos agentes econômicos, fundamental para, ao reduzir o grau de incerteza acerca do comportamento futuro dos preços dos ativos e/ou contratos, induzir as suas tomadas de decisão de gastos, sejam de consumo, sejam de investimento, expandindo, por conseguinte, a atividade econômica e o nível de emprego em nível mundial.
A ironia do mundo globalizado e alicerçado no "fundamentalismo" da lógica autorreguladora dos mercados é que a solução para a crise financeira internacional passe, em termos práticos, pela implementação, por parte das principais autoridades econômicas mundiais, de políticas fiscais e monetárias contracíclicas keynesianas, e ainda por uma proposição de reestruturação do SMI de algum modo similar à apresentada por Keynes quando da conferência de Bretton Woods.
Em relação à praticidade das políticas fiscais e monetárias contracíclicas, as autoridades econômicas das principais economias mundiais, cientes de que a crise atual está relacionada à ausência de atuação do Estado e de uma regulamentação adequada, têm atuado agressivamente para atenuar o recrudescimento da crise financeira internacional e sua propagação prolongada para o lado real da economia mundial. Assim, as políticas econômicas que foram implementadas nos últimos meses pelos EUA, nos países da zona do euro, no Japão e na China mostram que a crise deve ser enfrentada por meio da atuação de um banco central como prestador de última instância e da adoção de políticas fiscais expansionistas. Em suma, as autoridades econômicas dos referidos países estão implementando medidas econômicas essencialmente keynesianas de expansão da demanda efetiva.
Em termos teóricos, as proposições apresentadas pelo Banco Popular da China e pelo G-20 merecem duas reflexões. Por um lado, as referidas instituições reconhecem, assim como Keynes o fazia na "Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda", que a liberalização e desregulamentação dos mercados financeiros pode levar "as atividades econômicas de um país a tornarem-se um subproduto das atividades de um cassino". Por outro, as propostas sinalizadas pelo Banco Popular da China e pelo G-20 convergem para a proposta que Keynes apresentou há mais de 60 anos: reestruturação do SMI para que ele possa manter a estabilidade dos preços, provimento da liquidez necessária para a economia mundial e regulação dos ciclos econômicos.
Concluindo, no momento em que as autoridades econômicas mundiais implementam políticas econômicas keynesianas e acenam com a possibilidade de se arquitetar uma nova ordem do SMI e o pensamento convencional de fé na eficiência dos mercados livres e desregulados é seriamente questionado, o resgate das ideias de Keynes acerca de políticas fiscal e monetária ativas e da reestruturação do SMI são essenciais para um desfecho menos sombrio para a crise financeira internacional e, principalmente, para a prevenção, em um futuro próximo, de outras crises financeiras que, en passant, são intrínsecas à lógica operacional das economias monetárias.
Fernando Ferrari Filho é professor titular da UFRGS, pesquisador do CNPq e presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB).
Luiz Fernando de Paula é professor adjunto da UERJ, pesquisador do CNPq e vice-presidente da AKB.

May 20th, 2009 by Michael Pettis 54 Comments
Last week I spent in Brazil, where I was honored to meet someone I admire very much, former Brazilian President FH Cardoso...

ENTREVISTA DA 2ª
PERSIO ARIDA
Regulação mais rígida não evitaria crise, afirma economista - mesmo argumento e Petitis aqui resgistrado (eliana cardoso e....) - entrada abaixo de Andre Lara Resende
Articulador do Plano Real, Persio Arida diz que estabilidade artificial do pré-crise alimentou riscos e que as altas da Bolsa não significam que crise acabará em breve
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Sistema financeiro: Professor diz que problema é a acelerada e brutal expansão da liquidez
Para Pettis, regulação não evita crises
Raquel Balarin e Raquel Landim, de São Paulo
19/05/2009
O economista americano Michael Pettis, que há sete anos decidiu deixar a bem-sucedida carreira de executivo financeiro nos Estados Unidos e se mudou para a China, para viver o que ele diz ser uma "oportunidade histórica única", surpreendeu uma seleta plateia no fim da semana passada, em São Paulo. Taxativo, o professor de Finanças da Universidade de Pequim disparou: "Não acredito que algo possa ser feito no arcabouço regulatório para prevenir crises".
Pettis respondia a uma pergunta da economista Eliana Cardoso, uma das presentes ao evento fechado promovido pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso. Tinha ao seu lado o ex-presidente. Ele explicou: "Em 1989, o Japão quebrou. Naquela época, disseram que as regras eram muito rígidas e que o sistema financeiro era muito controlado". Agora, a situação é a inversa. Muitos culpam as regras prudenciais muito brandas dos EUA pela profundidade da crise.
Pelo raciocínio de Pettis, sempre que há uma política monetária que estimula as pessoas a tomar mais risco, a liquidez aumenta excessivamente e de forma acelerada, e, em seguida, vem uma crise. "É por isso que não acredito que o arcabouço regulatório pode prevenir crises em momentos de rápida expansão da liquidez", afirma.
A opinião de Pettis difere radicalmente da que vem sendo expressada por grandes economistas, entre eles o ex-secretário do Tesouro americano, Paul Volcker. Em estudo recém-publicado, também o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, Olivier Blanchard, explica que algumas das condições que estão na gênese do processo que desencadeou a crise atual - como a securitização e, em sequência, a utilização de derivativos - estão aí para ficar. "Onde algo pode ser feito é na desalavancagem (...). E a regulação pode forçar uma menor alavancagem", explica Blanchard. Segundo ele, é possível ampliar o perímetro da regulação para além dos bancos, alcançando também outras instituições financeiras (no Brasil, o modelo já funciona assim).
Quem também é bem menos radical do que Pettis é Artur Wichmann, da equipe de gestão global da Credit Suisse Hedging Griffo, que fez apresentação sobre China no mesmo evento. Para ele, é certo que a liquidez tem a ver com o problema, mas não pode ser vista como o único fator no processo. "Não é uma questão só de liquidez, assim como também não é só de regulação", diz Wichmann. Ele defende que no centro da questão está o fato de que "a falta de regulação permitiu um multiplicador bancário fora dos padrões que os bancos centrais conheciam".
No evento promovido pelo Instituto FHC, Pettis tratou não apenas da regulação bancária. Fez longa explanação de por que, na opinião dele, o crescimento promovido pela China, que tem como um de seus objetivos evitar o desemprego, não é sustentável no longo prazo. E disparou comentários sobre o uso do mais de trilhão de dólares de reserva da China. "Eles não têm escolha: precisam continuar comprando títulos do Tesouro americano. Só poderiam fazer outra coisa se provocassem um colapso em suas exportações ou se forçassem um déficit na Europa."
Pettis argumenta que a China empresta dinheiro aos EUA porque precisa reciclar os recursos que obtém com seu robusto superávit comercial, e os EUA são o único país com condições de manter expressivo déficit com o mundo.
Há cerca de dois meses, o chefe do BC chinês, Zhou Xiaochuan, criticou a utilização do dólar como reserva global e chegou a sugerir a utilização dos SDRs, espécie de moeda do FMI. Pettis ficou surpreso, mas consultou suas fontes no BC chinês, que garantiram que tudo não passava de bobagem. Ou seja, puro jogo de cena político.
Para Pettis, a China poderia ter acumulado SRDs se quisesse, pois trata-se apenas de uma unidade formada 44% por dólares e 56% por ienes, libras e euros. Só que isso obrigaria parte do déficit comercial americano a migrar para o Japão e a Europa. "E esses países simplesmente não têm capacidade de absorver esse déficit."




A era do modelo hegemônico de economia de mercado pertence ao passado
Pode não ser o momento definidor
Martin Wolf20/05/2009
Podemos supor que a era do modelo hegemônico de economia de mercado pertence ao passado
Será a crise atual um divisor de águas, com a globalização liderada pelo mercado, o capitalismo financeiro e o predomínio ocidental de um lado e o protecionismo, regulamentação e predomínio asiático do outro? Ou será que os historiadores preferirão julgá-lo como um evento causado por tolos, significando pouco? Meu palpite pessoal é que ele ficará no meio termo. Nem é a Grande Depressão, uma vez que a resposta política tem sido tão determinada, nem é o capitalismo de 1989.
Examinemos o que sabemos e o que não sabemos a respeito do seu impacto sobre a economia, finanças, capitalismo, Estado, globalização e geopolítica.
Sobre a economia, já sabemos cinco coisas importantes. Primeiro, quando os EUA contraem pneumonia, todos adoecem gravemente. Segundo, esta é a mais grave crise econômica desde a década de 1930. Terceiro, a crise é global, com um impacto particularmente grave sobre países que se especializam em exportações de bens manufaturados ou que dependeram de importações líquidas de capital.
Quarto, os formuladores de política promoveram os mais agressivos estímulos fiscais e monetários e socorros financeiros já vistos. Por fim, este esforço trouxe algum sucesso: a confiança está voltando e o ciclo de estoques deverá gerar alívio. Como observou Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu (BCE), a economia global está "próxima do ponto de inflexão", com o que ele quis dizer que agora a economia está declinando a uma taxa decrescente.
Podemos também conjeturar que os EUA liderarão a recuperação. Os EUA são mais uma vez o mais importante país keynesiano do mundo. Podemos supor, também, que a China, com seu gigantesco pacote de estímulo, será a economia mais bem sucedida do mundo.
Infelizmente, há pelo menos três grandes coisas que não podemos saber. Até que ponto os excepcionais níveis de endividamento e queda no patrimônio líquido gerarão um aumento sustentado nas desejadas economias das famílias de consumidores gastadores de outrora? Por quanto tempo poderão persistir os atuais déficits fiscais até os mercados exigirem maior remuneração pelo risco? Poderão os bancos centrais articular uma saída não inflacionária das políticas não convencionais?
Nas finanças, a confiança está voltando, com os spreads entre ativos seguros e de risco diminuindo para níveis menos anormais e uma (modesta) recuperação nos mercados. A administração dos EUA conferiu ao seu sistema bancário um razoável certificado de saúde. Os balanços patrimoniais do setor financeiro, porém, explodiram nas décadas recentes e a solvência dos devedores está deteriorada.
Podemos supor que as finanças terão uma recuperação nos próximos anos. Podemos estimar, também, que seus dias de glória estão distantes delas por décadas, pelo menos no Ocidente. O que não sabemos é até que ponto irá a "desalavancagem" e a subsequente deflação de balanços patrimoniais na economia. Tampouco sabemos em que medida o setor financeiro conseguirá se desvincular das tentativas de impor um regime regulatório mais eficaz. Os políticos deveriam ter aprendido com a necessidade de socorrer sistemas financeiros abarrotados de instituições tidas como grandes e interconectadas demais para falir. Temo que interesses concentrados subjuguem o interesse geral.
O que dizer sobre o futuro do capitalismo, sobre o qual o "Financial Times" publicou sua série fascinante? Ele sobreviverá. O comprometimento da China e Índia com uma economia de mercado não mudou, a despeito desta crise, apesar de que ambos ficarão mais nervosos em relação às finanças irrestritas. Pessoas situadas do lado do livre mercado insistirão em afirmar que o malogro deveria ser creditado mais na conta dos reguladores do que na dos mercados. Existe uma grande verdade nisto: os bancos são, afinal, as instituições financeiras mais regulamentadas. Este argumento, porém, fracassará politicamente. A disposição de confiar na livre atuação das forças de mercado nas finanças foi prejudicada.
Podemos supor, portanto, que a era do modelo hegemônico de economia de mercado pertence ao passado. Os países adaptarão, como sempre fizeram, a economia de mercado às suas próprias tradições. Eles agirão assim, porém, com maior confiança. Como teria dito Mao Tsé-Tung, "que floresçam mil flores capitalistas". Um mundo com muitos capitalismos será complicado, mas divertido.
Menos claras são as implicações para a globalização. Sabemos que a enorme injeção de recursos governamentais "desglobalizou" parcialmente as finanças, a um grande custo para os países emergentes. Sabemos, também, que a intervenção do governo na indústria tem um forte matiz nacionalista. Sabemos, igualmente, que poucos líderes políticos estão preparados para se aventurar em prol do livre comércio.
A maioria dos países emergentes concluirá que acumular vastas reservas cambiais e limitar os déficits em conta corrente é uma estratégia sólida. Isto possivelmente gerará outra rodada de "desequilíbrios" globais desestabilizadores. Este parece ser um resultado inevitável de uma ordem monetária internacional imperfeita. Não sabemos de que forma a globalização sobreviverá a todos este estresse. Estou esperançoso, mas não tão confiante.
O Estado, enquanto isso, está de volta, mas também parece cada vez mais falido. A dívida do setor público como porcentagem do PIB provavelmente dobrará em muitos países avançados: o impacto fiscal de uma grande crise financeira pode, fomos lembrados, ser tão oneroso como uma guerra em grande escala. Isto, portanto, representa um desastre que governos de economias avançadas com baixo crescimento não poderão permitir que se repita em uma geração. O legado da crise também limitará a generosidade fiscal. A tentativa de consolidar as finanças públicas dominará a política por anos, talvez décadas. O Estado está de volta, portanto, mas ele será o Estado na condição de invasor intruso, não de esbanjador.
Por último, mas não menos importante, o que esta crise significa para a ordem política global? Neste caso, sabemos três coisas importantes. A primeira é que a crença de que o Ocidente, por mais que seja amplamente malvisto pelos demais países, pelo menos soube como gerenciar um sistema financeiro sofisticado que sucumbiu. A crise causou dano extremamente grave ao prestígio dos EUA, em particular, apesar de o tom do novo presidente certamente ter ajudado. O segundo é que os países emergentes e, acima de tudo, a China, agora são protagonistas centrais, como foi demonstrado na decisão de realizar dois encontros estratégicos do Grupo de 20 países importantes no nível de chefe de governo. Agora eles são elementos vitais na formulação da política global. O terceiro é que estão sendo feitas tentativas de modernizar a governança global, especialmente nos recursos crescentes que estão sendo repassados ao Fundo Monetário Internacional e na discussão da mudança dos pesos dos países que o compõem.
Só podemos conjeturar sobre quão radicais se tornarão as mudanças na ordem política global. Os EUA provavelmente despontarão como o líder indispensável, despojado das ilusões do "momento unipolar". O relacionamento entre EUA e China será mais central, com a Índia esperando por sua oportunidade. O peso econômico e o poder relativo dos gigantes asiáticos seguramente aumentarão. A Europa, enquanto isso, não está tendo uma boa crise. Sua economia e sistema financeiro comprovaram ser muito mais vulneráveis do que muitos esperavam. Até que ponto um conjunto de instituições reequilibradas e modernizadas refletirá as novas realidades, porém, é algo, por enquanto, desconhecido.
Qual é, pois, a conclusão? Meu palpite é que esta crise acelerou algumas tendências e confirmou que outras - particularmente em crédito e débito - são insustentáveis. Ela danificou a reputação do ofício da economia. Ela deixará um legado amargo para o mundo. Mesmo assim, porém, não indicará nenhum divisor de águas histórico. Parafraseando o que as pessoas diziam por ocasião da morte de reis: "O capitalismo está morto; vida longa ao capitalismo".
Martin Wolf é colunista do "Financial Times".

20/05/2009
Wolf: esta crise é um momento, mas pode não ser um definidor
Martin Wolf
A atual crise é um marco, com a globalização liderada pelo mercado, o capitalismo financeiro e o domínio ocidental de um lado, e o protecionismo, a regulamentação e a predominância asiática do outro? Ou os historiadores a julgarão como um evento causado por idiotas, com pouca importância? Meu palpite é que acabará em um ponto intermediário. Não é nem a Grande Depressão, porque as políticas de resposta foram muito determinantes, nem o 1989 do capitalismo.
Vamos examinar o que sabemos e o que não sabemos sobre seu impacto na economia, finanças, capitalismo, o Estado, a globalização e a geopolítica.
Na economia, nós já sabemos cinco coisas importantes. Primeiro, quando os Estados Unidos pegam uma pneumonia, todo mundo fica seriamente doente. Segundo, esta é a crise econômica mais severa desde os anos 30. Terceiro, a crise é global, com um impacto particularmente severo nos países que se especializaram na exportação de bens manufaturados ou que dependiam da importação líquida de capital.
Quatro, os autores de políticas empregaram os mais agressivos estímulos fiscais e monetários e resgates financeiros já vistos nesta crise. Finalmente, este esforço resultou em algum sucesso: a confiança está retornando e o ciclo de estoques deve provocar alívio. Como comentou Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu, a economia global "está em um ponto de inflexão", o que significa que a economia agora está desacelerando em uma taxa em declínio.
Nós também podemos arriscar o palpite de que os Estados Unidos liderarão a recuperação. Os Estados Unidos são novamente o país avançado mais keynesiano do mundo. Nós também podemos imaginar que a China, com seu imenso pacote de estímulo, será a economia mais bem-sucedida do mundo. ... ... ... ... ... ... ... .... ..

This crisis is a moment, but is it a defining one?
By Martin Wolf
Published: May 19 2009 19:48 Last updated: May 19 2009 19:48
Is the current crisis a watershed, with market-led globalisation, financial capitalism and western domination on the one side and protectionism, regulation and Asian predominance on the other? Or will historians judge it, instead, as an event caused by fools, signifying little? My own guess is that it will end up in between. It is neither a Great Depression, because the policy response has been so determined, nor capitalism’s 1989.
Let us examine what we know and do not know of its impact on the economy, finance, capitalism, the state, globalisation and geopolitics.
On the economy, we already know five important things. First, when the US catches pneumonia, everybody falls seriously ill. Second, this is the most severe economic crisis since the 1930s. Third, the crisis is global, with a particularly severe impact on countries that specialised in exports of manufactured goods or that relied on net imports of capital.
Fourth, policymakers have thrown the most aggressive fiscal and monetary stimuli and financial rescues ever seen at this crisis. Finally, this effort has brought some success: confidence is returning and the inventory cycle should bring relief. As Jean-Claude Trichet, president of the European Central Bank, remarked, the global economy is “around the inflection point”, by which he meant that the economy is now declining at a declining rate.
gráfico
We can also guess that the US will lead the recovery. The US is again the advanced world’s most Keynesian country. We can guess, too, that China, with its massive stimulus package, will be the most successful economy in the world.
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Feeble domestic demand is a chronic European ailment
By Martin Wolf
Published: May 26 2009 20:45 Last updated: May 26 2009 20:45
É possível prever uma demanda impulsionada por expansões fiscais insustentáveis
A doença crônica europeia
Martin Wolf27/05/2009
É possível prever que a demanda será impulsionada por expansões fiscais insustentáveis nas economias pós-bolha
Por que a União Europeia sofreu tanto numa crise que começou nos EUA? A resposta pode ser encontrada em quatro pontos fracos: primeiro, a Alemanha, maior economia da UE, depende pesadamente dos gastos estrangeiros; segundo, várias economias da Europa Ocidental estão sendo acometidas de colapsos pós-bolha na demanda; terceiro, partes da Europa Central e Oriental também estão sendo obrigadas a reduzir despesas; e quarto, os bancos europeus comprovaram que são vulneráveis a esta crise dos EUA e também a dificuldades mais próximas de casa. Dadas estas realidades, a recuperação deverá ser lenta e penosa.
Segundo as mais recentes projeções consensuais, a economia da UE deverá se contrair em 3,6% neste ano, e a da Zona do Euro, em 3,7%, ao passo que a economia dos EUA deverá encolher em apenas 2,9%. Portanto, a crise pune mais o comedido do que o esbanjador. Isto parece injusto. Não é: o comedido depende do esbanjador.
Uma observação na projeção da primavera da Comissão Europeia vai ao cerne da questão: "Na medida em que as exportações são geralmente o primeiro componente a se recuperar no ciclo de negócios da zona do euro, a perspectiva da exportação é estratégica", argumenta. A zona do euro é a segunda maior economia do mundo. Por que sua recuperação deveria depender da demanda externa? A resposta reside na Alemanha. A Comissão projeta que a queda nas exportações líquidas responderá por 60% da sua retração econômica de 5,4% neste ano.
Uma forma de ilustrar o que está acontecendo é por meio dos saldos setoriais - a diferença entre receita e despesa (ou economias e investimentos) em três setores principais: governo, privado e estrangeiro. Por definição, sua soma é zero. Normalmente, mudanças no saldo do setor privado impulsionam a economia. Quando o setor privado reduz os seus gastos, o déficit em conta corrente encolhe e a balança fiscal se deteriora. Qual dentre os dois predomina dependerá do funcionamento de uma economia particular.
Podemos inferir os saldos implícitos do setor privado a partir das projeções da Comissão. Holanda e Alemanha tiveram enormes superávits do setor privado em 2007, de 9,5% e 7,8% do PIB, respectivamente. Eles foram compensados pelos superávits em conta corrente, de 9,8% e 7,6% do PIB, respectivamente. No conjunto, porém, a zona do euro não teve quase nenhum excedente em conta corrente e no setor privado. Portanto, os superávits da Alemanha e da Holanda foram compensados por déficits em outros lugares. Os da Espanha foram os mais importantes: o déficit do seu setor privado alimentado por bolhas foi de 12,3% do PIB em 2007 e seu déficit em conta corrente, 10,1%. Mas Grécia, Irlanda e Portugal também tiveram vastos déficits em conta corrente e no setor privado.
Entre 2007 e 2009, os saldos dos setores privados dos países com bolhas deverão oscilar dramaticamente na direção de superávit, em 15,8% do PIB na Irlanda e em 14% na Espanha. Nos dois países, a principal compensação será uma enorme deterioração nas posições fiscais, mas os saldos externos também deverão melhorar, em 3,6% e 3,2% do PIB, respectivamente. O saldo do setor privado no Reino Unido também deverá melhorar em 8,9% do PIB, compensado pela enorme deterioração na posição fiscal. Nos EUA, o saldo do setor privado deverá se mover de um déficit de 2,4% do PIB para um superávit de 8,6% ao longo dos dois anos, numa oscilação de 11% do PIB.
Em suma, nas economias pós-bolha o setor privado deverá gastar menos este ano, em relação à receita, ante dois anos atrás. O impacto sobre os países superavitários que dependem de exportação de manufaturados tem sido arrasador. Na Alemanha, o saldo do setor privado permanecerá praticamente inalterado, mas, na condição de economia dependente de exportações, ela será gravemente afetada pelas quedas nos gastos em outros lugares.
O impacto da crise sobre a Europa Central e Oriental também é impressionante. De acordo com o mais recente Panorama Econômico Mundial, os fluxos de capital que migram para a Europa emergente cairão de 9,5% do PIB em 2007 para -0,7% neste ano. Esta oscilação forçará a ocorrência de enormes quedas nos déficits externos e recessões muito grandes. Os Estados bálticos são extraordinários: reduções nos déficits em conta corrente projetados pela Comissão de 21% do PIB para a Letônia, 17% para a Estônia e 13% para a Lituânia entre 2007 e 2009. Na Letônia, o saldo do setor privado deverá oscilar em 32% do PIB em dois anos. Não admira que a Comissão projete que o PIB poderá encolher em 13% na Letônia, 11% na Lituânia e 10% na Estônia em 2009.
O setor bancário da Europa também está seriamente danificado. De acordo com o mais recente Relatório sobre a Estabilidade Financeira Global do Fundo Monetário Internacional (FMI), as estimativas de depreciações sobre os ativos dos bancos em 2009 e 2010 são de US$ 750 bilhões na zona do euro e US$ 200 bilhões no Reino Unido, contra apenas US$ 550 bilhões nos EUA. Além disso, o capital necessário para reduzir a alavancagem dos bancos na zona do euro para um fator de 25 para 1 seria de US$ 375 bilhões, e dos bancos do Reino Unido US$ 125 bilhões, contra US$ 275 bilhões para os bancos dos EUA. Os bancos ocidentais também estão pesadamente expostos na Europa Central e Oriental: conforme observa a Comissão, "bancos dos 'antigos' Estados-membros respondem por cerca de € 950 bilhões em créditos externos nos 'novos' Estados-membros e demais mercados emergentes europeus, representando no conjunto cerca de 82% do total de créditos externos. Em termos absolutos, a maior exposição é de bancos da Áustria, Alemanha, Itália e França".
Os detalhes podem parecer complexos. Mas o ponto fundamental não é: a economia europeia obteve uma ilusão de vigor a partir dos gastos insustentáveis nos países periféricos nas regiões ocidental, sul e oriental. Todas as bolhas de preços de ativos, crescimento de crédito e expansões nos investimentos que caracterizaram este gasto desmoronaram, ao mesmo tempo em que uma bolha ainda mais importante estourou nos EUA. O momento, naturalmente, não é uma coincidência. O colapso destruiu a atividade nos países dependentes de exportações, dentre os quais a Alemanha é o mais importante. Além disso, como resultado de mau gerenciamento de risco, muitos bancos europeus também foram duramente prejudicados.
A questão é saber se a economia europeia pode ter esperanças de retornar ao vigor por meio de uma recuperação normal liderada pelo setor privado. Infelizmente, nas economias pós-bolha tal recuperação é improvável: teríamos de esperar que se acumulassem ainda mais dívidas sobre os já extremamente endividados.
Isso deixa duas questões europeias: uma provável, mas indesejável, e a segunda, improvável, mas desejável. A resposta provável é que a demanda será impulsionada por expansões fiscais insustentáveis nas economias pós-bolha. A resposta improvável é que a demanda privada se acelerará em economias solventes, particularmente na Alemanha. Na ausência de alguma delas, a Europa esperará que os EUA voltem a gastar, até o país retornar ao vigor (temporário). É um quadro triste, independentemente do que possam aparentar "os brotos verdes".
Martin Wolf é colunista do "Financial Times".


A desintegração do sistema financeiro é, provavelmente, pior do que foi na Grande Depressão
Os "brotos verdes" da recuperação
Martin Wolf
22/04/2009
Os governos dos países ricos promoveram a mais extensa socialização de risco de mercado na história mundial
A primavera chegou e os formuladores de política enxergam "brotos verdes". O assessor econômico de Barack Obama, Lawrence Summers, diz que a "sensação de queda livre" na economia dos EUA deverá chegar ao fim em poucos anos. O próprio presidente avista "raios de esperança". Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (ou Fed, banco central dos EUA) disse na semana passada que "recentemente observamos sinais hesitantes de que o declínio acentuado na atividade econômica pode estar se desacelerando, como, por exemplo, nos dados sobre vendas de casas, da construção civil e dos gastos dos consumidores, incluindo vendas de veículos novos motorizados".
Terá o pior ficado para trás? Resumindo em uma palavra, não. A taxa de queda no nível da atividade econômica está se desacelerando. É cedo demais até mesmo para estarmos seguros a respeito de uma virada, quanto mais sobre um retorno ao crescimento acelerado. Mais remota ainda é a eliminação da capacidade ociosa. O mais remoto de todos é um fim à desalavancagem. A complacência é arriscada. Estes ainda são os primórdios.
Conforme observou a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) no seu recente Panorama Econômico Interno, "a economia mundial está no meio da sua mais profunda e mais sincronizada recessão dos nossos tempos, causada por uma crise financeira global e agravada por um colapso no comércio global". Na região da OCDE como um todo, estima-se que a produção terá contração de 4,3% neste ano e de 0,1% em 2010, com a taxa de desemprego subindo para 9,9% da força de trabalho no próximo ano. Até o fim de 2010, o "descompasso de produção" - uma medida da capacidade ociosa - deverá atingir 8%, o dobro do tamanho da recessão do início da década de 1980. Nos EUA, a taxa de queda da produção industrial se assemelha à da Grande Depressão. A produção fabril do Japão já caiu quase na mesma proporção dos EUA durante a década de 1930. A desintegração do sistema financeiro é, provavelmente, pior do que foi então.
Se o mundo experimentar uma "Grande Recessão" em vez de uma "Grande Depressão", a magnitude do apoio político será a explicação. Três dos bancos centrais mais importantes do mundo - o Federal Reserve, o Banco do Japão e o Banco da Inglaterra - praticam taxas oficiais próximas a zero e adotaram políticas não convencionais. A projeção do déficit fiscal real da zona da OCDE está em 8,7% do PIB para o próximo ano, com um déficit estrutural de 5,2%. Nos EUA, os números correspondentes são 11,9% e 8,2%. Os governos dos países ricos também colocaram suas robustas classificações de crédito à disposição dos seus mal comportados sistemas financeiros, na mais extensa socialização de risco de mercado na história mundial.
Seria impossível que tal ativismo não surtisse nenhum efeito. Realmente podemos ver uma normalização parcial dos mercados financeiros, com uma notável redução nos spreads entre ativos mais arriscados e menos arriscados. O índice FTSE All-World deu um salto, em alta de 24%, assim como o S&P 500, que subiu 23%, desde 09 de março de 2009. Os índices dos gerentes de compras estão se recuperando.
De forma mais ampla, a probabilidade de uma virada na produção é alta: grandes quedas na demanda geram acúmulo de estoques e colapsos na produção. Estes certamente serão revertidos. O crescimento da China também está se recuperando. Podemos dizer com alguma segurança que o sistema financeiro está se estabilizando e que a taxa de queda na demanda está se desacelerando. Sua característica saliente é a incerteza.
Consideremos os perigos óbvios: dada a capacidade ociosa, persiste um risco de deflação com resultados potencialmente desastrosos para tomadores de empréstimos excessivamente endividados; dado o desemprego crescente e as enormes perdas de riqueza, as famílias endividadas nos países com baixos índices de poupança podem elevar as suas taxas de poupança a níveis excepcionais; dado o colapso na demanda e nos lucros, as reduções nos investimentos podem ser excepcionalmente prolongadas e severas; dados os enormes e persistentes déficits fiscais e os endividamentos ascendentes, a aversão ao risco poderá levar a taxas de juros mais altas incidentes sobre empréstimos do governo; e, dada a aversão a tomadores de empréstimos mais arriscados, várias economias emergentes poderão se ver numa espiral viciosa decrescente de ingressos de capital minguantes, produção em queda e reduções na qualidade dos ativos.
Em suma, conforme observaram Stephen King e Stuart Green do HSBC, a dinâmica excepcional da crise denota um pessimismo saudável em torno do momento oportuno e da velocidade da recuperação. O que mais preocupa, além disso, é a magnitude da ação política exigida para deter essa espiral decrescente. Isso suscita uma pergunta importante: como e quando o mundo poderá retornar à normalidade, com posições fiscais sustentáveis, taxas de juros oficiais de curto prazo solidamente positivas e sistemas financeiros solventes? Que o Japão não tenha conseguido atingir isso ao longo de 20 anos é certamente aterrador. O que me parece mais preocupante é a hesitação em admitir a natureza do desafio. Na sua recomendação de plano de ação, até o OCDE parece crer que a crise atual é, em grande parte, uma crise financeira, que pode ser superada num espaço de tempo relativamente curto. Até esta última afirmação parece ser cada vez mais implausível: no seu mais recente Relatório sobre a Estabilidade Financeira Global, o FMI agora estima as perdas totais do setor financeiro em US$ 4,1 trilhões. A próxima estimativa provavelmente será mais alta.
Acima de tudo, a própria crise é sintoma de um desajuste de balanço patrimonial. Este, por sua vez, é parcialmente uma consequência dos desequilíbrios estruturais em conta corrente. Portanto, nem o estímulo macroeconômico de curto prazo ou a reestruturação dos balanços patrimoniais das instituições financeiras poderão gerar crescimento global robusto e sustentado. Consideremos o exemplo notável dos EUA, sobre cujas demandas finais tanto tem dependido por tanto tempo. O endividamento total do setor privado cresceu de 112% do PIB em 1976 para 295% do PIB no fim de 2008. O setor financeiro por si só deu um salto, indo de 16% do PIB para 121% do PIB ao longo deste período. Quanto de redução ocorreu nessas medidas de alavancagem no ano de crise de 2008? Nenhuma. Pelo contrário, a alavancagem aumentou mais ainda.
O perigo é que uma recuperação, mesmo superficial, convença o mundo de que as coisas em breve voltarão a ser como eram antes. Não serão. Ela simplesmente demonstrará que o colapso não dura para sempre uma vez que estímulo substancial é aplicado. A verdade brutal é que o sistema financeiro está longe de ser robusto, a desalavancagem dos setores privados de países altamente endividados não começou, o necessário reequilíbrio da demanda global praticamente nem começou e, por todos esses motivos, um retorno ao crescimento sustentado, liderado pelo setor privado, provavelmente continua muito distante no futuro.
A economia mundial não pode voltar para o lugar em que estava antes da crise, pois isso foi comprovadamente insustentável. Ela está nas etapas iniciais de uma longa e penosa desalavancagem e reestruturação. Felizmente, os formuladores de política eliminaram os piores efeitos possíveis. Resta muito mais a fazer, porém, até os brotos frágeis se tornarem plantas saudáveis.
Martin Wolf é colunista do "Financial Times".



Central banks must target more than just inflation
By Martin Wolf
Published: May 6 2009 03:00
Did inflation targeting fail? Central banks have mostly escaped blame for the crisis. Do they deserve to do so? ... ... .... ... .... ... ... .... .... .... ..... ...... ..... ..... ......


Economia: A crise reacende o debate sobre modos de fazer política monetária, com ou sem atuação dos bancos centrais sobre ativos e adoção de regras universais para controle de risco
Hora de rever metas?
Por João Carlos de Oliveira, para o Valor, de São Paulo
15/05/2009
Leo Pinheiro/Valor
Werlang concorda com a ideia de que se deve aperfeiçoar o sistema de metas: bancos centrais já têm informações suficientes para reagir quando ativos saem dos eixos
Um dos pais do sistema de metas de inflação no Brasil acha que chegou a hora de aperfeiçoá-lo. Sérgio Werlang, que foi, na época, o diretor do Banco Central responsável pela implantação do sistema, concorda com a ideia defendida por Martin Wolf, o principal colunista do "Financial Times", de que as variações dos preços dos ativos financeiros devem ser incorporadas ao modelo de monitoramento que orienta a ação de política monetária dos bancos centrais.
Em seu artigo, que recebeu o título de "BCs precisam mais do que inflação como meta", um Wolf desapontado - por que era um entusiasta do sistema que ele acreditava ser uma espécie de Santo Graal - começa se perguntando se o sistema fracassou e conclui que sim, já que o mundo vive a recessão mais profunda desde a década de 1930, o sistema financeiro nos países centrais está em frangalhos e há o perigo de deflação.
No fim do texto, Wolf propõe o que chamou de um sistema de "metas inflacionárias plus", no qual é incorporado ao modelo o monitoramento do ritmo e intensidade da elevação dos preços dos ativos financeiros.
Wolf argumenta que, "quando o valor nominal dos ativos e os estoques de crédito associados ficam fora de sintonia com a renda nominal e os preços das mercadorias e serviços, é provável que venha a acontecer uma de duas coisas: o desmoronamento do preço dos ativos, o que traz a ameaça de falências em massa, depressão e deflação; ou os preços das mercadorias e serviços são puxados para cima, até um um nível consistente com os preços altos dos ativos, o que traz inflação". Portanto, conclui, quaisquer que sejam as consequências, é bastante razoável que, dados os riscos envolvidos, os bancos centrais tenham que monitorar os preços dos ativos. O colunista do FT vai além. Para ele, os fatos mais do que comprovam que estava miseravelmente equivocada a visão do Fed "de que é melhor lidar com as consequências de uma bolha do que furá-la antecipadamente".
Em decorrência, Wolf acredita que, depois da crise, os bancos centrais devem combinar o que ele chamou de "ir contra o vento" (uma política econômica que vá contra a tendência do mercado), sempre que os preços dos ativos subirem rapidamente para níveis excepcionalmente altos, junto com uma abordagem anticíclica "macroprudente" para as exigências de capital em instituições financeiras.
Bloomberg
Wolf: Bancos centrais devem "ir contra o vento", com uma abordagem anticíclica prudencial
Na prática, como descreve Werlang, diretor do Itaú Unibanco, o sistema "plus" funcionaria do seguinte modo: independentemente do comportamento da inflação, se os preços dos ativos financeiros tiverem subido muito e rapidamente, formando o que se chama de uma bolha, o Banco Central deveria elevar as taxas de juros.
A ideia é, com juros mais altos, tentar evitar que sejam criadas as circunstâncias que redundam, depois de terminada a euforia especulativa, em um processo de deflação dos ativos financeiros que empurra a economia para um abismo recessivo, como hoje se assiste no mundo.
Werlang afirma que o debate sobre o assunto não é novo. "Na academia, ocorre faz oito ou nove anos." Contudo, ele acredita que, nos últimos tempos, os bancos centrais vivenciaram e colheram dados suficientes sobre bolhas, como a da internet ou as imobiliárias e as que ocorreram no Japão, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Esses dados devem servir, agora, para que se incorpore ao sistema de metas um modelo que sirva de guia para a intervenção dos bancos centrais no caso de os preços dos ativos financeiros subirem de maneira excessiva e em pouco tempo - ou seja, quando se formarem bolhas.
Não é o caso, alerta Werlang, de se criar um indicador único, somando os demais preços da economia e os preços dos ativos financeiros. "Esses preços (dos ativos) não têm a ver com consumo."
Apesar da concordância de Werlang, a proposta de Wolf não é consensual. Ao contrário. Por aqui, no Brasil, suas críticas foram recebidas com desconfiança.
Octavio de Barros, diretor de estudos econômicos do Bradesco, afirma, por exemplo, que não faz "o menor sentido achar que, com o simples controle dos agregados monetários, a crise atual teria sido diferente".
Marcelo Salomon, economista do Itaú Unibanco, diz considerar que os juros baixos praticados pelos bancos centrais dos países desenvolvidos podem ter contribuído para que a crise eclodisse, mas, ao contrário de Wolf , ele considera que o "x" da questão não está nos juros, mas na falta de uma regulação eficaz.
Neste aspecto, Salomon se aproxima de Barros, que vê com simpatia a tese de Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve, "ventilada em São Paulo, em uma reunião reservada com economistas no último trimestre do ano passado, da necessidade de um 'macroregulador prudencial' atuando nos bancos centrais de todos os países, com muita troca de informações entre eles". Em resumo, uma espécie de xerifão global ajudaria a costurar regras e padrões universais de controle de risco.
Salomon diz acreditar que este, possivelmente, será o desenho que deve prevalecer depois da crise: banco centrais que usam o sistema de metas, de um lado, e um sistema financeiro fortemente regulado, de outro. Ele argumenta que este já é o caso do Brasil, que, como se sabe, é um dos países que está em melhor situação para enfrentar esta grave crise.
Barros lembra de outro aspecto da questão regulatória, que tem a ver não exatamente com os preços dos ativos, mas com crescimento saudável ou não da oferta de crédito. "Há quem defenda que as provisões e as exigências de capital dos bancos sejam maiores, na razão direta do grau de alavancagem das instituições. A Espanha segue um pouco essa linha."
No modelo proposto por Bernanke, segundo Barros, o banco central segue as metas de inflação com o equipamento atual, mas acompanhando também o preço dos ativos de forma prudencial. "Certamente, é para essa direção que caminhamos, o banqueiro central com a responsabilidade de compatibilizar e harmonizar o exitoso regime de metas com um monitoramento prudencial dos ativos", salienta.
Dito de outra forma, o debate parece ser, ao menos na superfície, entre os que preferem combater os excessos - e não há quem os negue - com regulação e os que, além disso, não dispensam o uso da política de juros, como Werlang.
Também não é o caso, porém, conforme Werlang, de se criar uma modelo estático, como se para fazer uma boa política monetária bastasse colocar os dados, rodar o sistema em um computador e aplicar o resultado. Não é assim.
Mas, convém lembrar, a ideia de que o sistema de metas é sufocantemente rígido é uma das críticas mais costumeiras nestes dez anos em que ele vigora no país.
Em 1999, depois de o governo de Fernando Henrique Cardoso ter alterado o regime cambial (o câmbio passou a ser flutuante), o Banco Central, então comandado por Armínio Fraga, decidiu ancorar a política monetária em um sistema de metas de inflação. O tripé macroeconômico se completou com uma política fiscal voltada para a geração de superávits primários. Esse arranjo permanece praticamente intocado até hoje.
Para comemorar o feito e os dez anos do sistema, o Banco Central promoveu, no Rio, na quinta e sexta-feira, o XI Seminário Anual de Metas, reunindo especialistas nacionais e internacionais. Um deles foi o economista Sérgio Werlang, a quem coube, como então diretor de política econômica do Banco Central, implantar o sistema.
Apesar das críticas ao sistema, especialmente sobre a condução das taxas de juros, considerada conservadora por alguns analistas e muitos políticos, o fato incontestável é que, nestes dez anos, o país avançou consideravelmente, ou, como prefere Barros, "o Brasil amadureceu macroeconomicamente, em larga medida, graças a essa construção institucional, ao regime de metas, que nos trouxe uma disciplina e uma educação econômica que nunca tivemos antes de sua implantação".
Talvez seja também esse êxito que faz com que as críticas de Wolf ao modelo tenham sido recebidas com muita desconfiança no Brasil. Aqui, certamente, há o que comemorar; lá, ali na janela de Wolf, só há, por enquanto, escombros.

Vivemos o desastre da política monetária e esta pode ser a última chance para uma moeda fiduciária
BCs precisam mais do que inflação como meta
Martin Wolf
06/05/2009
A crise atual é o desastre da política monetária; esta pode ser a última chance para uma moeda fiduciária
O sistema de metas de inflação fracassou? Os bancos centrais na maioria das vezes escaparam de levar a culpa pela crise. Eles merecem isso?
Há pouco mais de cinco anos, Ben Bernanke, agora presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) fez um discurso sobre a "Grande Moderação" - o declínio da volatilidade da inflação e da produção nas duas décadas anteriores. Enfatizou também o papel benéfico de uma política monetária aperfeiçoada. As autoridades monetárias sentiam-se orgulhosas. O orgulho precedeu a queda. Hoje, elas estão às voltas com a recessão mais profunda desde os anos 30, um sistema bancário que sobrevive graças ao apoio do governo e sob o perigo de deflação. Como pode ter dado tão errado?
Não é uma questão de pouca importância. Por quase 30 anos, acadêmicos e autoridades monetárias tornaram-se cada vez mais confiantes de que haviam encontrado, no sistema de metas inflacionárias, o Santo Graal da moeda fiduciária (o dinheiro decretado pelo governo, sem lastro). Foi uma longa jornada, passando pelo padrão ouro do Século XIX, por meio do restabelecimento do padrão de câmbio ouro, nos anos 20; o caos monetário, da década de 30; o sistema de taxas de câmbio ajustáveis de Bretton Woods, nos anos 50 e 60; o fim da conversibilidade do dólar em ouro, em 1971; e as metas de inflação, nas décadas de 70 e 80.
Frederic Mishkin, da Columbia University, ex-diretor do Fed e forte defensor das metas inflacionárias, argumentou, em livro publicado em 2007, que o sistema é uma "estratégia inclusiva de informações para a condução da política monetária". Em outras palavras, as metas de inflação admitem todas as variáveis relevantes - taxas de câmbio, preços das ações, preços residenciais e preços de bônus de longo prazo - por meio de seu impacto na atividade e na inflação esperada. Agora que estamos vivendo a implosão do sistema financeiro, esta visão não é mais plausível.
Tão desacreditada quanto ficou a visão correlacionada, também proposta pelo Fed, de que é melhor lidar com as consequências de uma bolha no preço dos ativos do que furá-la antecipadamente. O professor Mishkin escreveu que "é altamente pretensioso pensar que membros do governo, mesmo que sejam autoridades monetárias, sabem melhor do que os mercados privados que preço os ativos devem ter". Hoje, poucos se importariam com tal presunção, visto o custo da crise financeira que se segue a bolhas nos preços dos ativos acompanhadas de grandes expansões no crédito privado.
A complacência sobre a Grande Moderação levou primeiro a uma Grande Desmontagem e, depois, a uma Grande Recessão. O setor privado foi complacente em relação ao risco. As autoridades monetárias, no entanto, também o foram.
Que papel foi desempenhado pela política monetária, então? Posso identificar três críticas relacionadas aos BCs.
Primeira, John Taylor, da Stanford University, ex-membro do governo Bush, argumenta que o Fed perdeu-se do caminho ao manter as taxas de juros demasiado baixas no início da década de 2000, ignorando, portanto, a regra de Taylor, que leva seu nome e relaciona as taxas de juros à inflação e produção. Isto provocou a onda de expansão imobiliária e o subsequente estouro destrutivo da bolha.
O professor Taylor tem outro argumento: ao reduzir tanto os juros, o Fed também fez com que as taxas oferecidas por outros bancos centrais ficassem baixas demais gerando, portanto, bolhas em uma grande parte do mundo. Olhando de forma retrospectiva, por exemplo, a autonomia do Banco da Inglaterra era muito menor do que a maioria imaginava: quanto maior a diferença com os juros dos EUA, mais "dinheiro quente" (como são chamados os investimentos especulativos de curto prazo) entrava. A situação induziu a uma redução dos padrões para a concessão de créditos e, logo, a uma bolha de crédito.
Segunda, vários críticos argumentam que os bancos centrais precisam ter metas de preços de ativos por causa dos imensos danos que podem ser provocados pelo seu desmoronamento. Como destaca Andrew Smithers, da Smithers & Co, de Londres, em recente informe ("Inflation: Neither Inevitable Nor Helpful", 30 de abril de 2009, "Inflação: nem inevitável, nem útil", em inglês), "ao permitir bolhas de ativos, os bancos centrais perderam o controle de suas economias, de forma que os riscos tanto de inflação como de deflação aumentaram".
Portanto, quando o valor nominal dos ativos e os estoques de crédito associados ficam fora de sintonia com a renda nominal e os preços das mercadorias e serviços, é provável que venha a acontecer uma das duas coisas: o desmoronamento do preço dos ativos, o que traz a ameaça de falências em massa, depressão e deflação; ou os preços das mercadorias e serviços serem puxados para cima, num um nível consistente com preços altos de ativos, o que traz inflação. No curto prazo, os bancos centrais também se encontram inclinados a políticas monetárias anticonvencionais que têm efeitos monetários imprevisíveis.
Por fim, os economistas da tradição "austríaca" argumentam que o erro foi colocar as taxas de juros abaixo da "taxa natural". Isto, argumentou Friedrich Hayek, também ocorreu nos anos 20. O resultado é uma má alocação de recursos. Também gera o crescimento explosivo de créditos pouco saudáveis. Então, em maus momentos econômicos - como argumentou o economista americano Irving Fisher em seu texto "Debt-Deflation Theory of Great Depressions" (teoria da dívida-deflação das grandes depressões, em inglês), publicado em 1933 - começará a ocorrer a deflação dos balanços patrimoniais, amplamente agravada pela queda nos preços e encolhimento da renda.
Seja qual for a crítica que se aceitar, parece claro, retrospectivamente, que a política monetária foi muito solta. Como resultado, agora nos deparamos com dois desafios: limpar a bagunça e elaborar uma nova abordagem de política monetária.
Para limpar a bagunça, temos três alternativas: liquidação, inflação ou crescimento. Uma política de liquidação ocorreria via falências em massa e o colapso de grande parte do crédito existente. É uma escolha insana. Uma política deliberada de inflação reacenderia as expectativas inflacionárias e levaria, inevitavelmente, a outra recessão, para poder restabelecer a estabilidade monetária. Isto nos deixa apenas com o crescimento. É essencial sustentar a demanda e voltar a crescer sem alimentar outra bolha de crédito. Será difícil. É exatamente por isso que, em primeiro lugar, não deveríamos ter caído neste atoleiro.
Quanto a uma nova abordagem de política monetária, a escolha, no curto prazo, certamente será um sistema de "metas inflacionárias plus". A abordagem de "gerenciamento de risco" do Fed, que acabou dando uma resposta desnecessariamente assimétrica a choques econômicos negativos, deverá ficar "em baixa". "Ir contra o vento" (uma política econômica que vá contra a tendência do mercado) sempre que os preços dos ativos subirem rapidamente para níveis excepcionalmente altos, junto com uma abordagem anticíclica "macroprudente" para as exigências de capital em instituições financeiras sistemicamente significativas deverá ficar "em alta".
Esta crise imprevista é certamente um desastre para a política monetária. A maioria de nós - eu era um - pensava que tínhamos, enfim, encontrado o Santo Graal. Agora sabemos que era uma miragem. Esta pode ser a última chance para a moeda fiduciária. Se não for elaborada para que funcione melhor do que vem funcionando, quem sabe o que nossos filhos poderão decidir? Talvez, em desespero, até abracem o que eu ainda considero como sendo o absurdo do ouro.
Martin Wolf é colunista do "Financial Times".
ARTIGO
Dez anos de metas para a inflação
Foi o suposto conservadorismo do Copom que abriu espaço para ações que contribuirão para a recuperação da economia
MÁRIO MESQUITAESPECIAL PARA A FOLHA
O regime de metas para a inflação foi formalmente adotado pelo Brasil em junho de 1999. A despeito de enfrentar considerável ceticismo em Washington e em Wall Street, que, na época, pareciam ter mais simpatia pelo regime de conversibilidade argentino, e também no país, o regime tem sido bem--sucedido e está consolidado.
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Artigo: O sistema merece avaliação positiva, depois de passar pelo maior teste de estresse já registrado em todo o mundo
DEZ ANOS DE METAS DE INFLAÇÃO
Por Arminio Fraga Neto, para o Valor
22/05/2009
A lei 4.595, de 31/12/1964, rege a vida monetária e financeira do Brasil. Seu artigo 3º - II comanda que o Banco Central deve "regular o valor interno da moeda, para tanto prevenindo ou corrigindo os surtos inflacionários ou deflacionários de origem interna ou externa, as depressões econômicas e outros desequilíbrios oriundos de fenômenos conjunturais". Apesar dessa clara e bem redigida instrução, a mera observação dos índices de inflação acumulados ao longo dos anos nos obriga a concluir que a lei 4.595 não foi cumprida. Como bem nos lembra Roberto Campos em suas memórias, "no Brasil há leis que 'pegam' e leis que 'não pegam'. A que criou o Banco Central não pegou. É que o Banco Central, criado independente, tornou-se depois subserviente. De austero xerife passou a devasso emissor" ("A Lanterna na Popa", Topbooks, 1994).
O descontrole inflacionário atingiu seu apogeu nos anos 1980 e no início dos 90, tendo em mais de um momento chegado às raias da hiperinflação. Várias tentativas heterodoxas de estabilização fracassaram até que, finalmente, em 1994 o Plano Real conseguiu derrotar a inflação com uma combinação de austeridade monetária (predominantemente, uma âncora cambial) e desindexação (através da brilhante URV). O resultado foi extraordinário e teve apoio maciço da população. No entanto, passados apenas alguns anos, em 1998 a âncora cambial se viu ameaçada por uma conjuntura global adversa e por uma política fiscal frágil. Embora o governo tenha anunciado um importante ajuste fiscal antes das eleições presidenciais, não foi possível resistir à pressão sobre a taxa de câmbio. No início de 1999, o real foi forçado pelo mercado a flutuar, e as expectativas de inflação se desancoraram.
Foi nesse contexto que surgiu a ideia de se adotar um sistema de metas para a inflação, seguindo o exemplo de paises como o Reino Unido, a Suécia e a Nova Zelândia. A adoção do sistema foi fruto de um processo de exclusão de alternativas, tais como uma volta ao câmbio fixo ou administrado (que nunca durou muito), a criação de uma caixa de conversão como a da Argentina (um rígido "currency board"), a introdução de metas monetárias (notoriamente instáveis) ou a simples condução da política monetária sem meta explícita para a inflação.
A opção pelo sistema de metas para a inflação em momento de crise e incerteza refletiu uma enorme preocupação com o risco de perda de controle sobre as expectativas de inflação. Num país com nossa história de inflação, tal descontrole traria consigo a ameaça da reindexação e o pesadelo do retorno à instabilidade que existia antes do Plano Real. A explicitação de metas nos pareceu um bom caminho para comprometer as ações de governo com seus objetivos de médio e longo prazos e, em caso de sucesso, começar a acumular um precioso capital de credibilidade.
Apesar dessa avaliação, a adoção imediata do sistema em sua versão formal final nos pareceu muito arriscada. O balanço de pagamentos vivia naquele momento um clima de pânico, e a dispersão das expectativas de inflação era enorme. Se a meta escolhida se mostrasse rapidamente muito ambiciosa, correríamos o risco de errar o alvo por muito, desmoralizando o novo modelo. Na outra direção, se a meta inicial fosse muito folgada, estaríamos, quase que por definição, abrindo mão de um retorno rápido a níveis aceitáveis.
Nossa solução para esse dilema foi introduzir o sistema de forma gradual. Anunciamos que trabalharíamos para trazer a inflação para uma taxa anualizada de um dígito no último trimestre de 1999. Para sinalizar firme compromisso com o controle da inflação, elevamos a taxa de juros em 6 pontos percentuais, para 45%, uma medida bastante antipática na época. Com certo otimismo, anunciamos a introdução de um viés de baixa na taxa de juros, procedimento que permitiria a redução da taxa de juros entre reuniões do Copom sem a convocação de uma reunião extraordinária.
Para estabilizar o mercado de câmbio, renegociamos o acordo com o FMI, de forma a reduzir as necessidades de financiamento do balanço de pagamentos nos meses seguintes. Esse financiamento oficial foi explicitado no acordo com o Fundo através da fixação de um piso para as reservas internacionais que sinalizasse que teríamos espaço para vender reservas se necessário (na época, uma inovação). Por último, fizemos um "roadshow" nas principais praças bancárias do mundo para mostrar nossa resposta de política econômica e, em particular, para evidenciar que, com hipóteses modestas de rolagem de linhas de comércio e interbancárias, o balanço de pagamentos fecharia.
Foram momentos de alta tensão, mas logo ficou claro que a situação tendia a se estabilizar. Após o aumento da taxa de juros, as taxas mais longas cairam e a taxa de câmbio se estabilizou. Nosso alívio foi enorme. Olhando para trás, ficou claro que o problema era quase que de livro-texto: a política fiscal era insustentável, assim como era também a taxa de câmbio, especialmente dadas as circunstâncias difíceis do momento (crises da Rússia e do LTCM). Com o compromisso (e a prática) de austeridade fiscal e a flutuação cambial, só faltava uma nova âncora nominal: o sistema de metas de inflação.
Ao longo dos meses seguintes, as expectativas de inflação se estabilizaram o suficiente para o lançamento formal das metas em junho, conforme havia sido anunciado. Logo ficou claro que não seria possível, na partida, construir todas as condições então tidas como necessárias para tal. Resolvemos ir adiante, assim mesmo, partindo do pressuposto de que, no que realmente importava, tínhamos, sim, as bases para dar a partida com razoáveis chances de sucesso.
Em primeiro lugar, havia um compromisso do governo como um todo com o objetivo de se recuperar o controle da inflação de maneira crível e permanente. Em particular, o ajuste fiscal prometido antes das eleições vinha de fato ocorrendo. Como bem sabemos, não há possibilidade de um regime monetário ter sucesso sem o amparo de um regime fiscal responsável e sustentável. Sem a Lei de Responsabilidade Fiscal o regime de metas para a inflação provavelmente não teria sobrevivido até hoje. Além disso, as metas foram definidas pelo governo, e não pelo Banco Central, o que reforçava o compromisso com o objetivo.
Em segundo lugar, entendíamos que, no fundo, o sistema exigia apenas que o Banco Central perseguisse de forma transparente a meta determinada pelo governo, fazendo uso de toda informação disponível, obtida tanto com as análises qualitativas e modelos internos quanto com aquelas fornecidas pelo sempre entusiasmado debate público. Este último ponto merece algum destaque: na medida em que o Banco Central explicasse com clareza suas decisões, a crítica pública teria elementos para responder à altura com correções e sugestões. Na prática, esse mecanismo de "feedback" em muito tem contribuido para a qualidade da condução da política monetária.
Finalmente, na ausência de arcabouço legal mais sólido, o governo criou formalmente o sistema através de decreto, indicando que as metas deveriam ser de médio prazo e definidas com dois anos de antecedência. Ao Banco Central caberia a tarefa de persegui-las (o que insinuava estar lhe sendo delegada autonomia operacional).
E assim foi: durante toda minha passagem pela presidência do Banco Central, em momento algum fui pressionado por qualquer autoridade a acomodar eventuais pressões políticas, mesmo nos momentos mais difíceis (que foram abundantes nos dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso). Olhando para trás, me dei conta, inclusive, de que o presidente da República nunca agradeceu ou elogiou um corte de juros, com certeza para não me passar uma impressão de desagrado ao não comentar um aumento.
Durante a fase inicial do sistema, definiu-se uma trajetória descendente de metas, de forma a reconduzir a inflação para o nível desejado. Naquele momento, imaginávamos que tal nível seria, numa primeira etapa, algo como 3-4% (inspirados na experiência chilena), e que com o tempo caminharíamos para uma taxa próxima à média mundial. Portanto, em seus primeiros anos as metas tiveram o duplo papel de âncora para a inflação e mecanismo de combate à inflação, através da coordenação de expectativas. Tal papel duplo voltou a se repetir quando da bem- sucedida administração dos efeitos da crise de confiança que nos assolou na transição de 2002-2003.
Em geral, em momentos de crise, o sistema de metas tem se mostrado bastante eficaz. Podemos dizer que, até estes dias, a experiência brasileira representa o maior teste de estresse de um sistema de metas para a inflação já registrado. Em diversos momentos difíceis o Banco Central tem podido agir de acordo com a prática hoje universalmente aceita de acomodar desvios temporários da meta, com o objetivo de suavizar as flutuações no nível de atividade da economia. Este delicado equilíbrio de objetivos depende crucialmente da credibilidade do sistema, que, entre uma crise e outra, vem se consolidando adequadamente desde sua implantação.
Atrevo-me, portanto, a concluir, espero que não muito influenciado pela emoção da paternidade, que o sistema de metas de inflação merece uma avaliação positiva ao completar seu décimo aniversário. Neste espírito construtivo e esperançoso, passo a tecer algumas considerações sobre o futuro do regime macroeconômico brasileiro. Começo com aspectos do sistema de metas e termino com temas mais amplos.
O Copom tem mantido um bom padrão de transparência ao longo dos anos. Suas atas e relatórios de inflação são excelentes fontes de informação, especialmente no aspecto qualitativo, área em que o Banco Central desenvolve há muitos anos um trabalho extremamente minucioso e bem feito. Do lado quantitativo, não há muita informação disponível a respeito dos modelos (plural, pois não se trata de um modelo único) que o Copom usa.
A modelagem da economia é tarefa útil, mas complexa, que evolui com o tempo e está sempre sujeita a erro. Num dado momento, questões ligadas à taxa de câmbio podem dominar, como quando do lançamento do sistema de metas. Em outros momentos, questões relativas ao mercado de crédito podem ser mais importantes, como atualmente. Em função disso, não há uma fórmula matemática que chega à melhor projeção de inflação e nível de atividade a partir da qual o Copom toma sua decisão. O Copom procura a cada momento integrar suas avaliações qualitativas e quantitativas, em processo iterativo menos formal do que se imagina, mas não menos eficaz.
Mas a percepção da opinião pública quanto ao funcionamento do Copom parece ser de que o Banco Central tem, sim, um modelo macroeconométrico secreto, que gera as previsões, que por sua vez dominam as decisões de política monetária. Este é um problema sério de comunicação, de difícil solução, dado que a esmagadora maioria dos críticos do sistema de metas aparentemente não se dá ao trabalho de ler as atas e os relatórios. Assim mesmo, um pouco mais de transparência no que tange aos modelos que são utilizados e sua integração com as informações qualitativas seriam úteis e reforçariam a credibilidade e a legitimidade do processo.
Ainda no campo da transparência, desde o início do sistema de metas o Copom procurou deixar claro que perseguia o centro da meta, e que o intervalo de flutuação servia para suavizar a evolução do nível de atividade quando houvesse desvios (por conta de choques). No caso de desvios causados por choques de oferta, o Copom procurava identificar se eram permanentes ou temporários, quantificá-los, e corrigir seus efeitos sobre a inflação em ritmo proporcional a seu tamanho. Nesse campo, questões importantes incluiam a trajetória pré-determinada (mas endógena) dos preços administrados e os repasses de variações cambiais. Com o tempo, o Copom passou a dar menos transparência a essa prática, concentrando-se em reagir a desvios da meta sem explicitar no detalhe seu entendimento da natureza dos choques.
Outro tema relevante para o futuro do regime monetário brasileiro diz respeito às elevadas taxas de juros que têm prevalecido desde o Plano Real. Trata-se, sem dúvida, da maior aberração econômica que se tem observado por estas bandas desde a fase da hiperinflação e das moratórias. O tema é fascinante, e se presta a argumentos acalorados, que quase sempre depositam no Banco Central a culpa pelo problema. As taxas de juros podem ser decompostas em uma componente básica (a Selic ou o CDI) e um adicional (o chamado "spread") que, embora enorme e de grande relevância, merece uma discussão mais minuciosa, que escapa ao tema deste artigo.
Há dez anos, minha expectativa com relação à taxa de juros básica no Brasil era de que, com a implantação do tripé composto por responsabilidade fiscal, metas para inflação e câmbio flutuante, haveria uma convergência em direção aos patamares praticados em paises semelhantes. De fato, não muito tempo após a adoção do tripé, a taxa de juros real caiu para um patamar próximo a 10% reais, mais ou menos a metade do que prevalecia antes da mudança de regime.
Com as crises de 2001 a 2003, a trajetória de queda foi interrompida. A partir da superação da crise de 2002/3, a economia entrou em ritmo acelerado de crescimento, sustentado pelo "boom" global e por uma rápida expansão do crédito doméstico. Superada uma fase de aquecimento que exigiu a manutenção de juros elevados em 2004/5, a taxa de juros real entrou outra vez em trajetória de queda, tendo no ciclo mais recente atingido um patamar médio de 8-9%. Durante esse período, o principal obstáculo a uma queda maior dos juros foi o crescimento acelerado da demanda interna, do crédito e dos gastos públicos.
Mais recentemente, com a crise global e a forte desaceleração da economia e do crédito, as expectativas de inflação cairam bastante e o Banco Central iniciou uma nova rodada de reduções da Selic. As taxas embutidas na curva da taxa de juros apontam para uma redução da taxa nominal para um dígito e da taxa real para menos de 6%. Acredito que, se houver prudência na condução das políticas fiscal e creditícia, o Brasil poderá ver, pela primeira vez em décadas, taxas de juros mais próximas da média internacional.
Nestes dez anos do sistema, a inflação ficou, na média, acima das metas determinadas pelo governo. Não cabe, portanto, dizer que o Banco Central foi excessivamente rigoroso ao perseguir seu mandato. Vale notar também que, no período mais recente, em que por cerca de quatro anos a inflação oscilou em torno da meta de 4,5%, a taxa de juros real vem exibindo certa tendência de queda, embora se mantenha ainda elevada.
A consolidação de patamares normais para a taxa de juros terá mais chances de sobreviver à próxima fase de ascensão do ciclo econômico, e se tornará mais sustentável, se houver um fortalecimento das várias peças do arcabouço macroeconômico. Em primeiro lugar, me parece que é urgente estancar o crescimento dos gastos públicos, especialmente os correntes. Não se trata de questão ideológica, mas da mera constatação de que, de um lado, o país precisa investir mais (setor privado e governo) e, de outro, a carga tributária já parece ser extremamente elevada (especialmente para um país de renda média).
Em segundo lugar, a participação do Estado no mercado de crédito terá que ser acompanhada de perto. Num momento de crise como o atual, é natural que o BNDES aumente sua participação no financiamento do investimento; mas não se pode esquecer que, mesmo nesse caso, um aumento da oferta de crédito reduz o espaço para a queda da taxa de juros (na medida em que reduz a potência da política monetária). Da mesma forma, uma vez superada a etapa crítica do ciclo, caberá cautela para que os mecanismos de crédito oficial não exijam um aperto monetário superior ao que seria a princípio necessário (além de inibir o desenvolvimento de um mercado privado de financiamento de longo prazo).
Em terceiro lugar, alguns aspectos do regime monetário ainda carecem de definição. Por exemplo, a meta de inflação atual, de 4,5%, é alta demais para se tornar permanente. Cabe considerar, em algum momento, a conveniência de trazê-la para cerca de 3%, nível adotado pelo Chile e pelo México. Tal movimento provavelmente não terá grande apelo para as lideranças políticas presentes e futuras. Uma solução seria adotar uma trajetória bem lenta de queda da meta.
Outro aspecto diz respeito à autonomia do Banco Central para perseguir a meta de inflação. Aqui, a grande maioria dos paises vem adotando um modelo de banco central independente, no qual a independência se caracteriza por um mandato fixo para os dirigentes do banco central, naturalmente acompanhado de mecanismos de prestação de contas à sociedade. Esse caminho tem gerado bons resultados, na medida em que despolitiza a atuação do banco central e alonga os horizontes para a condução da política monetária, o que contribui para a redução de incerteza na economia.
No momento, não me parece que esteja madura a ideia de se conceder ao Banco Central uma garantia legal de autonomia operacional. Isso, por que se observa, pela imprensa, uma forte e explícita carga de pressão dos principais líderes do Executivo para que o Banco Central acelere o ritmo de redução da taxa de juros. Pelo visto, ainda prevalece uma visão voluntarista de que os juros só são altos por que o Banco Central o deseja. Enquanto essa for a visão dominante, não vale a pena alterar a lei, sob pena de se desperdiçar uma boa ideia. Melhor será canalizar a energia legiferante que porventura exista para reforçar o regime fiscal e ganhar, assim, espaço adicional para a redução da taxa de juros.
Arminio Fraga Neto, ex-presidente do Banco Central, é sócio da Gávea Investimentos


Fundos de pensão, crise econômica e ambiência política
Guilherme Lacerda e Wagner Pinheiro de Oliveira
26/03/2009
O Brasil é um país com carência de poupança doméstica e boa parte dela era destinada a financiar o passivo nacional
A crise econômico-financeira mundial, que marca nossa época, impõe aos fundos de pensão brasileiros um grande desafio no que se refere à sustentação do crescimento econômico, já que eles se constituem em gestores de significativos montantes de poupança previdenciária. A profunda turbulência dos mercados e o forte impacto nas estruturas produtivas alteram o ritmo de crescimento da economia global e do Brasil, em particular.
Nas economias centrais, os ativos dos fundos de pensão têm sofrido forte desvalorização. Por exemplo, nos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) houve, até outubro de 2008, uma desvalorização de nada menos que 20% dos ativos totais dos fundos de pensão.
Por aqui, felizmente, a realidade é distinta. Não há paraísos, porém o resultado foi infinitamente melhor. Estimativas iniciais indicam que, na média, o desempenho do segmento em 2008 ficou ao redor de -1% (um por cento negativo). É fácil imaginar o que estaríamos vivendo caso passássemos por um impacto como o ocorrido no mercado internacional. Ressalte-se que o Brasil está muito melhor do que países como Estados Unidos (-21,5%), Canadá (-21%), Japão (-17,6%), Holanda (-16,1%), Inglaterra (-13,3%), Suíça (-10,2%) e Alemanha (-7,1%).
E por que aqui o impacto não foi nas mesmas dimensões dos outros mercados? Podemos apontar quatro pontos: 1) o segmento obteve nos anos anteriores excelentes resultados que permitiram formar um colchão protetor para os períodos de "vacas magras"; 2) o setor está submetido a uma rígida regulação e fiscalização, construída a partir das Leis Complementares 108 e 109 de 2001 e pela intensificação de normas disciplinares a partir de 2003; 3) antes da crise foram feitos os ajustes de prudência recomendados, com revisões em tábuas de expectativas de vida e em metas atuariais; e 4) o setor beneficiou-se da maturidade de seus participantes, os quais negociaram ajustes de planos de benefício e entenderam a natureza do risco inserida em contratos previdenciários. Essa evolução foi fruto de intensas negociações corporativas e diferencia a nossa realidade da americana, por exemplo.
Podemos dizer que hoje em dia o setor possui uma regulação mais rígida do que o próprio setor bancário. Mas ainda há o anseio por uma entidade autônoma, que cumpra o papel hoje atribuído à Secretaria de Previdência Complementar Fechada, com maior agilidade para suprir as necessidades do sistema de previdência complementar, que deverá surgir com a aprovação da chamada "Previc", já em tramitação no Congresso.
Nesses termos, as fases pretéritas de usos e abusos, a baixa centralidade política de que o segmento era alvo e a própria convivência com períodos tumultuados impuseram ajustes forçados para proteger o setor. O padrão de governança de hoje, com destaque inclusive para os fundos vinculados a empresas públicas, é marcado por gestões paritárias e por um consolidado padrão de regras administrativas.
Lamentavelmente, essa realidade ainda é desconhecida de muitos, especialmente para alguns "formadores de opinião" e por parcelas da mídia que insistem em levantar reflexões estreitas, assentadas em ilações sobre as relações políticas de dirigentes e a gestão das entidades. As avaliações costumam desembocar em insinuações e suspeitas, já que o setor gere elevado montante de recursos. Tratam o presente olhando exclusivamente o passado, quando, por várias vezes, o segmento esteve em páginas políticas e até policiais. A conclusão obtusa parece ser a de que "se assim foi no passado, por que não pode ser agora?".
Por essa ótica perde-se o foco relevante de debater a importância estratégica que o setor representa para a economia brasileira, especialmente em momento tão delicado como o atual. A profunda revolução no padrão de governança das empresas brasileiras médias e grandes não pode ser bem explicada sem a presença dos fundos de pensão, inclusive com o enfrentamento histórico de gestores em arranjos societários incômodos. A revisão de propostas e normas para a organização do mercado de capitais, idem. A melhoria e segurança de aposentadorias de milhões de brasileiros e a promoção da cultura previdenciária, também. E mais: o volume significativo de recursos destinados a toda a economia nacional, com geração de renda, emprego e tributos, está muito acima do que possam imaginar aqueles que optam por uma análise superficial e macartista. Aliás, uma postura no mínimo curiosa, posto que essas mesmas vozes são as que se rejubilavam com a vinda dos investidores internacionais dispostos a aplicar parte de seus recursos em nosso país assim que galgamos o reconhecimento de investment grade, num tempo recente e que hoje nos parece tão distante.
Para se ter uma ideia dessa importância na geração de funding para o desenvolvimento nacional, registre-se que apenas Funcef e Petros estão destinando nada menos que R$ 5 bilhões a novos projetos, com destaque para a infraestrutura. O setor como um todo tinha, em outubro último, um montante de R$ 120 bilhões aplicados no mercado acionário ou participando diretamente de empresas, contribuindo para se fortalecerem no mercado nacional e internacional.
Estamos em meio a um furacão. O governo federal tem adotado uma série de medidas ousadas para proteger nossa economia e nossos trabalhadores. Há um reconhecimento amplo de que, apesar dos efeitos da crise, temos tudo para sairmos melhor do que os países centrais e os emergentes.
Neste contexto, há necessidade de um esforço coletivo para construir soluções que preservem as conquistas obtidas a duras penas nos anos recentes. A atenuação dos desdobramentos negativos oriundos desse inusitado cenário dependerá de investimentos públicos e privados. Somos um país com carência de poupança doméstica e, até recentemente, boa parte dela era destinada a financiar o passivo nacional. A realidade vivida determina o redirecionamento dos escassos recursos existentes para investimentos que tenham alto potencial multiplicador de renda.
E, pelo tamanho e perfil de investidores de longo prazo, os fundos de pensão continuarão sendo atores importantes neste novo desenho de nossa economia, independente dos pequenos ruídos que porventura surjam, frutos de oscilações da ambiência política.
Guilherme Lacerda, presidente da Fundação dos Economiários Federais (Funcef), é economista com mestrado pela USP e doutorado pela Unicamp.
Wagner Pinheiro, presidente da Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros), é economista formado pela Unicamp, com especialização em Administração e Gestão.
The Capitalist Manifesto: Greed Is Good (To a point)
By Fareed Zakaria NEWSWEEK
Published Jun 13, 2009 From the magazine issue dated Jun 22, 2009
A specter is haunting the world—the return of capitalism. Over the past six months, politicians, businessmen and pundits have been convinced that we are in the midst of a crisis of capitalism that will require a massive transformation and years of pain to fix. Nothing will ever be the same again. "Another ideological god has failed," the dean of financial commentators, Martin Wolf, wrote in the Financial Times. Companies will "fundamentally reset" the way they work, said the CEO of General Electric, Jeffrey Immelt. "Capitalism will be different," said Treasury Secretary Timothy Geithner. ... .... .... .... ..... .... ...... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ......... ..... ..... ..... ..... ...... ... .
Future of capitalism: 50 people who will frame the debate
...to be most influential in shaping the world debate.The Group of Thirty for example, a nonprofit...and aims to "deepen understanding of international economic and financial...connection between these players.Use the control panel to divide the leaders...
Mar 10 2009, By Steven Bernard, Jeremy Lemer and FT Reporters, FT.com site

THE FUTURE OF CAPITALISM
A major new series
The credit crunch has destroyed faith in the free market ideology that has dominated Western economic thinking for a generation. But what can – and should – replace it? Over the coming weeks we will conduct a wide-ranging debate on this dominant political issue of the day.type="text/javascript">- Mar 5 2009
Analysis: A need to reconnect
The Future of Capitalism: With lavish executive pay, inadequate boardroom expertise and a short-term shareholder focus all blamed for bringing about the crisis, Anglo-Saxon business approaches are likely to face wrenching changes type="text/javascript"> - Mar 12 2009
Comment: Read the big four to know capital’s fate
The Future of Capitalism: What might we imagine the four great political economists – Adam Smith, Karl Marx, Joseph Schumpeter and John Maynard Keynes – would say about our present economic crisis? Paul Kennedy urges US president Barack Obama and his fellow leaders to study their writings type="text/javascript"> - Mar 12 2009
Analysis: The audacity of help
The Future of Capitalism: By intervening to rebalance incomes as well as prop up America’s economy, Barack Obama aims to make the crisis the beginning of a new era of progressive politics type="text/javascript"> - Mar 11 2009
Analysis: Agitation as middle-class Europe struggles to cope
Economics is convulsing European politics, but the spasm of unrest was hardly expected when the crisis broke in 2007 type="text/javascript"> - Mar 11 2009

13/03/2009 - 00h47
Uma necessidade de reconexão
Francesco GuerraDa série Futuros do Capitalismo do "FT"
Os salários executivos enormes, os conhecimentos inadequados de gerenciamento e o foco nos interesses de curto prazo dos acionistas são fatores tidos como responsáveis pela crise, e, por isso, as empresas anglo-saxãs deverão passar por mudanças drásticas. Abaixo, Richard Milne identifica o que poderá ser diferente na EuropaEm uma outra época, a oferta da balconista responsável pelo check-in teria sido aceita rapidamente. Mas, em meio à pior crise econômica desde a Grande Depressão, com uma população furiosa, políticos populistas e uma imprensa agressiva pedindo uma atitude contra os "excessos" de Wall Street, o banqueiro faz uma pausa para pensar ao ouvir estas palavras incomuns da companhia aérea: "O senhor foi transferido para a primeira classe. Por favor, siga-me". ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...


12/03/2009 - 01h16
A audácia da ajuda
Da série Futuros do Capitalismo do "FT"
Ao intervir para reequilibrar as rendas assim como estimular a economia americana, Obama está buscando tornar a crise o início de uma nova era de políticas progressistas, como escreve Chrystia Freeland. Para os governos na Europa, John Thornhill detecta uma tarefa mais difícil à frente, a de aplacar uma população enfurecida. .. .. ... ... ... ... ... .... ... .... ... .... ....


10/03/2009 - 01h32
Sementes da própria destruição
Martin Wolf
Texto da série "O Futuro do Capitalismo" do FT
Suposições que prevalecem desde a adoção do mercado nos anos 80 agora estão em pedaços. O papel do governo está novamente crescendo e a era das finanças irrestritas acabou. Mas a atual crise poderá ter consequências que vão muito além, como escreve Martin Wolf neste artigo inicial.Outro deus ideológico sucumbiu. As suposições que regeram a política e as políticas ao longo de três décadas repentinamente parecem tão datadas quanto o socialismo revolucionário. ... ... ... ... ... ... .... ... ... ... ... .
Financial Times
Wolf: nós podemos arcar com o custo do salvamento da economia mundial?
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POR QUE O FUTURO PARECE MORNO
por Martin Wolf
O excesso de poupança tornou-se uma restrição sobre a demanda. Mas como poupança excessiva está vinculada a fraco investimento, também implica crescimento lento da oferta potencial.
VALOR ECONÔMICO, 20-11-2013

Lawrence Summers despejou litros de água gelada em todos os otimistas remanescentes. Falando em seminário durante a conferência anual de pesquisas do Fundo Monetário Internacional, o ex-secretário do Tesouro dos EUA sugeriu que talvez não exista nenhuma possibilidade de retorno fácil à normalidade pré-crise nas economias de alta renda. Em vez disso, ele traçou um futuro preocupante de demanda cronicamente fraca e lento crescimento econômico. Summers não é o primeiro a identificar a possibilidade da chamada "estagnação secular": o medo de reproduzir a década perdida no Japão está nas mentes de analistas desde a crise. Mas a apresentação de Summers foi brilhante.

Por que é possível acreditar nele? Por três aspectos relevantes nas economias ocidentais.

Primeiro, a recuperação da crise financeira de 2007-08 foi, sem dúvida, fraca. No terceiro trimestre, a economia americana ficou apenas 5,5% maior do que em seu pico pré-crise, mais do que cinco anos antes. O PIB americano real continuou a diminuir - em relação à tendência pré-crise. Além disso, esse desaquecimento persistiu apesar de políticas monetárias ultraexpansionistas.

O excesso de poupança tornou-se uma restrição sobre a demanda corrente. Mas como a poupança excessiva está vinculada ao fraco investimento, também implica crescimento lento da oferta potencial. Essa dificuldade é anterior à crise. Mas a crise agravou a situação

Em segundo lugar, as atuais economias atingidas pela crise viram um rápido aumento de alavancagem - em particular nos setores financeiros e domésticos, juntamente com fortes saltos nos preços das casas -antes da crise. Essa foi uma "economia de bolha". Muitos governos, especialmente os dos EUA e do Reino Unido, também adotaram políticas fiscais expansionistas.

Em terceiro lugar, as taxas de juro reais de longo prazo mantiveram-se extremamente baixas nos anos que antecederam a crise, apesar do forte crescimento econômico mundial. No Reino Unido, o rendimento dos títulos de longo prazo indexados do governo britânico caiu de cerca de 4% para cerca de 2% após a crise financeira asiática e, em seguida, para níveis negativos após a crise financeira. Os títulos do Tesouro dos EUA (TIPS) protegidos contra a inflação seguiram um curso semelhante, embora posteriormente.

É, portanto, improvável que apenas restaurar algum grau de saúde ao sistema financeiro ou promover uma redução do excesso do endividamento pré-crise produza uma recuperação plena. A razão é que a crise veio na esteira do excessos financeiros que, eles próprios, mascararam, ou, como tenho argumentado, foram até mesmo uma reação às deficiências estruturais pré-existentes.

Uma dessas deficiências é o "excesso de poupança mundial", que pode também ser rotulado de "escassez de investimentos". As taxas de juros reais baixas são a prova de tal excesso: havia mais poupança em busca de investimentos produtivos do que investimentos produtivos para absorvê-la.

Outra indicação do excesso de poupança foram os "desequilíbrios em nível mundial" - os enormes superávits em conta corrente de economias emergentes asiáticas, dos exportadores de petróleo e de várias economias de alta renda (especialmente a Alemanha). Essas economias tornaram-se fornecedoras líquidas de poupança ao resto do mundo. Isso era verdade antes da crise e continua a ser verdade hoje.

Antes da crise financeira, os EUA absorviam grande parte do excesso de poupança mundial, porém não em investimentos produtivos. Apesar do fácil acesso a crédito barato, o investimento fixo caiu como proporção do PIB a partir de 2000. Uma das razões para essa queda foi a de que os preços relativos dos bens de investimento caíram: a fração de investimento real manteve-se estável, ao passo que a de investimento nominal encolheu. Exceto durante a bolha no mercado de ações pré-2000, as empresas também financiaram seus investimentos com suas próprias poupanças - não necessitaram financiamento de outras fontes.


Assim, a contrapartida da poupança importada para os EUA foi endividamento das famílias e do governo. Um aumento na desigualdade de renda tornou ainda mais difícil contar com endividamento líquido das famílias. Tudo o mais mantido imutável, isso deveria fazer crescer a poupança das famílias - os mais ricos, que tendem a ganhar mais do que gastam, tendem a economizar ainda mais à medida que ficam mais ricos. Uma solução (temporária) para esse problema foi motivar as pessoas mais pobres a tomar mais empréstimos do que poderiam honrar para que pudessem continuar gastando. Mas isso explodiu na crise de 2007-08.

Em resumo, a economia mundial vem gerando mais poupança do que as empresas desejam usar, mesmo a taxas de juro muito baixas. Isso é verdade não apenas nos EUA, mas também nas economias de alta renda mais relevantes.

O excesso de poupança, portanto, tornou-se uma restrição sobre a demanda corrente. Mas como a poupança excessiva está vinculada ao fraco investimento, também implica um crescimento lento da oferta potencial. Essa dificuldade é anterior à crise. Mas a crise agravou-a ainda mais.

Então, o que precisa ser feito? Uma resposta ao excesso de poupança sobre o investimento seria mais taxas reais negativas de juros. É por isso que alguns economistas defenderam uma inflação maior. Mas isso seria difícil de obter, mesmo que fosse politicamente aceitável. Outra possibilidade, apontada por Andrew Smithers em "The Road to Recovery", é atacar de frente os obstáculos ao investimento corporativo. Seu maior vilão é a "cultura do bônus", que encoraja a direção a manipular o preço das ações, por meio de recompras, em vez de elevar o investimento produtivo.

Uma outra possibilidade, discutida por Summers e apoiada por vários economistas (inclusive eu), é usar o atual excesso de poupança para financiar um aumento do investimento público.

Isso poderia estar ligado a uma mudança em direção ao crescimento menos intensivo em carbono. Outra possibilidade é facilitar os fluxos de capitais para os países emergentes e em desenvolvimento, onde as melhores chances de investimento devem estar. Não faz sentido que grande parte da poupança mundial procure oportunidades de investimentos onde elas aparentemente não existem e evite os lugares onde, se espera, elas existam.

O argumento subjacente de que algo mais aconteceu nas economias de alta renda de que apenas uma crise financeira é persuasivo. É também difícil acreditar que uma onda de investimentos nesses países seria capaz de absorver o excesso de poupança mundial. Por que, afinal, deveria alguém esperar que isso ocorresse em países com população rumo ao envelhecimento, altos salários e economias morosas? Mas esses países enfrentam um desafio bem maior do que os estragos causas pela crise, por maior que sejam. Eles devem encarar um futuro de longo prazo de demanda fraca e oferta enfraquecida.

A melhor resposta, então, está em medidas dirigidas a elevar a produtividade dos investimentos públicos e privados. Sim, erros serão cometidos. Mas é melhor arriscar-se a errar do que aceitar os custos de um futuro estéril. (Tradução de Sergio Blum)

Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT


ELITES DECADENTES AMEAÇAM O FUTURO
por Martin Wolf
Esse divórcio, entre quem presta contas e quem tem o poder, age contra o cerne de qualquer noção de governança democrática. A crise da região do euro também é constitucional
VALOR ECONÔMICO, 15-01-2014

Em 2014, os europeus recordam o centésimo aniversário do início da Primeira Guerra Mundial. Essa calamidade deu início a 30 anos de selvageria e estupidez, destruindo a maior parte do que havia de bom na civilização europeia no início do século XX. No fim, como Churchill havia previsto em junho de 1940, "o Novo Mundo, com toda sua força e poder" se apresentou "para resgatar e liberar o Velho".

As deficiências das elites políticas, econômicas e intelectuais da Europa criaram o desastre que recaiu sobre suas populações entre 1914 e 1945. Foram sua ignorância e preconceitos que permitiram a catástrofe: falsas ideias e valores fracos estavam em ação. Entre elas, a crença atávica de que, não apenas os impérios eram rentáveis e magníficos, mas também de que a guerra era gloriosa e controlável. Foi como se um desejo de suicídio coletivo tivesse arrebatado os líderes de grandes nações.

Sociedades complexas dependem de suas elites para avançar, se não da forma correta, pelo menos de uma forma que não seja grotesca. Quando as elites falham, o mais provável é que as ordens políticas desmoronem, como aconteceu com as potências derrotadas após a Primeira Guerra Mundial. Os impérios russo, alemão e austríaco desapareceram, deixando como legado sucessores fracos que acabaram dando lugar a déspotas. A Primeira Guerra Mundial também destruiu as fundações da economia do século XIX: o livre comércio e o padrão-ouro. As tentativas de restaurá-las resultaram em mais fracassos das elites, desta vez tanto dos americanos quanto dos europeus. A Grande Depressão fez muito para criar as condições políticas para a Segunda Guerra Mundial. A Guerra Fria, um conflito de democracias contra uma ditadura engendrada pela Primeira Guerra Mundial, veio a seguir.

O que é menos enfatizado é a desordem constitucional da região do euro. Lá o poder agora está concentrado nas mãos dos governos de países credores, principalmente a Alemanha, e de um trio de órgãos burocráticos não eleitos - a Comissão Europeia, o BCE e o FMI.

Os resultados sombrios das falhas das elites não são surpreendentes. Existe um acordo implícito entre a elite e a população: uma ganha privilégios e lucros a partir de seu poder e propriedades; o povo, em troca, ganha segurança e, nos tempos modernos, certa dose de prosperidade. Quando as elites fracassam, correm o risco de ser substituídas. A substituição de elites fracassadas em termos econômicos, burocráticos e intelectuais, é sempre tensa. Mas, em uma democracia, a troca das elites políticas, pelo menos, é rápida e limpa. No despotismo, normalmente é lenta e quase sempre sangrenta.

Isso não é apenas passado. Continua verdadeiro hoje. Se observarmos as lições diretas da Primeira Guerra Mundial para nosso mundo, não as vemos na Europa contemporânea, mas no Oriente Médio, nas fronteiras da Índia e do Paquistão e nas relações conturbadas entre uma China ascendente e seus vizinhos. Existem possibilidades de algum erro letal de cálculo em todos esses casos, embora as ideologias do militarismo e do imperialismo sejam, felizmente, bem menos predominantes do que há cem anos. Hoje, Estados poderosos aceitam a ideia de que a paz é mais propícia para a prosperidade do que os espólios ilusórios de guerra. Isso, infelizmente, não significa que o Ocidente está imune a fracassos da elite. Ao contrário, o Ocidente convive com isso. Mas seus fracassos são de uma paz - e não de uma guerra - má administrada.

Aqui estão três fracassos visíveis. Primeiro, as elites econômicas, financeiras, intelectuais e políticas, em sua maioria, entenderam mal as consequências da liberalização financeira precipitada. Tranquilizadas pela fantasia da autoestabilização dos mercados financeiros, elas não apenas permitiram, mas também encorajaram uma aposta imensa - e lucrativa para o setor financeiro -na expansão do endividamento. A elite encarregada de definir as políticas econômicas errou ao avaliar os incentivos em vigência e, acima de tudo, os riscos de uma quebra sistêmica. Quando veio, os resultados dessas quebra foram desastrosos em várias dimensões: as economias desabaram; o desemprego disparou; e a dívida pública explodiu. A elite encarregada das políticas econômicas ficou desacreditada por seu fracasso em evitar o desastre. A elite financeira ficou desacreditada pela necessidade de ser resgatada. A elite política ficou desacreditada pela disposição em financiar esse auxílio financeiro. A elite intelectual - os economistas - ficaram desacreditados por seu fracasso em antecipar a crise ou em chegar a um consenso sobre o que fazer depois dela. O socorro financeiro foi necessário. Ainda assim, é correto achar que os poderosos sacrificaram os contribuintes em benefício dos culpados.


Segundo, nos últimos 30 anos vimos a emergência de uma elite financeira e econômica globalizada. Seus problemas se tornaram cada vez mais descolados dos países que as produziram. Ao longo desse processo, a cola que une qualquer democracia - a noção de cidadania - se enfraqueceu. A distribuição insuficiente dos ganhos resultantes do crescimento econômico amplificou esse enfraquecimento. O que se vê, então, é cada vez mais uma plutocracia. Certo grau de plutocracia é inevitável em democracias construídas com base em economias de mercado. Mas é sempre uma questão de que grau. Se a massa de pessoas achar que sua elite econômica é recompensada ricamente por um desempenho medíocre e que tem interesse apenas em si mesma, e, ainda assim, espera ser socorrida quando a situação vai mal, os laços se partem. Podemos estar no começo desse processo de decomposição de longo prazo.

Terceiro, ao criar o euro, os europeus levaram seu projeto para além do que era conveniente, incluindo algo muito mais importante para seu povo: o destino de seu dinheiro. Era mais do que provável o surgimento de fricções entre os europeus sobre como seu dinheiro era administrado ou mal administrado. A crise financeira, provavelmente inevitável, engendrou agora uma série de dificuldades ainda não resolvidas. As dificuldades econômicas de países atingidos pela crise são evidentes: recessões enormes, desemprego extraordinariamente elevado, emigração em massa e pesado endividamento. Tudo isso, já sabemos. O que é menos enfatizado, no entanto, é a desordem constitucional da região do euro. Nos países do euro, o poder agora está concentrado nas mãos dos governos de países credores, principalmente a Alemanha, e de um trio de órgãos burocráticos não eleitos - a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional (FMI). As pessoas afetadas negativamente não têm influência sobre eles. Os políticos que prestam contas a essas pessoas veem-se impotentes. Esse divórcio, entre quem presta contas e quem tem o poder, age contra o cerne de qualquer noção de governança democrática. A crise da região do euro não é apenas econômica. Também é constitucional.

Nenhum desses fracassos se equipara, em qualquer aspecto, às tolices de 1914. Mas são grandes o suficiente para causar dúvidas quanto as nossas elites. O resultado é o nascimento de um populismo furioso ao longo do Ocidente, em sua maior parte um populismo xenófobo da direita. A característica dos populistas de direita é que saem derrubando o que veem pela frente. Se as elites continuarem falhando, vamos continuar vendo a ascensão de populistas furiosos. As elites precisam fazer melhor. Se não fizerem, a fúria pode subjugar a todos nós. (Tradução de Sabino Ahumada)

Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT

Econmoia chinesa supera a americana em paridade de poder de compra, mas Pequim ainda está londe de igualar a capacidade americana de influenciar o mundo
Jornal VALOR ECONÔMICO, 09/05/2014

MEMÓRIAS DE Tim Geithner, ECONÔMICAS E POLÍTICAS
por Martin Wolf | Do Financial Times
Ex-secretário do Tesouro dos EUA fala de riscos futuros, gestão da crise, erros e equívocos
Jornal VALOR ECONÔMICO, 03/06/2014

J. Scott Applewhite/AP / J. Scott Applewhite/APTimothy Geithner, sobre as ações adotadas: "O grande e persistente equívoco é pensar que agimos levados por preocupação excessiva com os bancos"

Chego ao Bukhara Grill, no centro de Manhattan, exatamente às 11h30 de uma ensolarada manhã de sexta-feira. O restaurante está vazio e sou levado a uma mesa em um reservado próximo à entrada, onde aguardo meu convidado, Tim Geithner, ex-secretário do Tesouro dos EUA. Combinamos esse horário, cedo, para termos tempo suficiente antes que ele precise sair.

Geithner escolheu o restaurante. Ele conhece bem a comida indiana, pois viveu na Índia, quando garoto, durante cinco anos. Conheço Geithner desde meados dos anos 1990, quando ele era um jovem funcionário assessor de Lawrence Summers no Departamento do Tesouro dos EUA. (Summers foi secretário do Tesouro no último ano e meio do governo Clinton.) Já na época, os superiores de Geithner esperavam que ele fosse uma pessoa que resolvesse confusões.

As embrulhadas em que Geithner veio a se especializar foram crises financeiras. Na década de 1990, ele trabalhou nas crises mexicana e asiática. Como presidente do Federal Reserve de Nova York (de 2003 a janeiro de 2009), e depois como secretário do Tesouro do presidente Barack Obama (até janeiro de 2013), esteve no centro dos esforços para enfrentamento da crise financeira que impactou os EUA em 2007 e atingiu seu auge um ano depois.

Minha opinião é que as pessoas, entre elas Geithner, que lidaram com essa crise cometeram grandes erros, mas também salvaram o mundo de uma outra Grande Depressão. Praticamente, porém, o único consenso à esquerda e à direita, na política americana, é que as medidas tomadas durante a crise foram um crime e uma loucura. A razão para nosso almoço é a publicação do livro de Geithner, "Stress Test: Reflections on Financial Crises". É seu canal de defesa.

Ele chega alguns minutos atrasado e nos cumprimentamos calorosamente. Ele sempre pareceu mais jovem do que sua idade e, aos 52 anos, ainda é assim. Está magro, fisicamente bem (corre várias vezes por semana) e bronzeado.

O garçom vem anotar nossos pedidos. Peço um lassi salgado para beber e uma garrafa de água sem gás para a mesa. Geithner pede makhani de frango (frango na manteiga) e um kulcha (pão) de cebola. Escolho kabab malaio de frango (cozido em creme) com quiabo e pão naan. Compartilhamos um pouco de arroz. A comida vem logo e é deliciosa.

No mês passado, Geithner assumiu uma nova função, como presidente da Warburg Pincus, firma de Wall Street especializada em "private equity". Começo perguntando como tem sido sua vida após deixar o serviço público. Adaptação difícil?

"Eu estava preparado para isso, pensara muito sobre isso e passei um ano escrevendo um livro e refletindo sobre o que tinha feito e falando sobre isso. Mas também fiz dez viagens com minha mulher, e foi ótimo".

Comento que seu livro coincidiu com a "tempestade Piketty", a reação a "Capital in the Twenty-First Century", o surpreendente bestseller de autoria do economista francês Thomas Piketty.

- Fica preocupado com o fato de que todo mundo deixou a lembrança da crise para trás?

"Não, não fico. Escrevi o livro porque queria explicar o que fizemos e por que pânicos são diferentes, por que exigem um tipo de reação diferente e contraintuitiva, e queria fazê-lo de modo proveitoso para o longo prazo."

"O risco maior está no prolongamento da insegurança e falta de confiança, que resultam em um crescimento abaixo do ideal"

Então, qual é a mensagem de Geithner? "Bem, crises financeiras são devastadoras, mas não estão além da capacidade da humanidade de limitar seus danos." Precisamos de amortecedores: por exemplo, mais capital. Mas também precisamos "nos equipar com um conjunto poderoso de ferramentas e usá-las de forma agressiva diante do pânico. Acho que a coisa mais difícil de entender é que, em meio ao pânico, corridas exigem uma reação diferente - uma reação muito mais contraintuitiva do que em uma crise financeira normal."

Para ter a chance de viabilizar esses melhores desfechos, argumenta, devemos "nos opor às reações instintivas que as pessoas têm em uma crise normal, que é deixá-la arder, permanecer indiferentes à falência de empresas individuais ou logo partir para a austeridade. E acho que o grande e persistente equívoco é pensar que agimos levados por preocupação excessiva com os bancos, em vez de se reconhecer que, se deixamos o país vulnerável a uma crise sistêmica, deixaremos o cidadão médio exposto a prejuízos muito maiores até do que vimos nessa crise".

Quais são essas técnicas inovadoras? "Diria que fizemos três tipos de coisas muito distintas da cartilha do passado. Uma delas é algo com que, eu sei, você concorda bastante - parece óbvio, embora seja raramente aceito - que é o fato de termos usado política monetária, política fiscal e estratégia financeira concertadamente. A segunda coisa foi fazer amplo uso de garantias. Como grande parte do sistema era externo aos bancos, tivemos de conceber um conjunto bem mais complexo de suportes e salvaguardas. A terceira coisa, os testes de estresse, foram um novo mecanismo para tentar recapitalizar o sistema financeiro e reestruturá-lo o mais rápido possível e de uma forma que, na medida do possível, reduzisse o risco para o contribuinte. Assim, quisemos criar algo que maximizasse a chance de os mercados privados recapitalizarem o sistema." Na realidade, diz, o incentivo para levantar capital no setor privado revelou-se "muito mais eficaz do que acreditávamos que seria".

Como é que as coisas ficaram tão mal? De quem é a culpa? "Tivemos um período de 50 a 70 anos de tranquilidade financeira nos EUA. Isso produziu um vasto excesso de confiança. Essas condições permitiram que duas coisas perigosas acontecessem. Uma delas foi um longo período de rápido crescimento da dívida em relação à renda. A segunda foi que, nos EUA, a maior parte do risco acabou concentrada fora do cerne do sistema bancário."

É possível, indago, que o êxito alcançado na prevenção de uma nova Grande Depressão leve as pessoas, muito em breve, a repetir loucuras? "Sim, mas acho que o risco maior está no prolongamento da insegurança e falta de confiança, que resultam em um crescimento abaixo do ideal durante um longo período. Também tenho uma visão mais otimista sobre o que é possível, porque, embora sejamos vulneráveis a manias, isso somente acontece quando as políticas são bem-sucedidas por um período prolongado. Mas o fato de não ser possível eliminar o risco de crises e pânicos sistêmicos não significa que não dispomos de uma enorme capacidade de limitar seus efeitos, de novo, apenas mediante adoção de melhores opções de políticas em meio à tempestade."

Pergunto sobre a forma como a crise foi administrada. Teriam as autoridades econômico-financeiras reagido com demasiada lentidão? Na opinião de Geithner, "a reação veio tarde, em nossa crise, principalmente devido aos limites sobre as ferramentas que estávamos usando, porque não detínhamos a autoridade - até que o pânico deixou as pessoas apavoradas - para fazer o que precisávamos fazer. E, de início, há também a dificuldade de fazer um diagnóstico: não sabemos se o choque é sistêmico. A resposta ótima deve ser, inicialmente, gradual, porque se aprende alguma coisa com isso, e não queremos ser generosos prematuramente".

Uma possibilidade, acrescento, é que todo mundo tinha esquecido da Grande Depressão: foi a crise dos nossos avós, e não dos nossos pais.

"Exatamente", responde Geithner. "Mas tínhamos uma vantagem, porque estamos em um mundo mais globalizado. Larry [Summers] e eu tínhamos vivido e observado muitas crises, e Larry foi uma espécie de arquiteto da aplicação da doutrina Powell [referência ao ex-general Colin Powell], de uso de força esmagadora em meio a pânicos financeiros. Pudemos aproveitar nossa experiência e usá-la no país mais forte do planeta."

"Crises financeiras são devastadoras, mas não estão além da capacidade da humanidade de limitar seus danos"

Reconduzo a conversa para a política fiscal. A própria crise provocou imensos déficits fiscais, herdados pelo governo Obama. Mas também achei que o estímulo fiscal injetado pelo governo em 2009 foi muito pequeno. Não teria sido melhor pedir mais do que eles [o governo] puderam obter? Em vez de serem crucificados pelo argumento de que o estímulo não funcionou, poderiam ter dito: "Vocês não nos deram as ferramentas que pedimos".

Geithner responde com firmeza: "Veja, pensávamos estar à beira do abismo. Não quisemos nos colocar numa posição em que estivéssemos combatendo uma guerra prolongada com resultado incerto". E acrescenta: "Acho que você tem razão sobre como os americanos se sentem agora em relação à economia. Quero dizer, é verdade que a confiança está um pouco melhor e é verdade que estamos vendo pela primeira vez alguma aceleração salarial em benefício das pessoas no nível de renda média, e o desemprego de curto prazo retornou a níveis normais. Outra maneira de pensar sobre isso é considerar que a economia andou efetivamente muito bem, tendo em vista o remanescente de desalavancagem [necessária] e aqueles choques de política [especialmente a crise europeia ]. Mas por que as pessoas iriam compreender isso"?

Não ganhamos discussões baseando-nos em alternativas históricas hipotéticas, digo. Não há como sobrepor-se ao argumento de que o estímulo tornou as coisas menos ruins do que teriam sido sem ele. É muito nebuloso.

Geithner avança em seu raciocínio: "Mas outra coisa é que as percepções são muito importantes e a percepção inevitável e avassaladora criada pelo que temos de fazer para deter uma situação de pânico é um sentimento de injustiça profunda, de premiar os injustos, de premiar o incendiário. E não há nenhuma maneira de superar isso".

Ele prossegue: "No livro, reproduzo um relato de Erin Burnett, jornalista da CNN, que contou ter se aproximado de um manifestante do movimento "Occupy Wall Street" que portava um cartaz [protestando contra o] Tarp [programa federal de socorro aos bancos] e perguntou: "Você sabia que os contribuintes auferiram um retorno positivo sobre os investimentos nos bancos"? - Não. "Se for verdade, isso mudaria sua visão"? - Sim, mudaria.

"Outra coisa é que as engrenagens da Justiça se movem lentamente e temos, nos EUA, uma reação muito forte em termos de aplicação da lei, que ganhou impulso um pouco tarde. [Isso] pode não acontecer da forma que as pessoas acham mais justa, mas há bem mais do que US$ 100 bilhões em multas aplicadas aos bancos que retornarão ao contribuinte."

Geithner faz uma pausa, obviamente insatisfeito com o que acabou de dizer: "Deixe-me dizer isso de novo, de outra forma. O fato de que cinco anos depois as pessoas ainda possam achar que o que fizemos foi injusto, porque não puderam imaginar o cenário alternativo, não é, evidentemente, argumento suficiente para que não o fizéssemos."

O país estava diante de uma implosão existencial de seu setor financeiro, comento. No entanto, a resposta tem sido um populismo antigoverno federal, apesar de o governo federal ter salvo a economia. Isso é histeria temporária ou algo mais profundo?

Geithner é sempre otimista. "A crise tornou tudo pior. Mas se você olhar através do ruído e do teatro políticos, os resultados das políticas que os EUA têm sido capazes de produzir, em termos relativos, são muito bons, e não apenas em relação ao que vimos na Europa ou no Japão, mas em relação ao desafios que devemos enfrentar. Assim, se você ignorar o terrível ruído que distorce fatos, produzido por nosso teatro político adolescente, perceberá uma quantidade bastante notável de políticas - confusas, não perfeitas -, mas bem concebidas. E nem falo das reformas financeiras. Então, nosso sistema político, como muitos políticos britânicos têm observado, é capaz de fazer sua parte nos momentos de suprema importância."

Pergunto o que ele pensa de Obama. "É um excelente tomador de decisões em meio a uma crise - disposto a decidir, e não ficar paralisado pela indecisão -, e aplica muita pressão ao debate, tentando obter melhores resultados. Sem pose, sem exageros e procurando ter uma visão política de longo prazo, talvez não em suficiente longo prazo, mas uma visão de longo prazo."

E, acrescento, como o homem que impediu a Grande Depressão II e conseguiu a aprovação da reforma do setor de saúde, Obama é um dos presidentes que mudou as coisas nos últimos 50 anos. Geithner diz: "Tenho a mesma opinião, mas quero ser justo. De novo, as coisas que deram certo vieram em duas etapas, e a primeira etapa foram Hank Paulson [antecessor de Geithner] e George W. Bush que tornaram possível. Agiram com excepcional bravura e sensatez".

"A economia andou muito bem [depois das medidas tomadas contra a crise]. Mas por que as pessoas iriam compreender isso?"

Peço o café e nos trazem um delicioso doce indiano - gulab jamun - por cortesia da casa. Geithner declina. Pergunto sobre seu futuro: "As pessoas não vão dizer 'mais um que estava no Tesouro e agora foi para Wall Street'"?

"A maioria das pessoas acha que vim de Wall Street", diz. Concordo. Parece que todo mundo acha que quem ocupa uma posição relevante em política econômica no governo já trabalhou no Goldman Sachs. "Fui funcionário público durante toda minha vida profissional e adorei o trabalho. Mas sabia que não poderia fazer isso para sempre e que teria de fazer algo diferente. Estava muito preocupado com a percepção sobre a maneira como nosso sistema funciona. Então, decidi que não iria trabalhar numa empresa que tivéssemos fiscalizado ou socorrido, e fui muito cuidadoso em escolher uma empresa [Warburg Pincus] com boa reputação ética."

Digo a ele que adorei, no livro, uma citação do que sua filha Elise disse ao pedirem que ele atendesse o telefone quando estava hospitalizado, em 2010: "Quem é esse POTUS?", ela perguntou, e só depois da explicação ("president of the United States") deixou que o pai atendesse a ligação.

Elise estuda medicina, e conversamos sobre "Complications: Notes from the Life of a Young Surgeon" (2002), de Atul Gawande, presenteado a Geithner por Y. V. Reddy, ex-presidente do Banco Central da Índia. "Foi um livro que me fascinou, em parte porque ele [Gawande] descreve como nessa profissão eles fazem coisas que em economia não fazemos muito bem. Toda sexta-feira, reúnem-se para o que chamam de reavaliação de morbidade e mortalidade, para analisar erros." Concordo com que os bancos centrais não gostam de analisar seus erros passados, mas deveriam.

Pago a conta e, após uma foto com o dono do restaurante, partimos. Vejo Geithner como alguém essencialmente americano, um otimista que quer fazer as coisas funcionarem, imbuído de grande crença em seu país. O mundo tem sorte de Obama tê-lo escolhido como assessor. Mas é improvável que os dois algum dia venham a ser elogiados pela opinião pública por isso.

"Stress Test - Reflections  on Financial Crises"

Timothy Geithner. Editora: Crown. 592 págs., US$ 22,47



11/03/2009 - 04h00
Uma lista de 50 pessoas que ajudarão o mundo a sair da crise

Liderança política e coordenação internacional serão necessárias para acalmar o mundo no decorrer da crise financeira e econômica. Os nossos articulistas identificaram 50 pessoas cujos cargos, habilidades e contatos possibilitarão que sejam definidas as linhas do debate a respeito do que deverá acontecer. Abaixo, uma avaliação feita pelo editor do "Financial Times" Lionel Barber. ... .... .... .... .... .... .... .... .... tem até economistas..

10/03/2009 - 03h01
Crise global foi causada por "criação destrutiva"
Gillian Tett
Ganância, fraude, dinheiro barato, falhas de gerenciamento e fiscalização deficiente foram fatores que contribuíram para a crise - mas no cerne dela está a complexidade e a opacidade do sistema financeiro modernoHá seis anos, Ron den Braber trabalhava para o Royal Bank of Scotland em Londres quando ficou preocupado com a possibilidade de o modelo do banco estar subestimando o risco das opções de crédito que fornecia. Mas quando o especialista holandês em estatística alertou os seus patrões para o problema, ele deparou-se com tamanha desaprovação que acabou saindo da empresa. ... ... ... ... ... ... ... ... .. .. . . .. . ..... ..... ..


13/03/2009 - 00h05
Anthony Giddens - Recessão, mudança climática e a volta do planejamento
Anthony Giddens*
Especial para o Global Viewpoint
A mudança climática e como responder a ela são assuntos dos noticiários do momento. Assim como, é claro, a recessão econômica, que também é global e profundamente preocupante. Mas qual é a relação entre as duas?Toda crise é potencialmente um estímulo para lado o positivo da personalidade -é uma oportunidade de começar novamente, disse Sigmund Freud. Esse ponto não passou despercebido pelos líderes políticos. Depois do exemplo do presidente Obama nos EUA, muitos endossaram a idéia de um New Deal da mudança climática. O investimento em tecnologias de baixo carbono, o isolamento de prédios e o transporte público podem dar uma importante contribuição para a economia mover-se novamente, é o raciocínio. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... .... .... .... .... ...



A crise do sr. Smith
MAIS IMPORTANTE TEÓRICO DO MERCADO, ECONOMISTA ESCOCÊS TAMBÉM DEFENDEU O PAPEL DO ESTADO PARA PROTEGER OS POBRES, DIZ PRÊMIO NOBEL AMARTYA SENExatamente 90 anos atrás, em março de 1919, diante de mais uma crise econômica, Vladimir Lênin discutiu as dificuldades do capitalismo contemporâneo. Mas não quis escrever um epitáfio: "É um erro acreditar que não há saída da atual crise do capitalismo". Essa expectativa de Lênin, ao contrário de outras que ele teve, provou estar correta. Apesar de os mercados americano e europeu terem enfrentado mais problemas na década de 1920, seguidos da Grande Depressão dos anos 1930, no longo prazo, após o fim da Segunda Guerra [1939-45], a economia de mercado foi excepcionalmente dinâmica e gerou uma expansão sem precedentes da economia global nos últimos 60 anos. Não mais, pelo menos neste momento. A crise econômica global ganha velocidade em ritmo assustador, e as tentativas dos governos de contê-la tiveram muito pouco sucesso, apesar da aplicação sem precedentes de fundos públicos. A pergunta que surge de maneira mais premente hoje não é tanto sobre o fim do capitalismo, mas sim sobre a natureza do capitalismo e a necessidade de mudança. ... ... ... ... ... ... ... ... ... folha de são paulo, 15-02-2009
Adam Smith no Brasil


O PIB solidário
Queda abrupta do produto interno bruto brasileiro recoloca país no contexto internacionalEUCLIDES SANTOS MENDESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA A compreensão dos fenômenos econômicos passa pela difícil tarefa de prever o comportamento do mercado. Por isso, à complexidade das análises se soma, muitas vezes, a imprecisão das projeções. ... ... ... ... ... ... ... ..



21/03/2009
O roteiro para sair da crise

*Angela Merkel e Jan Peter Balkenende
Crise... talvez nenhuma outra palavra seja usada com mais frequência para descrever a atual desaceleração da economia global.Os gregos antigos usavam a palavra "krisis" para expressar a ideia de um momento chave, um ponto de virada que permitia às pessoas tomar decisões claras e não ambíguas. Isto implica que toda crise representa uma chance de mudar as coisas para melhor.Esta ideia deve nos guiar no encontro de cúpula do Grupo dos 20 em Londres, em 2 de abril. Os desafios imediatos da atual crise financeira e econômica são evidentes. As pessoas de todo o mundo estão profundamente preocupadas com seus empregos, hipotecas e aposentadorias. Mas há dois motivos para esta crise também poder provar ser um momento de virada, que nos permita tornar o sistema econômico global mais equilibrado e adequado para o futuro.
Primeiro, os governos de todo o mundo mostraram claramente que podem e agirão de forma decisiva para estimular a demanda global e preservar a estabilidade do setor financeiro. Um colapso imediato do sistema financeiro foi impedido e não há dúvida de que a estabilidade da infraestrutura financeira e o destravamento do fluxo de crédito permanecerão uma prioridade... ... ... ... .. ... ... ...



Estupor no andar de cima, desesperança no debaixo
Antonio Prado
02/04/2009
Foram muitas as reações das elites mundiais ao colapso dos mercados financeiros. Todas com o mesmo tom de surpresa em relação à súbita falência da confiança nas instituições e nos instrumentos financeiros que movimentaram, com tanto vigor e exuberância, o frenesi dos capitais desenfreados nas últimas décadas.
Sua Majestade, a Rainha Elizabeth II do Reino Unido, em visita a London School of Economics, perguntou por que não fora alertada sobre eventos tão perturbadores. Por sua vez, Sua Excelência, o primeiro-ministro de Itália, com menos elegância, mandou a OCDE calar-se em suas previsões sobre a queda do PIB em 2009, pois que também não haviam previsto a iminência da crise. O ex- presidente do Federal Reserve, o banco central dos EUA, senhor Alan Greenspan, revelou-se em estado de estupor com a calamitosa falha dos mecanismos de autorregulação dos mercados.
A verdade é que os alertas não foram poucos e realizados por economistas de alta estirpe. O mesmo Greenspan lançou o anátema da exuberância irracional, talvez acreditando demais em sua capacidade de influenciar as expectativas racionais de uma turba furiosa na busca de bônus de performance. O economista Nouriel Roubini, assíduo frequentador do Fórum Econômico Mundial, em Davos, Suíça, ganhou o apelido de Mr. Doom, Senhor Calamidade, por suas reiteradas previsões de que o cassino iria desmoronar. A lista internacional e doméstica de analistas preocupados com a desregulação dos mercados financeiros e de capitais é longa. O fato é que a turma que diz que a ressaca será forte no dia seguinte nunca será ouvida por aqueles já embriagados por um whiskey que parece de primeira.
Mas, se o juízo competente foi tido como inoportuno, onde estavam as instituições de regulação do sistema? Nos EUA, o que fez o Federal Reserve? Um gigantesco castelo de cartas, formado de todos os tipos de instrumentos financeiros exóticos, prosperou a sua revelia e nada foi feito. Um verdadeiro sistema bancário paralelo, "shadow banking" em inglês, absorvia trilhões de dólares, sem nenhuma supervisão e adoção do mínimo de regras de prudência bancária. Alavancaram uma catástrofe planetária.
Como é possível, em um complexo e bem informado sistema financeiro, golpes de estelionatários tão antigos quanto o aplicado pelo Sr. Madoff crescerem a ponto de tragarem US$ 50 bilhões? Não foi detectado por nenhuma instituição? O mercado foi acometido pela cegueira dos caçadores de tesouros? Os investidores não calcularam que era muita rentabilidade para pouco risco? Esse golpe é tão antigo e recorrente que só pode ser aplicado em ambientes tomados por um espírito de vale-tudo. Puni-lo com 150 anos de prisão soa como uma prestação de contas tardia e pouco convincente. Onde estavam as autoridades reguladoras?
Estavam desregulando o mercado financeiro americano. Vendendo ao planeta e, principalmente, aos emergentes as virtudes do mercado autorregulado. O capital livre de amarras levaria todos ao paraíso do crescimento e da prosperidade. Como não houve distribuição de renda relevante durante as últimas décadas nos países livres dos penduricalhos da regulação, alguns espertos chegaram ao paraíso dos bônus de final de ano e outros foram pegos no sobre-endividamento em cartões de crédito de várias bandeiras.
E o FMI, sempre zeloso de suas receitas de ajuste estrutural, como não alertou aos países membros que uma tempestade perfeita estava no horizonte? Como não percebeu que em um mundo com US$ 65 trilhões de PIB não se poderia valorizar US$ 650 trilhões em ativos financeiros indefinidamente?
Nesse momento, é óbvio que a autorregulação dos mercados é mais um mito requentado pela ideologia liberal, que não deu certo. A classificação de risco pelas agências privadas, tanto em relação à saúde das instituições, bancos de investimentos, seguradoras, fundos de hedge e bancos comerciais, como também dos produtos financeiros específicos, está com a credibilidade comprometida. Ativos tidos como de baixo risco tornaram-se tóxicos em poucos dias.
As empresas de auditoria, que passaram por maus momentos com a quebra da Nasdaq em 2001, voltaram a um silêncio sepulcral. Os conselhos de administração das grandes empresas revelaram-se pouco efetivos e até incidentes de pressão sobre conselheiros mais zelosos e, preocupados com os riscos das estratégias corporativas, vieram a público.
É evidente que o esforço para evitar um colapso sistêmico financeiro de proporções planetárias não envolve apenas a derrama de trilhões de dólares nos bancos e economias intoxicadas, mas também o resgate da confiança nas instituições de regulação públicas e privadas e a defesa de valores sociais empoeirados desde a avassaladora hegemonia dos aventureiros das finanças alavancadas. Trabalho, emprego, distribuição de renda, produção e solidariedade social.
A ideia de que todos estamos no mesmo barco é sedutora. No entanto, é justo que os contribuintes de última instância, os assalariados e pequenos produtores, se perguntem por que esse espírito surge apenas no momento de socializar os prejuízos. Por que até há pouco era coisa considerada antiga, resquício das dores do pós II Guerra, já de muito superadas? É justo e correto que reivindiquem contrapartidas sociais nesse soerguimento das economias.
É justo e necessário que os países emergentes, que fizeram imensos sacrifícios para organizar suas economias arruinadas pela estagnação prolongada, hiperinflações e crises políticas e sociais, queiram uma voz mais efetiva nas instituições multilaterais. É justo que não aceitem pagar pela aventura alheia e que queiram defender seu crescimento econômico, sua capacidade de geração de emprego e de inclusão social.
Se é verdade que os ricos estão perplexos com suas perdas, mais verdade é que os pobres pagam um preço que não se contabiliza em dinheiro, mas em perda de esperança.
Antônio Prado é doutor em política econômica pelo IE-Unicamp, professor do Departamento de Economia da PUC-SP (licenciado). Atualmente é chefe do Departamento de Relações com o Governo na presidência do BNDES e docente no IRBr do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.


A agenda escondida na crise financeira global
Luiz Awazu Pereira da Silva
02/04/2009
O fortalecimento do papel regulador do Estado não significa voltar ao passado do intervencionismo
A crise financeira global, a mais grave desde a Grande Depressão, é a oportunidade para debater, sem acirrar oposições, nossas ideias econômicas, saindo das caricaturas "neoliberal" e "desenvolvimentista". Devemos entrar nas questões de fundo para aprimorar as futuras políticas econômicas.
Em 20 anos, dois sistemas extremos de organização sócio-econômica revelaram suas limitações. O modelo de planejamento centralizado e de alocação administrativa de recursos na economia mostrou-se incapaz de assegurar níveis razoavelmente crescentes de bem-estar social, de legitimidade democrática e de incentivos ao aumento de produtividade. Sem esses incentivos, os benefícios da proteção social universal não eram financiáveis no longo prazo. Agora, o modelo de integração financeira global, confiante na eficiência de mecanismos de mercado na precificação, diversificação e alocação do risco, ou, em último caso, na sua capacidade de autorregulação, será profundamente reavaliado. Tampouco eram sustentáveis os benefícios do crescimento excepcional associados à última fase de expansão financeira global.
Certamente, o papel do Estado como regulador do sistema financeiro doméstico e globalizado receberá atenção especial. Novas regras de funcionamento do sistema financeiro exigirão maior nível de capital próprio, avaliação rigorosa dos riscos de ativos e auditoria independente. A supervisão financeira cobrirá todos os agentes, e debaterá como partilhar tarefas entre as várias instâncias supervisoras sem deixar zonas cinzentas. A informação sobre a qualidade dos ativos será mais transparente e os registros de operações deverão ser exaustivos e internacionalizados. As autoridades terão que ponderar a difícil questão da pró-ciclicalidade de qualquer sistema financeiro e como favorecer a criatividade financeira sem ameaçar a estabilidade, olhando com mais atenção para o risco sistêmico e não apenas para a solvência de cada agente.
O fortalecimento do papel regulador do Estado não significa, no entanto, voltar ao passado do intervencionismo per se. Permanecem válidas as lições sobre os limites da eficiência do Estado na produção direta de bens, assim como a dificuldade de dispensar-se de preços e incentivos de mercado na alocação de recursos. A crise reforça mais ainda a importância da estabilidade macroeconômica para o crescimento sustentável e sua sutil tradução em limites para a dívida pública e o nível de inflação. O sucesso obtido na suavização do ciclo de negócios com seus estabilizadores automáticos, suas políticas sociais, no gerenciamento da demanda agregada, na gestão de expectativas pela credibilidade de políticas econômicas, representa um patrimônio de conhecimento oriundo de crises passadas e resolvidas, que deve ser preservado.
Certamente, também deveremos repensar com bom-senso a viabilidade relativa das estratégias de crescimento por substituição de importações ou por expansão de exportações, as duas grandes experiências de desenvolvimento do Século XX, a latino-americana dos anos 50-60 e a asiática dos anos 80-90. O modelo de crescimento via substituição de importações teve os seus êxitos iniciais comprometidos pelo custo fiscal de subsídios que perderam progressivamente sua eficiência econômica mas continuaram ocupando espaço orçamentário, o que contribuiu para a crise das dívidas públicas e mostrou a necessidade de preocupar-se também com a solvência externa e a promoção de exportações.
O modelo de crescimento via expansão das exportações vê agora os seus inegáveis méritos comprometidos pela recessão global e a impossibilidade de criar repentinamente uma demanda doméstica suficiente para escoar sua enorme capacidade produtiva. Mesmo a acumulação de amplas reservas (China) não elimina a necessidade de preocupar-se também com a demanda interna e a promoção de seus consumidores. Ou seja, posições excessivamente devedoras (a América Latina dos anos 80) ou excessivamente credoras (a Ásia hoje) encontram seus limites.
Finalmente, da crise surgirão novas regras para a economia global nas áreas financeira, comercial e do meio ambiente.
A delicada questão da globalização financeira, que traz benefícios e restrições à política econômica, demandará mais cooperação internacional onde o G-20 financeiro deverá ter papel inovador. Uma nova disciplina deverá aplicar-se principalmente aos países mais ricos, onde o papel dos supervisores multilaterais (Banco de Compensações Internacionais, Fórum de Estabilidade Financeira e FMI) tem sido limitado, quando muito, à sua autoridade técnica e moral. Por exemplo, no sistema atual, excedentes de poupança fluem para ativos de referência e mais líquidos, predominantemente em dólar, e assim financiam os déficits correntes dos Estados Unidos, tolerando de fato seu nível elevado de consumo e sua baixa poupança, mesmo quando suas políticas fiscal e monetária são excessivamente expansionistas.
O inegável benefício global do rápido crescimento americano se dá à custa do acúmulo de desequilíbrios insustentáveis e uma alavancagem financeira extrema, facilitada pela desregulamentação financeira, a criação e internacionalização de ativos securitizados de difícil precificação.
No comércio, é preciso preservar as regras vigentes na OMC enquadrando o protecionismo que está inevitavelmente aparecendo nas áreas de aumentos tarifários, ações antidumping, compras governamentais, e políticas de subsídios e de medidas compensatórias. É importante valorizar o multilateralismo da OMC e aceitar as suas determinações. Uma agenda mínima não exclui, mais adiante, a retomada das ambições de Doha.
A crise tampouco dispensa refletir sobre as mudanças climáticas ligadas ao nosso modelo industrial e de consumo, usando os relatórios técnicos para reforçar os acordos propostos no âmbito das Nações Unidas. Pode ser muito lucrativo amanhã investir mais hoje em novas tecnologias e matrizes energéticas mais limpas.
Em suma, a crise é feita de ameaças gravíssimas e também de uma agenda de trabalho construtivo. Podemos e devemos olhar mais para o que nos une do que para o que nos separa e pensar concretamente no futuro que desejamos para o Brasil e os cidadãos do planeta.
Luiz Awazu Pereira da Silva foi secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda (2004-2006) e chefe da Assessoria Econômica do Ministério do Planejamento (2007-2008). As opiniões são exclusivamente do autor e não representam a dos órgãos citados. Email: Luiz.apereira@yahoo.com.




O espírito animal
Antonio Delfim Netto
14/04/2009
Em umas poucas linhas é possível resumir a intuição keynesiana que rejeitou a teoria clássica que, deixada a si mesma a organização da produção através dos mecanismos de mercado levaria, sempre, ao pleno emprego. O raciocínio que fundamentava esta conclusão era o seguinte: o nível de poupança é o principal determinante da taxa de juros e ela se fixará, pelas forças do mercado, no nível necessário para financiar o investimento que garante o pleno emprego. Keynes destruiu os dois lados da equação. Primeiro, com a possibilidade de existência de um paradoxo da poupança: a tentativa de poupar mais "ex-ante" pode levar a uma menor poupança "ex-post". Segundo, com a possibilidade de existência de uma armadilha da liquidez: quando a redução da taxa de juro real não tem mais condições de induzir o nível de investimento necessário para sustentar o pleno emprego. E, terceiro, com a fundamental ideia que a opacidade do futuro faz o investimento depender do "espírito animal" dos empresários, isto é, não apenas do cálculo racional das taxas de retorno e das taxas de juros que são impossíveis de serem conhecidas pela incerteza (incerteza mesmo, não probabilística). Infelizmente, essas ideias que enfatizam o papel fundamental das expectativas e da incerteza nas limitações do comportamento puramente racional dos indivíduos foram ignoradas no desenvolvimento posterior da teoria econômica.
Decidir qual dessas duas construções teóricas permite um entendimento mais adequado da realidade da economia capitalista (e uma eventual intervenção para modificá-la) não é uma questão retórica. É um problema empírico. Com relação a esse último aspecto podemos dizer hoje, sem risco de contestação, que a teoria corrente entre a maioria dos economistas (o chamado "mainstream") que acreditava no mercado financeiro "perfeito" não passava de um "conto de fadas malvadas". Isso não significa que a teoria keynesiana seja, necessariamente, a mais adequada para entender a confusão em que o "mainstream" meteu o mundo. De qualquer forma, pedaços de pesquisas empíricas catados aqui e ali sugerem: 1º ) que há grande probabilidade que o investimento preceda mesmo à poupança (o paradoxo da poupança); 2º ) que algumas economias parecem comportar-se como se estivessem mesmo prisioneiras de uma armadilha da liquidez; e 3º ) que a "trouvaille" do "animal spirit" (que Keynes parece ter encontrado em Hume), explica melhor o comportamento do empresário diante de um futuro opaco, incerto e aberto à intuição para além da pura racionalidade econômica.
O "mainstream" no que diz respeito ao mercado financeiro "perfeito" está morto, mas nada garante que Keynes esteja vivo. Alguns sinais vitais do seu pensamento apontam para a necessidade de uma reencarnação. Não é possível saber de onde ela virá, mas é possível afirmar de onde não virá. Não virá daqueles que pretendem a "reconstrução da arquitetura do capitalismo". Estes confundem a forma de organização social extremamente adaptativa apoiada nos "mercados" à qual se chegou por uma seleção histórica que compatibiliza eficácia produtiva com liberdade individual (razoavelmente bem explicada pela teoria econômica) com o fracasso da teoria da economia financeira. Esta, com seus brinquedos econofísicos, ajudou a aplicar com sucesso um "estelionato científico" sob o olhar míope e complacente das autoridades que deveriam tê-lo coibi-lo. Isso sugere que não precisamos de um Estado "maior" como querem os novos arquitetos, mas de um Estado "melhor"!
A origem da crise atual foi o mau uso de alguns modelos de cálculo de risco (para os quais, aliás, chamavam a atenção - sem serem ouvidos - alguns dos seus criadores). Tentar atribuí-la aos desequilíbrios dos balanços em conta corrente entre EUA e China produzidos pelos "mercados" é outra mistificação.
Felizmente começa a fazer-se alguma claridade sobre as verdadeiras razões que levaram à atual crise financeira internacional. Acaba de ser publicado um livro extraordinário que precisa ser urgente e competentemente traduzido. Deve transformar-se em leitura obrigatória de todos os que desejam um esclarecimento cuidadoso e sofisticado, mas sem complicações, sobre o assunto. Trata-se do volume "Animal Spirits", escrito por dois extraordinários economistas George A. Akerlof e Robert J. Shiller (Princeton University Press, 2009), cujo subtítulo é "Como a psicologia humana comanda a economia e porque ela é importante para o capitalismo global". Apenas um aperitivo (em tradução livre) para estimular o leitor. "Nossa visão de como a economia funciona deve ser adotada não apenas porque ela explica a história macroeconômica. Deve sê-lo porque explica, também, os detalhes operacionais da economia capitalista. Há abundantes evidências do espírito animal discutido nos primeiros cinco capítulos: confiança, equidade, corrupção, ilusão monetária e histórica. Essas são as motivações reais das pessoas reais. E são ubíquas. A presunção da macroeconomia do 'mainstream' de que elas não têm importância choca-nos pelo absurdo. O absurdo é ainda maior porque o espírito animal joga um papel crucial nas respostas às oito questões relativas à economia capitalista que levantamos neste livro: 1) Por que as depressões acontecem? 2) Por que os Bancos Centrais têm poder real? 3) Por que existe o desemprego involuntário? 4) Por que existe uma troca entre inflação e desemprego no longo prazo? 5) Por que a poupança é tão instável? 6) Por que o mercado de ações varia tão selvagemente? 7) Por que há ciclos? e, finalmente, 8) Por que continua a existir uma minoria na pobreza?"
Bom apetite!
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras.
E-mail contatodelfimnetto@terra.com.br




"Uncertainty and Capitalism"
Edmund Phelps defends capitalism:
Uncertainty bedevils the best system, by Edmund Phelps, Commentary, Financial Times: In countries operating a largely capitalist system, there does not appear to be a wide understanding among its actors and overseers of either its advantages or its hazards. Ignorance of what it can contribute has in the past led some countries to throw out the system or clip its wings. Ignorance of the hazards has made imprudence in markets and policy neglect all the more likely. Regaining a well-functioning capitalism will require re-education and deep reform.
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Crônica Econômica: Economistas temem o retorno da inflação depois da recessão.
O dragão volta a assustar
Por Bernardo Guimarães e Carlos Eduardo Soares Gonçalves, para o Valor, de Londres
24/04/2009
Como todo mundo sabe, estamos afundados em uma recessão global de proporções épicas. Para diminuir as possibilidades de que uma catástrofe similar se repita no futuro, os líderes mundiais precisarão redefinir os padrões de governança nos mercados de crédito seriamente.
Isso é crucial, mas, apelando para uma metáfora barata, a prioridade do afogado é achar um pedaço de tábua que o leve vivo até a praia. Ou seja, neste momento o debate sobre uma nova arquitetura de regulamentação financeira está sendo adiado, pois a prioridade é evitar um aprofundamento ainda maior do quadro recessivo. Para isso os governos de vários países têm se concentrado no desenho de políticas de expansão fiscal e monetária e na aprovação de programas visando a recuperar a capacidade funcional do sistema financeiro.
Tamanho impulso tem levado alguns economistas a já prenunciar, em tom crítico, a volta da inflação após o fim da recessão. Os analistas mais pessimistas (ou seriam, nesse caso, otimistas?) já estão disparando a seus clientes até a sugestão de compra de títulos americanos que têm retorno indexado à inflação.
Antes de entrar nesse debate, uma observação em relação ao quadro corrente. Sim, é verdade que a injeção de dinheiro na economia tem sido substancial, mas é importante lembrarmos que a demanda por ativos líquidos, como a moeda, cresceu muito em meio à crise e isso atenua a ligação entre expansão monetária e inflação final. Além disso, a economia mundial está trabalhando bem abaixo do seu potencial de produção, seja qual for esse valor e, portanto, os riscos inflacionários são neste momento pequeníssimos. Aliás, o temor de alguns países hoje é cair em deflação e não ter um pouco mais de inflação em 2010.
Por fim, uma vez que o pior da crise tenha passado, os bancos centrais do mundo todo poderão voltar a fechar a torneira monetária gradativamente, impedindo, assim, que níveis incômodos de inflação ressurjam e se cristalizem na esteira da recuperação da economia. Em fevereiro, Bernanke deixou essa mensagem muita clara em um dos seus pronunciamentos.
É no mínimo curioso que em meio a quebradeira do sistema financeiro, disparada do desemprego, quedas históricas na produção industrial, etc., algumas pessoas estejam já preocupadas com um possível repique da inflação em 2010. Afinal, por que as pessoas têm tamanha ojeriza à inflação? A teoria econômica dá base a essa aversão?
A leitura do noticiário econômico deixa a impressão de que muita gente se preocupa mais com pequenas mudanças na taxa de inflação do que deveriam. Em poucas palavras, a evidência acadêmica sobre o assunto é que a inflação machuca a sociedade apenas quando ela é verdadeiramente alta (e variável), mas faz pouca diferença se é de 1% ou 5%. Vejamos.
Quando a inflação é elevada, como no Brasil dos anos 80 e começo dos 90 - época em que chegou a passar meses a fio acima de 200% em termos anualizados -, sua variabilidade (instabilidade) também é muito alta, gerando muita conturbação no ambiente econômico. Nesse caso, cresce a incerteza e as pessoas e empresas enfrentam dificuldades em comparar o valor relativo de dois bens, ou de dois projetos de investimento, dado que os preços estão pulando o tempo todo. Isso, por sua vez, afeta a alocação eficiente dos recursos produtivos na economia e atrapalha o desenvolvimento.
E não para por aí. Quando a inflação é muito elevada, muitos recursos produtivos que poderiam ser empregados para outros fins acabam sendo alocados para lidar com o problema inflacionário. Por exemplo, dentro de uma empresa, o departamento financeiro vai contratar muitos profissionais e receberá uma verba maior quando a inflação for elevada - dado que é crucial evitar que a receita da empresa seja corroída pela alta dos preços -, enquanto o de produção, o de marketing e o de vendas tenderão a encolher.
Como a experiência brasileira mostra, nesse tipo de ambiente muitas empresas produtoras de bens e serviços não financeiros, como sapatos, carros, aparelhos eletrônicos, refrigerantes, etc., dão menos importância para seu negócio em si ao perceber que podem ganhar dinheiro usando com inteligência o departamento financeiro. Em vez de se inventar uma nova técnica de administração de estoques, um novo modelo de produto, um método mais barato de produção, gasta-se tempo e recurso com o domínio de malabarismos financeiros que impulsionem o lucro.
Em tempos de inflação alta, essa decisão de supervalorizar o financeiro é claramente racional sob o ponto de vista da empresa. Mas, em que pese isso, essa realocação é ruim para o desenvolvimento da economia.
Outro tipo de incerteza que a inflação muito alta traz é de natureza política. Inflações muito elevadas podem levar a bruscas mudanças de governos e à adoção de planos econômicos sem pé nem cabeça, que trazem elementos prejudiciais para o funcionamento da economia - como o congelamento de preços do Plano Cruzado ou o sequestro da poupança das pessoas para impedi-las de consumir no Plano Collor -, alterações inesperadas da carga de impostos, etc.
Claro está, nada disso contribui para que as empresas se sintam confortáveis em investir na economia. Além disso, o governo precisa concentrar as energias na resolução desse problema e acaba deixando de lado outras questões de vital importância para o longo prazo, como uma reforma do sistema educacional, do sistema previdenciário, das leis trabalhistas, etc. Inflação assim suga as energias da política pública.
Quando a inflação é muito alta, outro problema que surge é: andar com dinheiro no bolso custa mais caro, pois esse dinheiro perde seu valor muito rapidamente quando os preços dos bens crescem a alta velocidade. Consequentemente, as pessoas tentam evitar esse tipo de perda, andando com menos grana na carteira e deixando poucos recursos no depósito à vista no banco. Porém, como andar com dinheiro no bolso - ou tê-lo em depósito não remunerado na conta bancária - é algo útil, pois inúmeras vezes facilita a realização de trocas (não é todo lugar que aceita o cartão de crédito), a inflação, ao induzir as pessoas a evitarem essa opção, gera perda de bem-estar econômico.
Finalmente, a inflação tem impactos distributivos indesejáveis, pois retira mais poder de compra justamente dos mais desfavorecidos. O mais bem situados encontram várias maneiras de se proteger da deterioração da renda causada pela inflação, mas as pessoas mais pobres da sociedade não têm nem conta em banco e ganham salários em notas de dinheiro vivo, que vão usando ao longo do mês. Para estes, a inflação alta é um verdadeiro flagelo, uma pesada taxação sobre sua renda, pois o valor real do dinheiro no fim do mês é muito menor do que no começo em um ambiente no qual os preços são virulentamente reajustados o tempo todo.
Esse é o lado feio da inflação, que aparece em cores vivas quando ela se torna realmente elevada, mas é bem menos problemático quando o que se discute é se a inflação vai ser 1% ou 5% em 2010.
Porém, a inflação não traz apenas custos, principalmente quando se situa em níveis moderados. Seu principal benefício é funcionar como uma espécie de "graxa" na engrenagem econômica quando os salários e outros custos das empresas são rígidos para baixo. Vejamos.
Em períodos de economia desaquecida, torna-se ainda mais essencial para a empresa cortar custos. Quanto mais complicado for, por exemplo, reduzir os salários, mais gente a empresa vai precisar despedir em uma recessão. Ocorre, contudo, que a evidência dos dados sugere que os salários nominais - em valores monetários - são extremamente inflexíveis para baixo, tornando difícil o ajuste nos custos. Assim, muitas vezes a "única" maneira de reduzir gastos é permitindo que haja alguma corrosão inflacionária dos salários. Nesse caso, o salário nominal expresso em unidades monetárias permanece o mesmo, mas o custo real para a empresa cai porque os preços dos bens que ela vende sobem em relação à folha de salário.
Na verdade, não apenas o custo real da folha salarial cai com a inflação, mas também qualquer outra despesa que não esteja indexada à variação dos preços da economia (caso de muitas dívidas emitidas pelo setor corporativo, por exemplo).
O segundo benefício da inflação vem do fato de que um pouco mais de inflação significa um pouco menos de outros tipos de impostos a serem coletados da população para um dado nível de gastos do governo. Isso porque a inflação é em si um imposto: quando o governo emite mais moeda, ele é capaz de comprar mais coisas apenas porque quando ele assim procede o poder de compra de quem tem moeda no bolso, ou no banco, cai por causa da inflação mais alta. Daí a associação direta entre inflação e imposto. Uma inflação de 0% significaria que esse imposto não está sendo usado e todo o fardo da arrecadação está recaindo sobre os outros impostos da economia.
A partir desse ponto é, portanto, interessante aumentar um pouquinho o imposto inflacionário e diminuir um tanto dos outros, tornando a situação mais equilibrada entre as diferentes modalidades de tributo. Em suma, sob o ponto de vista das finanças públicas, um pouquinho de inflação também faz bem.
À guisa de conclusão, não é à toa que os governos e bancos centrais mundo afora buscam manter a inflação baixa e estável. No entanto, o fato de os governos terem por objetivo (explícito ou implícito) metas inflacionárias estritamente positivas - algo como 2% nos países mais desenvolvidos e entre 3 e 4% nas economias em desenvolvimento - indica que a inflação baixa produz benefícios e é certamente mais saudável para a economia que inflação nula ou negativa.
Carlos Eduardo Soares Gonçalves, professor da FEA/USP, e Bernardo Guimarães, professor da London School of Economics, são autores de "Economia sem Truques" (Campus/Elsevier).




Incerteza: Crise financeira, que quase ninguém previu, só reforçou o desentendimento entre os economistas
Ei vocês, gênios da economia, o que houve?
Peter Coy, BusinessWeek
22/04/2009
A maioria dos economistas fracassou em prever a pior crise econômica desde a década de 30. Agora eles não conseguem se entender sobre as formas de resolvê-la. As pessoas estão começando a se perguntar: para que mesmo servem os economistas? Um analista escreveu recentemente num blog sobre habitação que os economistas se saíram pior na previsão do mercado habitacional do que seu pai, que nem tem educação formal, ou que sua mãe, que só terminou o colegial. "Se você é um economista e não viu isso se aproximando, você deveria reconsiderar seriamente o valor da sua formação e talvez devesse fazer algo que tenha um valor palpável para a sociedade, como colher vegetais", escreveu no patrick.net.
Bem feito, seus espertalhões fracassados! Andem, pulem de uma curva de oferta!
Para ser justo, não se pode esperar que os economistas prevejam o futuro com algum tipo de exatidão. O mundo é simplesmente complicado demais para tanto. Coletivamente, porém, eles deveriam ter condições de alertar sobre os perigos adiante. Além disso, quando o desastre ocorre, eles deveriam saber o que fazer. Na verdade, as pessoas prestam atenção aos economistas em tempos como estes em função da sua temerária alegação de que sabem como impedir que a economia passe por uma repetição da Grande Depressão. Sete décadas após a depressão, porém, economistas ainda não chegaram a um entendimento sobre suas lições. O debate só aumentou nas semanas recentes.
Para combater a retração econômica, o presidente do Federal Reserve (o Fed, banco central dos EUA), Ben Bernanke, o secretário do Tesouro, Timothy F. Geithner, e o diretor do Conselho Econômico Nacional dos EUA, Lawrence Summers, estão tentando fazer uma combinação inédita, de estímulo fiscal maciço com política monetária excessiva. Se ela produzir uma recuperação sustentada - e há alguns sinais iniciais de esperança - eles serão considerados heróis. Por ora, no entanto, é perturbador que eles tenham sido obrigados a recorrer a medidas políticas que, na sua escala e abrangência, estão completamente fora daquilo que o ofício da economia tem estudado ou até contemplado nos anos recentes.
A crítica aos economistas, só um pouco exagerada, é que eles são demasiado seguros de si, pouco realistas e políticos. Eles reivindicam uma precisão que nem sua matéria-prima nem sua habilidade justificam. Muitos pressupõem que as pessoas se comportam como o mítico homo economicus, que é hiperracional e onisciente. Além disso, eles sempre tomam um lado em discussões que congelam o processo de pesquisa. Os poucos que desafiam a crença generalizada são ignorados.
Os críticos são mordazes. Nassim Nicholas Taleb, estudioso de eventos raros que escreveu "Fooled by Randomness" ("Iludido pelo Acaso", Ed. Record) e "The Black Swan" ("A Lógica do Cisne Negro", Ed. Best Seller), diz: "Precisamos construir uma sociedade que não dependa de projeções feitas por economistas mentecaptos". Paul Wilmott, especialista em finanças quantitativas, diz: "Os modelos dos economistas são simplesmente terríveis. Eles se esquecem completamente de como o elemento humano é importante".
Diante de críticas tão contundentes, é tentador ignorar a profissão como um todo. Isso, porém, não resolverá. Em primeiro lugar, sair dessa confusão e assegurar que não aconteça de novo exigirá o melhor esforço de pensamento de toda uma geração. Macroeconomistas - aqueles que se especializam em ciclos econômicos e desenvolvimento - fizeram importantes contribuições. Por exemplo, pesquisas realizadas nos anos 70 ajudaram muitos países a eliminar a inflação crônica, ao destacarem a importância de ter um banco central forte e independente.
Mesmo agora, avanços estão sendo feitos. Estudiosos de todas as disciplinas estão se atualizando tardiamente com as finanças modernas. Considerando-se o fato de que são treinados para imaginar os mercados financeiros como eficientes, a maioria dos economistas não foi preparada para identificar os perigos representados por empréstimos habitacionais negligentes, instituições financeiras superalavancadas e derivativos impenetravelmente complexos. "O momento está perfeitamente maduro para o surgimento de novas ideias, assim como aconteceu nas décadas de 30 e de 70", diz Roger E.A. Farmer, da Universidade da Califórnia em Los Angeles.
Além disso, mesmo se suspeitarmos do valor dos economistas, é impossível ignorá-los. Qualquer ideia que possamos ter sobre formas de lidar com essa crise está baseada em alguma suposição sobre a forma como o mundo funciona. Percebamos isso ou não, todas essas suposições veem de uma ou outra escola de economia. Como escreveu o economista britânico John Maynard Keynes: "Homens práticos, que se julgam livres de qualquer influência intelectual, geralmente são escravos de algum economista defunto".
Portanto, é melhor que todos tenham esperanças de que a profissão possa se reorganizar. Não será fácil, pois esta crise está deitando sal em antigas feridas. Ela está reabrindo discussões sobre uma das questões mais controversas em macro, ou seja, a capacidade de o déficit nos gastos do governo (isto é, a política fiscal) estimular a demanda e fazer as pessoas voltarem ao trabalho.
Em janeiro, a luta em torno da política fiscal se manifestou publicamente, depois que o então presidente eleito dos EUA, Barack Obama, fez o que provavelmente lhe pareceu ser uma afirmação segura. "Não há nenhuma discordância de que necessitamos de ação por parte do nosso governo, de um plano de recuperação que ajude a impulsionar a economia", disse. Não muito depois, cerca de 250 economistas conservadores, em carta aberta publicada por jornais importantes, escreveram: "Com o devido respeito, senhor presidente, isto não é verdade". O economista David C. Colander, do Middlebury College, que também desconfia do pacote de estímulo, diz: "O debate é razoável. O absurdo é que o estejamos realizando neste momento", em vez de décadas atrás.
O maior pecado dos economistas é a arrogância. Nos anos 60, Milton Friedman, economista adepto da teoria do livre mercado, persuadiu virtualmente toda a profissão de que a Grande Depressão foi causada pelo Federal Reserve. Isso parecia implicar que uma política melhor por parte do banco, conduzida por economistas, evitaria uma reincidência. Bernanke, que à época ocupava uma diretoria do Federal Reserve, afirmou exatamente isso num discurso de 2002, em comemoração ao 90º aniversário de Friedman, em que reconheceu o papel do Fed na Depressão. Disse ele a Friedman: "Você está certo, nós causamos isso. Sentimos muito. Mas, graças a você, não faremos isso de novo." O peixe morre pela boca.
Acreditando no poder do Fed, os economistas geralmente pararam de pesquisar o uso da política fiscal no combate a recessões ou depressões. Além disso, as recessões haviam se tornado mais raras e brandas - a chamada Grande Moderação. Então, quem precisava de estímulo? "Até um ano atrás, você pareceria muito antiquado se falasse sobre política fiscal ideal", diz o economista Xavier Gabaix, da Universidade de Nova York (NYU).
A adesão à ortodoxia pela corrente principal de economistas também ficou visível na sua rejeição despreocupada dos receios quanto a bolhas nos setores imobiliário e de ações. O ex-presidente do Fed Alan Greenspan até negou que uma bolha imobiliária nacional fosse possível, já que o setor não era um mercado nacional único. Ele também atribuiu pouca importância aos perigos de inventos de Wall Street, como os derivativos. Apenas em 2008 ele reconheceu que estava errado. Em depoimento no Senado, disse estar chocado por ter encontrado uma "falha" em sua ideologia. "Passei 40 anos ou mais com evidências muito consideráveis de que isso estava funcionando excepcionalmente bem."
Questões políticas agravaram o problema. Em uma divisão bem geral, é possível separar os macroeconomistas segundo sua preocupação com a instabilidade econômica. Um grupo, na tradição de Keynes, preocupa-se com a autoperpetuação de declínios econômicos que deixam a economia em profundas depressões, das quais não consegue escapar. Os integrantes deste grupo dizem que o governo precisa romper esta espiral de queda com o tipo de política agressiva promovida atualmente pelos EUA - com redução dos juros e aumento nos gastos governamentais. O grupo inclui Paul Krugman, economista da Universidade Princeton e prêmio Nobel; Nouriel Roubini, da NYU, que previu com bastante antecipação a severa recessão; e Robert Shiller, da Universidade Yale, que anteviu as bolhas dos setores de tecnologia e de imóveis.
Outros economistas têm mais confiança no autoequilíbrio da economia. Creem que juros baixos e gastos pesados geradores de déficit, além de deixarem os EUA com uma montanha de dívida, são ineficazes. Inclua neste time Robert Barro, de Harvard; ao lado de Robert Lucas Jr., de Chicago; Edwad Prescott, da Universidade do Estado de Arizona; e Patrick Kehoe e V.V Chari, da Universidade de Minnesota. Não é surpresa que a escola do equilíbrio incline-se em grande parte na direção dos republicanos, e a escola intervencionista pareça recheada de democratas.
Antes desta crise, parecia que os economistas poderiam resolver suas diferenças. Krugman, muitas vezes combativo, escreveu na primeira edição de seu livro "Macroeconomics", em 2006, escreveu que "o pequeno segredo benéfico da macroeconomia moderna é o nível de consenso que os economistas alcançaram nos últimos 70 anos".
O estado de ânimo agora é mais desagradável. À esquerda, Krugman diz: "Isto é realmente bastante vergonhoso, que estejamos desperdiçando meses preciosos como profissão, reconstituindo debates que foram resolvidos há 70 anos". À direita, John Cochrane, da Universidade de Chicago, rejeita os que defendem os estímulos keynesianos, dizendo: "Economistas profissionais, os sujeitos com quem eu me relaciono, estão voltando para o antigo keynesianismo tanto quanto os físicos estão voltando para Aristóteles quando não conseguem entender a velocidade de expansão do Universo." Há alguns no meio do caminho, como Michael Woodford, da Universidade Columbia, com o argumento de que os macroeconomistas estão convergindo na metodologia para se fazer perguntas. Mesmo Woodford, no entanto, concorda que "os recentes debates não fazem a disciplina parecer particularmente unida".
A crítica mais fácil contra os macroeconomistas é que quase todos fracassaram em antever a recessão, apesar de sinais de alarme aos montes. No início de setembro de 2008, a previsão média de crescimento para o quarto trimestre era de 0,2%, de acordo com pesquisa da Blue Chip Economic Indicators. O resultado verdadeiro foi um declínio anualizado de 6,3%. O Fed não se saiu nem um pouco melhor. Em julho de 2008, representantes do banco projetavam índice de desemprego entre 5,5% e 5,8% no quarto trimestre de 2008. O número real foi de 6,9%. A projeção para o quarto trimestre de 2009, feita na mesma época, variava de 5,2% a 6.1%. Hoje, com o desemprego a 8,5%, a maioria dos responsáveis por estimativas fala num índice perto dos 10% para o fim do ano.
Agora que a política fiscal voltou à mesa de discussões, economistas divergem sobre o alcance do efeito dominó, ou "multiplicador", do aumento nos gastos governamentais. Os economistas intervencionistas acreditam que o alcance é maior quando a economia opera abaixo da capacidade produtiva, como certamente ocorre agora. Segundo um informe do Fed, em 15 de abril, cerca de 30% da capacidade de produção industrial está ociosa, maior proporção já verificada nos registros, que remontam a 1948.
Autoridades do governo Obama acreditam que a política fiscal está no caminho certo. O programa de estímulo "está colocando um pouco mais de energia no consumidor", disse Summers, diretor do Conselho Econômico Nacional. "Há dois meses, não se podia achar nada de positivo." Christina Romer, principal assessora econômica de Obama e historiadora da Depressão, disse em março que "em algum ponto, a recuperação tomará vida própria". Até lá, o governo deve checar de perto "para certificar-se de que o setor privado subiu de novo na sela" antes de relaxar.
Outros economistas dizem que o aumento nos gastos dos governos poderia desencorajar o emprego privado. Em evento do Conselho de Relações Exteriores, em 30 de março, Robert Lucas Jr., da Universidade de Chicago, chamou a matemática multiplicadora do governo de um "tipo de economia de segunda categoria".
A verdade é que, mesmo os defensores dos estímulos não podem estar certos de que os pacotes funcionarão. Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, muitos economistas temeram que o crescimento desaparecesse com a queda nos gastos militares. Sewell Avery, executivo-chefe da Montgomery Ward, estava tão inquieto quanto à depressão do pós-guerra que desistiu de abrir lojas. Os economistas ainda não estão certos por que ele estava errado e não podem dizer, com segurança, se estímulos fiscais encerrarão esta recessão ou só ajudarão a interrompê-la. "É possível arquitetar, com a expansão fiscal, uma recuperação durável ou se está apenas ganhando tempo?" pergunta Krugman, favorável a aliar estímulos com ações drásticas para consertar bancos.
Então, qual o caminho a seguir? Assim que esta crise acabar, a próxima agenda dos macroeconomistas será ajudar a tornar a economia mais robusta - o suficiente para sobreviver aos erros crassos dos políticos, banqueiros e economistas do futuro. Taleb, o estudioso da imprevisibilidade, destaca que a natureza atinge a solidez por meio de uma redundância que os economistas considerariam antieconômica: dois olhos, duas mãos, etc. Blake LeBaron, da Universidade Brandeis, sugere evitar crises gigantescas por meio da tolerância a pequenos distúrbios, da mesma forma como guardas florestais usam incêndios controlados para eliminar arbustos inflamáveis. Talvez, sob as cinzas do fracasso, renasça uma profissão macroeconômica melhor. (Colaboraram Jane Sasseen e Theo Francis)


Roubini diz que recessão global vai durar pelo menos dois anos
22/04/2009
Bloomberg
Um dos poucos acadêmicos que previram a crise financeira, Nouriel Roubini, professor da Universidade de Nova York, disse que "ainda" está "pessimista" e que a recuperação da economia vai levar "mais tempo que o previsto". Segundo ele, os lucros corporativos "serão uma má surpresa". E acrescentou: "Muitos bancos, mesmo os melhores, enfrentarão problemas". Numa palestra feita na segunda-feira, em Hong Kong, Roubini minimizou os números positivos registrados nas bolsas pelo mundo nos últimos dias. "A atual alta é uma alta de mercado baixista", disse à imprensa depois de seu discurso no evento. "Eu não prevejo a correção de 50% que eu antecipava dois anos atrás, mas essa é uma alta enganosa, um voo de galinha, ou o nome que quiserem dar." O ponto de vista de Roubini contraria o do investidor Marc Faber, que afirmou em 13 de abril que o S&P 500 deverá subir para 1.000 pontos nos próximos três meses, uma vez que os gastos do governo impulsionarão os lucros dos bancos. "Os mercados estão 'bem adiante' dos dados econômicos reais, e esta recessão vai durar pelo menos 24 meses", disse Roubini. O professor falou também sobre a economia chinesa, cujo crescimento este ano ele prevê em 5,5%. Pequim fala em 8%. Roubini disse que mantém distância dos "ativos de risco", entre os quais ações. E revelou que 95% de sua poupança está em dinheiro vivo. "Fazer reserva de capital, comparado a perder 50% dele, é bom", disse ele.



São Paulo, quarta-feira, 22 de abril de 2009
PAULO RABELLO DE CASTRO
Nenhuma recuperação à vista
Há sinais, sim, de formação de pequenas bolhas, tanto em alguns produtos como para empresas na Bolsa
... ... ... ... .... .... .... .... ... artigo



Op-Ed Contributor
Inflation Nation
By ALLAN H. MELTZER
Published: May 3, 2009
IN the 1970s, with inflation rising, I often described the Federal Reserve as knowing only two speeds: too fast and too slow. At the time, the Fed’s idea was to combat recession by promoting expansion, printing money and making it easier for businesses and households to borrow — and worry only later about the inflation that resulted. That strategy produced a sorry decade of slow productivity growth, rising unemployment and, yes, rising inflation. If President Obama and the Fed continue down their current path, we could see a repeat of those dreadful inflationary years. ... ... ... .... .... .... .... ... ... ... .... .... .....



Capa: A recuperação global depende de uma agenda de coordenação que abra espaço para a reversão de desajustes macroeconômicos e recomposição da confiança em países e moedas.
Além da crise: desequilíbrio e credibilidade
Por André Lara Resende, para o Valor
24/04/2009
Bloomberg News
Sem instituições adequadas, haverá apenas declarações de boas intenções, como no encontro do G-20, em Londres (na foto, Barack Obama chega para a reunião)
1 - Nas últimas três décadas do século passado, consolidou-se uma visão do que constitui a boa prática de política macroeconômica. A melhor forma de condução das políticas monetária, fiscal e cambial, inspiradas no que se poderia chamar de consenso macroeconômico, parecia ter levado, se não à superação completa, a uma significativa moderação dos ciclos econômicos. A alternância histórica entre fases de crescimento e bonança e fases de recessão e agruras parecia ter sido substituída por um horizonte de crescimento contínuo, sem o espectro da recessão e do desemprego. As autoridades econômicas, os bancos centrais em particular, teriam finalmente dominado a tecnologia para evitar as grandes recessões e o desemprego extraordinário. Para os países centrais, os tradicionais limites macroeconômicos, externo e interno, representados pela capacidade de crescer sem esgotar as fontes de financiamento externo e sem despertar o dragão inflacionário, pareciam ter sido suficientemente afastados, para não mais representarem uma restrição efetiva ao crescimento sustentável.
Para os países emergentes, para os quais a confiança dos investidores internacionais ainda era condicional, isso não era verdade, como demonstraram as crises recorrentes por que passaram nas últimas três décadas. O fato de que economias periféricas não tivessem alcançado o nirvana da grande moderação macroeconômica e continuassem sujeitas a grandes crises de balanço de pagamentos, ainda que tivessem adotado o receituário da grande síntese macroeconômica, era visto apenas como sinal de que ainda precisavam de reformas institucionais e de tempo para a consolidação da confiança. Nos países periféricos, consolidar a confiança externa era objetivo primordial. Após o eclodir das crises, apesar da desvalorização da moeda, da interrupção dos fluxos de capitais externos, da desorganização econômica e do desemprego, a política macroeconômica era obrigatoriamente voltada para a recuperação da confiança. Políticas monetárias e fiscais contracionistas, para o restabelecimento da confiança externa, são especialmente perversas quando a economia mergulha em recessão, as empresas enfrentam grandes dificuldades, o sistema bancário se encontra ameaçado e há grande aumento do desemprego. Para as economias periféricas, entretanto, nunca houve condescendência: em caso de crise, a política econômica não poderia ser anticíclica, dirigida para minorar os seus efeitos, mas perversamente pró-cíclica, para restabelecer a confiança abalada.
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Sem instituições adequadas, haverá apenas declarações de boas intenções, como no encontro do G-20, em Londres (na foto, Barack Obama chega para a reunião)
Enquanto as economias centrais tinham a impressão de que os limites do possível haviam sido de tal forma ampliados que não representavam mais restrições ao crescimento da demanda, os países periféricos tomavam lições dolorosas sobre os riscos de se aproximarem dos geniosos limites da restrição externa. As várias crises da Rússia e dos países da América Latina e da Ásia não deixaram alternativa: para os emergentes que desejassem participar da integração econômica mundial, beneficiar-se da expansão do comércio e do investimento internacional, era preciso precaver-se contra a possibilidade de serem atropelados por crises cambiais. As consequências seriam dolorosas e, a menos que se tomasse o caminho do isolamento, seriam impedidos de conduzir políticas macroeconômicas compensatórias, após o eclodir da crise.
2 - As duas últimas décadas do século XX consolidaram uma percepção de mundo que pode ser esquematicamente descrita da seguinte forma. Os países centrais, emissores de moedas-reserva - os Estados Unidos, principalmente, mas também o Japão e os países da União Européia que adotaram o euro e, em menor escala, Inglaterra e Suíça -, com a confiança externa garantida e o espectro da inflação afastado, não tinham restrição efetiva ao crescimento, a não ser a estabelecida pela capacidade de criar demanda doméstica. Os limites da função de produção doméstica seriam indefinidamente complementados pela capacidade de financiar qualquer déficit externo.
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Sem instituições adequadas, haverá apenas declarações de boas intenções, como no encontro do G-20, em Londres (na foto, Barack Obama chega para a reunião)
É verdade que a capacidade de criar demanda doméstica era muito diferente entre eles. Num extremo, os Estados Unidos, a mais dinâmica economia mundial, movida por uma agressiva mentalidade consumista, turbinada pelas extraordinárias inovações tecnológicas e financeiras das últimas décadas, convencida de sua inesgotável capacidade de adaptar-se e reinventar-se. No outro, o Japão, que, após o fim da bolha imobiliária no início da década de 1990, viu-se paralisado, com o sistema bancário insolvente e o setor privado traumatizado, incapaz de responder aos estímulos da política econômica para gastar e reduzir a taxa interna de poupança. Mesmo entre os países da Comunidade Européia, houve diferenças marcantes na velocidade do consumo e do crescimento. Num extremo, a Espanha e a Irlanda; no outro, a Alemanha, naturalmente conservadora e, durante muito tempo, engasgada com sua unificação.
Mas, como um todo, os países centrais, emissores de moedas-reserva, foram as locomotivas do consumo mundial, despreocupados com o aumento do endividamento privado interno e com os recorrentes e crescentes déficits externos. Mesmo o Japão, incapaz de reacender o consumo privado doméstico, fez uso da política fiscal e, sobretudo, da política monetária, agressivamente expansionista, que, em última instância, financiou parte do endividamento e do consumo internacional dos países centrais. Mesmo quando não conseguem estimular a demanda interna por meio de uma política monetária expansionista, após a crise, os países centrais, emissores de moedas-reserva, podem financiar o consumo externo de seus parceiros comerciais, para expandir suas exportações.
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Sem instituições adequadas, haverá apenas declarações de boas intenções, como no encontro do G-20, em Londres (na foto, Barack Obama chega para a reunião)
Os países periféricos, traumatizados e escaldados pelas crises recorrentes, compreenderam que a adoção da síntese de política macroeconômica não era condição de suficiência para garantir a confiança dos investidores e poderem participar diretamente da grande euforia da expansão do crédito mundial. Para evitar que fossem recorrentemente atropelados por uma súbita falta de confiança dos investidores, ao levarem longe demais a dependência de capitais externos, os países periféricos adotaram uma atitude cautelosa. Compreenderam que era possível beneficiar-se da expansão financeira e comercial mundial, mas a reboque, necessariamente, do dinamismo das economias centrais. Era preciso garantir que o crescimento doméstico estivesse sempre subordinado ao crescimento da demanda externa. O setor exportador deveria funcionar como dínamo do crescimento econômico, mesmo que - como é quase sempre o caso nas economias emergentes, com carências de toda ordem -, a demanda interna tivesse um enorme potencial de dinamismo.
O crescimento das economias periféricas neste início de século foi todo baseado na contenção do consumo doméstico e no estímulo às exportações para atender ao consumo das economias centrais. Explica-se assim que o Brasil, tendo enfrentado mais uma crise de balanço de pagamentos em 1999, já depois de superada a inflação crônica, tenha adotado desde então uma política monetária, ao menos à primeira vista, excessivamente conservadora. Os juros extraordinariamente altos no Brasil são um seguro contra a instabilidade geniosa dos investidores. Países emergentes, que dispõem de uma credibilidade condicional, não têm espaço para transformar o consumo interno em locomotiva do crescimento. Toda tentativa de mobilizar o consumo interno como fator autônomo de crescimento corre o risco de esbarrar na restrição externa. O resultado é uma brutal e desorganizadora desvalorização cambial, depois da qual não haverá espaço para conduzir políticas anticíclicas compensatórias. Tanto a política monetária como a política fiscal deverão ser contracionistas, para restabelecer a confiança abalada dos investidores internacionais.
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3 - A partir do início deste século, depois das recorrentes crises sofridas pelas economias dos países periféricos, ficou evidente que o benefício de integrar-se à economia comercial e financeira globalizada era condicional à adoção de uma postura subordinada. A integração deveria ser dirigida para expandir a base exportadora, com o objetivo de crescer dentro dos limites impostos pela manutenção de uma posição de contas externas superavitárias. Acumular um colchão de reservas internacionais era condição para uma integração sustentável. As reservas internacionais mantidas pelos países periféricos são muito superiores ao que seria razoável, se o mercado internacional de capitais tivesse qualquer semelhança com o mercado competitivo teórico.
Apenas duas alternativas estavam abertas aos países periféricos: a inserção subordinada ou manter-se à margem da economia globalizada. Na América Latina, a Venezuela de Hugo Chávez lidera a tentativa de criar um circuito alternativo, que inclui Equador, Bolívia e Argentina. Entre os que optaram por uma inserção subordinada estão o Brasil, México, Chile e Colômbia. Questões ideológicas à parte, o balanço econômico é inequívoco: integrar-se à economia globalizada, ainda que de forma subordinada, foi uma alternativa muito superior à do clube dos excluídos. O fato parece não ter escapado à liderança chinesa, desde o princípio do processo de reversão da revolução cultural maoísta. A China, alertada para os riscos de uma integração incondicional à economia globalizada pelas crises por que passaram seus vizinhos asiáticos, manteve, desde o início, uma atitude extremamente conservadora. Procurou integrar-se, mas com uma postura de conotação mercantilista-exportadora cujo objetivo primordial é extrair benefícios da demanda externa dos países centrais, para garantir expressivos superávits comerciais. Só depois de acumular um extraordinário colchão de reservas internacionais a China passou a reduzir gradualmente os entraves sobre o crescimento da demanda interna. Ainda assim, até o eclodir da crise atual, manteve o papel de locomotiva secundária, principal fonte de demanda pelos produtos primários, exportados primordialmente pelas economias periféricas, desde que suas exportações e seu superávit comercial estivessem garantidos pela euforia do consumo nos países centrais. O consumo interno chinês esteve sempre reprimido, tanto pela política econômica, quanto pelo controle direto do acesso das populações rurais às áreas urbanas.
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O crescimento atrelado exclusivamente ao aumento do consumo dos países centrais não tem como sustentar-se por um período prolongado. Nesses países, o crescimento demográfico é baixo ou mesmo nulo, a pirâmide demográfica é invertida e o padrão de vida já é muito elevado. Manter o alto crescimento da demanda interna depende, simultaneamente, da capacidade de criar novas necessidades de consumo e da possibilidade de expandir os mecanismos de financiamento para famílias cada vez mais endividadas. Os países ricos centrais consomem, endividando-se para satisfazer necessidades cada vez mais artificiais, com produtos feitos na China, que controla seu custo de mão de obra e adquire matérias-primas dos países emergentes secundários. Não é necessária uma análise muito profunda para concluir que esse modelo é insustentável no longo prazo. Sinais da inviabilidade do crescimento mundial ancorado nesse modelo desequilibrado acumulavam-se há anos. Sua expressão maior era o déficit em conta corrente americano e sua contrapartida: o superávit comercial e a acumulação de reservas internacionais pela China.
4 - Há duas grandes vertentes de interpretação das raízes da crise. A primeira dá ênfase a uma deficiência do quadro regulatório, imperfeição que teria levado aos excessos de alavancagem incorridos pelo sistema financeiro mundial, viabilizados pela explosão de engenhosidade que se seguiu à transformação de um sistema de relacionamento para um sistema de transações de mercado. Essa transformação acelerou-se a partir do desenvolvimento dos contratos contingentes, os chamados "derivativos", e da securitização de créditos. A segunda vertente enfatiza os grandes desequilíbrios macroeconômicos internacionais.
É evidente que as duas correntes estão, ao menos parcialmente, corretas, mas são, sobretudo, complementares. O desequilíbrio macroeconômico não teria sido tão profundo, nem teria se sustentado por tanto tempo, sem o desenvolvimento extraordinário do mercado financeiro. O endividamento e o grau de alavancagem mundial não teriam atingido os extremos a que chegaram sem o desequilíbrio macroeconômico internacional.
Aceitar a correção e a complementaridade das duas interpretações não significa, contudo, concluir que a redefinição do marco regulatório do sistema financeiro seja tão relevante quanto encontrar uma alternativa para o desequilíbrio macroeconômico internacional. O novo desenho da regulamentação do sistema financeiro, promovido de forma apressada e sob o impacto emocional da necessidade de injetar recursos públicos para sanear a irresponsabilidade, corre o risco de ser excessivamente repressor e voltado para impedir erros já incorridos. É mais fácil proibir e cercear do que adaptar o marco regulatório aos desafios que estão por vir. O ímpeto punitivo e cerceador é voltado para os riscos do passado e incapaz de antecipar os desafios do futuro.
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De toda forma, a definição do novo marco regulatório, por importante que seja, não seria capaz de destravar o sistema financeiro, muito menos de contribuir para a retomada do crescimento global. A questão maior é como reorganizar a economia mundial para dar-lhe um dinamismo sustentado por fatores distintos daqueles sobre os quais esteve baseada nas últimas três décadas. Qual o arcabouço institucional capaz de garantir um dinamismo sustentável sem retomar e aprofundar os desequilíbrios das últimas décadas?
5 - Mais de um ano e meio depois do primeiro sinal de que o mercado financeiro internacional tinha problemas sérios, dado em agosto de 2007, não há mais dúvida quanto à profundidade e ao caráter global da crise - a mais séria desde a Grande Depressão de 1929, ouve-se repetidamente. Certificar-se de que os erros cometidos em 1929 não se repitam parece pautar a reação da política econômica americana. Onde estamos na crise e o que esperar da reação de política econômica posta em prática até este momento?
O fator deflagrador da crise foi o esgotamento do ciclo expansionista do mercado imobiliário residencial nos Estados Unidos. Como ficou evidente depois, a bolha do mercado imobiliário americano era apenas o aspecto mais crítico do esgotamento de um ciclo maior: o do crescimento acelerado do consumo nos países centrais, financiado pelo endividamento crescente do setor privado. Exauriu-se o ciclo de consumo com endividamento, levado a níveis extremos pela engenhosidade de um sistema financeiro globalizado. Após alguns meses de colapso dos preços dos ativos, o resultado não demorou a aparecer: o sistema financeiro estava insolvente e os consumidores, excessivamente endividados.
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A reação de política econômica, num primeiro momento, sobretudo nos Estados Unidos, mas em seguida também na Europa, foi garantir que os erros de 1929 não fossem repetidos. Preocupados em garantir a liquidez do sistema financeiro a qualquer preço, os bancos centrais passaram a emitir moeda, das formas mais convencionais às mais heterodoxas. O objetivo era interromper a queda brusca dos preços dos ativos, imobiliários e mobiliários, antes que o sistema financeiro se tornasse insolvente, ou seja, que tivesse seu capital próprio tragado pela desvalorização de seus ativos.
A agressividade do Fed, a partir da quebra do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008, não foi suficiente para reverter o quadro. A velocidade da deterioração do valor dos ativos nas carteiras dos bancos continuou superior à capacidade das agências governamentais de simultaneamente capitalizá-los com recursos públicos e assumir seus créditos problemáticos. A extraordinária injeção de liquidez no sistema financeiro, desde o início de 2008 até abril de 2009, representou um aumento do ativo do Fed de quase US$ 1,2 trilhão, ou seja, aproximadamente 10% do PIB americano. A aquisição de ativos financeiros e o aumento do capital dos bancos, financiados pela expansão do ativo do Fed, é um processo de transformação de dívidas privadas em dívidas públicas, pois grande parte dos créditos adquiridos é irrecuperável. O objetivo de um comprometimento de recursos públicos dessa magnitude é fazer com que o sistema volte a emprestar - o que ainda não aconteceu e, muito provavelmente, não acontecerá enquanto o setor privado estiver sobre-endividado.
6 - Para reativar a economia estagnada, após uma grande recessão, recorre-se à receita de John Maynard Keynes, exposta na sua "Teoria Geral da Moeda e do Emprego", de 1936. O trabalho seminal de Keynes, posteriormente sistematizado, é a base da moderna macroeconomia, sobre a qual se fundamenta até hoje, embora profundamente revista, a formulação de políticas monetárias e fiscais. Keynes argumenta que, em períodos de recessão e deflação, a política monetária pode se tornar incapaz de estimular a demanda agregada. Só a política fiscal, por meio do aumento dos gastos e dos investimentos públicos, poderia fazer a economia estagnada "pegar no tranco".
A política fiscal keynesiana é a que expande os gastos públicos, sobretudo os de investimentos, para criar demanda agregada e reacender, por meio do chamado multiplicador keynesiano, a demanda privada. Quando o Fed expande seu ativo adquirindo créditos problemáticos, embora haja um componente fiscal embutido na provável elevação da dívida pública, trata-se ainda de uma ação de política monetária. Política monetária não convencional, com provável impacto direto na dívida pública, decorrente da incapacidade de recuperar o valor integral desses créditos, mas, ainda assim, política monetária. Embora essa não seja a política monetária clássica, à qual Keynes se referia, ela também é incapaz de estimular a economia nas atuais circunstâncias. A razão é simples: ainda que seja executada até o ponto em que o sistema financeiro, menos alavancado e recapitalizado, esteja disposto a voltar a conceder empréstimos, não haverá tomadores. Enquanto o setor privado não financeiro estiver excessivamente endividado, preocupado em poupar para reduzir seu endividamento, os únicos possíveis tomadores de novos empréstimos serão justamente os incapazes de amortizar suas dívidas. Só estará disposto a tomar novos empréstimos quem não é capaz de honrar seus compromissos anteriores. A desalavancagem apenas do setor financeiro não resolve o problema. É preciso que o setor privado não financeiro, as famílias e as empresas, também consiga reduzir sua alavancagem para que o sistema volte a funcionar. Para isso, não basta haver quem se disponha a dar crédito, mas também quem seja digno de crédito e se disponha a tomar crédito.
Há uma diferença fundamental entre as condições a partir das quais Keynes formulou suas teses e as condições atuais. A "Teoria Geral" é de 1936. Antes disso, a partir de 1932, esboços da tese ali formulada aparecem nos ensaios de Keynes . A partir de 1932, a economia americana estava ainda prostrada em profunda depressão, mas, como se sabe hoje, o excesso de endividamento do setor privado tinha sido eliminado pelo colapso do sistema financeiro, como consequência, em grande parte, de equívocos na condução das políticas monetária e fiscal. A quebra generalizada dos bancos e das empresas resolveu o problema do endividamento excessivo. Bancos, empresas e famílias estavam quebrados, mas sem dívidas. Os custos foram dramáticos, mas o excesso de endividamento desapareceu.
O fato de não se repetirem hoje os erros cometidos em 1929 leva a uma situação muito diferente daquela em que a economia americana se encontrava em 1932. Se, por um lado, não se permitiu que o sistema financeiro fosse à bancarrota, que a economia se desorganizasse por completo e que o desemprego aberto atingisse números perto de 30%, como ocorreu na Grande Depressão, por outro, a economia continua hoje, há quase dois anos do início da crise, completamente soterrada em dívidas impagáveis. Enquanto seu endividamento for percebido como excessivo, o setor privado - empresas e famílias - estará dedicado a reduzir despesas e a aumentar a poupança, até que seus compromissos tenham voltado a um nível aceitável. No início da década de 1930 não havia demanda por que não havia atividade econômica e não havia renda. Hoje, não há demanda por que a necessidade de reduzir o excesso de endividamento exige que se poupe uma parte substancial da renda. São situações diferentes.
O que ocorre hoje nos Estados Unidos é mais parecido com o que ocorreu no Japão após a crise imobiliária e bancária do início dos anos 1990. A intervenção do governo impediu que os bancos quebrassem, as políticas monetária e fiscal tornaram-se agressivamente expansionistas, os juros foram para níveis próximos de zero, e ainda assim a economia se manteve praticamente estagnada. A economia prostrada, mas sem dívida, pode dar início a uma recuperação através do aumento das despesas públicas, que funcionam como um motor de arranque. Uma vez iniciada a marcha, a renda gerada não é mais primordialmente poupada para reduzir o endividamento, mas é gasta para recompor o padrão de vida das famílias, o que cria demanda e dá início ao círculo virtuoso da recuperação. Já numa economia paralisada pelo excesso de dívida do setor privado, como foi o caso do Japão desde os anos 1990, e agora acontece nos Estados Unidos, nem a política monetária, nem a política fiscal são capazes de reativar a economia. Grande parte da renda gerada pelo aumento do gasto público é poupada pelo setor privado para reduzir seu endividamento. Interrompe-se, assim, o círculo virtuoso do multiplicador keynesiano de dispêndios.
A melhor análise de situações como essa, da economia em deflação, paralisada pelo excesso de dívida, não é de Keynes, mais voltada para como reativar uma economia em que as dívidas foram dizimadas pela depressão, mas do economista americano Irving Fisher (1867-1947). Keynes, ao menos o da "Teoria Geral", é o economista do período pós-depressão. Fisher é o grande analista dos períodos depressivos em si, quando a questão do endividamento excessivo e da deflação é dominante .
Fisher estudou as depressões de 1837 e 1873, assim como a de 1929 a 1933, e desenvolveu sua tese de que nem a política monetária, nem a política fiscal são capazes de estimular a economia enquanto perdurar uma situação de endividamento excessivo. Para se ter uma ideia relativa da magnitude do problema do endividamento, o total da dívida americana em 1929 era de 300% do PIB e chegou a quase 360% no fim do ano passado, depois de ficar entre 130% e 160%, desde o início dos anos 1950 até o final da década de 1980. Ben Bernanke, o atual presidente do Fed, ele próprio um acadêmico com trabalhos importantes sobre os períodos de depressão, demonstrou ter consciência da dificuldade de sair do atoleiro deflacionário, quando há alguns anos, em visita ao Japão, afirmou que a melhor maneira de sair da deflação é não entrar nela .
7 - Há uma simetria entre a questão da inflação e a questão da deflação. Antes, é preciso especificar que a inflação que quero contrapor à deflação não é a pequena inflação, sempre presente numa economia saudável, nem mesmo um surto inflacionário mais forte, por pressões circunstanciais, que pode levar os índices anuais acima dos dois dígitos. O quadro inflacionário ao qual me refiro é o das grandes inflações crônicas, como o que caracterizou a economia brasileira desde a década de 1970 até a estabilização, com o Real, nos anos 1990. Assim como o quadro inflacionário crônico é essencialmente um problema de endividamento excessivo do setor público, o quadro deflacionário é essencialmente um problema de endividamento excessivo do setor privado.
A inflação crônica decorre de uma incompatibilidade intertemporal da restrição orçamentária do governo, independente da função de taxação que vier a ser adotada. Trata-se do caso em que o setor público abusou de tal forma da sua capacidade de extrair recursos, seja das gerações presentes - através de tributos ou do chamado "imposto inflacionário" - seja das gerações futuras, através do endividamento, que sua credibilidade é finalmente exaurida. A dívida pública passa a ser percebida como impagável e a moeda nacional é substituída por moedas paralelas. O fim das grandes inflações passa necessariamente pela redução do endividamento público, ou pela socialmente onerosa hiperinflação, ou, alternativamente, por alguma forma de "default". No caso do Brasil, o Plano Collor, apesar de fracassado, revelou-se uma forma barroca e complexa, ainda mais agressiva do que um "default" negociado, de reduzir a dívida pública. Foi, entretanto, condição para que a sofisticada desindexação do Plano Real viesse a ter sucesso.
A deflação, por sua vez, decorre de uma incompatibilidade intertemporal da restrição orçamentária do setor privado. A partir de determinado ponto de endividamento, o setor privado só se percebe como capaz de carregar sua dívida enquanto acredita na contínua alta dos preços de seus ativos. Como a alta dos preços dos ativos é alimentada pelo próprio endividamento, a partir de certo ponto, o processo adquire características de uma "bicicleta especulativa". No momento em que se interrompe a alta dos preços dos ativos, o setor privado se descobre subitamente insolvente. As bolhas especulativas imobiliárias, sobretudo residenciais, por basearem-se nos ativos de propriedade mais abrangente, são as que mais estragos causam quando se exaurem. Diante da ameaça de deflação, a opção por não dar crédito público a um setor privado insolvente - não havendo, portanto, uma política monetária agressivamente contracíclica - é o equivalente simétrico, no quadro da inflação crônica, a permitir que se chegue à hiperinflação aberta. Essa foi a opção feita em 1929, com a insistência no equilíbrio fiscal e na manutenção do padrão ouro. O resultado, assim como na hiperinflação aberta, é "zerar a pedra", através da quebra generalizada. Não é preciso destacar os custos absurdos da opção de resolver o endividamento excessivo - seja público, via hiperinflação, seja privado, via depressão - através de uma política de terra arrasada.
A experiência de 1929 ensinou que o apego à ortodoxia, a recusa de financiar com recursos públicos uma economia insolvente, é um equívoco a não ser repetido. Infelizmente, sabe-se desde Keynes, a política monetária expansiva não é capaz de estimular a economia nessas circunstâncias. É capaz de evitar seu colapso, aprendeu-se com os estudos posteriores de Milton Friedman e Anna Schwartz , mas, ao dar sobrevida a uma economia atolada em dívidas, torna ineficaz também a política fiscal, como já havia observado Irving Fisher. Enquanto o endividamento não for digerido, tanto a política monetária como a política fiscal são ineficazes. As alternativas não são atraentes: deixar a economia desmoronar, para que as dívidas desapareçam e em seguida usar a política fiscal para reanimá-la, ou inundar a economia insolvente com crédito público, para evitar o colapso, mas ficar sem instrumentos para tirá-la de uma prolongada letargia. Um fim horroroso ou um horror sem fim.
8 - Tudo indica que os Estados Unidos terão pela frente um longo período de estagnação. A opção por uma política monetária agressiva e heterodoxamente expansiva deverá evitar a repetição do colapso de 1929, quando o PIB chegou a cair perto de 50% e o desemprego aberto superou os 30%. Em contrapartida, o excesso de dívida do setor privado deverá levar anos para ser digerido. Como o excesso de dívida é algo relativo à renda e ao produto interno, quanto menos crescer a economia, mais longo será o período de digestão. Ou, inversamente, quanto maior for a demanda, maior será o crescimento e mais rápida a digestão do excesso de dívida. Esta é a explicação para o aparente contrassenso de estimular o consumo numa sociedade que enfrenta uma crise monumental, justamente por consumir e se endividar em excesso. Um chargista captou bem a contradição ao descrever o estado das coisas: país viciado em bolhas especulativas busca desesperadamente nova bolha para investir.
A dúvida quanto à atitude correta, nas atuais circunstâncias, entre gastar ou poupar, parece confundir a todos. Tudo indica que o ideal seria poupar, mas desde que os outros gastem. E quem são "os outros" numa perspectiva macroeconômica? A resposta vem de uma identidade elementar da contabilidade nacional: os outros são, primeiro, os estrangeiros que compram nossas exportações e, segundo, o governo que, ao gastar, saca contra as gerações futuras.
Keynes demonstrou que, mesmo que o governo financiasse o aumento dos gastos com aumento correspondente dos impostos, o efeito líquido seria um aumento da demanda agregada, por que os impostos arrecadados vêm parcialmente da poupança. Entretanto, quando se fala em aumento do gasto público nas atuais circunstâncias, não se trata, absolutamente, de financiá-los com aumento dos impostos, mas sim, e integralmente, através do aumento da dívida pública. Fica claro que, quanto mais o estímulo à demanda interna vier das exportações, menor a conta a ser dependurada nas gerações futuras. Enquanto as exportações são uma contribuição externa à recuperação da demanda, as importações são um dreno à demanda interna. Numa economia aberta, parte do esforço de aumentar os gastos públicos se esvai via importações. A eterna tentação protecionista encontra um apelo renovado.
9 - Retomemos o fio do raciocínio. Na raiz da crise, apesar dos evidentes excessos do sistema financeiro, não está a falta de regulamentação. Estão ali, sim, os graves desequilíbrios macroeconômicos mundiais. O consumo dos países centrais, turbinado pelas novas formas de financiamento criadas por um sistema financeiro globalizado, foi a locomotiva do crescimento mundial. O esgotamento, nos países centrais, da capacidade de endividamento para consumir levou à crise, que paralisou a economia mundial no último trimestre de 2008.
Com a lição sobre 1929 bem compreendida, a política monetária americana tem inundado a economia com moeda e crédito, na tentativa de evitar uma depressão profunda. Ainda que essa política seja bem-sucedida, as economias dos Estados Unidos e dos demais países centrais, sobreendividados, deverão ficar estagnadas, sob a ameaça de deflação, por alguns anos. A assunção de dívidas privadas pelo setor público, para evitar o colapso do sistema financeiro, poderá ser bem-sucedida, mas ao custo de um grande aumento da dívida pública. Apesar do provável aumento expressivo dos gastos públicos, as economias centrais deverão continuar estagnadas enquanto durar o endividamento excessivo do setor privado. O período de digestão do excesso de dívidas será longo. Como, numa economia globalizada, as importações drenam o esforço doméstico de reativar a demanda interna através do gasto público e as exportações, ao contrário, contribuem para a recuperação da demanda interna, será grande a tentação, também nas economias centrais, para a adoção de uma postura protecionista.
No horizonte dos próximos anos, não há políticas domésticas capazes de revitalizar as economias centrais. O momento seria ideal para reverter o desequilíbrio das últimas décadas. Um agressivo programa de aumento do consumo e do investimento nos países periféricos seria a resposta mais adequada para a recuperação mundial. Além de contribuir para a recuperação das economias centrais, viria aliviar toda sorte de carências reprimidas na periferia. Ocorre que os países de economias periféricas, traumatizados pelas consequências de tentarem assumir o papel de agentes autônomos de sustentação da demanda mundial, adotaram uma atitude conservadora mercantilista, que não será facilmente modificada. Esse posicionamento foi-lhes estimulado - quando não imposto, mesmo em condições recessivas extremas - para obter credibilidade. A compreensível resistência a reverter a política conservadora dos países periféricos agravará o sentimento de irritação nos países centrais, o que deverá alimentar a tentação protecionista e nacionalista, sempre mais forte em momentos de crise.
A crise deixou claro o caráter anacrônico do quadro político e institucional mundial para lidar com a ameaça de uma recessão sincronizada. O quadro político não acompanhou a velocidade com que o mundo se globalizou. O arcabouço institucional não se adaptou à revolução tecnológica que levou à integração econômica. A crise dos anos 1930 terminou por levar, em 1944, à conferência de Bretton Woods, da qual saiu a tentativa de criar uma ordem monetária e instituições econômico-financeiras internacionais. Mais de seis décadas, muitas crises e algumas revisões depois, o sistema está definitivamente ultrapassado.
Não basta o esforço de dar fôlego às instituições criadas no âmbito do fim da Segunda Guerra por meio da incorporação dos novos atores da cena mundial. Coordenação internacional parece, hoje, a fórmula mágica. É preciso, simultaneamente, coordenar os esforços de políticas fiscais e monetárias, evitar a tentação protecionista, discutir uma regulação financeira harmônica e, sobretudo, reverter os desequilíbrios macroeconômicos das últimas décadas. Sem o arcabouço institucional adequado, a coordenação não pode almejar mais do que as declarações de boas intenções, como as da recente reunião do G-20 realizada em Londres.
A questão da moeda-reserva mundial foi recentemente retomada pelo presidente do banco central chinês. À primeira vista, o fato poderia ser entendido como provocação ou retaliação às reiteradas declarações das autoridades americanas de que a China deveria valorizar sua moeda. O artigo em que Zhou Xiaochuan expôs suas ideias é sensato . A moeda-reserva é o ponto crucial para que se possa progredir em direção a um mundo mais equilibrado. O desequilíbrio das últimas décadas se deve, por um lado, ao aumento irrestrito das despesas e do endividamento dos países centrais e, por outro, a uma postura nacional exportadora conservadora, voltada para a acumulação de reservas externas pelos países periféricos. A questão da credibilidade, que determina em última instância a assimetria a que estão submetidos os países emissores de moeda-reserva e os demais, está na raiz dos dois tipos de comportamento.
A moeda moderna não tem lastro físico, é meramente fiduciária. Está baseada na credibilidade do emissor. Credibilidade que depende, primordialmente, da percepção de solidez econômico-financeira do emissor e do seu sentido de responsabilidade. Responsabilidade para não abusar do privilégio outorgado. Mas a questão não se esgota aí. A credibilidade da moeda está baseada na percepção de solidez de todo um arcabouço econômico, mas, sobretudo, político, jurídico e institucional, do emissor. Uma moeda não ganha o direito de ser moeda-reserva, de ser utilizada para transações internacionais, sem a percepção da solidez econômica, política, jurídica e institucional de seu emissor. O dólar americano, por esses critérios, foi uma alternativa superior a qualquer outra desde Bretton Woods. Compreende-se o retumbante fracasso da tentativa de transformar a moeda artificial do FMI, o Direito Especial de Saque, em moeda mundial.
Nas últimas décadas, o persistente e crescente desequilíbrio das contas externas americanas provocou desconfiança quanto à posição tão dominante do dólar como moeda de denominação das transações internacionais. A magnitude dos déficits em conta-corrente dos Estados Unidos, que teria sido suficiente para provocar o colapso de qualquer outra moeda, já havia criado desconforto em relação ao dólar como moeda-reserva mundial. O aumento da aversão ao risco, com o eclodir da crise, demonstrou que ainda não havia alternativa. O dólar confirmou sua condição de refúgio e valorizou-se em relação a todas as moedas. É evidente, entretanto, o desconforto, a sensação de que este não é mais o porto seguro que um dia foi, mas sustentado apenas pelo hábito e pela falta de alternativas.
O mal-estar em relação ao dólar só se agravou com a agressiva política adotada pelo Fed para evitar o colapso do sistema financeiro. Aos Estados Unidos pode ser interessante, para evitar a depressão, adotar uma política monetária heterodoxa agressiva e inundar o mercado de dólares, mas sua credibilidade como emissor de moeda-reserva ficaria gravemente arranhada. A possibilidade de que, em algum momento à frente, o excesso de moeda e de dívida pública americana possa provocar inflação e brusca desvalorização do dólar é hoje uma preocupação que não pode ser descartada. Desde que não saiam do controle, tanto a inflação, quanto a desvalorização do dólar interessam aos Estados Unidos. Auxiliariam na redução do valor real das dívidas e estimulariam a economia. Compreende-se, assim, que a China, o maior detentor de títulos de dívida pública americana, esteja desconfortável e proponha a criação de uma moeda-reserva supranacional.
Embora inflação e desvalorização do dólar não pareçam ainda uma ameaça concreta num mundo à beira da deflação, não se deve subestimar seu impacto potencialmente desagregador, tanto sobre as relações comerciais e financeiras, quanto sobre políticas no mundo. A criação de uma verdadeira moeda-reserva supranacional seria a forma de minimizar o impacto de uma eventual desvalorização do dólar e de reverter a assimetria que resultou no desequilíbrio macroeconômico das últimas décadas. Antes da moeda mundial, entretanto, será preciso criar um emissor supranacional com credibilidade.
A globalização da economia e da cultura, fruto do progresso tecnológico, não parece ser um processo reversível sem um retrocesso do progresso da humanidade. Economia e cultura estão cada vez mais globalizadas, mas a política continua restrita aos limites geográficos dos estados nacionais. Os grandes temas são hoje mundiais. A homogeneização institucional, a criação de uma grande jurisdição supranacional, são o único caminho possível para lidar com os desafios de um mundo globalizado e submetido a limites a cada dia mais estreitos. Seria ingênuo imaginar que se avançará rapidamente na construção de um novo arcabouço jurídico-institucional supranacional. Sua necessidade já é evidente, mas o caminho é longo. A compreensão de que os desequilíbrios macroeconômicos que levaram à crise atual e que dificultam sua superação só poderão ser corrigidos num novo marco institucional global deve dar um sentido de urgência à agenda.
André Lara Resende, economista, colaborou na formulação dos planos Cruzado e Real. Foi diretor do Banco Central e presidente do BNDES no governo de Fernando Henrique Cardoso.

ENTREVISTA DA 2ª
PERSIO ARIDA
Regulação mais rígida não evitaria crise, afirma economista - mesmo argumento e Petitis aqui resgistrado (eliana cardoso e....)
Articulador do Plano Real, Persio Arida diz que estabilidade artificial do pré-crise alimentou riscos e que as altas da Bolsa não significam que crise acabará em breve
"A CRISE não desaparecerá em breve; talvez, estejamos começando a ter excessivo otimismo quanto à solução." A opinião, expressa a uma plateia de psicanalistas, é de Persio Arida, articulador do Plano Real. Arida participou, há cerca de 20 dias, de um seminário sobre o colapso nos mercados na SBP (Sociedade Brasileira de Psicanálise) de São Paulo.Indagado pela plateia, Arida disse que não vê uma dimensão ética do capitalismo. "Vejo Estados mais ou menos assistencialistas, ou que incentivam a livre iniciativa, mas são opções de políticas públicas, não de Estados malévolos ou benévolos." Por fim, não espera que a crise prenuncie uma nova ordem capitalista.
MARIA CRISTINA FRIAS
DA REPORTAGEM LOCAL
O economista Persio Arida conversou com a Folha, por e-mail e por telefone, de Londres, onde vive e é responsável pelas operações da companhia de investimentos BTG, da qual é sócio-fundador. Leia a seguir trechos da entrevista.
FOLHA - Se a ajuda dos governos a bancos e empresas reforça o comportamento de risco, à medida que se tem a percepção de que o Estado sempre salva quem foi incompetente ou irresponsável, qual é a saída?
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04/29/2009
IS 2009 THE NEW 1929?
Current Crisis Shows Uncanny Parallels to Great DepressionBy SPIEGEL Staff
Is history repeating itself? The current global downturn has many parallels to the Great Depression. And if the current massive bailout packages fail, the effect on the world's economies could be similarly drastic.

The Germans have always had a penchant for looking to America to gain a glimpse into the future.
They marveled at the Apollo 11 mission to the moon. They admired the gray but affordable Commodore personal computer. And they succumbed to the spell of an Internet company with the odd name of Google.

DPA
Will the current crisis be as bad as the Great Depression?
Now the Germans are looking across the Atlantic once again, but this time they see images that remind them of their own past, images of sad-looking people standing in long lines, hoping for work.
One of them is Michael Sheehan, who worked as an engineer with a large company until February. Not too long ago, Sheehan was the one doing the hiring. Today he is only one of 900 other job-seekers attending a job fair in a depressing hotel ballroom in Philadelphia.
FROM THE MAGAZINE
Find out how you can reprint this DER SPIEGEL article in your publication. One of the flyers arranged on the tables exhorts the attendees to "Stay Positive." But Sheehan feels more outraged than positive. Someone at the fair asks him for his resume. "I don't have a resume," he says. "I worked at one company for more than 30 years."
Natalie Ingelido, 21, is standing nearby, trying to calm down her bawling two-year-old son, who clearly doesn't like it here. "I'm looking for a job, any job, in a restaurant, a bar, cleaning, whatever," she says.
In the past, says Ingelido, "Help Wanted" signs were plastered on the doors of shops and bars. The past she refers to is last summer, when Natalie and her husband still lived in their own apartment. Now they live with his parents.
Across America, people like Sheehan and Ingelido are standing in lines, waiting and hoping. At one job fair in New York, the line stretched for several city blocks. Many would turn away, embarrassed to be seen there, whenever TV reporters attempted to document their fates.
More than 5 million people in the United States have lost their jobs since the crisis began. As if the country were undergoing fever convulsions, more than 650,000 were catapulted into the streets in the last month alone.
Most experts are now convinced that Germany will follow the United States along this downward trajectory. And those who, like many a politician, had refused to believe it until now were disabused of that notion last week.
Wednesday was a dark day for the leaders of Berlin's grand coalition government, which comprises the center-left Social Democratic Party (SPD) and the conservative Christian Democratic Union (CDU). All their hopes that the skies over Germany could quickly brighten -- just in time for September's national election -- were suddenly dashed when leading economic institutes released their annual forecasts, which turned out to be even gloomier than expected: a 6 percent shrinkage in the German economy this year, followed by another year with no economic growth.
Unemployment will rise sharply. It is expected to exceed 4 million by this fall and hit 5 million by next year. By then, at the latest, the crisis will have become reality for millions of people, as it reaches private households, forces more companies into bankruptcy and pushes countless loans into default, only making things worse for the country's already ailing banks.
Politicians around the world are forced to look on as the economic crisis jumps from one industrial sector to the next and spreads to more and more social groups. They are the witnesses of a reality that repeatedly debunks their worst prognoses as being all too optimistic.
They are approving billions in government spending for economic stimulus programs and bank bailout packages, and pumping more and more money into the economy to rejuvenate the economic cycle. But no one knows whether this medicine actually works -- and if it does, when it will take effect.
DER SPIEGELGraphic: Parallels between current crisis and Great DepressionPoliticians, in their desperation, are clinging to even the tiniest glimmer of hope. At the opening ceremony of the Hanover Trade Fair early last week, where the number of exhibitors had just about remained stable, Chancellor Angela Merkel announced that the worst appeared to be over.
At an economic summit at the Chancellery a few days later, none of the 31 invited representatives of industry was willing to share this optimism. Instead, the meeting was marked by pessimism and a deep sense of helplessness. The mood reminded one of the attendees of a "funeral wake."
It appears that the German federal government, labor unions and employers have exhausted their options. As a result, the course of the meeting was predictable. The assembled representatives of industry groups used the opportunity to present the government with their familiar demands. The invited economists argued over terminology and forecasts, and the members of the government snubbed those officials who had expressed their opinions somewhat too loudly of late.
The mood at the Chancellery only worsened in response to the grim forecast for growth presented by Hans-Werner Sinn, the president of the Munich-based Ifo Institute for Economic Research, who predicted that the worst is yet to come. According to Sinn, German banks will have to make write-downs equivalent to up to 90 percent of their capital, while most businesses hold a pessimistic view of the future. Sinn even believes that deflation is possible, a situation in which demand would continue to decline despite falling prices.
But not all of the economics professors in attendance agreed with the Munich economist's theories. Wolfgang Franz, an economist from the southwestern German city of Mannheim, said that he believed that the economy could fall back into step more quickly than others predicted. Alex Weber, the head of Germany's central bank, the Bundesbank, made it clear that he sees possible inflation as a much greater threat. By the end of the economists' presentations, the attendees were no longer sure which danger they were supposed to combat.
Deflation, inflation, mass unemployment -- these are words reminiscent of the darkest chapter in economic history. Thus, it comes as no surprise that experts are mentioning with growing frequency a term that was believed to have been relegated to the history books: Great Depression.

Part 2: 'The Consequences Are Real'
Part 3: Donating Sperm to Beat the Crisis
Part 4: Unfettered Capitalism
Part 5: Underestimating the Crash
Part 6: The Rise of Hitler
Part 7: The End of American Hegemony

09/17/2009
One Year after Lehman
It's Business as Usual Again for Wall Street's Casino Capitalists
By SPIEGEL Staff

NYT MAGAZINE
After the Great Recession
By DAVID LEONHARDT
Published: April 28, 2009
On April 14, President Obama gave a speech at Georgetown University, trying to explain why he was taking on so many economic issues so early in his administration. He argued that the country needed to break its bubble-and-bust cycle and cited the New Testament in calling for a new economic foundation for the nation. This foundation would be built on better schools, alternative energy, more affordable health care and a more regulated Wall Street, he said. Later that afternoon (shortly before the Obama family introduced its new dog, Bo, on the South Lawn of the White House), I sat down with the president to talk about how his agenda might change daily life in this country. ... ... .... ...

6 pgs.
The era of transition that we are entering will be disruptive—but it may bring a world where markets are servants, not masters
Geoff Mulgan
Discuss this article at First Drafts, Prospect 's blog
The US banking system faces losses of over $3,000bn. Japan is in a depression. China is headed for zero growth. Some still hope that urgent surgery can restore the status quo. But more feel that we are at one of those rare points of inflection when nothing is the same again. ... ... ... .... .... ... .... .... .... ... ... .
19/04/2009 - 00h01
PROSPECT
Geoff Mulgan*
O sistema bancário americano enfrenta perdas de mais de US$ 3 trilhões. O Japão está em uma depressão. A China caminha para crescimento zero. Alguns ainda esperam que uma cirurgia de emergência possa restaurar o status quo. Entretanto, cada vez mais pessoas sentem que estamos em um daqueles pontos raros de inflexão quando nada será novamente o mesmo.
Mas se um sonho acabou, que outros sonhos aguardam nas sombras? O capitalismo se adaptará? Ou devemos nos perguntar de novo uma das grandes perguntas que agitam a vida política há quase dois séculos: o que poderá vir após o capitalismo?
Há poucos anos atrás a pergunta foi abandonada, considerada tão sensível quanto perguntar o que viria após a eletricidade. Mas a lição do próprio capitalismo é de que nada é permanente. Dentro do capitalismo há tantas forças que o minam quanto há forças que o conduzem adiante.
Nas primeiras décadas do século 19, as monarquias da Europa pareciam ter se livrado de seus desafiantes revolucionários, cujos sonhos foram enterrados na lama de Waterloo. Monarcas e imperadores dominavam o mundo e tinham provado ser extraordinariamente adaptáveis. Assim como os atuais defensores do capitalismo, aqueles que os apoiavam podiam argumentar de forma plausível naquela época que as monarquias estavam enraizadas na natureza. Mas assim como a monarquia se deslocou do centro do palco para a periferia, o capitalismo não mais dominará a cultura e a sociedade tanto quanto atualmente. Em resumo, o capitalismo poderá se tornar servo em vez de mestre, e a atual depressão acelerará esta mudança.
Para entender no que o capitalismo poderá se transformar, nós primeiro temos que entender o que ele é. Isto não é tão simples. O capitalismo inclui uma economia de mercado, mas muitas economias de mercado tradicionais não são capitalistas. Ele inclui o comércio, mas o comércio também há muito precede o capitalismo. Ele inclui o capital - mas os faraós egípcios e os ditadores fascistas também administravam superávits.
O historiador francês Fernand Braudel ofereceu talvez a melhor descrição do capitalismo quando escreveu sobre ele como sendo uma série de camadas construídas acima da economia de mercado comum de cebolas e madeira, encanamentos e cozinha. Estas camadas, local, regional, nacional e global, são caracterizadas por uma abstração ainda maior, até no topo se encontrar finanças sem corpo em busca de retorno em qualquer lugar, sem compromisso com qualquer lugar ou setor em particular, e transformando tudo e qualquer coisa em commodity.
O capitalismo tem um relacionamento complicado com a política: às vezes restringido e domado por ela, às vezes buscando dominá-la. O mesmo padrão pode ser visto nos Estados Unidos, onde ambos os partidos estão emaranhados em Wall Street -um motivo para terem tido dificuldade em responder a uma crise que desafiava tanto as suas suposições (os primeiros passos de Obama às vezes pareciam menos seguros e menos radicais do que os de Roosevelt em parte porque, enquanto Roosevelt procurou o conselho de pessoas de fora do sistema, Obama optou por pessoas de dentro, como Larry Summers e Tim Geithner).
Há apenas poucas décadas, havia grande interesse no que substituiria o capitalismo. As respostas variavam de comunismo ao gerencialismo, e de esperanças de uma era dourada de lazer a sonhos de um retorno à harmonia comunitária e ecológica. Mas o capitalismo inquieto continuava a fornecer base para a crença de que poderia destruir a si mesmo. Há uma geração, o cientista social americano Daniel Bell escreveu sobre as "contradições culturais do capitalismo", argumentando que o capitalismo minaria as normas tradicionais sobre as quais se apoia - a disposição de trabalhar arduamente, de transmitir legados aos filhos, de evitar o hedonismo excessivo. O Japão nos anos 90 foi um bom exemplo - seus adolescentes preguiçosos rejeitavam a ética de trabalho de seus pais que levou ao milagre econômico.
Os argumentos relacionados apresentavam a demografia como o calcanhar de Aquiles. O materialismo capitalista minava os incentivos para as pessoas terem filhos, sacrificando renda e prazer pelo esforço árduo da vida familiar.
Outros críticos enfatizaram a vulnerabilidade do capitalismo ao sucesso. Ganhos extraordinários de produtividade na manufatura reduziam sua participação no produto interno bruto, deixando as economias mais dependentes do setor de serviços cujo crescimento é inerentemente mais difícil. Há uma vulnerabilidade equivalente no consumo. Após atender com sucesso as necessidades materiais das pessoas, o capitalismo é ameaçado se então perderem o interesse no trabalho árduo e em ganhar dinheiro, optando pelo aconselhamento da nova era, a anos de pausa de meia-idade e aos fins de semana com três dias. A única resposta do capitalismo é investir cada vez mais na criação de novas necessidades alimentadas pela ansiedade por status, beleza ou massa corpórea, um resultado perverso que pode tornar as sociedades capitalistas desenvolvidas mais problemáticas psicologicamente do que seus pares pobres.
Todas estas críticas atingem alguns de seus alvos, apesar de que nenhuma dar alguma ideia de como as contradições do capitalismo poderiam ser resolvidas. Para encontrar algumas ideias de como a atual crise pode se ligar a estas tendências de longo prazo nós precisamos olhar para o trabalho de Carlota Perez, uma economista venezuelana cujos textos atraem cada vez mais atenção.
Perez é uma estudiosa dos padrões de longo prazo da mudança tecnológica. Na visão de Perez, os ciclos econômicos começam com o surgimento de novas tecnologias e infraestruturas que prometem grande riqueza; elas então alimentam frenesis de investimento especulativo, com aumentos dramáticos nos preços de ativos e outros. Os booms são então seguidos por colapsos dramáticos. Após estes colapsos, e períodos de turbulência, o potencial de novas tecnologias e infraestruturas é então percebido, mas apenas quando surgem novas instituições melhor alinhadas com as características da nova economia. Assim que isso acontece, as economias então passam por ondas de crescimento assim como de progresso social.
Antes da Grande Depressão, os elementos de uma nova economia e nova sociedade já estavam disponíveis - e encorajaram as bolhas especulativas dos anos 20. Mas elas não foram nem entendidas pelas pessoas no poder, nem estavam inseridas nas instituições. Então, durante os anos 30, a economia se transformou, nas palavras de Perez, de uma baseada no "aço, equipamento elétrico pesado, grandes obras de engenharia e química pesada... em um sistema de produção em massa para atender aos consumidores e aos enormes mercados de defesa. Precisaram ocorrer inovações radicais na gestão da demanda e na redistribuição de renda, dentre as quais o papel econômico direto do Estado talvez tenha sido o mais importante". O que resultou foi a ascensão do consumismo em massa e uma economia apoiada pela nova infraestrutura de eletricidade, estradas e telecomunicações. Durante os anos 30, não estava claro que inovações institucionais seriam mais bem-sucedidas, mas após a Segunda Guerra Mundial um novo modelo de capitalismo regulado pelo Estado surgiu, caracterizado pelos subúrbios e estradas, pelo bem-estar social e gestão macroeconômica, que serviram de base para o crescimento do pós-guerra.
Vista sob esta luz, a Grande Depressão foi tanto um desastre quanto uma aceleradora de reforma. Ela ajudou a promover novas políticas econômicas e de bem-estar social em países como Nova Zelândia e Suécia, que posteriormente se tornaram comuns por todo o mundo desenvolvido.
Uma implicação da obra de Perez é que parte do velho precisa ser varrido antes que o novo possa encontrar suas formas mais bem-sucedidas. Sob esta luz, escorar setores fracassados é uma política arriscada. Perez sugere que podemos estar à beira de outro grande período de inovação institucional e experiência que levará a novos acordos entre as reivindicações do capital, da sociedade e da natureza. Em retrospecto, estas acomodações periódicas são tão integrais ao capitalismo quanto as crises financeiras - de fato, apenas por meio de crises e reformas institucionais é que o capitalismo se adapta a um ambiente em mutação e redescobre a bússola moral que é tão vital para que os mercados funcionem bem.
Se outra grande acomodação está a caminho, esta será moldada pela tripla pressão da ecologia, globalização e demografia. As novas tecnologias - de redes de alta velocidade a novos sistemas de energia, fábricas com baixa emissão de carbono a software com código fonte aberto e medicina genética- têm um tema em comum: cada uma transforma potencialmente o capitalismo em servo em vez de mestre, seja no mundo do dinheiro, trabalho, vida cotidiana ou do Estado.
O consumo é o segundo lugar onde os sinais de mudança são inconfundíveis. Nos países altamente endividados, simplesmente haverá menos dele e mais poupança. É uma ironia que muitas das medidas adotadas para lidar com o impacto imediato da recessão, como os pacotes de estímulo fiscal, apontem na direção oposta do que é necessário a longo prazo. Mas já há fortes movimentos para restringir o excesso do consumismo em massa: o slow food, o movimento da simplicidade voluntária e as muitas medidas para conter o aumento da obesidade são todos sintomas de uma inclinação para o ver o consumismo menos como uma dádiva inofensiva e mais como um vilão.
Espelhando estas mudanças estão modificações em como as coisas são feitas, à medida que o capitalismo se afasta da destruição da natureza para algo mais próximo de um equilíbrio com ela. Visite as fábricas da BMW na Alemanha e você poderá ver um novo modelo de capitalismo que tenta reutilizar todos os materiais necessários para se fazer um carro.
O conhecimento também está dividido entre modelos capitalistas e alternativas cooperativas. Há uma década, todas as políticas industriais de cada governo valorizavam a criação e proteção da propriedade intelectual. Mas contrariando as expectativas, modelos diferentes também prosperaram. Uma proporção alta dos programas usados na Internet possui código fonte aberto.
O terceiro lugar onde devemos procurar mudanças é no mundo do trabalho. As variedades de experiência de trabalho são vastas, com enormes disparidades de pagamento, realização e poder. Em alguns setores a depressão dará um novo impulso à velha idéia de que os trabalhadores devem empregar o capital em vez do contrário. Em outros setores, há uma tendência a longo prazo de mais pessoas querendo que o trabalho seja um fim tanto quanto um meio, uma fonte de realização tanto quanto de renda.
Muitas dessas mudanças estão forçando os Estados a considerarem de novo como socializar os novos riscos. As duas últimas acomodações - a do final do século 19 e de meados do século 20- tratavam em sua raiz do risco, enquanto os governos assumiam a tarefa de proteger as pessoas do risco da pobreza na velhice, saúde ruim e desemprego. A China parece destinada a alcançar o Ocidente neste aspecto; ela precisa desesperadamente criar um serviço de saúde e Estado de bem-estar social viável caso o Partido Comunista deseje permanecer legítimo e conter uma reação política contrária aos excessos capitalistas. Em outros lugares o campo de batalha será os cuidados à população. Enquanto a população envelhece, em princípio é viável para todos segurarem a si mesmos, e mesmo que o seguro seja calibrado com base em resultados de DNA e estilos de vida. Mas a experiência sugere que é difícil projetar mercados de seguro para atendimento de saúde e social que sejam tanto eficientes quanto justos. Para a maioria, o abismo entre o que é necessário e o que é oferecido está crescendo, à medida que a expectativa de vida continua crescendo e a incapacidade se torna a norma. Em uma geração nós poderemos estar à beira de uma grande expansão da provisão coletiva, nascida de nossa vulnerabilidade compartilhada à incapacidade, demência e ficar sem filhos ou cônjuges que cuidem de nós. Esta provisão será moldada pelo acesso a uma informação mais precisa a respeito das disposições individuais, ou a respeito da eficácia dos tratamentos, e sem dúvida empregará capacidades de negócios. Mas é altamente improvável que será capitalista.
Os governos também poderão ser mais atraídos aos serviços financeiros. Até o momento, o setor de serviços financeiros tem sido notavelmente lento em oferecer produtos mais adequados às necessidades contemporâneas. Contas de bem-estar social; orçamentos pessoais para saúde; cotas pessoais de carbono. Tudo isso poderá se transformar em partes distintas da arquitetura de um Estado reformado que promova um pool dos riscos ao mesmo tempo que personaliza seus serviços.
A tendência mais longa é de ver o produto interno bruto com menos importância do que outras medidas de sucesso social, incluindo o bem-estar.
A crise do capitalismo é, é claro, uma global, e tem exibido as limitações das instituições globais que foram moldadas há meio século. A China caminha para se tornar um agente dominante em um Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial fortalecidos, seguida pela Índia e Brasil. O G20 está superando o G8 como o clube que importa. E no aguardo estão possíveis novas instituições para policiamento e gestão do carbono.
O resultado é que um grande espaço político está se abrindo. A curto prazo, ele está sendo preenchido com raiva, medo e confusão. A longo prazo ele poderá ser preenchido com uma nova visão do capitalismo, e seu relacionamento tanto com a sociedade e a ecologia, uma visão que será mais clara a respeito do que queremos para crescer e o que não queremos.
No passado as democracias domaram, guiaram e ressuscitaram repetidas vezes o capitalismo. Elas impediram a venda de pessoas, votos, cargos públicos, trabalho infantil e órgãos do corpo, e asseguraram o cumprimento de direitos e regras, assim como despejaram recursos para atender a necessidade do capitalismo de ciência e perícia, e foi desta mistura de conflito e cooperação que o mundo atingiu progresso extraordinário no último século. Nós precisamos reacender nossa capacidade de imaginar, e ver através da tempestade que ainda está se formando o que se encontra além.
Geoff Mulgan é o diretor da Young Foundation.Tradução: George El Khouri Andolfato


Discussão sobre o destino do capitalismo
Segunda-feira, 18/05/2009 - Com a crise econômica mundial, novas oportunidades se apresentam no mercado e mudanças de pensamento já estão acontecendo. O professor Geoff Mulgan explica que mudanças são essas.
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