Saturday, 30 November 2013

PRINCETON - UNIVERSIDADE

ARQUIVO ABERTO - MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS - Princeton, 1980 - Folha de São Paulo, 01-12-2013

O paraíso dos pesquisadores
por José Murilo de Carvalho

Levei um susto quando, acompanhado de minha mulher, cheguei a Princeton no final de setembro de 1980.

O motorista do Instituto de Estudos Avançados da universidade local, que nos buscara no aeroporto, entregou-me a chave do apartamento que nos fora reservado.

Abri a porta e vi sobre a mesa uma garrafa de vinho rodeada de alguns tira-gostos e de um bilhete manuscrito: "Seja bem-vindo!". Sabia que professores visitantes eram bem recebidos nos Estados Unidos, mas aquilo excedia todas as expectativas.

O convite para passar um ano acadêmico no instituto fora feito pelo economista Albert Hirschman (1915-2012). Procurei logo conhecer a história, a filosofia e o funcionamento da instituição que me encantara já no primeiro contato.

O instituto foi fundado em 1930, com recursos doados por um milionário. A ideia inicial era criar uma faculdade de medicina, mas o educador convidado para executar o plano, Abraham Flexner (1866-1959), convenceu o doador a fazer algo totalmente novo em matéria de instituição acadêmica.

O instituto ofereceria condições ótimas de estudo a um pequeno e seleto grupo de pesquisadores permanentes que seria anualmente reforçado por intelectuais recrutados internacionalmente.

A filosofia de Flexner foi exposta em artigo de 1939, intitulado "The Usefulness of Useless Knowledge" (a utilidade do conhecimento inútil). O instituto deveria simplesmente criar condições paradisíacas que possibilitassem o livre pensar e o exercício sem limites da curiosidade intelectual. Seriam convidados pesquisadores que por sua obra tivessem ganho o direito de fazer o que quisessem. O primeiro convidado foi Albert Einstein (1879-1955).

Quando lá estive, o grupo permanente dividia-se em quatro escolas, ou centros: matemática, história, ciências naturais e ciências sociais. Obrigações? Participar de um seminário semanal, fazer uma palestra e interagir com o grupo almoçando e jantando no instituto.

A dedicação integral ao trabalho, acompanhada da exposição a um time de craques pertencentes a várias disciplinas e tendo o espírito de Einstein pairando sobre a cabeça, causava efeito extraordinário sobre o grupo de convidados.

Saído de formação muito disciplinar em ciência política na Universidade Stanford, vi os horizontes se abrirem para novos campos de conhecimento, novas fontes, novas maneiras de pensar, expostas por colegas de reconhecida competência.

Cito alguns. O antropólogo Clifford Geertz (1926-2006) da "thick description" (descrição densa); o economista Albert Hirschman finalizando "Essays in Trespassing" (no Brasil, "A Retórica da Intransigência"); o historiador Robert Darnton lendo a primeira versão de "O Grande Massacre de Gatos"; o cientista político Michael Walzer discutindo justiça distributiva; John Elliott, o grande historiador da Espanha de Filipe 2º; o linguista John Gumperz (1922-2013); a indiana Dharma Kumar (1928-2001), organizadora da "Cambridge Economic History of India"; Ernst Kitzinger (1912-2003), mestre em arte bizantina; Glen Bowersock, especialista em história greco-romana.

Havia ainda conferencistas esporádicos. Lembro-me, pelo ineditismo, de uma palestra sobre a pintura mural na Idade Média e, pela erudição, de outra sobre os senadores romanos provenientes do norte da África.

Isto sem falar no pessoal da matemática e das ciências naturais, cujas conferências minhas limitações não permitiam apreciar, mas com quem não deixava de interagir. Havia um jovem matemático indiano, tido como um gênio. Minha pequena vingança contra sua genialidade era humilhá-lo no futebol.

Meu trabalho posterior à tese de doutorado em Stanford foi todo ele marcado pela estada de nove meses no Instituto de Estudos Avançados de Princeton.

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