Barbas de molho: o Brasil e a crise - Carlos Lessa (Valor, 24-09-08)
O plano de Paulson não é a solução - Martin Wolf (Valor, 24-09-08) + Artigo: Plano Paulson não é solução (Folha, 24-09) => Wolf: por que o plano de Paulson não foi uma verdadeira solução para a crise (24-09-08) => Paulson's plan was not a true solution to the crisis (Sep 23 2008)
Anatomia de uma crise - Barry Eichengreen (Valor, 23-09-08)
Falta de coordenação - Delfim Netto (Valor, 23-09-08) + Antonio Delfim Netto: Fiducia (Folha, 24-09)
Crise coloca em xeque os pilares do capitalismo - David Wessel (Valor, 23-09-08)
Crise nos EUA: "O mundo como nós o conhecemos está desabando" - Marc Pitzke (Der Spiegel, 20-09-08)
Contribuintes e novo cassino - John Kay (Valor, 18-09-08)
Decoupling? - Eliana Cardoso - (Valor, 18-09-08)
A crise sistêmica e a miragem - José C Braga (Valor, 18-09-08)
1929 pode acontecer de novo? - José Luis Oreiro e Gabriel Coelho Squeff (Valor, 18-09-08)
Fim da regulação superficial - Martin Wolf (Valor, 17-09-08)
The Buck Stopped Then => By JAMES GRANT + Since 1971, nothing has stood behind the American dollar except the world’s good opinion of the United States. And now, the world is changing its mind.
Democratas e republicanos atacam plano (Folha de São Paulo, 24-09) + [Congress Objects to Lack of Help Aimed at Homeowners] + F.B.I. Looks Into 4 Firms at Center of the Economic Turmoil => By ERIC LICHTBLAU + The F.B.I. opened preliminary investigations into possible fraud involving Fannie Mae and Freddie Mac, Lehman Brothers and the American International Group. [24/09/2008 - 01h21 FBI investiga suposta fraude de gigantes financeiras dos EUA - Folha Online ] + => “Mortgage Fraud”: The Paulson Bail-Out Plan By Richard C. Cook - Global Research, September 23, 2008
Marcos Nobre: A crise e a regulação (Folha, 23-09)
Krugman : Dinheiro por lixo
Niall Ferguson: Uma longa sombra + Follow the Money => By MICHAEL HIRS. December 25, 2008
Boom, Bust, Repeat
By DANIEL GROSS
December 25, 2008
For the past two decades, Michael Lewis, the most charming and one of the shrewdest guides to America’s raucous money culture, has displayed a knack for being at the right place at the right time. He was a young trader on the Salomon Brothers bond desk during the 1987 crash; the experience led to “Liar’s Poker.” His boss at Salomon, John Meriwether, a decade later became a central figure in the downfall of the hedge fund Long-Term Capital Management. Lewis spent a chunk of the 1990s in Silicon Valley, where he profiled the serial entrepreneur Jim Clark in “The New New Thing” and happened on to his next great subject, the Oakland A’s (“Moneyball”). Now, just in time for the Great Credit Debacle of 2008, Lewis has curated “Panic,” a prose exhibition on the past 20 years of monetary madness. .... .... ..... .....
Análise: Bush estatiza mais que Putin, diz Hobsbawm
Salvamento financeiro: A cleptocracia dos EUA em acção , por Michael Hudson, 23/Set => Como os Chicago Boys arruinaram a economia, por Michael Hudson, 05/Set [Entrevista trata da hegemonia do dólar] => How the Chicago Boys Wrecked the Economy -by Mike whitney (August 29, 2008)
CAPITALISMO EM CRISE (I) - A farra financeira consensuada pelas elites (24/09/2008 - Carta Maior) => EUA. by Gustavo Barreto.
Socialism for Bankers, Savage Capitalism for Everyone Else? + U.S. Economy + James S. Henry (The Nation) [The bailout jeopardizes the entire progressive agenda, undermines democracy, doesn't compensate us for our money and doesn't solve the problem. Otherwise, it's great!]
O colapso capitalista , por Fred Goldstein, 22/Set
A admirável adesão do Dow Jones à má qualidade , por Michael Hudson, 21/Set Em 2008, só de juros, 1,8 milhão de famílias endividadas com a habitação terão de pagar à banca mais de €5,7 mil milhões , por Eugénio Rosa, 21/Set
The Paulson-Bernanke Bank Bailout: Will the Cure be Worse than the Disease? => By Michael Hudson (Global Research, September 22, 2008)
Goldman, Morgan Stanley to become regulated banks => (By Krishna Guha in Washington, September 22 2008 03:04
Capitalism in convulsion: Toxic assets head towards the public balance sheet => By John Plender (Published: September 19 2008 19:25)
Analysis: Is America’s house price crash at last bottoming out? (By James Politi and Krishna Guha in Washington, Saskia Scholtes in New York and Rebecca Knight in Boston, September 9, 2008, 20:09)
Luiz Carlos Bresser-Pereira: A crise se aprofunda (Folha, 21-09)
Economistas questionam eficácia e custo do socorro
Frase"Ninguém sabe de onde virá a próxima crise", afirma professor Artigo: Professor e banqueiro jogam por terra dogmas do mercado
FrasesArtigo: O sistema financeiro paralelo se desfaz
Íntegra: Leia o projeto de socorro do Tesouro
Entrevista da 2ª - Ron Chernow: "Bush tem que intervir agora porque não interveio antes"
Raio X
Perfil: Destino de bancos choca historiador
Futuro do capitalismo diante de crise divide analistas - BBCBrasil.com
Economia Global em Crise - BBC Brasil.com
24/09/2008 - 15h08 - FMI avalia custo da crise financeira em US$ 1,3 trilhão
September 23, 2008, 4:18 pm - Economists on the Bailout => By Justin Wolfers (Freakonomics) == Freakonomics.com: o básico da atual crise financeira (24-09-08)
Princeton saves the world = > Blog Krugman (September 23, 2008, 7:55 pm)
Too big to fail versus moral hazard By Henry C K Liu (Sep 23, 2008) Page 1of 5. ....GO ON..
FINANÇAS EM CRISE - Le Monde Diplomatique (Agsoto - 2008)
A dinâmica da grande queda (<=link) by Gérard Duménil, Dominique Lévy Vinicius Torres Freire: Marcado para morrer no mercado (26-09)
Economistas criticam lógica do plano (26-09)
Artigo: Mundo precisa de autoridade monetária (26-09)
Lei fixa 30 horas semanais para estagiário (27-09)
UMA PROPOSTA DE POLÍTICA ECONÔMICA PARA O NOVO GOVERNO
por André Nassif
por André Nassif
VALOR ECONÔMICO,
NOBEL DE ECONOMIA, TIROLE PEDE MAIS LIQUIDEZ A BANCOS
por Charles Forelle e William Horobin | The Wall Street Journal, de Londres e Paris
por Charles Forelle e William Horobin | The Wall Street Journal, de Londres e Paris
Economista francês, de 61 anos, elaborou teorias sobre o comportamento de grandes empresas que sustentam a regulação antitruste moderna
VALOR ECONÔMICO, 14/10/2014
O LONGO 2008
Os acontecimentos de 2008 e sua evolução em 2009
Os últimos quatro meses foram muito reveladores dos dois mundos em que o mundo está dividido, o mundo dos ricos e o mundo dos pobres, separados mas unidos para que o mundo dos pobres continue a financiar o mundo dos ricos. Muito do que se desencadeou em 2008 vai continuar, sem qualquer solução de continuidade, em 2009 e mais além. O sociólogo Boaventura de Sousa Santos analisa algumas destas continuidades.
Boaventura de Sousa Santos - 23/12/2008
ENTREVISTA: MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
“O país não pode mais contar com o BC; governo deve investir pesado no gasto social".
Em entrevista à Carta Maior, a economista Maria da Conceição Tavares diz que o Brasil não pode mais contar com o BC. "A partir de agora, o Banco Central tornou-se uma peça menor no xadrez econômico". Para ela, a grande batalha de 2009 é fortalecer o emprego e o poder aquisitivo do povo. Ao falar sobre 2010, manifesta apoio a Dilma Roussef e diz que ela mais consistente do que José Serra. E lança um desafio ao PT: "o partido precisa submeter seus projetos e ideais à nova realidade mundial.
Redação - Carta Maior - 18/12/2008
Folha, 11-12-2008
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Juros extravagantes
A política monetária brasileira está demorando a se adaptar às novas circunstâncias
PREPARE-SE , leitor: o artigo de hoje vem um pouco carregado de estatísticas (essa permanência aqui no FMI está arruinando o meu estilo).
Feita a advertência, começo. É impressionante como mudou a situação econômica brasileira e mundial. Há poucos meses, a inflação parecia ser um grande risco -pelo menos para países como o Brasil. As atas do Copom sinalizavam uma longa temporada de aumentos na taxa de juro.
A turma da bufunfa salivava intensamente. Hoje, o risco dominante é a recessão -ou uma desaceleração pronunciada no caso do Brasil. Até a deflação voltou a ser uma ameaça para algumas economias.
Muitos bancos centrais estão diminuindo as taxas básicas de juro de forma acentuada. Nos últimos dias, houve diversas decisões desse tipo: Banco Central Europeu (-0,75 ponto percentual), Banco da Inglaterra (-1,0), Banco do Canadá (-0,75), Riksbank da Suécia (-1,75), para citar alguns exemplos.
A política monetária brasileira está demorando a se adaptar às novas circunstâncias. Em conseqüência, vem aumentando a já elevada diferença entre os juros praticados no Brasil e no resto do mundo.
A taxa real básica "ex ante" (a taxa nominal descontada a inflação esperada para os próximos 12 meses) situa-se em nada menos que 8%. O Brasil continua a liderar, com folga, o ranking mundial de juros.
A Uptrend Consultoria Econômica publica regularmente um levantamento dos juros básicos praticados nos 40 principais mercados desenvolvidos e emergentes. Nos Estados Unidos, no Reino Unido e no Japão, a taxa real básica é negativa em 2,6%, 2,4% e 1,4%, respectivamente.
A Alemanha é atualmente o único dos principais países desenvolvidos a registrar taxa real positiva (1,1%). Nos mercados emergentes, as taxas são moderadas, quando não negativas, em termos reais. Na China, por exemplo, o juro básico real é atualmente de 1,5%; no México, 2,3%. A Rússia e a Índia praticam juros reais negativos, respectivamente de -0,7% e -4,0%. A média geral nos 40 mercados é negativa em 0,3%, segundo a Uptrend Consultoria. Existem motivos de sobra para começar a reduzir a taxa de juro no Brasil. Acumulam-se sinais de que a economia está perdendo impulso.
As projeções de crescimento para 2009 vêm sendo revistas para baixo, sistematicamente. O FMI reduziu a sua previsão para 3%. No levantamento das projeções de mercado, realizado pelo Banco Central, o ritmo de crescimento esperado para 2009 caiu para apenas 2,5%.
A confirmação desses números representaria evidentemente a recaída no cenário de crescimento medíocre do qual estávamos conseguindo escapar. As taxas de desemprego e subemprego provavelmente aumentariam de maneira significativa.
Haveria risco de inflação se os juros fossem mais moderados? É claro que o Banco Central tem que estar sempre alerta. Como diria um discípulo do Conselheiro Acácio, o preço da estabilidade é a eterna vigilância.
Mas não parece existir grande risco. As expectativas de mercado, levantadas pelo Banco Central, apontam para uma inflação da ordem de 5,4% nos próximos 12 meses. As expectativas estão estabilizadas nesse patamar há várias semanas. As estimativas da inflação subjacente (os chamados núcleos da inflação) também registram taxas moderadas, inferiores ao teto da meta de inflação, que é 6,5%. Controle da inflação, sim -mas sem extravagâncias doutrinárias.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago). pnbjr@attglobal.net
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Voltando às origens
A nova linha permite ao FMI fazer desembolsos rápidos, em volumes significativos, e sem as exigências habituais
Folha, 31-10-2008
A ACELERAÇÃO da crise financeira desde setembro criou oportunidades para introduzir mudanças aqui no FMI. Foi o que conseguimos ontem, depois de intenso processo de discussão. A Diretoria Executiva do Fundo aprovou, por larga maioria, a criação de um instrumento de financiamento, denominado "Short-Term Liquidity Facility-SLF" (Linha de Liquidez de Curto Prazo). A linha é bastante parecida com a proposta lançada originalmente pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, em abril último, na reunião de primavera do FMI.O grande arquiteto catalão Antoni Gaudí observou, certa vez, que "ser original é voltar às origens". De certa maneira, é o que estamos fazendo aqui no Fundo. A nova linha permite que o FMI volte a operar dentro de um modelo mais próximo daquele imaginado por John Maynard Keynes, efetuando desembolsos rápidos, automáticos, ou quase automáticos, em volumes significativos. Como se sabe, o modelo de FMI defendido por Keynes acabou sendo suplantado por outra concepção que privilegia empréstimos desembolsados em parcelas, vinculadas ao cumprimento de metas quantitativas e critérios de desempenho -as chamada "condicionalidades".A SLF foge desse padrão. A linha poderá ser acessada apenas por países integrados aos mercados internacionais e que tenham histórico de políticas econômicas sólidas, comprovado pelas consultas anuais do Artigo IV a que são obrigados todos os membros do FMI. Esses países seriam aqueles que apresentam políticas fiscais disciplinadas, inflação baixa e relativamente estável, políticas monetárias adequadas, boa supervisão financeira, posições sustentáveis no balanço de pagamentos em conta corrente e controle sobre o endividamento público e externo.A experiência mostra que mesmo países com essas características podem sofrer choques financeiros externos, isto é, algum tipo de contágio na conta de capitais. Com a SLF, esses países poderão ter acesso muito rápido a um volume expressivo de recursos do FMI e -aqui vem um ponto essencial- sem as "condicionalidades" tradicionais do Fundo, isto é, sem carta de intenções, critérios de desempenho e monitoramento de metas quantitativas.É uma inovação considerável e que se aproxima bastante do desenho que vinha sendo defendido pela cadeira brasileira nas discussões internas. Apenas em dois pontos importantes a SLF diverge da proposta do Brasil: no volume de recursos e no prazo. Nossa proposta não previa limite para o montante a ser desembolsado. Isso seria fixado caso a caso, com base nas necessidades do país atingido pelo contágio financeiro externo. A proposta brasileira também previa que a nova linha teria prazo de um ano a um ano e meio, prazo que nos parecia suficiente para superar crises de liquidez externa.A SLF, tal como aprovada ontem, tem limite de 500% da cota do país no Fundo. No nosso entender, esse valor pode se revelar insuficiente para certas situações, uma vez que as cotas são pequenas em comparação com os fluxos de capital.A SLF tem também um prazo curto. O país considerado apto pode sacar até 500% da sua cota em parcela única, mas tem de repagar em três meses. Pode repetir a operação por mais dois períodos de três meses, totalizando nove meses de cobertura para cada período de 12 meses.Não é exatamente o que queríamos, mas foi dado um passo importante para modificar os procedimentos do Fundo. A instituição fica mais próxima do modelo idealizado por seu fundador mais ilustre.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago). pnbjr@attglobal.net
FOLHA, 04-12-2008
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Recessão e heterodoxia
O governo Obama terá de patrocinar uma política fiscal heterodoxa e fortemente expansionista
HOJE QUERO falar um pouco do desastre econômico aqui nos Estados Unidos. Tudo começou com a esplêndida turma da bufunfa. A economia americana foi transformada em uma imensa Los Angeles. Como observou Keynes, "quando o desenvolvimento de um país se torna o subproduto das atividades de um cassino, o trabalho será provavelmente malfeito".
Vários anos de especulação desenfreada levaram os Estados Unidos (e com eles boa parte do resto do mundo) à maior crise financeira desde a Grande Depressão da década de 1930. A crise financeira provocou o colapso da oferta de crédito e da demanda agregada, jogando a economia numa recessão.
Agora, os Estados Unidos correm o risco de mergulhar na mais grave recessão desde os anos 30. Os mais pessimistas prevêem depressão e deflação. Já há algum tempo se podia perceber que o grande perigo era a formação de um círculo vicioso entre instabilidade financeira e queda dos níveis de atividade e de emprego.
Aconteceu o que se temia. O círculo vicioso está instalado. A crise financeira produziu recessão, e a recessão realimenta os problemas do sistema financeiro, o que gera novos impactos recessivos.
As autoridades monetárias e fiscais têm feito o possível e até o inimaginável para tentar sair dessa armadilha. Desde o final do ano passado, medidas extraordinárias vêm sendo adotadas. A política econômica americana tem se tornado cada vez mais heterodoxa -as cautelas tradicionais estão sendo abandonadas uma a uma, na tentativa desesperada de evitar o pior. Se políticas semelhantes fossem adotadas aí no Brasil, o Ministério da Fazenda e o Banco Central seriam condenados em praça pública como ignorantes e irresponsáveis.
Mas os Estados Unidos são um caso especial. Podem fazer o diabo e ainda colher elogios pela rapidez com que respondem a desafios.
A política financeira americana conduziu a uma intervenção gigantesca do Estado nos mercados financeiros. As tradicionais preocupações com "risco moral" ("moral hazard") e a disciplina do mercado foram deixadas em segundo plano. Na hora do aperto, os bufunfeiros -normalmente defensores fervorosos do livre mercado- apelaram para o socorro oficial. O mais recente pacote de resgate foi para o Citigroup, banco que na crise da dívida da década de 1980 coordenou vários comitês de credores e se destacava por exigir pesados pagamentos e medidas drásticas de ajustamento dos países devedores em apuros.
A política monetária americana também tem sido extremamente heterodoxa. A taxa de juro básica foi reduzida para quase zero. Além disso, o Federal Reserve expandiu a liquidez com grande agressividade, criou novas linhas e flexibilizou as regras de acesso a seus financiamentos.
Apesar disso tudo, a economia continua piorando a cada semana que passa. Para reativar o crédito e a demanda, é provável que o Federal Reserve seja levado a medidas ainda mais heterodoxas. Já se sabe, entretanto, que a política monetária sozinha não dará conta do recado. O governo Obama terá de patrocinar uma política fiscal heterodoxa e fortemente expansionista. O que se verá, provavelmente, é um grande crescimento do déficit público -única maneira de contrabalançar a acentuada contração do consumo e do investimento privados. Não há doutrina que sobreviva a uma emergência.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).
Estatismo e laissez-faire
John Thornhill31/10/2008
Poucos sentimentos são mais superficialmente reconfortantes do que descobrir uma prova de que o resto do mundo enlouqueceu enquanto você esteve certo o tempo todo. Este é o sentimento que parece estar permeando muitos políticos no continente europeu após a implosão do capitalismo anglo-americano.
Após tolerar intermináveis palestras sobre a necessidade de retalhar suas economias excessivamente reguladas e abraçar mercados livres, muitos políticos europeus acreditam que sua defesa obstinada da economia de mercado social foi justificada. Discussões sobre regulação de mercado e intervenção do Estado agora desatam a língua deles de forma tão entusiasmada quanto dão um nó na garganta nos seus pares dos EUA.
Enquanto Hank Paulson, o secretário do Tesouro dos EUA, admite que considera o intervencionismo do seu governo "censurável", muitos políticos europeus parecem secretamente eletrizados por terem voltado a ditar a ordem econômica. Enquanto a maioria dos políticos dos EUA insulta o socialismo mundial, muitos políticos europeus ainda reverencia o termo. Peer Steinbrück, o oposto alemão de Paulson, até filosofou publicamente sobre se Karl Marx não teria estado "tão incorreto" ao predizer que o capitalismo desenfreado acabaria consumindo a si próprio.
Políticos da direita européia estão falando na mesma língua estatizante da esquerda. Silvio Berlusconi, o primeiro-ministro da Itália, diz que a intervenção do Estado deixou de ser um pecado para se tornar uma necessidade, justificando o socorro estatal à Alitália, a companhia aérea nacional.
Nicolas Sarkozy, que já foi descrito por um biógrafo como "um americano em Paris", tem defendido o clássico intervencionismo francês.
Depois de ouvir, nesta semana, o discurso do presidente francês no Parlamento Europeu pedindo a criação de fundos soberanos europeus e uma nova política industrial, o líder do grupo socialista elogiou Sarkozy por "falar como um bom socialista europeu à moda antiga".
Nas palavras de Bruno Le Maire, um deputado francês, seria equivocado falar sobre um retorno do Estado na maioria da Europa, porém, pois ele jamais se ausentou. "Ronald Reagan disse uma vez que o governo é parte do problema, não a solução. Isto é inconcebível na França", ele diz. "O Estado é uma forma de seguro de vida. Sarkozy entende isso muito bem. Este é o eixo principal do seu discurso".
É compreensível que os políticos europeus estejam tentando tranqüilizar os eleitores, enfatizando os seus próprios poderes intervencionistas, dado o pânico nos mercados financeiros e a gravidade da retração econômica. Os gastos do governo foram vitais para recapitalizar o sistema bancário, elevar a confiança e apoiar a demanda. Será necessária uma regulação mais rigorosa para restaurar a fé no sistema financeiro.
Michael Heise, economista-chefe do Allianz Group, diz que os governos europeus reagiram firmemente à crise e que suas economias estão bem posicionadas para atravessar a tormenta. De forma geral, o setor corporativo é robusto; há espaço para mais cortes de taxas de juros; os índices de poupança e de investimento são elevados; e, salvo algumas exceções nacionais, a Europa não padece dos enormes déficits orçamentários e em conta corrente que os Estados Unidos ostentam.
Apesar disso, Heisse teme que intervenção estatal excessiva possa colocar em risco as perspectivas de recuperação da Europa no próximo ano. "O perigo de mais influência estatal e mais corporativismo é bem evidente", ele diz. "Haverá uma retração nas reformas de mercado".
Existem dúvidas, porém, sobre até onde irá o neo-estatismo europeu. As pressões sobre as finanças públicas em sociedades com populações mais idosas limitarão as ambições de gastos dos governos. Os gastos governamentais na França, por exemplo, já equivalem a 54% do PIB, maiores do que em qualquer outro país desenvolvido. A teia de obrigações internacionais na qual a Europa está emaranhada também limitará o protecionismo escancarado.
Por mais que os políticos protestem contra as políticas de concorrência e comércio da Organização Mundial do Comércio e da Comissão Européia, eles são obrigados a respeitar as suas regras.
Leszek Balcerowicz, professor no Warsaw School of Economics, emite um alerta de que a Europa pode estar correndo o risco de aprender a lição errada com a crise financeira, ao acreditar que ela teria sido causada exclusivamente pelo fracasso do livre mercado. Em muitos aspectos, porém, ele sugere, a crise só intensificará as pressões econômicas sobre a Europa, obrigando-a a mais reformas de mercado. "A crise atual não mina, apenas reforça, o argumento em prol das reformas estruturais no mercado de trabalho e de produtos e em favor da disciplina fiscal", ele diz.
Nos seus momentos mais calmos, Sarkozy parece aceitar pelo menos parte desse raciocínio. O presidente francês argumentou que a crise financeira foi causada pelos excessos do capitalismo, não pelo capitalismo em si. Ele está tentando injetar mais liquidez e competitividade na economia francesa esterilizando a legislação que consagra a semana de trabalho de 35 horas, desregulando partes do comércio varejista e reduzindo as cargas tributária e burocrática que recaem sobre as pequenas empresas. Autoridades francesas saudaram os dados que mostraram que o consumo das famílias e a formação de novas empresas - dois dos mais atraentes aspectos do modelo americano, como eles definem - são os principais sustentáculos para a economia.
Como conseqüência da crise, a economia dos EUA está se tornando mais européia em termos de regulação e intervenção estatal. As economias da Europa ainda poderão ser obrigadas a se tornarem mais americanas, também. O desafio é explorar os poderes criativos, domando, ao mesmo tempo, seus excessos destrutivos. Os dois lados podem aprender um pouco de sanidade uns dos outros.
Folha, 29-10
ALEXANDRE SCHWARTSMAN
Contágio e conseqüência
Insistir em manter a demanda interna acelerada só trará mais depreciação cambial e mais inflação
HÁ PELO menos três canais por onde o impacto da crise nos afeta diretamente: comércio global, preços de commodities e, finalmente, fluxos de capitais.A combinação deles deverá implicar não apenas a redução da taxa de crescimento, mas também uma alteração importante na sua composição, à medida que a demanda interna, fator preponderante da aceleração do crescimento nos últimos quatro anos, deverá encontrar limites bem mais claros à sua expansão.De 2002 até meados deste ano a conjuntura internacional se mostrou extremamente favorável ao país. Sem desmerecer a adoção de políticas domésticas que, não tenho dúvida, ainda ajudarão o país a se diferenciar de vários de seus pares no futuro próximo, parcela relevante dos desenvolvimentos positivos no país se originou de fatores externos.O país foi beneficiado, em primeiro lugar, pelo aumento de preços de commodities. Como exporta muito mais commodities do que importa, a alta resultou em preços de produtos exportados crescendo acima dos preços de importados, isto é, houve melhora dos termos de troca. Conjugada à expansão dos volumes exportados, em parte derivada da expansão do comércio global, essa melhora implicou forte elevação da capacidade de importar: entre 2002 e o terceiro trimestre de 2008, estima-se que o poder de compra das exportações tenha crescido 80%.Esse processo permitiu que a demanda doméstica passasse a crescer acima da produção, o que não observávamos desde 1997/98, quando preços de commodities em queda haviam piorado nossos termos de troca. Obviamente, se a demanda doméstica cresce mais rápido que a produção, a diferença deve ser coberta com importações físicas crescendo acima das exportações físicas, o que foi possível principalmente pelo aumento do poder de compra das exportações. Completando esse quadro, a expansão da liquidez mundial barateou o financiamento, trazendo vastos volumes de capital estrangeiro, aparentes na expansão do investimento estrangeiro no país, em particular o investimento direto, que se acelerou de US$ 15 bilhões por ano entre 2002/5 para US$ 35 bilhões por ano em 2007/8.Não há dúvida, porém, que esses três fatores mudaram de direção, isto é, podemos esperar queda de preços de commodities, desaceleração do comércio global e menores fluxos de capital. A resultante não poderia ser mais clara: a capacidade importadora se reduz e, portanto, também a diferença entre o crescimento da demanda doméstica e do produto deverá cair, revertendo o processo observado nos últimos anos.Quem anuncia essa mudança, como seria de esperar, é o sistema de preços. Da mesma forma que a melhora externa se traduziu numa taxa real de câmbio mais forte, incentivando a demanda doméstica às expensas da demanda externa, a piora das condições internacionais requer o inverso, isto é, câmbio real mais depreciado, mesmo com a diferença entre os juros locais e os externos na verdade até mais alta do que no passado. Aliás, isso só demonstra o que venho há muito insistindo neste espaço, isto é, que a trajetória da taxa real de câmbio depende mais de variáveis externas do que a mera diferença de taxa de juros.Em resumo, o choque externo reverteu as condições que permitiam o crescimento rápido da demanda doméstica com efeitos inflacionários mitigados (não eliminados) pela disponibilidade de importações. Insistir em manter a demanda doméstica acelerada só há de trazer mais depreciação cambial e inflação. Vamos tentar não repetir esse erro?
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 45, é economista-chefe para América Latina do Banco Santander, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/alexandre.schwartsman@hotmail.com
O Banco Central e a crise brasileira
Cristiano Romero29/10/2008
A crise é severa e testa, dia-a-dia, a capacidade de reação das economias. A resposta do Banco Central (BC) tem sido rápida, mas há quem espere um pouco mais da autoridade monetária. Nos últimos dias, esta coluna ouviu opiniões de analistas e ex-integrantes do BC. A maioria aplaude o que tem sido feito, mas sugere novas medidas. Outros acham que a instituição poderia ter atuado, antes da explosão da crise, sobre a jogatina cambial, que pode ter chegado a US$ 50 bilhões.
O aspecto mais grave da crise para o Brasil, até agora, são justamente os contratos de empresas exportadoras com derivativos cambiais. Já se sabe que não se trata de um problema exclusivamente brasileiro. Esses contratos também foram feitos, por exemplo, no México e na Coréia, países que, a exemplo do Brasil, estão sofrendo muito com a turbulência. As moedas dessas economias estão se depreciando de forma semelhante ao real.
A crise financeira internacional não começou em setembro. Na verdade, eclodiu em agosto do ano passado, quando os bancos americanos anunciaram os primeiros prejuízos decorrentes de operações com crédito subprime. Nos meses seguintes, a liquidez começou a encolher naquele mercado e também no europeu, obrigando os bancos centrais a reagirem de forma coordenada. No momento seguinte, o custo de captação no mercado interbancário dos Estados Unidos e da Europa cresceu de forma acelerada. A liquidez empoçou.
Enquanto isso, no Brasil, a oferta de crédito bancário, inclusive, com recursos captados no exterior, seguiu batendo recordes sucessivos. Entre janeiro e setembro, segundo dados oficiais, o crédito total da economia avançou 25% - 37,1% em 12 meses! A expansão mais rápida ocorreu no crédito corporativo - aumento de 44,3% em um ano, face a um crescimento de 29,7% na modalidade para pessoas físicas. Chama a atenção o fato de que isso aconteceu em meio à crise internacional, e a seus reflexos sobre a liquidez no mundo, e à elevação dos custos dos empréstimos no mercado interno. Os juros aumentaram aqui por causa da subida da taxa básica de juros (Selic), a partir de abril, e de outras medidas adotadas pelo BC para controlar o excesso de liquidez.
Desconfia-se que parte dessa expansão dos empréstimos às empresas decorreu das operações com derivativos cambiais. No momento em que o custo do crédito estava crescendo, alguns bancos ofereceram dinheiro mais barato, mas desde que os tomadores concordassem em levar junto o que o ex-ministro Delfim Netto chamou de "hedge tóxico". "Se for isso, essa exposição cambial das empresas está mais disseminada na economia. O anedótico nos diz que alguns bancos foram mais agressivos na oferta desses produtos", diz um analista experiente.
Nos 12 meses até setembro, o volume de crédito com recursos externos cresceu 30%, abaixo dos 48,2% registrados na modalidade com recursos domésticos. Analistas do banco Credit Suisse calculam que, do crescimento total do crédito em 2008, 59% foi feito com empréstimos a taxas flutuantes. Nessa modalidade, estão os financiamentos indexados a derivativos cambiais. "Por aqui, temos uma indicação (ainda que imprecisa) de como este instrumento alavancou o crescimento do crédito a pessoas jurídicas, num momento em que o funding já estava mais caro", pondera o último relatório semanal do banco.
Fontes do BC sustentam que o aumento do crédito oriundo de operações com derivativos cambiais não foi significativo. Essa forma de crédito teria ajudado a substituir, em 2008, instrumentos de captação que desapareceram na poeira da crise - IPOs (sigla em inglês para ofertas públicas iniciais), lançamento de debêntures e ações. Derivativo é um instrumento eficiente do mercado para fazer "hedge". Não é regulado pelo BC, mas pela Comissão de Valores Mobiliários, que somente agora, depois do estouro da boiada, decidiu obrigar as empresas de capital aberto a informar essas operações ao público.
Péssima governança de um lado e ganância exagerada dos bancos do outro tornaram a crise internacional mais grave para o Brasil do que deveria ser. O BC insiste que não tinha nada a fazer, que sua responsabilidade é zelar pela saúde do sistema financeiro, mas um ex-dirigente acha que a instituição poderia ter dado uma espiada, na medida em que muitas empresas tomaram recursos na modalidade duplo indexador, "outra idéia maluca". "O BC talvez pudesse ter dado uns puxões de orelha ao longo do caminho", comenta essa fonte.
Fontes do Banco Central alegam que a maioria das operações com derivativos não foi feita no país, mas no exterior, fora do controle das autoridades brasileiras. Do ponto de vista de volume, argumenta-se, os contratos não chamavam a atenção.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que as operações com derivativos somaram cerca de US$ 20 bilhões. Na verdade, ninguém sabe ao certo, mas uma fonte qualificada estima que o valor de face das opções feitas pelas exportadoras gira em torno de US$ 50 bilhões. Este é o fantasma que assombra hoje o Brasil. A solução, no caso das exportadoras, é alongar as opções (por exemplo, de um para três anos), de forma a harmonizá-las com o fluxo de receita em dólar das empresas. Isso interromperia a corrida ao dólar. A partir daí, o problema vira uma questão de liquidez dos bancos, principalmente, dos pequenos e médios, que captam no atacado e ficaram a ver navios desde o agravamento da crise.
"Aqui, o BC poderia ter feito mais e mais rápido. Aliás, ainda pode. Aliás, deve", diz um especialista insuspeito. A recomendação é a redução a zero do recolhimento compulsório sobre depósitos a prazo, dos quais vivem os bancos pequenos e médios. "Acho que isso daria conta do problema", assinala a fonte.
O BC tem liberado parte desse compulsório, mas em boa medida atrelando a flexibilização à compra, pelos grandes bancos, das carteiras de crédito dos menores. "Se tiver banco em apuros, que vá ao redesconto. Se quebrar e o problema for sistêmico, reedite-se o Proer, em vez de vender o mico para o Banco do Brasil, sem punir os donos", observa um ex-diretor do BC.
Cristiano Romero é repórter especial e escreve às quartas-feiras.
E-mail cristiano.romero@valor.com.br
Prioridade é evitar um colapso global
Martin Wolf29/10/2008
É preciso dar crédito a quem de direito: Nouriel Roubini, da Escola de Negócios Stern da Universidade de Nova York, estava certo. Em 20 de fevereiro de 2008, escrevi uma coluna intitulada "Apocalipse Now" (Valor de 20/02), baseada na sua análise dos 12 passos até o desastre. Infelizmente, os EUA não só deram esses passos, como também - com a ajuda de outros, incluindo o Reino Unido - arrastaram o mundo atrás de si.
Em nota mais recente, o professor Roubini prevê uma combinação de estagnação e deflação (The Coming Global Stag-Deflation [A vinda da estag-deflação global], 25 de outubro de 2008, http://www.rgemonitor.com/). Ao fazê-lo, ele aponta, com certo júbilo, para a mais recente análise do panorama global do JPMorgan Chase, que já esteve entre os analistas mais otimistas. Agora, sob a rubrica - "Péssima semana no inferno", o JPMorgan afirma que: "Mais uma vez, cortamos as projeções de crescimento de curto prazo para o mundo desenvolvido e provavelmente prosseguiremos com revisões adicionais para baixo para as economias emergentes nas próximas semanas. Agora mesmo, as nossas projeções indicam que o Produto Interno Bruto global se contrairá a uma taxa anual de 1% no quarto trimestre de 2008 e no primeiro trimestre de 2009".
O JPMorgan estima o encolhimento neste trimestre a uma taxa anualizada de 4% nos EUA, 3% no Reino Unido e 2% na zona do euro. Ele está projetando crescimento global de 0,4% em 2009, com as economias avançadas encolhendo 0,5% e as emergentes, em 4,2%.
Dada a quase desintegração do sistema bancário ocidental, a fuga rumo a ativos seguros, o aperto do crédito para a economia real, o colapso nos preços das ações, turbulência nos mercados cambiais, contínuas quedas acentuadas nos preços das moradias, o veloz saque de recursos dos fundos de hedge e o colapso em andamento do chamado "sistema bancário paralelo", essas projeções até parecem ser bem otimistas. O resultado no próximo ano poderá ser muito pior.
Se os governos ocidentais não tivessem feito intervenções para garantir e recapitalizar os sistemas bancários, a situação certamente teria sido pior. Apesar disso, mesmo isto não parou a confusão. Consideremos apenas duas estatísticas: a capitalização dos mercados acionários mundiais caiu à metade; além disso, segundo o mais recente "Relatório sobre a Estabilidade Financeira" do Banco da Inglaterra, as perdas a marcação de preços de mercado em instrumentos de dívida vulneráveis agora equivalem a imponentes US$ 2,8 trilhões (http://www.bankofengland.co.uk/).
Então, o que deve ser feito? Alguns dirão: absolutamente nada. Existe uma opinião muito generalizada, especialmente nos EUA, de que o mundo precisa fazer uma grande purificação dos excessos do passado. As recessões, por essa linha de pensamento, são benéficas. As pessoas que detêm esta opinião também sustentam que os governos causaram todos os erros. Os mercados, eles insistem, seriam incapazes de cometer os erros que testemunhamos. Para eles, a confissão de Alan Greenspan na semana passada, de que "eu cometi um erro ao supor que o interesse próprio das organizações, especificamente de bancos e outros, era de tal ordem que eles seriam os mais capazes de proteger os seus próprios acionistas" foi tão bem-vinda quanto foi o punhal de Brutus para Cesar.
Curiosamente, o "Relatório sobre a Estabilidade Financeira" do Banco oferece algum respaldo a essa opinião: nos idos de 1900, os bancos dos EUA possuíam quatro vezes mais capital, relativo a ativos, do que detêm hoje. Igualmente, a liquidez dos ativos detidos pelos bancos do Reino Unido desmoronou ao longo do meio século que passou. Garantias implícitas e explícitas de governos realmente tornaram o sistema mais perigoso do que antes. A combinação dessas garantias com desregulamentação comprovou ser letal. O risco moral está longe de ser insignificante.
Apesar disso, a noção de que uma recessão rápida purificaria o mundo dos excessos passados é ridícula. O perigo é, ao contrário, o de ocorrer um colapso, à medida que uma montanha de dívida privada - nos EUA, igual a três vezes o PIB - desaba e se transforma em falência em massa. A espiral descendente começaria com uma deterioração adicional dos sistemas financeiros e continuaria através da desconfiança generalizada, desaparecimento do crédito, fechamento de grande número de empresas, desemprego ascendente, preços de commodities despencando, quedas progressivas nos preços das ações e despejos em alta. A globalização semearia a catástrofe por todos os lugares.
Grande parte das vítimas seria inocente dos excessos passados, ao passo que os mais culpados reteriam os seus ganhos obtidos de forma ilícita. Esta seria a receita, não para um ressurgimento to "laissez-faire" do século XIX, mas para xenofobia, nacionalismo e revolução. Nessas circunstâncias, estas conseqüências são concebíveis. Optar por arriscar um desfecho assim seria como decidir deixar uma cidade arder para punir alguém que tenha fumado na cama. Arriscar enormes prejuízos agora na esperança de diminuir o risco moral mais tarde é insano.
Todo o possível deve ser feito para evitar que a inescapável recessão se transforme em algo pior. Um grande número destas ações necessárias foi apresentado na coluna de Jeffrey Sachs, da Universidade de Colúmbia, anteontem (Valor, Finanças, 26 de outubro de 2008). Eu destacaria cinco pontos.
Primeiro, como argumenta John Muellbauer da Universidade de Oxford, a deflação é um perigo real ("The folly of the central banks of Europe" [a insensatez dos bancos centrais da Europa], 27 de outubro de 2008, http://www.voxeu.org/). A deflação, porém, é letal para as economias endividadas. Hoje, as taxas de juros de curto prazo parecem demasiado elevadas na zona do euro e no Reino Unido. Os bancos centrais precisam reexaminar as suas economias e reduzir taxas em pelo menos um e, idealmente, em dois pontos percentuais.
Segundo, a única forma de deixar o setor privado se desalavancar, sem falências em massa e enormes quedas nos gastos, é substituindo o ativo que todos querem: dívida do governo. Ao contrário do professor Sachs, acredito que cortes de impostos são de fato parte da solução.
Terceiro, é crucial que a concessão de empréstimos seja mantida tanto dentro como entre economias. Depois de terem passado por tantos problemas para recapitalizar os bancos, os governos deveriam insistir que seus recursos sejam usados para suprir linhas de crédito aos mais propensos a permanecer solventes. Se os bancos se recusarem a fazer isso, os bancos centrais deverão substituí-los, como o Federal Reserve está fazendo agora.
Quarto, está no vital interesse próprio dos países de alta renda afetados manter as duramente castigadas economias emergentes solventes durante a crise.
Por fim, é igualmente evidente que o mundo não voltará ao equilíbrio se países em sólidas posições financeiras não ampliarem a demanda interna. O dia das bolhas habitacionais e de enormes déficits em conta corrente nos gastadores países de alta renda acabou. Aqueles que dependem de superávits em conta corrente para sustentar a demanda precisam pensar de novo.
Decisões tomadas ao longo dos próximos meses provavelmente moldarão o mundo por uma geração. A legitimidade da própria economia de livre mercado pode estar em risco. Aqueles que consideram a liquidação dos excessos passados como a solução não compreendem os riscos. O mesmo se aplica aos que sonham com novas ordens mundiais. Atravessemos primeiro essa crise. O perigo continua imenso e o tempo é curto.
Entre bons fundamentos e algumas ilusões
Edward Amadeo29/10/2008
A economia global descarrilou. É cedo para tirar lições, melhor tentar entender o que aconteceu. Tudo começou com a queda dos preços das casas nos Estados Unidos. As instituições que tomaram empréstimos para comprar hipotecas passaram a ter dificuldades para se refinanciar.
A primeira avaliação das autoridades foi de falta de liquidez. Mas, a linha divisória entre iliquidez e insolvência é apenas conceitual. Quando não há compradores para os ativos, ou a volatilidade dos seus preços é elevada, ou a sua dinâmica parece fugir dos fundamentos, é difícil saber se os seus detentores estão ilíquidos ou insolventes.
Muito antes de a dúvida ser dirimida, as instituições enfrentam saques. Para fazer face a eles, os bancos vendem ativos, cujos preços caem abaixo do que se supunha serem os seus fundamentos. E esses mesmos fundamentos pioram quando a crise passa a corroer o patrimônio dos consumidores e empresas.
O que começou como iliquidez, caminhou para insolvência. E os governos não tinham alternativa senão comprar eles mesmos os ativos. E se, aos preços de mercado, as instituições continuavam insolventes, tinham que comprar suas ações. Isso é o que acontecendo nos EUA e na Europa nas últimas duas semanas.
Demorou dez anos para que o governo japonês decidisse comprar as ações dos bancos e estancasse a deflação de ativos. Dessa vez, demorou menos de dez meses antes que os governos tomassem a mesma decisão. O mundo aprendeu com o Japão.
Assim como na década de 1930, demorou dez anos para que John Maynard Keynes convencesse os governos que quando a demanda não reage ao aumento de liquidez, eles têm que aumentar seus gastos para reativar a economia. O mundo aprendeu com Keynes.
Esses vinte anos, dez mais dez, nós economizamos agora. Os aprendizados da crise em curso são desconhecidos ainda. Espera-se apenas que a combinação das lições do passado seja capaz de minimizar os seus estragos.
Sabe-se que para evitar uma crise maior, os governos vão garantir a sobrevivência dos bancos e aumentar os gastos para compensar a queda do consumo. Em um incêndio, os jatos d'água dos bombeiros têm um efeito devastador. Mas é melhor que deixar o fogo lamber tudo. No curto prazo, o objetivo é estancar o pânico, a crise de confiança e trazer de volta os fundamentos.
Que estragos trarão os jatos d'água? As dívidas dos governos deverão ser financiadas, o que implicará juros e impostos mais altos e menor crescimento econômico.
Para apagar o incêndio e fazer o seu rescaldo, será preciso devolver um pedaço dos ganhos dos anos de ouro. De fato, talvez uma parte desses ganhos fosse mesmo indevida. Nos anos recentes, houve um aumento da relação entre riqueza e renda agregadas (gráfico). E agora, há uma volta a patamares históricos.
A pergunta é por que a riqueza cresceu tanto. Uma hipótese é que, ao projetarmos no futuro juros mais baixos e produtividade mais elevada, tínhamos um aumento do valor descontado da renda futura, que é a riqueza. Essas projeções talvez fossem muito otimistas. O pior é que se baseavam em bons fundamentos - e algumas ilusões.
Os fundamentos são a força produtiva e deflacionária da China e da globalização, que ensejaram um conflito mais brando entre crescimento e inflação e, assim, juros reais menores. Mas talvez os efeitos China e globalização venham a se mostrar apenas temporários.
Entre as ilusões estavam a pulverização dos riscos e a prudência financeira devido às regras de Basiléia, aos modelos de risco e a ação das agências de rating. Na verdade, os bancos estavam avalizando operações fora dos seus balanços, tornando os limites de capital irrelevantes, e os reguladores, os modelos e as agências se mostraram ultrapassados pela engenhosidade dos produtos estruturados. Na macro, havia a ilusão de que o modelo de câmbio fixo da China e o financiamento de suas vendas para os EUA eram sustentáveis.
Essas crenças deverão ser revistas e se, de fato, o mundo ficou mais pobre do que se imaginava, a demanda crescerá menos nos próximos anos. Fica o aprendizado de que situações de rápido crescimento da riqueza devido ao aumento dos preços dos ativos devem ser vistos com cautela. Mas talvez seja pedir muito da racionalidade humana, e mais ainda de decisões políticas.
Edward Amadeo é sócio da Gávea Investimentos. Escreve mensalmente às quartas-feiras. E-mail: eamadeo@terra.com.br
Para Pastore, crise força ajuste maior nas contas externas
Sergio Lamucci, de São Paulo29/10/2008
A extensão e a profundidade da crise global exigem do Brasil um ajuste do déficit em conta corrente, o que requer uma desvalorização real do câmbio e uma redução do ritmo de crescimento da demanda doméstica, avalia o ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore. Para ele, o grave problema de solvência que atingiu o sistema financeiro dos Estados Unidos e da Europa provocou uma "parada brusca do fluxo de capitais", afetando "todos os mercados emergentes que, direta ou indiretamente", dependem desses recursos, como o Brasil. Essa parada explica a alta do dólar, diz.
Davilym Dourado/valor
Affonso Pastore, ex-presidente do BC: empresas e BC vão descobrir aos poucos onde vai estar o câmbio de equilíbrio
Para ele, o déficit em conta corrente (as transações de bens, serviços e rendas com o exterior), na casa de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) no acumulado no ano, seria "perfeitamente financiável" em condições normais. A questão é que a situação mudou completamente. Segundo ele, os investimentos estrangeiros diretos vão diminuir, o fluxo externo para a bolsa será menor e haverá menos recursos externos para financiar projetos de investimento das empresas. "Essa redução nos fluxos de capitais produz uma depreciação do câmbio real, independentemente de onde ficarem os preços de commodities [os principais produtos exportados pelo país]."
Se as condições externas permitirem um pequeno déficit em conta corrente, ele acredita que um dólar na casa de R$ 1,90 a R$ 2 pode ser suficiente para promover o ajuste, dependendo do nível em que se estabilizarem as commodities. No entanto, se o país tiver que obter um superávit, não descarta a necessidade de um dólar acima de R$ 2,30, talvez em R$ 2,50, embora ressalte a dificuldade de fazer esse tipo de previsão neste momento.
Pastore diz que o Brasil terá de reduzir o ritmo de expansão da absorção doméstica, composta pelo consumo das famílias, o consumo do governo e a formação bruta de capital fixo (FBCF, que mede o investimento na construção civil e em máquinas e equipamentos). Para ele, a melhor resposta seria o corte das despesas do governo. "Se você cortar o gasto público, ajusta a absorção, o que faz cair menos o investimento, subir menos os juros e depreciar menos o câmbio", diz Pastore, enfatizando, porém, não acreditar que o governo seguirá essa trilha. Com isso, o ajuste terá de recair sobre o consumo das famílias e o investimento, acredita ele.
Embora aponte riscos inflacionários da alta do dólar, Pastore considera que o BC deve manter os juros estáveis na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de hoje. Para ele, é importante analisar o impacto da forte contração de crédito sobre a atividade econômica. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Por que o impacto da crise global sobre o Brasil tem sido muito mais forte do que se imaginava?
Affonso Celso Pastore: Nós estamos na maior crise desde 1929. Isso não é uma figura de retórica. Há pessoas que ainda não perceberam a extensão dessa crise. Ela atinge o Brasil não porque o país esteja fraco. O país tem hoje fundamentos muito melhores. Ela está afetando o Brasil porque é um tsunami de grandes proporções.
Valor: O que essa crise tem de tão mais grave do que as anteriores?
Pastore: Ela não é uma crise de liquidez do sistema bancário internacional, mas de solvência. Quando os bancos estão solventes, mas ilíquidos, isso se resolve com a figura do emprestador de última instância, o banco central, que dá liquidez ao sistema. É o caso do Brasil. Nos EUA e na Europa, como há bancos insolventes, é necessário resolver o problema de solvência, o que pode ser feito de dois modos. O primeiro é deixar o sistema financeiro quebrar. Como a economia de mercado não funciona sem crédito, sem intermediação financeira, você produziria uma depressão de grandes proporções. Para evitar isso, é necessário outro tipo de estratégia. Pode ser a solução idealizada inicialmente pelo secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, em que se compram os ativos e se dá um tempo para os bancos buscarem capital. É algo possível, mas que leva um tempo enorme, além de haver dificuldades técnicas. O sistema bancário quebraria antes disso. A outra solução é a que foi adotada pelo primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown, injetando capital diretamente no sistema [depois seguida pelos EUA]. Com isso, a quebra de bancos deixou de ser um perigo na nossa frente. Mesmo assim, há um outro problema que continua a existir. O crédito tem que encolher, porque a base de capital do sistema se reduziu, em função dos prejuízos gerados pela combinação do estouro da bolha e da alavancagem que havia no sistema.
Valor: Qual o impacto desse processo sobre a economia global?
Pastore: Com menos crédito, haverá recessões se acentuando em países que já estão em recessão. A recessão na Europa vai ser provavelmente mais longa. Nos EUA, ela talvez seja mais curta, mas será bem mais profunda do que a de 2001. Nós vamos ter um processo de redução do PIB dos países industrializados, o que afeta também os mercados emergentes. Países como a China e a Índia podem segurar um pouco a desaceleração global, mas não vão impedi-la Em segundo lugar, vão cair os preços de commodities. Mas o que ocorre agora é uma parada brusca do fluxo de capitais. Talvez seja a maior que nós tenhamos visto, e a mais complicada para lidarmos.
Valor: Por quê?
Pastore: Em 2002, houve uma parada brusca do fluxo de capitais para o Brasil, mas a solução estava nas nossas mãos. O Brasil tinha uma dívida externa muito grande e amortizações que venciam em um ano maiores do que as reservas. A dívida pública era extremamente dolarizada e havia uma mudança de governo. Houve uma parada brusca que depreciou vigorosamente a taxa de câmbio, elevando a relação dívida/PIB. Nós iríamos para uma crise de grandes proporções, se não fosse a sensatez dos dois governos. Antônio Palocci começou a conversar com o ministro Pedro Malan, foi feito o acordo com o Fundo Monetário Internacional, houve a divulgação da Carta ao Povo Brasileiro. Com essas ações e as medidas que se seguiram, como o reforço da meta de superávit primário, nós começamos a sair da crise. Mas ela só dependia de nós. A crise atual é imposta de fora para dentro. Ela não começou num emergente, que recebe uma ajuda do FMI, volta a se equilibrar e o contágio desaparece. Ela atingiu o centro econômico global, os EUA e a Europa, batendo no sistema financeiro, o coração do sistema capitalista. Isso gera uma desalavancagem, o que significa redução de dívidas e do crédito. Lá no final, implica o mundo trabalhar com menos crédito, mas, no curto prazo, causa uma parada brusca de capitais. Atinge todos os emergentes que, direta ou indiretamente, dependem do fluxo de capitais. É assim que o Brasil é atingido.
Valor: Que ajustes o Brasil terá que promover?
Pastore: Vamos olhar a conta corrente. Nós estamos com um déficit que, em condições normais, seria perfeitamente financiável. Ele atinge pouco mais de US$ 20 bilhões em 12 meses. Mas, se você pegar os últimos três ou quatro meses e anualizar, está entre US$ 35 bilhões e US$ 40 bilhões. O déficit está crescendo. O aumento do déficit não seria problemático se você tivesse fluxo de capitais para financiar, mas a situação mudou.
Valor: O fluxo de capitais vai ser muito afetado daqui para frente?
Pastore: Como é que você financia a conta corrente? Não é com capital especulativo. O grosso dos ingressos de capitais no Brasil são investimentos estrangeiros diretos, que totalizaram US$ 36 bilhões nos últimos 12 meses. Uma segunda grande fonte era o investimento em bolsa. Nos IPOs [oferta pública de ações] dos últimos anos, cerca de 70% eram recursos de estrangeiros. Em terceiro lugar, há o financiamento dos investimentos das empresas. Parte é feito com o BNDES, parte com mercado de capitais, mas outra parte é feito com empréstimos externos. Depois há outros capitais de mais curto prazo, como linhas de comércio e ACCs. Há também o dinheiro que entra para comprar títulos brasileiros. Mas essa parte é pequena relativamente ao resto. Se eu digo que os EUA vão para uma recessão maior que a de 2001 e que a Europa vai ter uma recessão longa, os lucros das empresas que podiam fazer investimentos diretos vão cair. Haverá também uma redução importante do ingresso de capitais em bolsa. Para completar, haverá menos crédito e, com isso, menos empréstimos externos para as empresas fazerem investimentos. Essa redução nos fluxos de capitais produz uma depreciação do câmbio real, independentemente de onde ficarem os preços de commodities.
Valor: É possível ter alguma idéia da magnitude da depreciação que será necessária?
Pastore: Se você puder ter um pequeno déficit em conta corrente, menor que o atual, o câmbio real de equilíbrio pode ser de R$ 1,90, R$ 2, dependendo da queda dos preços de commodities. Se você tiver que ir para um equilíbrio na conta corrente, o câmbio pode ser R$ 2, R$ 2,10, R$ 2,15, R$ 2,20, dependendo, de novo, de quanto caírem as commodities. Mas, se houver uma situação hipotética em que essa parada de fluxos de capitais persiste por mais tempo e seja necessário gerar algum superávit em conta corrente, você está falando num câmbio que pode ir para cima de R$ 2,30, R$ 2,40, pode chegar a R$ 2,50. Eu estou sendo propositalmente vago, porque é impossível prever em que nível os fluxos vão se acomodar.
Valor: A parada brusca justifica uma maxidesvalorização de 30% como a das últimas semanas?
Pastore: Claro que justifica. Está saindo capital do país. Se o BC não estivesse atuando, a máxi não seria de 30%, seria muito maior. Ela é só de 30% porque o BC faz leilões de linha, vende dólares à vista e vende swaps cambiais. Graças à ação ativa e correta no câmbio, o BC está evitando um stress maior.
Valor: O BC deve tentar derrubar as cotações do dólar?
Pastore: O BC tem que permitir ao câmbio real encontrar aproximadamente o novo nível de equilíbrio. Se for uma alta que leve o câmbio para algo como R$ 2,70, que hoje parece visivelmente fora do equilíbrio, aí ele pode intervir um pouco mais. Mas o BC não deve tentar intervir para deixar o dólar em R$ 1,80, algo visivelmente abaixo do equilíbrio. Se fizer isso, o mercado vai tomar todas as reservas. A intervenção tem limites.
Valor: Para chegar a esse equilíbrio, não vai haver um impacto muito grande sobre a economia real, com inflação e dificuldade para as empresas definirem preços?
Pastore: As empresas vão descobrir aos poucos, tanto quanto o BC, onde vai estar esse câmbio de equilíbrio. A economia brasileira vai ter que passar por um ajuste, e é um ajuste na direção da desaceleração do crescimento. Se nós temos que fazer um ajuste de conta corrente, de câmbio real, temos que trazer para baixo a absorção doméstica. Pelo que eu tenho visto das últimas manifestações do governo, não há disposição de cortar os gastos. De vez em quando, há uma insinuação do presidente, de que se for preciso ele corta. Mas, como o ministro da Fazenda [Guido Mantega] é keynesiano desde criancinha e prefere aumentar o gasto diante de uma restrição como essa, a redução da absorção terá que ocorrer no consumo das famílias e no investimento. Infelizmente, mais no investimento.
Valor: Por quê?
Pastore: Em primeiro lugar, porque as empresas brasileiras, para financiar os seus projetos de investimento, dependem parcialmente de crédito externo. Além disso, a FBCF é extremamente dependente das importações, e um movimento de ajuste como esse requer um ajuste nas importações. Em terceiro lugar, essa depreciação do câmbio, mesmo com todo esse ajuste de crédito que ocorre agora, produz um efeito inflacionário. Eu não sei se os juros reais vão ficar no nível atual ou vão subir, mas possivelmente terão que aumentar. Há uma dúvida sobre se a restrição de crédito já derruba a absorção na magnitude suficiente para fazer o ajuste. Eu não quero dar uma resposta peremptória, mas na modelagem que eu faço eu não chego a essa conclusão.
Valor: Diante da necessidade de um câmbio mais desvalorizada para enfrentar um cenário externo adverso, não foi um erro ter permitido a apreciação para R$ 1,55?
Pastore: O câmbio é flutuante, e o Brasil se beneficiou da valorização enquanto ela durou. O erro é pensar que o câmbio não flutuaria, tomando decisões assumindo essa hipótese. O câmbio fixo é ainda pior.
Valor: O sr. acha que a zeragem de posições das empresas que tiveram perdas em operações com derivativos tem algum peso na magnitude da alta do dólar? O governo deve ajudar essas empresas?
Pastore: Eu não preciso disso para explicar a alta do dólar. O que explica é a parada brusca do fluxo de capitais. E acho que o governo não deve ajudar ninguém.
Valor: O câmbio está acima de R$ 2, mas há uma contração de crédito e a queda de preços de commodities. O que prevalece neste momento para definir a política monetária?
Pastore: Se você perguntar para alguns economistas de peso, vários deles vão dizer que a credibilidade do BC é importante e que é necessário aumentar os juros. Eu respeito esse argumento. Mas acho que, num momento como esse, em que há uma incerteza sobre o quanto o lado da economia está sendo afetado, é melhor esperar para ver a dimensão do efeito sobre a atividade derivada da contração de crédito. Se eu estivesse no Copom, eu votaria por uma pausa, mas dizendo que há um risco inflacionário...
Valor: ...que vem basicamente do câmbio, não? Os outros fatores não são deflacionários, como a queda das commodities?
Pastore: Os preços de commodities, em reais, estão subindo. O Brasil não está num regime de câmbio fixo. Quando você multiplica os preços de commodities pelo câmbio, eles estão subindo.
Valor: O que o sr. achou da medida provisória que permite aos bancos públicos comprar participações em instituições privadas?
Pastore: Se você está numa crise de liquidez, é insano usar um instrumento de compra de ações. Os instrumentos que se usam para uma crise de liquidez são o redesconto e a liberação de compulsório. A medida foi errada. Você só edita uma medida dessas se há algum banco quebrando, e aí já faz e anuncia qual é exatamente a instituição. Com a edição da medida provisória, o mercado começou a perguntar que banco estava quebrando no Brasil. Isso gerou uma segunda onda de especulação, que levou o BC a ter que mostrar o canhão [os leilões de US$ 50 bilhões em swaps cambiais], para dizer que é capaz de fazer intervenção.
Valor: Como o sr. avalia a possibilidade de a Caixa Econômica Federal comprar ações de construtoras, por exemplo?
Pastore: Para evitar impactos maiores da crise, o Brasil deve melhorar a qualidade da política macroeconômica. Se você cortar o gasto público, ajusta a absorção, o que faz cair menos o investimento, subir menos os juros e depreciar menos o câmbio. Em vez de tomar medidas tópicas, que favorecem quem tem um lobby maior, faça uma coisa que favoreça a economia toda. Quem foi otimista demais no passado e tomou riscos não proporcionais ao que ocorre hoje vai ter que se ajustar.
Valor: Depois de uma eventual pausa no ciclo de alta dos juros, o sr. acredita que virá uma nova alta?
Pastore: Pode haver uma nova alta ou não. Se você para de aumentar os juros, é sinal de que pode haver uma desaceleração forte da atividade. Mas acho que é uma pausa para voltar a subir. Vamos fazer uma conta simples. Suponha que todo mundo que vende produtos importados ou exportáveis nunca tenha formado os preços com o câmbio de R$ 1,55, R$ 1,60, mas de R$ 1,70. Vamos considerar que o câmbio fique em R$ 2,10, e não R$ 2,30 ou R$ 2,40. Com uma alta de R$ 1,70 para R$ 2,10, em cinco ou seis meses a inflação ficaria 1,9 ponto percentual acima do nível atual, com a estimativa do repasse da depreciação permanente para os preços. Como nós estamos com uma inflação de 6,2%, ela subiria para 8,1%. Você vai jogar fora a meta de inflação, dizer que não quer? Como é que você traz de 8,1%, para 4,5% - ou para 5%, 5,5% ou 6%, sem subir os juros?
Valor: Em outubro, todos os relatos indicam que houve uma forte piora no crédito. Isso pode provocar um tranco já no quarto trimestre?
Pastore: Se essa contração de crédito persistir por três meses, a atividade econômica vem abaixo. Mas com o BC tomando ações, você pode esperar uma volta gradual do crédito. Quando o diagnóstico está certo e você administra o remédio correto, o tempo para o remédio para produzir efeito pode ser mais longo, mas ele produz o efeito.
Valor: O ministro da Fazenda vinha dizendo que a economia poderia crescer 4% a 4,5% em 2009. É muito otimismo?
Pastore: É otimismo demais. As previsões já eram de uma desaceleração antes dessa crise. Ela vai gerar um crescimento menor que 4% a 4,5%. Se é 3%, 3,5%, 2%, 2,5%, é uma outra história. O consenso de mercado antes da crise estava em 3,5%. Se for consistente, vai prever uma expansão menor que 3,5%.
Zona do perigo do real
Paulo Tenani29/10/2008
As notícias não são de forma nenhuma positivas. Mas, com a crise financeira global, aqueles fundamentos que determinam o comportamento da moeda brasileira já se deterioraram de tal maneira que uma bolha especulativa no mercado de câmbio é uma possibilidade que não pode mais ser descartada. Não que a depreciação recente do real seja resultado de uma bolha especulativa. Pelo contrário, ela pode ser plenamente justificada pela deterioração dos fundamentos da moeda brasileira e por algumas variáveis técnicas (de curto prazo). Porém, de agora em diante, os fundamentos do real encontram-se em uma região de dinâmica particularmente perigosa, onde os riscos de a taxa de câmbio adquirir vida própria e depreciar-se independentemente dos fundamentos podem aumentar rapidamente.
Na verdade, todas as variáveis fundamentais, sejam elas oriundas do mercado de ativos ou do mercado de bens, apontam na direção de um real mais fraco. Pelo lado do mercado de ativos, a situação é crítica. Devido à diminuição do crédito global, a taxa de Risco Brasil saltou para 6% ao ano, de um mínimo de 1,6% em 2007, elevando as taxas de juros em dólares da dívida externa soberana brasileira - os chamados "yields" - para acima de 9%. Nestas circunstâncias, e aqui vem um detalhe curioso, uma Selic a 13,75% é insuficiente para compensar por todos os custos e riscos de investir na moeda brasileira. É uma situação que está em forte contraste com aquela que o Brasil vivenciou até julho de 2008, quando os "yields" estavam na casa dos 6% e uma Selic de 13,75% compensava generosamente o risco cambial. Pois este cenário mudou radicalmente. Como os "yields" em 10% ao ano, os fundamentos do real entraram na zona do perigo da taxa de câmbio, onde um movimento especulativo que dê vida própria à moeda brasileira não pode mais ser descartado. Esta dinâmica é ainda mais prejudicada pela natureza da crise atual, em que os bancos estão fragilizados e o Banco Central do Brasil talvez encontre limitações para aumentar suficientemente a taxa juros. A moeda brasileira vive, neste sentido, um momento bastante delicado.
Mas existe uma boa notícia, pelo menos em comparação com a crise de 2002. A taxa de juros real de equilíbrio - aquela que resulta, por arbitragem, destes "yields" próximos a 9% - ainda permanece compatível com uma dinâmica da dívida pública estável. Ou seja, com "yields" a 9% ao ano, uma relação dívida/PIB de 40%, crescimento econômico de 3% ao ano e um superávit primário de 3,75% do PIB, a dinâmica da dívida pública deve permanecer estável no Brasil. Além do mais, a dinâmica de transição - aquela que resulta da desvalorização cambial - é altamente favorável para a relação dívida/PIB. O que acontece é que agora, com 100% da dívida líquida denominada em reais, uma desvalorização cambial, enquanto aumenta o PIB nominal (através da inflação), mantém também a dívida líquida inalterada. Neste sentido, a recente depreciação do real deve, nos próximos meses, materializar-se em uma relação dívida/PIB abaixo dos 40% do PIB. Portanto, enquanto uma bolha especulativa no mercado de câmbio é uma possibilidade a ser considerada, o mesmo não ocorre com a Taxa de Risco Brasil. Ou seja, a experiência de 2002, com duas bolhas especulativas - uma no câmbio e outra no risco - realimentando-se mutuamente é, desta vez, uma impossibilidade.
Uma segunda força importante, vinda do mercado de ativos, também aponta na direção de um real mais fraco: a movimentação do dólar no mercado global. Na verdade, até o primeiro trimestre deste ano, a maior parte do ajuste do déficit em conta corrente americano ocorreu por meio da depreciação do dólar perante as moedas de taxas flexíveis, sobretudo o euro e a libra esterlina, mas também o real. Tanto o PIB real dos Estados Unidos quanto as moedas asiáticas - todas com câmbio fixo ou controlado - quase não contribuíam para o ajuste da conta corrente, que acabou, portanto, ocorrendo mais do que proporcionalmente por meio da depreciação do dólar perante as moedas flexíveis. Este "overshooting" do euro, da libra e do real já está no meio de seu processo de reversão. Na verdade, com os Estados Unidos entrando em recessão, e, portanto crescendo menos que a economia mundial, o lado real da economia americana finalmente veio em socorro do dólar no ajuste do déficit em conta corrente. O mesmo ocorre com as taxas de câmbio dos países asiáticos que, devido a uma inflação desconfortavelmente alta, já estão também se apreciando em termos reais. Assim, na medida em que o PIB real dos Estados Unidos e as taxas de câmbio da Ásia começaram a contribuir com o ajuste da conte corrente americana, aquela pressão excedente sobre as moedas flexíveis - que até agora fizeram a maior parte do ajuste - passa a se extinguir. Portanto, no atual cenário global, o dólar deve continuar a se apreciar perante o euro, a libra esterlina e o real, enquanto se deprecia perante as moedas asiáticas. Ou seja, mais uma força fundamental oriunda do mercado de ativos apontando na direção de um real mais fraco.
Quanto aos fundamentos do real vinculados ao mercado de bens, em termos da paridade do poder de compra, o Brasil há muito deixou de ser um país barato e, mesmo com a depreciação recente, a moeda brasileira pode ainda estar 20% acima do seu valor justo. Isto não é um cenário confortável para um país cuja baixa produtividade não lhe permite, pelo menos durante muito tempo, deixar de ser um país barato. O índice BIC Mac, da revista "The Economist", ilustra este ponto. Segundo o índice, uma taxa de câmbio a 2,10 BRL/1USD seria aquela que equalizaria o preço do Big Mac no Brasil ao dos Estados Unidos. Mas, ajustando pela produtividade, quanto um Big Mac no Brasil deveria custar a menos que nos Estados Unidos? É justamente este o dilema do Brasil: sem ganhos de produtividade, o país esta destinado a ter um câmbio consideravelmente mais fraco.
Ainda em termos do mercado de bens, nos últimos 12 meses, a conta corrente brasileira saltou de um superávit de 0,56% do PIB, em setembro de 2007, para um déficit de 1,64% do PIB em setembro de 2008 - ou seja, uma variação de 2,2 pontos percentuais em apenas um ano. Nesta velocidade, um déficit em conta corrente de 3% do PIB em 2009/2010, acompanhado de um déficit na balança comercial, é uma possibilidade concreta. Estes são números preocupantes, especialmente quando levamos em consideração a queda de 40% no preço das commodities ocorrida desde Julho. Alguns cálculos são ilustrativos. Com um déficit em conta corrente na direção de 3% do PIB e uma propensão marginal a importar de 10% e 50% do PIB de bens transacionados internacionalmente, qual a taxa de câmbio que eventualmente traria este déficit de volta ao equilíbrio? Talvez 3.0 BRL/1USD?
Dadas todas estas forças, o cenário para o real brasileiro é de apreensão. Não apenas todas as variáveis fundamentais apontam na direção de um real mais fraco como também os fundamentos do real se deterioraram para dentro da zona do perigo no mercado de ativos - onde a existência de uma bolha especulativa no mercado de câmbio não pode mais ser descartada. Dada a natureza da crise financeira global - que talvez limite o poder do Banco Central brasileiro para aumentar a taxa de juros - o que irá dar sustentação ao real?
Paulo Tenani é professor de Finanças Internacionais da Fundação Getúlio Vargas e autor do livro "Human Capital and Growth"
América Latina e seu desafio fiscal
Javier Santiso28/10/2008
Vivemos tempos incertos mas, mesmo assim, fascinantes para a América Latina. Há apenas uma década, as economias da região haviam sucumbido num abrir e fechar de olhos a uma crise financeira como a atual. Os efeitos da tormenta certamente estão se fazendo sentir e deverão se aprofundar em 2009, exatamente como nas demais economias emergentes, mas sem a dramaticidade com a qual as economias latino-americanas nos haviam acostumado.
Um elemento chave desta capacidade latino-americana de ludibriar o temporal financeiro melhor do que no passado reside na boa ancoragem fiscal das economias regionais, que permite uma maior resistência aos choques externos. Apesar disto, o singular da política fiscal é que ela oferece um exemplo do amadurecimento progressivo das políticas econômicas em boa parte da América Latina, amadurecimento que dará bons retornos em momentos difíceis, como os que se avizinham.
De acordo com o nosso novo relatório "Perspectivas Econômicas da América Latina 2009", do Centro de Desenvolvimento da OCDE, a maioria dos governos latino-americanos (sempre há exceções) têm tomado durante os últimos anos medidas fiscais adequadas para enfrentar um contexto crítico como o atual.
Entre os avanços, foi obtida uma melhora significativa na gestão da dívida pública, o déficit fiscal foi rebaixado e foram adotadas iniciativas importantes de responsabilidade fiscal, como a criação de fundos de estabilização. A região foi também pioneira em inovações fiscais que abrangem desde modalidades especiais de transferência condicional de dinheiro em espécie, a interessantes projetos de orçamentos participativos.
Apesar do já conquistado, resta muito caminho adiante. A tormenta atual desencadeada nos países desenvolvidos só agrava a urgência de tomar providências, embora também nos leve a lamentar o tempo desperdiçado durante estes últimos anos de bonança, agora infelizmente atrás de nós. Nossa análise dos sistemas tributários latino-americanos reconhece os avanços, porém realça também as muitas deficiências que a questão fiscal continua carregando na região.
Por exemplo, o índice de volatilidade das receitas públicas continua elevado e, em especial, a estrutura de arrecadação demasiado regressiva: as receitas dependem excessivamente de fontes não tributárias, como as tarifas sobre exportação e exploração de recursos naturais, todos estes submetidos às volatilidades que estamos presenciando agora, e dependem também de impostos indiretos, que oneram o consumo. Pelo contrário, os impostos sobre a renda pessoal, que costumam ser muito mais progressivos, por tributarem segundo o nível de receitas, contribuem com apenas 4% do total de receitas fiscais da América Latina, ante 27%, nos países da OCDE.
No campo do gasto público, o panorama também oferece muita margem de melhora. Entre 1990 e 2006, o gasto público representou 25% do PIB na América Latina, o que contrasta com os 44% alcançados nos países da OCDE. Menos dinheiro arrecadado é obviamente sinônimo de menos dinheiro para gastar, embora nosso relatório não coloque tanta ênfase na quantidade, e sim na qualidade. A comparação de rendimento estudantil no Chile e México com países que gastam o mesmo por estudante, como Lituânia, é ilustrativa de que os governos latino-americanos continuam gastando pouco nas políticas de maior impacto sobre a aprendizagem e os resultados, como o número de horas que os alunos dedicam às suas aulas, ou à melhora nas políticas de admissão dos centros educativos.
Toda reforma que pretenda promover a qualidade fiscal nos países da América Latina deve levar em conta estes problemas e propor soluções que permitam explorar ao máximo o potencial da política fiscal como motor do desenvolvimento. Os sucessos fiscais são colocados à prova especialmente em contextos difíceis como o atual, e é exatamente agora que convém ressaltar como a política fiscal pode contribuir para um crescimento econômico que não dê as costas à eqüidade. Situar as políticas fiscais que promovem o crescimento e a igualdade pelo menos no mesmo nível que as destinadas a estabilizar a produção e os preços é decisivo.
Uma política fiscal baseada na eqüidade e na efetividade pode e deve constituir o melhor antídoto contra o caudilhismo fiscal do qual ainda padecem muitos sistemas latino-americanos e que explica os baixos níveis de legitimidade fiscal que encontramos há um ano, quando publicamos o nosso relatório anterior.
Se os cidadãos tiverem certeza de que seus governos arrecadam de maneira justa e gastam adequadamente, estarão mais dispostos a cumprir suas obrigações fiscais, o que por sua vez se refletirá positivamente na própria legitimidade democrática. Níveis elevados de legitimidade fiscal ajudam a consolidar a confiança da cidadania nas instituições públicas.
Pelo contrário, uma sociedade desigual, na qual os bens públicos são escassos, de baixa qualidade e na qual a pressão tributária não corresponde ao nível de receitas, é um sistema em que a desconfiança em relação às instituições é maior. A política fiscal, com seus desafios e oportunidades, pode e deve ser um dos eixos desse diálogo sobre como a América Latina pode avançar na sua agenda de desenvolvimento e consolidação democrática.
Injetar maior progressividade nos gastos é, afinal, também a história da democracia. Sua consolidação caminha de mãos dadas com uma maior legitimidade fiscal que só se pode obter arrecadando mais, mas, acima de tudo, gastando melhor, quer dizer, não obrigatoriamente mais, e sim de maneira mais eficiente e mais progressiva, de modo a alcançar assim as populações mais pobres da região, que serão inevitavelmente as que novamente sofrerão mais o impacto da atual crise financeira e macroeconômica global.
Javier Santiso é diretor do Centro de Desenvolvimento da OCDE
OCDE pede mais ação contra crise prolongada
Assis Moreira, de Genebra28/10/2008
O secretário-geral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), José Ángel Gurría, estima que o tamanho e a duração da dramática crise financeira global continuam incertos. Certeza mesmo ele tem de uma coisa: de que medidas governamentais são essenciais para evitar que a crise se prolongue. Ele vê as perspectivas econômicas especialmente sombrias no curto prazo. Economistas da OCDE projetam volta de crescimento global acima de 3% só em 2010.
AP
Secretário-geral da OCDE, o mexicano José Ángel Gurría acha que o tamanho e a duração da dramática crise financeira global continuam incertos
Para o secretário-geral dessa espécie de clube dos países mais industrializados, se a crise persistir, a América Latina se tornará especialmente vulnerável, incluindo o Brasil, especialmente pelo lado das exportações.
Em entrevista ao Valor, Gurría faz um diagnóstico severo da crise financeira e recomenda aos atores do mercado voltarem a estudar finanças e gestão de riscos, e sugere criação de mecanismos para que ela não possa se repetir.
Ex-ministro de Finanças do México e secretário-geral da OCDE desde junho de 2006, Ángel Gurría lançará hoje o relatório Latin America Outlook 2009, numa cerimônia em El Salvador. O estudo enfatiza o papel de política fiscal também como uma ferramenta para o desenvolvimento da América Latina. Mostra que a desigualdade de rendimentos brutos não difere muito entre os países europeus da OCDE e os países da América Latina. Mas os impostos e transferências são eficientes na redução das desigualdades apenas nos países europeus da OCDE. Ou seja, o que é importante é o uso dos impostos.
Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista:
Valor: Como a OCDE avalia essa crise? O sr. viu em certo momento o colapso da economia mundial?
Angel Gurría: Essa crise financeira que está varrendo os mercados mundiais é sem dúvida a pior desde a Grande Depressão. Ao mesmo tempo em que tem impacto direto sobre a economia real, estão sendo aprendidas duras lições. O tamanho e a duração da crise continuam incertos, mas o custo é imenso, em perdas com subprimes, desvalorização de ações, pacotes de socorro e outros. Vimos antes ciclos de prosperidade e de quedas, mas agora estamos vivendo circunstâncias excepcionais. Desta vez, o sistema financeiro, motor que irriga o funcionamento da economia, foi bloqueado. A crise colocou sérias dúvidas na cabeça das pessoas sobre a confiabilidade dos bancos e dos serviços financeiros, e sobre a própria credibilidade do sistema de mercado.
Valor: Para a OCDE, qual o impacto da crise na economia real?
Gurría: As perspectivas no curto prazo são sombrias, pretas, achamos que haverá uma acumulação de desacelerações econômicas. Nossas projeções apontam para uma estagnação na atividade até o final deste ano, com crescimento negativo em alguns casos. Nos EUA, o desemprego cresce rapidamente, as pessoas cortam o consumo. Na zona euro, também as projeções são de declínio, com queda forte nas autorizações para construção, e aperto do crédito afetando os investimentos. No Japão, o consumo fraco - aliado à falta de confiança - também é inquietante. As economias emergentes também deverão sofrer desaceleração econômica, ainda mais com a redução da demanda no comércio internacional.
Valor: O que os governos precisam fazer mais para restaurar uma certa confiança?
Gurría: Há uma ampla concordância de que os mercados precisam de monitoramento e regulação efetivas, e de governança corporativa mais forte. É verdade que pode ter havido ignorância sobre o montante das dívidas nos balanços e da exposição dos bancos, mas claramente a estrutura regulatória foi incapaz de tratar de questões como securitização baseada em hipotecas, derivativos, CDS (credit-default swaps). Agora, precisamos assegurar que os pacotes de socorro funcionem, que o crédito seja retomado e os sistemas de pagamentos sejam garantidos. Para isso, os mercados precisam recobrar um mínimo de normalidade, evitando-se excessiva volatilidade.
De maneira geral, uma cultura mais holística de gestão de riscos, questões de compensação e responsabilidade, gestão ética e responsável devem ser criados, baseados em melhores estruturas regulatórias e implementação mais forte de padrões que já existem, como os Princípios da OCDE de Governança Corporativa. Também é preciso melhorar a educação financeira e a consciência de risco entre os usuários do mercado financeiro. Outras medidas devem ser reforçadas, não apenas em relação aos bancos, mas no setor imobiliário, por exemplo, de forma que famílias de baixa renda não sejam expostos injustamente a riscos hipotecários.
Valor: Qual será o custo dessa crise para as populações?
Gurría: O que realmente conta é o bem-estar das pessoas, suas casas, empregos e negócios. O objetivo mais importante para nossas ações é evitar uma longa desaceleração econômica global, é restaurar as condições para o crescimento e assegurar que a crise não possa se repetir. Ainda não está clara em qual extensão a intervenção governamental afetará orçamentos deficitários e a demanda agregada, mas está claro que será necessária uma gestão fiscal séria, que mais gastos de um lado precisam ser compensados com economias em outro lugar para não se cair na armadilha de riscos descontrolados. Também continua incerto o grau pelo qual uma inflação menor permitirá uma política monetária mais acomodativa.
Medidas governamentais são essenciais para restaurar o crescimento econômico. Devemos examinar o que nos permitirá uma nova era de maior produtividade e crescimento. E, fazendo isso, é preciso tratar também de questões como concorrência, educação e reformas. Medidas sociais precisarão ser reforçadas para atacar a alta prevista de desemprego. E não devemos negligenciar outros desafios, como mudança climática.
Valor: Como a OCDE vê as perspectivas e desafios para o Brasil?
Gurría: O desempenho econömico recente do Brasil tem sido forte. O principal fator do crescimento nos últimos anos foi a demanda doméstica. Investimentos têm sido elevados, o que é bom para aumentar o potencial de crescimento de longo prazo. O desemprego tem sido baixo.
Mas a economia brasileira não está imune da situação global. Tem o aperto considerável nas condições de crédito externos, afetando liquidez nos mercados domésticos. O real desvalorizou fortemente desde meados de setembro devido a diminuição rápida do apetite por risco. Isso apesar do fato de os bancos brasileiros estarem em geral bem capitalizados e com pouca dependência de financiamento externo.
O efeito sobre o comércio é importante, mas é menor que o efeito do canal financeiro por dois motivos: o Brasil é uma economia bastante fechada, apesar da abertura dos últimos tempos, e de outro lado tem avançado com êxito na diversificação geográfica de suas exportações. Apesar disso, uma queda generalizada dos termos de intercâmbio prejudicaria vários setores.
A demanda por exportações brasileiras pode enfraquecer. A queda nos preços de commodities pode ajudar a aliviar pressões inflacionárias, mas podem também um impacto negativo no valor das exportações.
Valor: Até que ponto a OCDE vê a América Latina afetada?
Gurría: Como se pode ver na história econômica, quando os Estados Unidos espirram, a América Latina pega uma gripe. O crescimento na região é altamente correlacionado com os influxos de capital privado e, portanto, com as condições financeiras externas. Os títulos emitidos por países da região tendem a flutuar junto aos títulos de "alto rendimento" dos Estados Unidos, títulos de empresas americanas de maior risco que o governo e que algumas empresas gigantes. Quando essas firmas dos EUA sofrem falta de crédito, o mesmo acontece para a América Latina.
Tradicionalmente, as recessões nos EUA impactam fortemente a América Latina, mais quando os EUA desaceleram só um pouco, e sem entrar em recessão, a América Latina pode não sentir efeito negativo nenhum.
Hoje a crise é financeira, e os governos da região devem estar preocupados. Mas a região tem vários suportes recentes que puseram a maioria dos países, incluindo o Brasil, sobre um fundamento melhor para suportar a crise.
A forte reestruturação da dívida pública e da dívida externa faz possível que o governo e a indústria possam suportar a seca de crédito e a possível perda no preço das importações. Mas este suporte tem limite, e só será possível se a crise não se estender por muito tempo.
Há portanto fatores a favor: maior credibilidade dos bancos centrais para conter pressões inflacionárias, taxa de câmbio flexíveis, reservas estrangeiras (só como sinal de responsabilidade fiscal), diversificação do destino das exportações.
Mas a região é ainda vulnerável, em especial se a crise continuar por longo tempo, porque a dívida é ainda elevada na região, os preços relativos das importações/exportações poderiam se deteriorar, e nem todos os setores tem a liquidez do setor exportador. E a saúde do setor bancário continua sendo mais importante para o crédito doméstico que as subidas e quedas da bolsa.
Valor: O que os governos da América Latina deveriam evitar?
Gurría: Não devem cair na tentação do protecionismo. Num mundo mais globalizado, não tem lugar a volta das economias autárquicas. O jeito de se desenvolver e sabendo como navegar em águas tormentosas é não ficando em terra.
Valor: A OCDE lança hoje o Latin American Economic Outlook 2009. Quais as principais conclusões?
Gurría: Basicamente que a política fiscal é não apenas um instrumento macroeconômico, mas é também uma ferramenta para o desenvolvimento da América Latina. Uma boa política fiscal, bons gastos públicos e uma boa gestão da dívida podem melhorar o crescimento e ajudar a combater a pobreza e a desigualdade.
Um aspecto interessante é que a desigualdade de rendimentos brutos não difere muito entre os países europeus da OCDE e os países da América Latina. Mas os impostos e transferências são eficientes na redução das desigualdades apenas nos países europeus da OCDE. O que é importante é o uso dos impostos. Sobretudo as contribuições sociais são muito regressivas (na região). Existem também duas questões principais por resolver a respeito dos impostos: as receitas fiscais são baixas e a importância dos impostos indiretos nas receitas fiscais é elevada.
Valor: O sr espera para quando a entrada do Brasil na OCDE ?
Gurría: Os governos da OCDE decidiram em maio de 2007 reforçar a cooperação da entidade com o Brasil, China, Indonésia e África do Sul em vista de uma possível entrada. Isso é particularmente importante para a OCDE cumprir seu mandato de promover políticas convergentes e desenvolvimento econômico global. Ao mesmo tempo, não há uma data-alvo para a adesão do Brasil. Se e quando for aberta a discussão, será determinada com base na disposição, preparação e capacidade do Brasil e dos outros quatro países para adotar práticas, políticas e padrões da OCDE.
Quando esse momento chegar, o Brasil decidirá se estará interessado em lançar um processo de acessão. Há todos os sinais da importância que o Brasil dá ao desenvolvimento de seu engajamento com a OCDE.
Valor: O que é preciso para o país se tornar membro?
Gurría: O conselho (da organização) determina o procedimento a ser seguido e aciona os comitês especializados em áreas relevantes de política econômica para examinar as políticas e regulamentações do país para assegurar que este está pronto a assumir as responsabilidades como membro. O país candidato deve declarar sua posição em relação aos "instrumentos legais" da OCDE, que são as decisões, recomendações e declaracões adotadas. Ou seja, é preciso mostrar tanto a vontade como capacidade de adotar os principais princípios da organização e as obrigações legais e políticas que resultam disso.
Esses "instrumentos" são mais de 160 no total, agrupados por setores, e a posição do país em cada setor é examinado por um comitê. Os países podem fazer reservas sobre "instrumentos" ou parte deles, os quais são incapazes ou relutam aplicar. Essas reservas sao submetidas a um comitê que as discutem até que um consenso sobre sua aplicação seja obtido. Isso pode consumir um bom tempo.
A OCDE tem estado na vanguarda para desenvolvimento internacional de "regras do jogo" sobre movimento de capital, investimento externo e comércio em serviços. Nesse contexto, o Brasil assinou em 1997 a Declaracão e Decisões sobre Investimento Internacional e Empresas Multinacionais, um acordo politico entre os países para cooperação em questões de investimentos. Também se associou à Recomendação do Conselho Envolvendo Ações Efetivas contra Cartéis, Convenção de Combate ao Suborno.
A inquietude real
Antonio Delfim Netto28/10/2008
A crise que ameaça o mundo pela perda de funcionalidade de sua estrutura produtiva é o capítulo final de uma formidável expansão gestada: 1) pela desinibida utilização da imaginação do sistema financeiro, que produziu inovações extraordinárias (os derivativos pouco compreendidos); 2) pela ilusão que modelos matemáticos sofisticados , apoiados em observações passadas, eram capazes de estimar "riscos futuros"; e 3) pela política monetária laxista dos bancos centrais que, em lugar de cumprirem sua missão, preferiram comodamente "surfar" a onda da prosperidade por elas criada.
É, entretanto, grave erro, e que cobrará alto preço no futuro, atribuir às "inovações" a "causa" do caos. Elas são um instrumento (neutro como tantos outros) de aperfeiçoamento do financiamento essencial ao aumento da produtividade do sistema produtivo. O que é preciso corrigir é: 1) a falta de transparência com que foram utilizadas e não explicitadas nos balanços; e 2) a incapacidade dos bancos centrais encarregados de sua regulação.
É por isso que a crítica que se faz às medidas provisórias, que dão cobertura legal ao nosso Banco Central para exercer mais plenamente o seu papel de emprestador de última instância, de regulador da volatilidade da taxa de câmbio nominal e de organizador do sistema financeiro, são parcialmente infundadas. A tentativa de atribuir-lhes uma urgência maliciosa de prevenção de problemas existentes é uma clara manifestação de oportunismo político inconformado com o relativo sucesso da ressurreição do "espírito do crescimento" produzida em 2006 com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Trata-se apenas da necessária instrumentação de proteção jurídica aos agentes públicos, diante da fiscalização exercida pela sociedade (pelo Ministério Público) sobre a ação do Estado. Quem tem experiência sabe que o agente público, que tem que tomar tempestivamente os riscos inerentes à sua ação, precisa de uma blindagem mínima que o proteja dos ataques de exibicionismo e, às vezes, do honesto despreparo dos outros agentes públicos encarregados da fiscalização e da jurisdição de primeira instância. Em uma palavra: as medidas provisórias (que podem e devem ser aperfeiçoadas pelo Congresso) são um passo adiante no controle público do sistema financeiro e não uma antecipação de dificuldades nele existentes.
O sistema financeiro nacional é bastante hígido, pouco alavancado e razoavelmente eficiente. As altas taxas de juros com as quais convivemos há uma geração não foram, nem são, produzidas por ele: são conseqüência do defeituoso financiamento da dívida pública brasileira, que até agora não tivemos coragem de enfrentar. Diante da crise mundial que consumiu o fator catalítico que garante o sistema econômico, a confiança, ele tornou-se mais cauteloso e busca um aumento de sua liquidez. Essa liquidez empoça quando o Estado é incapaz de dar-lhe o conforto adequado. No limite, quando todos têm liquidez "empoçada", o sistema financeiro fica ilíquido e a economia real entra em colapso. A autoridade monetária sabe que não basta dar "liquidez". Precisa dar, também, conforto e confiança. E esse é o objetivo das medidas provisórias.
O problema real que preocupa o nosso sistema bancário não tem nada a ver com a crise atual, mas produz uma inquietação que se soma a ela. Trata-se dos esqueletos dos planos de estabilização, que foram impostos várias vezes pelo Estado para impedir hiperinflações que desorganizariam toda a sociedade brasileira. O gráfico abaixo mostra os momentos críticos em que isso aconteceu. Em cada um deles, sem medidas enérgicas, teríamos perdido o controle sobre o bem público essencial (o valor da moeda), o que desorganizaria o sistema produtivo com trágicas conseqüências.
Por necessidade, em cada um desses planos - para que ele tivesse um mínimo de probabilidade de sucesso - era preciso, no momento da estabilização, eliminar os efeitos da inflação passada sobre a situação futura que ele mesmo criaria. Isso foi feito por muitos mecanismos, um dos quais foi o cálculo de uma taxa de correção monetária que ajustava os contratos e da qual se eliminavam os efeitos da inflação imediatamente anterior ao plano. A rigor ninguém ganhou ou perdeu nada. E o Estado, por definição, podia impor os planos.
De onde, então, vem a inquietude do sistema bancário? De decisões mais do que duvidosas da Justiça, que tem aceitado a tese que os correntistas tinham "direito adquirido" sobre a correção pré-plano, o que é equivalente a negar ao Estado o poder de controlar o valor da unidade monetária para impedir a sua própria desintegração e, por conseqüência a da sociedade.
O sistema financeiro entra nisso como Pilatos no Credo: como os outros agentes, não ganhou nem perdeu nada: apenas cumpriu o que mandava a lei. Não se conhece o valor fin
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The Origins of the Financial Crisis - blog do Mankiw (saída classe)
Monday, November 24, 2008
The Financial Crisis
As seen by Martin Baily, Bob Litan, and Matthew Johnson.
As seen by Bob Hall and Susan Woodward.
Financial Markets, Financial Institutions, Housing, Banking, U.S. Economy
Martin Neil Baily, Senior Fellow, Economic Studies Robert E. Litan, Senior Fellow, Economic Studies Matthew S. Johnson, Senior Research Assistant, Economic Studies - The Brookings Institution
November 28, 2008, 1:47 pm — Updated: 1:47 pm --> BLOG KURGMAN
Was the Great Depression a monetary phenomenon?
Sins of omission?
Has anyone else noticed that the current crisis sheds light on one of the great controversies of economic history?
A central theme of Keynes’s General Theory was the impotence of monetary policy in depression-type conditions. But Milton Friedman and Anna Schwartz, in their magisterial monetary history of the United States, claimed that the Fed could have prevented the Great Depression — a claim that in later, popular writings, including those of Friedman himself, was transmuted into the claim that the Fed caused the Depression.
Now, what the Fed really controlled was the monetary base — currency plus bank reserves. As the figure shows, the base actually rose during the great slump, which is why it’s hard to make the case that the Fed caused the Depression. But arguably the Depression could have been prevented if the Fed had done more — if it had expanded the monetary base faster and done more to rescue banks in trouble.
So here we are, facing a new crisis reminiscent of the 1930s. And this time the Fed has been spectacularly aggressive about expanding the monetary base:
Ben goes for broke
And guess what — it doesn’t seem to be workiing.
I think the thesis of the Monetary History has just taken a hit.
Folha Ilustrada, 07-12-2008
FERREIRA GULLAR Resmungos financeiros
Para funcionar, o capitalismo deve contar com a confiança de todos no valor do dinheiro
PARA QUEM que, como eu, não entende de economia, esta crise financeira mundial é, além de atemorizante, incompreensível. Não é que eu não perceba, no geral, como a coisa nasceu, gerando a tal bolha imobiliária, que terminou arrebentando sobre a cabeça de banqueiros e empresários. Dentro do possível, tenho acompanhado a evolução da crise, as medidas tomadas para detê-la, a inoperância de algumas dessas medidas e a falência de empresas até então poderosas.Logo que a bomba estourou e seus efeitos se ampliaram, era de ver a expressão apreensiva de altas figuras que antes pareciam ter o mundo em suas mãos. Era-lhes impossível esconder a perplexidade e a impotência diante do tsunami financeiro que parecia arrasar o sistema capitalista inteiro. Mas, além da impotência dos homens de empresa e de Estado, espantava-me muito mais a inesperada fragilidade do próprio sistema, que parecia se desfazer como um castelo de cartas.E, juntamente com essa sensação, assaltava-me ainda o espanto de ver que tudo que ocorrera -os empréstimos sem limites, as dívidas sem garantia consistente (ou nenhuma), a irresponsabilidade de executivos de notório prestígio- tudo se me apresentava agora como uma aventura irresponsável, supostamente apoiada num capital hipotético e, de fato, inexistente.Foi aí que me vi refletindo sobre o dinheiro, como surgiu e em que se transformara nos tempos de agora. É divertido fazer esse retrospecto: o dinheiro nasceu para atender à crescente atividade comercial, que consistia, no começo, em trocar pano por trigo, arroz por sal e, mais tarde, adotou-se o ouro como moeda de troca, por ser muito raro, logo valioso, e preservar suas qualidades sem se deteriorar. E daí veio o resto.Veja se não é interessante: o comércio cresceu tanto, ampliou-se tanto geograficamente, que se tornou impossível levar, por toda a parte, a quantidade de ouro necessária para satisfazer as operações de troca, e surgiu o papel moeda: leve, fácil de carregar e guardar, que não era o ouro, e sim uma representação dele. Lembro-me, não faz muito tempo, de uma cédula nossa onde se lia mais ou menos isto: "O valor desta nota será trocado por seu equivalente em ouro no Tesouro Nacional". Quer dizer: aquele papel só valia porque o governo lhe garantia o valor em ouro. Por isso que, um dia, o general De Gaulle, então presidente da França, obrigou o Tesouro norte-americano a trocar por ouro os bilhões de dólares que estavam em mãos do governo francês. E o Tesouro norte-americano teve de atendê-lo, sob pena de desacreditar-se mundialmente, confessando que não dispunha de lastro que garantia o valor de sua moeda. E o que é a inflação senão emitir moeda além do lastro que lhe assegure o valor?De certo modo, desde que surgiu, o capitalismo, para funcionar, tem que contar com a confiança de todos no valor do dinheiro, assim como você tem que confiar em que o dinheiro com que lhe pagam não é falso e pode ser trocado por ouro, se preciso for. Na verdade, a maioria das pessoas de nada desconfia, acha que está tudo garantido. Até que uma bolha imobiliária estoura e arrasa com as finanças da maior potência econômica do mundo. Aí então, estabelece-se o pânico, a confiança se evapora e o sistema inteiro entra em crise.Esta crise é proporcional ao nível de abstração a que chegaram as transações financeiras no mundo de hoje e a crescente distância entre o valor real da moeda e sua representação simbólica. O ouro, que se tornara o lastro do papel-moeda, passou a ser representado pelo cheque, que tende a sumir, substituído pelo cartão eletrônico. Assim, você tem cada vez que confiar mais e mais em meras abstrações.Por exemplo, se alguém me paga por serviço prestado, deposita o valor correspondente em minha conta no banco. Não vejo a cor do dinheiro, só constato, no extrato do banco, a informação. Se vou comprar alguma coisa, uso o cartão de crédito e o que o vendedor recebe é também apenas uma informação. Foi assim que as financeiras norte-americanas negociaram "informações" com outras financeiras, que passaram a outras até que, como quem garantia o lastro desses valores não pagou, veio tudo por água abaixo.Com isso, perdeu-se a confiança em toda e qualquer informação financeira, e ninguém mais quer investir, nem emprestar nem avalizar. A crise atinge o comércio, a indústria, o sistema ameaça entrar em colapso. E a impressão que temos é que a economia mundial era um sonho, minha gente!
Folha São Paulo, 10-12-2008
ALEXANDRE SCHWARTSMAN
Cachinhos de Ouro
Eis a quermesse: reclama quando o câmbio aprecia e também quando o câmbio deprecia
"O PROBLEMA é o câmbio." Esse foi, nos últimos anos, o mantra dos keynesianos de quermesse, segundo quem o problema do Brasil resumia-se ao câmbio "fora de lugar", apesar de, precisamente nesse período, a economia brasileira ter acelerado para patamares havia muito não vistos. Até aí, sem surpresa. O surpreendente mesmo é, depois da maciça desvalorização da moeda, ainda ter que ouvir que, sim, "nosso maior problema é o câmbio".
A lamúria agora é que o câmbio desvalorizou-se demais, sem motivo, e que, portanto, o regime de câmbio flutuante, conivente com esse fenômeno, não seria adequado ao Brasil. Essa visão, porém, está errada. Confunde sua própria incapacidade de entender os movimentos da taxa de câmbio com uma suposta irracionalidade do câmbio flutuante e, por esse motivo, chega a conclusões equivocadas tanto no que se refere à necessidade de mudança de regime como às condições necessárias à adoção de políticas anticíclicas.
De fato, como destaquei muitas vezes neste espaço, a quermesse sempre atribuiu peso muito elevado à taxa de juros como determinante da taxa de câmbio e, por conveniência ou ignorância, deixou de lado desenvolvimentos externos que têm sido muito mais relevantes para moldar a trajetória do câmbio, em particular os preços de commodities.
Assim, entre o início de 2005 e meados de 2008, os preços de commodities, medidos em dólares, aumentaram cerca de 60%. Medidos em reais, porém, caíram 4%, fenômeno que já sugeriria uma forte relação inversa entre preços de commodities e a taxa de câmbio. Não por acaso, portanto, a queda abrupta desses preços em dólares nos últimos meses (quase 30%) transforma-se em estabilidade em reais, observação também coerente com a relação inversa entre a taxa de câmbio e preços de commodities. Não há, pois, nada de misterioso no comportamento do câmbio que lance dúvidas acerca da adequação do regime no que diz respeito à sua capacidade de transmitir, de forma muito rápida, os sinais de mudança brusca nas condições internacionais.
Pelo contrário, a desvalorização do real tem nos informado que, devido à queda do poder de compra das exportações, nossa capacidade de importar para satisfazer a demanda doméstica foi drasticamente reduzida. Assim, se até há pouco o aumento do poder de compra das exportações permitia que a demanda crescesse à frente do produto, trata-se agora de percorrer o caminho inverso, qual seja, reduzir a taxa de crescimento da demanda relativamente à produção. A taxa de câmbio é apenas a mensageira de uma radical mudança de cenário. Pode-se não gostar da mensagem, mas de pouco adianta silenciar o portador.
Não é correto, portanto, concluir que o país precise proteger sua moeda e estabilizá-la, abandonando o regime de câmbio flutuante, para ter condições de fazer uma política anticíclica. É, na verdade, o oposto: impedir que a moeda se deprecie em reação à piora das condições externas requereria uma contração ainda mais forte da demanda doméstica para equilibrar o balanço de pagamentos, reduzindo adicionalmente o espaço para políticas anticíclicas.
Eis a quermesse: reclama quando o câmbio aprecia e também quando o câmbio deprecia. Quer o câmbio estável, para que as empresas possam projetar suas vidas em longo prazo, mas não hesitaria em mudar regras para impedir a flutuação do câmbio, dificultando exatamente o planejamento das empresas. Querem ser nossos Cachinhos de Ouro, se esforçando para fazer aquilo que o mercado de câmbio faz de graça.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 45, é economista-chefe para América Latina do Banco Santander, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central. Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/
FOLHA, 10-12-2008 - pib 3º Trimestre - surpresa
ARTIGO
Crise teve efeito mais defasado no Brasil
MÁRCIO HOLLANDESPECIAL PARA A FOLHA CERTAMENTE que não podia ser melhor o resultado do crescimento econômico do terceiro trimestre de 2008. A economia brasileira cresceu 6,8% em comparação com o mesmo trimestre do ano anterior e 1,8% em relação ao trimestre imediatamente anterior. Note que estamos falando em taxas de crescimento mais de um ano após o estouro da crise financeira internacional. Ou seja, mesmo sob a profunda crise financeira internacional, o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro cresceu a taxas extraordinárias. Ao mesmo tempo, a zona do euro e os Estados Unidos já anunciaram recessão econômica e desemprego em massa. Mas por que o Brasil está crescendo tanto quando o mundo enfrenta um devastador quadro recessivo? Logo o Brasil, que insistia tanto em não crescer quando o mundo vivia uma fase de grande expansão. Podemos já antecipar que o lado real da economia brasileira passou intacto pela crise financeira internacional, pelo menos até um ano após seu estouro. O que parece que está acontecendo é um fenômeno amplamente conhecido de efeitos defasados de uma crise financeira sobre o lado real da economia. A novidade está no fato de que tal defasagem sobre a economia brasileira foi maior do que nas economias avançadas. E aqui reside um problema virtual: a defasagem dos efeitos da crise sobre a economia real brasileira pode se estender para efeitos retardados na retomada do crescimento. Ou seja, se a economia brasileira iniciar um ciclo de desaquecimento no final deste ano e este se prolongar para 2009, corremos o risco de retomar o crescimento depois que as economias avançadas já o tiverem feito. Antes de qualquer crítica apressada, a taxa de investimento (formação bruta de capital fixo) cresceu algo interessante (19,7%), para um crescimento do consumo das famílias nada desprezível (7,3%) e do consumo do governo também (6,4%). Já a contribuição do setor externo foi negativa, ou seja, as importações cresceram mais do que as exportações. O que dizem esses dados? E o que podemos esperar para os próximos trimestres? Primeiro, mesmo com a desvalorização cambial, o setor externo seguirá contribuindo cada vez menos para o crescimento do PIB brasileiro, dados o quadro recessivo prolongado no exterior, a falta de crédito externo aos exportadores e ainda o declínio nos preços internacionais das commodities. Segundo, não se pode esperar por crescimento do investimento de tal magnitude, pelo menos até a primeira metade do próximo ano. Afinal, os diversos planos de investimento das grandes empresas estão sendo sistematicamente adiados, assim como o mercado de crédito está muito distante de se recompor tão logo. Sem créditos externos, não há investimentos novos adequados. E, assim, não se pode esperar por repetição nas taxas de crescimento da formação bruta de capital fixo. Sem crédito doméstico, não se sustenta o crescimento do consumo das famílias ou mesmo a expansão da construção civil fica muito prejudicada. Em síntese, grande parte da excelente performance do PIB brasileiro se deve à forte expansão recente no mercado de crédito aqui e lá fora. Mas, definitivamente, o crédito doméstico se escasseou e muitos dos setores que cresceram bastante no terceiro trimestre são fortemente dependentes de tais créditos. E, sobre o crédito externo, melhor é acreditarmos que qualquer sinal de fora será via recuperação da economia norte-americana, o que deverá ocorrer somente mais alguns trimestres à frente. MÁRCIO HOLLAND é professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EESP) e pesquisador do CNPq.
Folha de São Paulo, 15-12-2008
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Oportunidade de ouro
Hoje, o Brasil tem condições melhores de sair da armadilha de altos juros e taxa de câmbio sobreapreciada
A CRISE financeira global atingiu a economia brasileira, que já está em desaceleração. Entretanto, a crise não será aqui tão grave quanto nos Estados Unidos, onde ela se originou, e -o que é mais importante- ela abre uma oportunidade de ouro para que o Brasil volte, afinal, a se desenvolver de forma sustentada e acelerada. Hoje, o Brasil tem condições melhores de sair da armadilha de altos juros e taxa de câmbio sobreapreciada do que tinha há três meses.
Esta crise financeira desencadeou-se nos Estados Unidos em conseqüência de um amplo processo de endividamento ou de alavancagem das famílias, das empresas, dos bancos e do Estado americano combinado com três bolhas especulativas (dos imóveis, das commodities e das ações) e com irresponsável desregulação financeira. Aqui, o aumento do endividamento não chegou a ser grande, e os bancos continuaram sólidos. Não chegou a haver uma bolha imobiliária -apenas a do mercado de ações. E houve uma explosão do consumo causada pelas medidas distributivas do governo e pelo aumento artificial dos salários em conseqüência da sobreapreciação do câmbio. Esse forte aumento do consumo explica a alta taxa de crescimento do PIB, mas era evidentemente insustentável.
Ao mesmo tempo, abriu-se uma oportunidade, porque a crise lá fora antecipou e tornou mais fraca a crise cambial para a qual a economia brasileira estava sendo encaminhada. E -o que é mais importante- levou a taxa de câmbio para um nível próximo do equilíbrio industrial (o nível que neutraliza a doença holandesa viabilizando indústrias utilizando tecnologia no estado-da-arte). Essa depreciação, que o governo não se sentia com forças para promover porque temia seus efeitos inflacionários, foi feita pelo mercado.
Por outro lado, a crise permitirá que o governo baixe os juros sem risco de inflação porque esta está controlada pela queda dos preços das commodities e pelo desaquecimento da demanda agregada. Nesses termos, tornou-se mais fácil para a economia brasileira escapar da armadilha da alta taxa de juros e da taxa de câmbio sobreapreciada -uma armadilha em que estamos mergulhados desde 1991, quando assinamos um acordo com o FMI que nos obrigava a abrir o país financeiramente, e, assim, perdemos nossa capacidade de neutralizar a tendência à sobreapreciação da taxa que existe nos países em desenvolvimento.
Desde aquela data, o Brasil já incorreu em três crises de balanço de pagamentos (1998, 2002 e 2008), sempre caracterizadas por violenta depreciação, seguindo-se uma progressiva apreciação do real até que o déficit em conta corrente volte a se manifestar e os credores internacionais percam a confiança no país. Desta vez, ocorreu também perda de confiança, mas, como a crise cambial foi antecipada, ela foi amena: não nos obriga a reduzir a despesa pública (pelo contrário, ela deverá ser aumentada) e não nos obriga a aumentar a taxa de juros (pelo contrário, podemos baixá-la sem risco). Portanto, se o governo aproveitar a oportunidade e baixar com firmeza a taxa de juros para um nível civilizado, ignorando as pressões dos rentistas e financistas, e se, adicionalmente, impedir que a taxa de câmbio volte a se valorizar, o país terá escapado da armadilha macroeconômica em que se encontra há muito e terá condições de crescer sem bolhas: de forma sustentada e forte.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994". Internet: http://www.bresserpereira.org.br/ lcbresser@uol.com.br
Folha, 02-01-09
MICHAEL PETTIS
Ásia enfrentará um 2009 difícil
O excesso produtivo da Ásia precisa ser eliminado pela elevação do consumo ou pelo corte na produção
COM A recente desaceleração acentuada na produção industrial chinesa, a teoria quanto à desacoplagem mundial parece ter sofrido uma morte bem merecida. A ideia de que os países em desenvolvimento se haviam tornado menos dependentes das condições econômicas dos EUA, e assim poderiam estar isolados da crise norte-americana, baseava-se em uma poderosa combinação de má análise e de otimismo infundado. Na verdade, o primeiro estágio da crise afetou primordialmente os países que sofrem de déficits comerciais, entre os quais muitas das nações ricas. O segundo estágio verá a crise se expandir aos países que ostentam superávits comerciais, a maior parte dos quais em desenvolvimento.
A dependência dos países em desenvolvimento quanto à demanda dos EUA deveria ter sido óbvia com base nos dados dos balanços mundiais de pagamentos, que demonstram que o déficit comercial dos EUA e o superávit comercial dos países em desenvolvimento subiram, como proporção do PIB mundial, quase ininterruptamente entre 1997 e 2007. Isso sugere que há muito mais crise ainda por vir. Até agora, a crise envolveu principalmente o ajuste em países grandes e de consumo excessivo -EUA, Espanha, Reino Unido, França, Itália e Austrália. O balanço mundial de pagamentos precisa chegar a um ponto de equilíbrio, e uma redução no consumo em uma das pontas do balanço precisa ser compensada por um ajuste semelhante na ponta oposta.
Existem duas maneiras pelas quais o sistema pode se ajustar. Uma é que os desequilíbrios mundiais subjacentes se perpetuem. Os governos dos EUA e dos demais países com déficits comerciais podem tomar empréstimos e promover gastos agressivos para substituir o consumo domiciliar. Mas porque o consumo alimentado por endividamento em países como os Estados Unidos é um dos problemas fundamentais, simplesmente substituir o excesso de consumo de uma entidade americana pelo de outra não poderá servir de solução de longo prazo.
O segundo caminho é que os países com superávit comercial promovam forte crescimento do consumo interno, provavelmente por meio de maciça expansão fiscal que se equipare à queda no consumo dos domicílios norte-americanos e, com isso, reduzam o problema da capacidade de produção ociosa. O problema para essa solução é que a escala do ajuste requerido está além da capacidade da maioria dos países. O ônus do ajuste recairá sobre os que têm superávits comerciais, a menos que os que apresentam déficits se disponham a absorver grande parte dele. Mas, dadas as realidades políticas, é a produção asiática que tem maior probabilidade de declinar. Os problemas econômicos serão graves e potencialmente desestabilizadores.
Antes que isso aconteça, existe um grave risco de que países asiáticos, individualmente, tentem evitar essa contração na demanda via medidas comerciais que reforcem sua capacidade de exportar o excesso de capacidade -subsídios à exportação, financiamento subsidiado, desvalorização cambial, tarifas de importação- e assim lhes permitam forçar seus parceiros comerciais a cuidar do ajuste por excesso de capacidade.
O excesso de consumo dos EUA era parte essencial do recente desequilíbrio mundial -e esse consumo precisa cair, e a poupança nacional precisa crescer. Mas, da mesma forma que o excesso de consumo norte-americano precisa cair, o excesso de produção da Ásia precisa ser eliminado. Isso só pode acontecer por alta no consumo ou pelo corte na produção. A Ásia terá um 2009 difícil.
MICHAEL PETTIS é professor de finanças na Universidade de Pequim. Este artigo foi publicado originalmente no "Financial Times".
Tradução de PAULO MIGLIACCI
ARTIGO A perspectiva de longo prazo
BAN KI-MOON
O PRÓXIMO ano [2009] será uma narrativa de tensão: uma série de escolhas difíceis entre os imperativos do presente e os do amanhã. Como resolveremos essa tensão dará a medida de nossa visão e nossa liderança.
Como comunidade de nações, enfrentamos três provas imediatas. A primeira já começou. Não é a crise financeira global, por mais importante ela seja. Eu me refiro às mudanças climáticas, a única ameaça verdadeiramente existencial. Temos apenas 12 curtos meses até a cúpula crucial em Copenhague, onde os líderes mundiais vão se reunir em dezembro para chegar a um acordo para reduzir o processo de aquecimento global. Precisamos de um acordo que amplie, aprofunde e fortaleça o Protocolo de Kyoto. Precisamos de um novo tratado para o século 21 que seja equilibrado, inclusivo e abrangente -e um que possa conquistar a adesão de todos os países.
Demos um passo importante em Poznan, Polônia, onde ministros e especialistas da área climática se reuniram para traçar um plano de trabalho para o futuro. As negociações foram difíceis. Elas prometem se tornar ainda mais difíceis. Alguns dos participantes argumentaram que não podemos nos dar ao luxo de tratar de mudanças climáticas em meio a nossas dificuldades atuais. Eu afirmo que não podemos nos dar ao luxo de deixar de fazê-lo. Nossa segunda prova é econômica. Está claro que precisamos de um estímulo global. As grandes economias responderam à crise atual com ambiciosos planos de resgate fiscal e monetário. A cúpula emergencial do G-20, em novembro, mostrou que os governos estão cooperando para coordenar suas políticas. Esses esforços foram ampliados numa reunião mais recente em Doha. Tudo isso é bem-vindo. Mas precisamos fazer mais. Sobretudo, precisamos pensar em termos novos e ousados. Se quisermos sair da crise financeira gastando, devemos fazê-lo de maneira inteligente. E isso significa que esses gastos precisam ser investimentos. Eles precisam ser sustentáveis, para que não nos limitemos a destinar dinheiro para resolver problemas mas, em lugar disso, utilizemos esses recursos para deitar as bases de um futuro mais estável e próspero.
Liderança chinesa
A China deu provas de liderança. Um terço de seu recentemente anunciado programa de estímulo econômico de US$ 586 bilhões será canalizado para o crescimento verde e a infra-estrutura. Os chineses aproveitaram uma oportunidade para fazer frente a vários desafios simultaneamente: gerar empregos, conservar a energia e combater as mudanças climáticas. Os EUA, sob Barack Obama, pretendem fazer o mesmo.
Esses formuladores de políticas públicas sabem que o investimento em combustíveis alternativos e tecnologias que não agridam o ambiente trarão recompensas futuras maciças em termos de um ambiente mais seguro, independência energética e crescimento sustentável.
Mas eles também sabem que o investimento verde pode gerar empregos e incentivar o crescimento aqui e agora. Outros países deveriam seguir esse exemplo. Não conseguiremos introduzir uma era de prosperidade sustentável sem um impulso global grande, que inclua todos os países. Se alguma vez houve um momento para uma visão ousada e ambiciosa -a oportunidade de traçar um caminho novo e melhor-, esse momento é agora. Nossa terceira prova é uma questão de princípios pragmáticos. As mudanças climáticas e as finanças globais não são nossas únicas crises. Elas vêm agravar outras ameaças: insegurança alimentar, volatilidade nos mercados de energia e commodities, e a terrível persistência da pobreza. Nenhum país foi poupado. Mas são os mais pobres que sentem esses golpes com mais força.
Se não for corretamente tratada, a crise financeira de hoje se tornará a crise humana do amanhã. A turbulência social e a instabilidade política vão crescer, exacerbando todos os outros problemas. O perigo é que ocorra uma série de crises em cascata, cada uma delas surgindo a partir da anterior, com consequências potencialmente devastadoras para todos. Assim, durante 2009 é preciso que atuemos num espírito de solidariedade global. As medidas que tomarmos para fazer frente à crise financeira precisam atender aos interesses de todos os países, tanto dos mais pobres quanto dos mais ricos e poderosos. Os programas de assistência a países em desenvolvimento devem ser vistos como parte de qualquer plano de estímulo global e recuperação econômica de longo prazo.
Metas do Milênio
No mínimo, isso significa não usar a crise financeira como desculpa para reduzir a ajuda internacional e a assistência ao desenvolvimento. Precisamos honrar os compromissos que assumimos sob as Metas de Desenvolvimento do Milênio, vendo-os como responsabilidade pragmática, além de moral. Neste mundo interconectado, o desafio é enxergar o nexo entre esses três conjuntos de problemas. Com visão, encontraremos soluções para cada um que sejam soluções para todos. Mas será preciso liderança para traduzir essa visão em ação, assim como será preciso liderança para contrabalançar nossos interesses maiores de longo prazo com as urgências acirradas do agora.
BAN KI-MOON é secretário-geral das Nações Unidas. Este artigo foi distribuído no fim de 2008 pelo PROJECT SYNDICATE Tradução de CLARA ALLAIN
krugman
De como a especulação sem limites quebrou até os especuladores
José Roberto Campos, de São Paulo
23/01/2009 VALOR ECONOMICO
Os poderosos bancos americanos foram dizimados pela farra com os empréstimos "subprime" e o mundo agora caminha rumo à recessão. Como foi possível que créditos irresponsáveis concedidos na periferia do sistema imobiliário americano - clientes que não obteriam crédito em situações normais - se tornassem tão destrutivos a ponto de ameaçarem a economia global? Já vimos isso antes, lembra o economista Paul Krugman, Nobel de 2008, em seu novo livro "A Crise de 2008 e a Economia da Depressão" (Editora Campus/Elsevier). Houve circunstâncias parecidas e alguns dos mesmos atores na crise mexicana de 1995, no vendaval que se abateu sobre Coréia do Sul, Malásia, Tailândia e Indonésia em 1997, na crise russa de 2008, nos fins traumáticos dos sistemas cambiais de Brasil e Argentina e no pânico com a quebra do fundo de hedge americano LTCM, em 1998.
Reuters
Pânico atinge países emergentes, como a Argentina: para Krugman, será preciso realizar uma recapitalização maior e mais ampla dos bancos e afirmar com mais firmeza o controle do governo, algo que estará mais próximo da plena estatização temporária de uma parcela significativa do sistema financeiro
Heterodoxo e pragmático, Krugman reescreveu partes de seu livro de 1999, em que aborda essas crises, e atualizou-o até o mergulho na insolvência dos grandes bancos americanos. Ao longo do tempo, há uma continuidade em todos os desastres econômicos recentes, e alguns padrões de comportamento repetidos em países muitos distintos entre si. "Parcela considerável do aumento da globalização financeira decorre de investimentos de instituições financeiras altamente alavancadas, que faziam vários tipos de apostas transfronteiriças arriscadas", escreve Krugman. "Quando as coisas davam errado nos Estados Unidos, esses investimentos transfronteiriços atuavam como 'mecanismos de transmissão', pelo qual uma crise que eclodiu no mercado habitacional dos Estados Unidos desencadeou sucessivas outras no exterior."
Um número grande de instituições financeiras, como bancos de investimentos e fundos de hedge, não era regulado por ninguém e reuniu tamanho poder e apetite por risco que se tornou um fator global de desestabilização das economias. Depois que elas semearam o pânico em países emergentes, implodiram junto com apostas excessivas na bolha de imóveis. É ilustrativa a descrição do poder de fogo atual dessas instituições traçado por Timothy Gethner, ex-presidente do Federal Reserve de Nova York e indicado para secretário do Tesouro do presidente Barack Obama, citado por Krugman. No início de 2007, conta, havia US$ 2,2 trilhões em coisas exóticas como "asset-backed commercial papers conduits", "structured investment vehicles", "auction-rate preferred securities", "tender options bonds" e "variable rate demand notes". Os ativos dos fundos de hedge eram de US$ 1,8 trilhão e os dos cinco maiores bancos de investimento, US$ 4 trilhões. Já os cinco maiores bancos comerciais detinham US$ 6 trilhões.
"A crise, em boa parte, não envolveu problemas com instituições desregulamentadas, que assumiram novos riscos. Ao contrário, girou em torno de riscos assumidos por instituições que, para começar, nunca foram regulamentadas." Elas tinham tanto cacife financeiro quanto os bancões comerciais sob a vigilância do Federal Reserve, e uma ousadia que chegava quase que fatalmente à imprudência.
A história da atual recessão começa então com o estouro da bolha habitacional, que, para Krugman, deverá destruir US$ 8 trilhões em riquezas - US$ 7 trilhões de perdas para os donos dos imóveis e US$ 1 trilhão para os investidores. Esse trilhão de dólares é o rabo que acabou balançando o cachorro. Espalhados em títulos tóxicos pelo resto do mundo, forçaram uma espiral de vendas para cobrir posições e prejuízos que derrubou os preços de praticamente todos os ativos, em todos os mercados, em todo o mundo - e, casualmente, quebraram até a Islândia.
Uma retrospectiva das crises anteriores e das idéias na moda mostram como isso se tornou possível. A crença nos poderes mágicos do mercado levou os economistas a quase decretar o fim dos ciclos econômicos. O presidente do Fed, o todo-poderoso Alan Greenspan, que reinou de 1987 a 2006, e que "conseguira substituir a bolha de ações pela bolha habitacional", disse em 2004 que o sistema bancário estava mais "resiliente", uma afirmação só menos temerária que a do secretário do Tesouro de George Bush, Henry Paulson, que afirmou a mesma coisa em 2007, quando os bancos estavam caindo no abismo.
A mesma crença impulsionou a desregulamentação, que escancarou os mercados a investidores audazes e aventureiros, especialmente aos fundos de hedge, que, como qualifica bem Krugman, não buscam hedge e sim seu oposto, "extrair o máximo das flutuações de mercado". O irmão gêmeo da desregulamentação foi o "risco moral", a percepção, que se tornou verdadeira, de que qualquer estripulia financeira que desse errado seria consertada com dinheiro público, desde que fosse suficientemente grande para isso.
O crescente poder de fogo de instituições financeiras alavancadas patrocinou o "pânico auto-realizável", que vitimou, por exemplo, os países asiáticos em 1997. Essas economias eram vulneráveis, diz Krugman, mas "não em razão do capitalismo de compadres, nem de políticas públicas que, sem dúvida, eram consideradas inadequadas". Essa fragilidade aumentou com a abertura de seus mercados financeiros, pelo fato de, "na verdade, se tornarem melhores economias de mercado, não piores", avalia.
Krugman considera que os US$ 700 bilhões do programa de alívio de ativos problemáticos são pouco para levantar os bancos, que poderão não estar dispostos a emprestar o dinheiro que recebem como ajuda. A recapitalização deverá ser maior e mais ampla, com maior controle do governo, "algo mais próximo da plena estatização temporária de parcela significativa do sistema financeiro".
Ele acha que os gastos públicos são a melhor forma de estímulo econômico, superior às isenções fiscais. As vantagens: o dinheiro é realmente gasto, e não poupado, e, depois, com obras públicas "algo de valor seria construído". A receita de um pragmático como ele é fazer tudo o que for preciso para reverter a crise, sem amarras ideológicas. Depois de afastado o perigo, deve-se consertar a bagunça. Sua posição sobre a reforma do sistema financeiro é igualmente simples. "Qualquer coisa que necessite de socorro durante a crise financeira, por desempenhar papel essencial no sistema financeiro, deve ser submetida à regulamentação, quando a crise tiver sido superada, para que não envolva riscos excessivos", explica.
Conceitualmente, a economia da depressão parece um termo amplo demais, que abarca fenômenos distintos. Krugman a define a partir de falhas no lado da demanda da economia como "fator limitativo inequívoco à prosperidade econômica em boa parte do mundo". Mas, pelo menos em alguns aspectos essenciais, as crises descritas surgiram durante um dos períodos de maior prosperidade da economia mundial, quando a demanda brotava em todos os lados, regada a crédito farto. A história de Tailândia, Malásia, Indonésia e Coréia é a de países bem-sucedidos, pelo menos pelo padrão das taxas de crescimento econômico.
Krugman chega a oscilar em seu diagnóstico, em geral muito preciso. A vulnerabilidade das economias da Ásia, do México e Brasil ao "pânico auto-realizável" torna-se quase inexplicável. Em um momento, acumular dívidas em moeda estrangeira é um dos principais suspeitos da catástrofe. Em outros, como no caso da Ásia, a repentina, e quase imotivada, é perda de confiança nos mercados que dá o sinal para o colapso. E chega a ser obscura a ligação entre a crise argentina e mexicana e a hecatombe atual dos bancos internacionais. "Sinto-me tentado a afirmar que essa crise não se assemelha a nada que tenhamos visto antes", confessa. "Porém, eu seria mais exato se afirmasse que ela se parece com qualquer outra que já presenciamos em diferentes épocas, só que agora é como se todas estivessem acontecendo de uma vez, ao mesmo tempo." A primeira hipótese, também bastante sugestiva, bem que poderia resultar em um outro ótimo livro de Paul Krugman.
Sem grandes ilusões
Por Robinson Borges, de São Paulo
23/01/2009
A esperança não venceu o medo do economista americano Paul Krugman. Considerado um dos mais severos críticos do governo de George W. Bush, o vencedor do Prêmio Nobel de Economia do ano passado diz se sentir aliviado com a mudança na Casa Branca, mas confessa estar intranqüilo com o cenário que se desenha para a economia americana. "Na verdade, no curto prazo, estou muito nervoso. Não acho que, mesmo com o novo governo, que está quase pronto para fazer o que é necessário, isso vá ocorrer", disse Krugman em entrevista concedida anteontem ao Valor. "Espero estar errado sobre isso, mas acho que provavelmente vamos ter um plano de recuperação da economia nos próximos meses que será insuficiente, mais uma vez", prosseguiu o célebere colunista do "New York Times".
Anna Carolina Negri / Valor
Krugman: "No curto prazo, estou muito nervoso. Espero estar errado, mas acho que provavelmente vamos ter um plano de recuperação da economia nos próximos meses que será insuficiente"
Árduo defensor de mais regulação dos mercados e de gastos públicos intensos, Krugman considera que as propostas divulgadas pela equipe econômica do recém-empossado presidente Barack Obama são tímidos para enfrentar a dimensão da crise atual. "Todas as soluções apresentadas me parecem meias medidas", criticou o professor de Princeton. "O pacote fiscal parece limitar o avanço do desemprego, mas não preveni-lo. O plano de socorro aos bancos parece que serve para evitar catástrofes, mas não é suficiente para recuperar o sistema."
Em sua perspectiva, os efeitos colaterais da crise atual serão terríveis: "O PIB dos EUA vai começar a crescer um pouco no fim do ano, mas o desemprego deve continuar muito alto nos próximos dois ou três anos. Provavelmente, o desemprego vai começar a cair no ano que vem, mas permanecerá alto."
AP
Barack Obama na terça-feira, a caminho da posse: "O problema é a dimensão da crise que ele tem de enfrentar. Isso significa que a celebração não deve durar muito, especialmente do lado econômico", afirma Krugman
De linhagem progressista, há tempos Krugman dá sinais do seu temor sobre o perigo dos excessos cometidos pelo mercado. Há dez anos, ele acendeu o farol amarelo da academia quando lançou um livro com o provocativo título "O Retorno da Grande Depressão". Em menos de 200 páginas, ele analisava as crises internacionais que assolaram a América Latina e Ásia na década de 90 e advertia: a dramática queda da atividade econômica dos países emergentes não era um fenômeno isolado. Ao contrário do que pregavam seus colegas ortodoxos, argumentava que havia uma exagerada confiança nas políticas macroenconômicas, e que elas não seriam capazes de banir o fantasma da grande depressão da economia global. Krugman enxergava nos episódios dos países emergentes o presságio "funesto de que os problemas da depressão não haviam desaparecido".
Uma década depois, com um Prêmio Nobel nas mãos e a maior recessão econômica nos EUA desde a Grande Depressão na cabeça, Krugman encontrou uma boa oportunidade para relançar o livro com uma edição revista e atualizada. Rebatizado de "A Crise de 2008 e a Depressão Econômica" (Campus/Elsevier), o título com prefácio do economista André Lara Resende chega às livrarias na próxima semana com um inevitável tom profético. "Tive um pouco desse sentimento de 'não avisei?' No entanto, gastei os últimos dez anos me preocupando com a crise que enfrentamos hoje. É importante ver que isso tudo não é completamente sem precedentes, que é possível observar as lições do Japão, da Argentina e da Ásia", disse Krugman.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Depois de oito anos criticando severamente o ex-presidente George W. Bush, como o sr. se sente agora que a Casa Branca é ocupada por Barack Obama?
Paul Krugman: É um grande alívio. Do ponto de vista político, nossa democracia sobreviveu aos oito anos de Bush. Agora temos pessoas muito inteligentes no novo governo, o que é uma boa coisa. O problema é a dimensão da crise que Obama tem de enfrentar. Isso significa que a celebração não deve durar muito, especialmente do lado econômico, mas não apenas nesse aspecto. Há muitos outros a serem contornados. Não estou tão otimista quanto gostaria de estar.
Valor: A esperança não venceu seu medo?
Krugman: Na verdade, no curto prazo, estou muito nervoso. Não acho que, mesmo com o novo governo, que está quase pronto para fazer o que é necessário, isso vá ocorrer. Espero estar errado sobre isso, mas acho que provavelmente vamos ter um plano de recuperação da economia nos próximos meses que será insuficiente, mais uma vez. Mas, no final das contas, vamos fazer o que é necessário. Enquanto isso, seremos extremamente afortunados se escaparmos de uma taxa de desemprego de 9% ou mais nos Estados Unidos... Não sei como dizer isso... Todas as soluções apresentadas me parecem meias medidas. O pacote fiscal parece limitar o avanço do desemprego, mas não preveni-lo. O plano de socorro aos bancos parece que serve para evitar catástrofes, mas não é suficiente para recuperar o sistema.
Valor: É uma questão de dose, isto é, seria preciso pôr mais dinheiro, ou está se fazendo a coisa errada?
Krugman: A escala dos planos é menor e muito distante das necessidades reais. A injeção de US$ 350 bilhões no setor financeiro, que para muita gente é muito dinheiro, não é. O valor necessário de injeção de capital no sistema bancário no curto prazo seria de US$ 1 trilhão. A perda do valor de ativos problemáticos ao longo dos últimos meses basicamente superou o dinheiro que estamos injetando. Também temos um problema: é muito difícil injetar capital em bancos fundamentalmente insolventes. E agora parece que este é o caso. Certamente, estou analisando grandes bancos como o Citigroup. Não está claro como os compradores de ações podem fazer seu trabalho nessas circunstâncias, porque me parece que um banco exige algo muito mais radical para ser salvo. O problema da crise é que ela é tão grande que o que se assemelha a uma grande resposta, na verdade, se transforma em uma resposta insuficiente.
Valor: O sr. já disse que o governo americano teme a palavra nacionalização. Seria essa uma solução para o problema dos bancos?
Krugman: Acho que, no final das contas, é a única alternativa disponível. Há muitos problemas com a nacionalização dos bancos, e temos de entender que ninguém quer ver o governo administrando o sistema bancário. Mas, se você observar a situação das maiores instituições financeiras, é muito difícil ver como podem continuar funcionando sem uma aquisição total. Elas não estão numa posição de cobrir todas as suas perdas para continuar. Se não houver uma nacionalização, isso significa que essas perdas ficarão para os acionistas. Não vejo uma saída e eu não estou feliz com a perspectiva.
Valor: Uma das razões para que as propostas de socorro de Barack Obama sejam "tímidas", segundo qualificação do sr., não é seu temor de aumentar o déficit? Ele não deve ter esse medo?
Krugman: Há uma preocupação real com isso, obviamente. Estamos falando dos Estados Unidos e de um grande déficit. Se alguém dissesse que vamos ter um pacote de US$ 3 trilhões, até eu diria: "Meu Deus, eu não sei se temos condições de gastar isso." Mas acho que podemos gastar US$ 1 trilhão. No entanto, na verdade, não sei se esse é o problema real para a expansão do plano. Acho que isso ocorre por causa de uma combinação de fatores, como a dificuldade em lidar com projetos a serem pagos no futuro e a precaução dos políticos. Eles realmente não querem ter um plano de US$ 1 trilhão. Acho que o que limita o plano de Obama é a precaução política.
Valor: Quanto tempo o sr. avalia que durará esta recessão?
Krugman: Acho que o PIB dos Estados Unidos vai começar a crescer um pouco no fim do ano, mas o desemprego deve continuar muito alto nos próximos dois ou três anos. Provavelmente, o desemprego vai começar a cair no ano que vem, mas permanecerá alto.
Valor: O sr. parece não gostar da expressão "problemas estruturais" e parece não achar que eles tenham de entrar na receita para combater problemas graves e imediatos, como a crise atual. Mas há quem diga que os Estados Unidos gastam demais e a China, de menos, e que o esquema de países emergentes financiarem o déficit americano com enormes reservas está na raiz dos desequilíbrios atuais. Como consertar isso?
Krugman: Também é uma preocupação, mas não acho que deva ganhar centralidade na crise atual. Poderia argumentar que esses desequilíbrios têm muito a ver com as bolhas, mas, mesmo assim, não vejo como esses desequilíbrios façam diferenças fundamentais na estratégia de recuperação da economia. Precisamos salvar o sistema financeiro e expandir a demanda em todos os lugares. Isso não tem a ver com o desequilíbrio dos Estados Unidos com a China. Trata-se apenas de um pedaço da foto.
Valor: No livro, o sr. analisa diversas outras crises econômicas, passando pelas da Argentina, do México, da Rússia, da Ásia e chega até as bolhas da internet e da habitação nos Estados Unidos. Quais são os pontos de conexão entre todas elas?
Krugman: Há dois aspectos que unem todas essas crises. Um deles é que, de uma forma ou de outra, em todas houve um colapso financeiro, que envolve problemas com instituições, essencialmente problemas bancários. Não falo de bancos segundo o modelo tradicional, mas de bancos numa versão moderna, algo mais complexo. O segundo ponto é que, nesses episódios, os instrumentos simples de política fiscal e monetária não funcionaram. O que quero dizer quando trato de depressão econômica é justamente a incapacidade das ferramentas-padrão, que não servem para nos tirar da crise. Outra coisa é que há, por exemplo, uma similaridade reconhecível entre a forma como a crise na Rússia em 1998 levou a uma crise do real brasileiro e a forma como a crise da habitação americana atual levou a um problema na Islândia.
Valor: O sr. diz que a depressão econômica ocorre quando a política monetária perde seu poder de ação e as taxas básicas de juro são próximas de zero. Nesses casos, planos de socorro seriam fundamentais para estimular a economia. No Brasil, entretanto, nós temos as taxas de juros mais altas do mundo. O sr. acha que sua redução seria suficiente para mitigar o impacto da atual crise econômica? Isso significaria que a depressão econômica não chegou aqui?
Krugman: Vocês têm um diferente tipo de depressão, embora não seja tão severa quanto em outros lugares. Há duas razões para que você considere que a política monetária não está funcionando. Uma é aquela em que a taxa básica de juros é igual a zero, caso dos Estados Unidos hoje. Nessas condições, não há nada mais que você possa fazer. A outra é aquela em que você não corta a taxa de juros porque tem medo da desvalorização de sua moeda. Isso teria efeitos financeiros severos, por causa da dívida externa. O Brasil tem um pouco do segundo problema, mas não muito. O Brasil tem um dos casos menos ruins no cenário mundial. Não tenho lido muito sobre o Brasil ultimamente, mas me lembro que, quando o real se desvalorizou, em 1999, havia um temor generalizado de que seria uma catástrofe, como a da Indonésia, no ano anterior, e mesmo como a da Argentina, três anos depois. Na verdade, a desvalorização de 1999 não foi tão ruim porque o Brasil não tinha tanta dívida denominada em dólar nem estava tão frágil do ponto de vista financeiro como os outros. Hoje, o Brasil está numa situação melhor do que os países do Leste da Europa, que contam com empréstimos do exterior para abastecer suas economias emergentes. Eles têm muitas dívidas em euro e por isso não podem desvalorizar suas moedas. Estão numa armadilha por causa do estouro da bolha.
Valor: É isso o que sr. chama de mãe de todas as crises cambiais? E no Brasil, que desde que o Lehman Brothers quebrou, em setembro, o real se desvalorizou mais ou menos 25%?
Krugman: O Brasil não é o pior caso no momento. A queda da moeda brasileira não está criando o mesmo tipo de crise que outras desvalorizações. O Brasil é um país exportador de commodity [a queda das commodities é um dos fatores que explicam a expressiva desvalorização do real]. A crise de moeda realmente horrível é a da periferia européia, como já disse. Vemos países como Rússia, Estônia, Hungria, Ucrânia, Estônia, Polônia, Lituânia. Todos sofrem de crises cambiais. São crises como a da Argentina em 2002, mas de uma forma muito pior. O cenário pode se agravar, mas ainda há muitas peças de dominó para cair. Não vemos uma queda de impacto nas moedas dos Bálcãs. Só começamos a ver a severidade da crise no sudeste europeu. Claro que o problema do setor bancário está se tornando mais grave. Ainda estamos no meio da crise.
Valor: Voltando um pouco, o sr. acha que a redução das taxas de juros deve ser o principal mecanismo para o Brasil enfrentar a crise?
Krugman: Certamente haveria um efeito de expansão. Compreendo que o Brasil também tem inflação e que as coisas não são fáceis. Mas diria que o Brasil não é um caso clássico de país com depressão econômica. Vocês não são o Japão nem a Argentina, os dois tipos mais representativos de depressão econômica. Vocês devem se considerar felizardos por isso.
Valor: O sr. disse, numa entrevista recente, que saber o que ocorria na economia do G-7, grupo dos sete países mais ricos do mundo, na época da faculdade, era suficiente para entender a economia mundial. Mas hoje o cenário é diferente. As economias emergentes têm importância no mercado global. Como o sr. avalia que será a composição de forças no futuro, mesmo com a crise?
Krugman: Sim, hoje todos falamos dos Brics [Brasil, Rússia, Índia e China]. De alguma forma, o que ocorre agora são alguns ecos dos anos 30, quando um canal importante entrou em recessão, como ocorreu com os Estados Unidos na Grande Depressão, e essa recessão levou ao colapso das rendas dos países em desenvolvimento. O que vemos hoje é um colapso no comércio mundial, um dos pontos principais desta crise. E os países emergentes são centrais no comércio mundial. Realmente, estamos numa crise global. A China é uma preocupação especial, uma vez que se tornou um dos principais mercados. É uma das questões que me preocupam no momento. Estamos cautelosos ao observar essas economias emergentes. Como você disse antes, saber apenas o que ocorria nos países ricos era suficiente, mas agora os Brics são parte da história.
Valor: Em seu livro, fica bem claro que o sr. considera que os mecanismos de mercado têm limitações. O texto, de alguma maneira, procura provar isso com esta crise e outras tantas nas última décadas. Como o sr. acha que será o desenho do capitalismo a partir de agora?
Krugman: Estamos muito distantes de dizer que estamos nos despedindo do capitalismo. A forma como observo esta crise é que tivemos meio século, a partir da Grande Depressão, sem crises financeiras severas. Tivemos tempos ruins, mas nada comparado com o que vivemos nos anos 90 e, sobretudo, agora. Aquilo ocorreu por causa de um sistema bancário regulado e de um número razoável de controles. Eles não eram perfeitos, mas eram suficientes para manter o mundo como um lugar mais calmo. Podemos fazer isso novamente. O mundo está mais complicado, os controles terão de ser mais extensivos, a cooperação internacional terá de ser mais importante agora do que era no passado. Mas a história sugere que é possível moderar o capitalismo. Temos de voltar àquele modo tradicional, mas de forma atualizada para o século XXI.
Valor: Como escreveu o livro em 1999 e muito dos alertas registrados ali podem ser, de alguma forma, confirmados agora, o sr. teve uma sensação do tipo "não avisei?", ao relançar o livro?
Krugman: Tive um pouco desse sentimento de "não avisei?", sim. No entanto, gastei os últimos dez anos me preocupando com a crise que enfrentamos hoje. O importante é ver que isso tudo não é completamente sem precedentes, que é possível observar as lições do Japão, da Argentina e da Ásia.
O capitalismo apostou em paixões, não na moral
Renato Janine Ribeiro, para o Valor
23/01/2009
Capitalismo, burguesia e às vezes modernidade são palavras que parecem se referir ao mesmo universo. Mas há diferenças. A burguesia pode ter surgido ainda perto do ano 1000, afirma a historiadora francesa Régine Pernoud. Já nos séculos XII e XIII, as cidades italianas vão-se emancipando dos senhores feudais e passando ao poder dos citadinos, dos burgueses, dos que têm dinheiro mas não são da anterior nobreza. Contudo, é no século XV ou XVI que se dá a grande ruptura conceitual, que talvez mostre um capitalismo indo além dos burgueses, ou pelo menos dos burgueses entendidos como cidadãos dos burgos. Essa ruptura supõe que não basta ter dinheiro, é preciso que ele se torne capital. O capital é o dinheiro tornado poder. Uma pessoa pode ter muito dinheiro no banco mas, se não for quem decide como se vai utilizá-lo, seu poder é bem limitado.
Rogerio Assis / Fotosite / Valor
Roberto Romano: "O neoliberalismo confiou em um homem eticamente perfeito, num puritanismo weberiano, reivindicando razões de Estado para enfraquecer valores éticos e permitir a licenciosidade nos pressupostos jurídicos"
Para o dinheiro se tornar poder, uma mudança nas mentalidades, nas instituições e na produção se faz necessária. É difícil datá-la. Mas quem melhor a expõe talvez seja Bernard Mandeville, médico holandês radicado na Inglaterra, que, no começo do século XVIII, escreve um livro escandaloso, "A Fábula das Abelhas", também conhecido pelo subtítulo, que é "Vícios privados, benefícios públicos". É interessante notar que vários leitores, apressadamente, transformam o final do subtítulo em virtudes públicas, o que não é o caso.
Qual a tese central de Mandeville? É que as virtudes podem causar grandes prejuízos à sociedade, e os vícios ser-lhes úteis. Assim resumido, lembra muito Maquiavel. Os dois causaram forte aversão em seus leitores - e não-leitores. Mas Maquiavel prudentemente só deixou publicar seu "Príncipe" depois de sua morte, enquanto Mandeville teve a audácia de editar sua "Fábula" ainda jovem, sendo até levado a julgamento (e absolvido) por isso.
Há uma forte diferença entre os dois autores. Maquiavel entende que o príncipe, e só ele, pode violar a palavra dada e faltar à moralidade cristã. Somente o soberano pode afastar-se da religião, em nome do que depois se chamará a "razão de Estado". Já Mandeville entende que as pessoas em geral podem infringir a moralidade, assim fazendo prosperar a sociedade. Ou seja, para Maquiavel, a infração ao bem é restrita ao chefe de Estado e tem sentido sobretudo político. Já a exceção ao bem se torna, com Mandeville, mais difundida - e seu sentido é econômico, antes de mais nada.
Vamos aos dois grandes exemplos de Mandeville. O primeiro é o do ladrão que assalta rico abade a transportar uma fortuna destinada a ficar inútil, infecunda, entesourada. O assaltante a dilapida, em comida, bebida e mulher. Ora, pergunta o autor, quem faz mais pela humanidade, o gordo sacerdote, cujo dinheiro não circula, ou o bandido que com as moedas roubadas irriga as artérias da economia? O segundo exemplo é o das prostitutas de Amsterdam. Coisa ruim, concorda Mandeville - mas que evita algo pior por que, se os marinheiros que chegam ao porto após meses "sem mulher" não dispuserem de profissionais, haverão de atacar senhoras e senhoritas "de família". Por isso, explica, os austeros governantes da cidade calvinista toleram a prostituição, que, embora sendo um vício privado, acarreta - como a ganância do ladrão ou do empresário - benefícios públicos.
Instinto animal, destruição criadora e outras expressões que temos lido nos últimos anos - um período de grande celebração, na mídia, do capitalismo pouco controlado pelo Estado - derivam, em última análise, desses dois grandes pensadores. A grande idéia de Maquiavel é que o bem, se estiver no poder, leva os Estados à breca. A grande idéia de Mandeville é que podemos canalizar nossos pendores para "o mal", de modo que produzam efeitos socialmente positivos. Em comum, os dois não crêem na bondade natural do homem - ou melhor, não crêem que uma eventual bondade humana traga resultados bons para a sociedade. Para que a sociedade esteja bem, o bem tem de ser reduzido. Mas nenhum deles defende o mal pelo mal: o que querem é canalizá-lo. O segredo da vida social beneficiada está em sabermos utilizar, no homem (isto é, em nós mesmos), o que não é bom, mas pode ser bem aproveitado. Está em desistirmos de uma aposta na bondade humana, coisa de sacerdotes, para - aceitando-nos como somos - gerarmos uma vida mais confortável.
Essa é a chave do constante jogo capitalista entre bem e mal, entre a difícil moralidade e, digamos, a espontaneidade do instinto. Vi, quinze anos atrás, interessante espetáculo na TV inglesa: no congresso do Partido Conservador, velhinha após velhinha protestava contra a abertura do comércio aos domingos, "dia do Senhor", dia de estar com a família. O governo - também conservador - não estava nem aí para elas. Os conservadores não crêem mais nos valores da família e da religião, tanto que a direita hoje fala mais em liberalismo. Querem a liberdade de empreender. É verdade que a ética protestante analisada por Weber era muito rigorosa, e que nada ou pouco tem a ver com o thatcherismo. Mas sustento que a ética dos pastores de Genebra teve menor impacto histórico do que o hábil jogo de Mandeville que faz do mal, não emergir o bem, mas emergirem bens.
Quer isso dizer que o capitalismo está condenado à ganância, que pode destruir o mundo, assim como está eliminando riquezas enormes? Não sei. O que deu força ao capitalismo é que apostou em paixões, digamos, fáceis de seguir. As alternativas a ele, feudais ou socialistas, exigem mais de nós. O capitalismo é confortável. Não pede uma alta moralidade. Lida com os homens "como eles são". Uma sociedade cristã, socialista ou amiga da natureza demandaria muito mais de todos nós. Será que nos dispomos a pagar o preço da moral? Ela não é barata. Por isso, a questão é mais funda: pode ser que, estes séculos, estas décadas, tenhamos vivido na ilusão de que dava para viver bem e para viver segundo o bem. Pode ser que não dê. Pode ser que tenhamos de escolher. A ética é cara. Pode custar riqueza, cargos, a própria vida. Estaremos dispostos a incluir o heroísmo, talvez até o martírio, em nosso rol de experiências possíveis? Se não, a destruição periódica que o capitalismo efetua pode continuar sendo mais conveniente para nós. Mesmo que, um dia, o planeta acabe.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo
Tudo pelo lucro, nada pela ética
Por Jorge Félix, para o Valor, de São Paulo
23/01/2009
Thomas G. Maheras, ex-supervisor de operações do Citigroup, é o protagonista de um episódio desta crise financeira que, pela simbologia, talvez explique melhor a bolha dos empréstimos "subprime" do que um gráfico da valorização irracional do mercado imobiliário americano nos últimos anos. Em setembro de 2007, diante de toda a diretoria daquela que é uma das maiores instituições financeiras do mundo, Maheras foi questionado por seu chefe, Charles O. Prince III: os US$ 3 bilhões em hipotecas representavam algum risco para o Citi? O executivo garantiu que as posições do banco eram seguras.
Bloomberg
Bernard Madoff deixa o tribunal depois de pagar fiança: golpe de US$ 50 bilhões usando "pirâmides", esquema velhíssimo de fraude em meio à sofisticação dos derivativos
As amizades e a palavra de Maheras foram suficientes para convencer a todos naquela sala. E ajudaram a ocultar segredos para manter a alavancagem do grupo e sustentar as remunerações milionárias da diretoria. No entanto, o conúbio revelou-se fatal. O governo teve de socorrer o Citigroup por duas vezes, nos últimos meses - sem resultado. Na semana passada, depois de divulgar perdas de US$ 8,29 bilhões no quarto trimestre de 2008, que elevaram os prejuízos no ano a US$ 18,7 bilhões, o banco anunciou que partia para o remédio extremo de cindir-se em duas partes, a (presumivelmente) sadia, dos negócios tradicionais de crédito, e a de corretagem de valores e gestão de ativos, envolvida em operações de qualidade questionável.
O caso Maheras, relatado pelo "New York Times", ilustra a impressão generalizada, se não a constatação, de que esta crise, tanto quanto financeira, é ética (no sentido mais geral, teórico, das opções de procedimentos possíveis, e no sentido das preferências morais de grupos e de indivíduos em sua orientação prática). Ao proporcionar um desfile de casos de gestão leniente, ganância desenfreada e equívocos governamentais, a cada episódio a atual turbulência confirma, e acentua, seus contornos e conteúdo enodoados pelo decaimento dos mercados. A amoralidade de executivos financeiros que se esmeravam na criação de instrumentos de negócios tanto complexos quanto escusos fica, então, como o registro mais forte e mais lembrado de escolhas, inspiradas no pior dos oportunismos, entre possibilidades éticas que sempre estarão à disposição do ser humano. A ausência de regulamentação mais rigorosa contribuiu em muito, é verdade, para a propagação irrestrita das malfeitorias, durante anos - nutridas, contudo, por essa amoralidade "escolhida" para parceira de ambições desmedidas, em todas as esferas do mercado. Espantoso também é que nesse vazio regulamentar e moral possa ter frutificado, ao lado de sofisticados instrumentos financeiros, o velhíssimo esquema de "pirâmides", usado por Bernard Madoff para montar uma fraude que acrescentou algo como US$ 50 bilhões, calcula-se, ao espetáculo de cifras gigantescas que ilustram, de diferentes maneiras, o colapso do sistema financeiro americano, até outro dia tido como um modelo para o mundo.
No entanto, o alerta de que o desprezo às melhores oções éticas estava contaminando o capitalismo contemporâneo americano poderia ter sido ouvido muito antes de a bolha dos empréstimos "subprime" estourar. "Tudo começa lá atrás, na Enron (em 2001), com os escândalos de maquiagem de balanços", observa Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, coordenador pedagógico da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (SP), autor do livro "Ética e Economia-Impactos na Política, no Direito e nas Organizações".
"No caso da Enron e dos outros que vieram depois houve uma clara sinalização de que era necessário impedir, limitar, controlar as informações ditas sigilosas", lembra o professor de filosofia Roberto Romano, da Universidade de Campinas (Unicamp). Segundo ele, o fermento desta crise é a busca do sigilo, a necessidade de esconder informações em beneficio - ou por exigência - de um sistema desregulado.
A excessiva liberdade dos agentes econômicos desmontou aquilo que até mesmo Adam Smith defendeu como condição sine qua non para o funcionamento do capitalismo. O "pai da economia política" escreveu "A Riqueza das Nações" (1776) como um desdobramento de suas reflexões em "Teoria dos Sentimentos Morais" (1759), obra em que aparece pela primeira vez a frase sobre a tal "mão invisível" - muito citada e pouco compreendida, por sua interpretação moderna estar mais ligada à livre concorrência, quando o autor, na verdade, se referia à alocação de capitais. Como escreveu Joseph Schumpeter, a "Teoria" deve ser sempre lembrada para derrubar o argumento de que Smith não defendia a ética e a moral em detrimento da riqueza. Bem ao contrário.
Este particular do pensamento smithiano foi cada vez mais ignorado. "Aquilo tudo se perdeu e deixaram de impor limites ao auto-interesse dos agentes, a crise moral foi sendo constituída por uma defesa da busca do lucro com desregulamentação e, a partir daí, veio a crença de que não haveria nenhum problema com as contas de capital, com livre fluxo de capitais etc.", analisa Gonçalves da Silva. De acordo com Romano, esse arcabouço financista, sempre baseado em sigilo e segredo, acabou formando uma "nomenklatura financeira" tal qual aquela que existiu para sustentar os regimes totalitários ou absolutistas. "Mas no regime democrático a justiça e a fé pública fazem com que as coisas venham à tona em algum momento e isso hoje significa crise."
"O que ocorreu foi que o 'accountability' [a aceitação de responsabilidades e a implícita justificação de ações] era puramente uma estratégia financeira, só para o mercado, sem dimensão ética, política, jurídica, envolta em segredo e transparência inferior àquela necessária para se prestarem contas ao cidadão ou ao Estado, e rompeu-se a confiança", analisa Romano. Assim como ninguém viu que a bolha iria estourar, ninguém se deu conta dos rumos atrevidos que a gestão de riscos tomava, em empresas financeiras e em suas clientes da chamada economia real. Conselhos de administração com nomes famosos impressionavam os investidores, mas não tinham grau satisfatório de independência ou de influência sobre a gestão.
"O neoliberalismo confiou em um homem eticamente perfeito, num puritanismo weberiano, reinvindicando razões de Estado para enfraquecer valores éticos e permitir a licenciosidade nos pressupostos jurídicos." Em nome de quê? De algo que remete novamente a uma carência de atitude ética por trás da crise. "Tudo isso foi montado para atender a uma necessidade de superconsumo da sociedade moderna, que é um problema moral, não só devido à enorme desigualdade, mas também por que há escassez de recursos, há a questão ecológica e deveria haver um compromisso ético com as gerações futuras", destaca Gonçalves da Silva.
O professor da FGV lembra que a ganância, palavra do momento, foi a motivadora de hipotecas que permitiram a especulação e esta foi derrubando instituições criadas para emprestar ao capitalismo aqueles princípios éticos fundamentais. "A Califórnia consumir 20% da gasolina global é uma atitude absurda, sem ética nenhuma. Para isso, foi preciso destruir as regras de Bretton Woods, a fiscalização, a regulação, que agora terão que ser resgatadas", afirma Gonçalves da Silva, referindo-se ao acordo de gerenciamento financeiro internacional criado no pós-guerra.
Esse ressurgimento de princípios limitadores, no entanto, é cada vez mais difícil na sociedade contemporânea, movida pela velocidade da informação on line. Da mesma forma que a conectividade 24 horas acelerou o fluxo de capitais e ajudou a promover a crise, esta sociedade informacional também acirra a concorrência e suscita atitudes condenáveis em nome do rápido crescimento da riqueza e da acumulação insaciável. "Não nos demos conta disso. Esta sociedade veloz desafia a todos, desnorteia a humanidade, coloca em crise o Estado, coloca setores em antagonismo, por que quem não cresce, diminui", analisa Romano.
Será preciso enfrentar uma empreitada de reconstrução desses valores, na qual, segundo Romano, o Estado está sendo chamado a assumir um papel do qual abriu mão na historia recente, embora tenha sido fundamental para o desmonte da regulamentação. "Como podemos pensar em regras morais se a União Européia não tem uma Constituição?", pergunta Romano. "Os aparelhos de Estado não acompanharam a evolução dessas relações sociais complicadas e novas do capitalismo contemporâneo e chegamos a um período de negação dos direitos públicos. Logo, o cidadão é empurrado para as razões de mercado quando se pergunta quem vai lhe garantir a felicidade. Será defendido pelo Estado ou não? Quem vai pagar a aposentadoria?"
A diminuição do papel do Estado com a promessa de fazer-se presente em outras funções - como saúde e educação - levou, segundo Romano, a uma "proteção ilusória". Esta seria a chamada Nova Ordem. A conseqüência foi produzir um raciocínio que muito contribuiu para a construção da crise, aquele mais pernicioso para os valores éticos, de levar o cidadão a acreditar, às vezes inconscientemente, de que era tudo natural, as coisas são mesmo de um certo jeito. "O cidadão não pode parar para refletir, senão ele titubeia e não faz sua tarefa que é gerar lucro, fazer o maior número de operações no menor tempo possível".
Impor uma retomada da ética, afirma Romano, implica desconstruir o discurso inflacionado por palavras e números - a estratégia maquiavélica para impedir a transparência de informações - e menos individualismo. Algo como aquilo que Adam Smith imaginou ao escrever, na "Teoria dos Sentimentos Morais", que, "por mais egoísta que se suponha o homem, evidentemente há alguns princípios em sua natureza que o fazem interessar-se pela sorte de outros".
Economic View
Six Errors on the Path to the Financial Crisis
By ALAN S. BLINDER
Published: January 24, 2009
WHAT’S a nice economy like ours doing in a place like this? As the country descends into what is likely to be its worst postwar recession, Americans are distressed, bewildered and asking serious questions: Didn’t we learn how to avoid such catastrophes decades ago? Has American-style capitalism failed us so badly that it needs a radical overhaul? ... ... ... ... ... ... ...
O complexo produtivo da saúde e sua articulação com o desenvolvimento socioeconômico nacional
Laís Silveira Costa, Carlos Augusto Grabois Gadelha, José Maldonado, Marcelo Santo e Antoine Metten
Política econômica brasileira frente à crise mundial recente: uma análise baseada nas contribuições de Kaldor
Joanílio Rodolpho Teixeira, Danielle Sandi Pinheiro e Paula Felix Ferreira
Kindleberger continua falando coisa com coisa
Por Oscar Pilagallo | Para o Valor, de São Paulo
A obra clássica do economista americano vem de séculos atrás e deságua no agora
Valor Econômico, 05-11-2013
http://www.valor.com.br/cultura/3327396/kindleberger-continua-falando-coisa-com-coisa
CRISE VAI DURAR MAIS DE DEZ ANOS, afirma economista [Duménil]
Por Vanessa Jurgenfeld | De São Paulo
Para Gérard Duménil, esse prazo longo, maior do que em crises no passado, deve-se ao fato de não ser possível ver saída para Europa e EUA, que têm problemas com o significativo aumento da dívida pública
Jornal VALOR ECONÔMICO, 16-04-2014
Crise mundial
Série de artigos publicada na CH 289 (janeiro-fevereiro/2012).
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