Friday, 8 November 2013

BANCO CENTRAL - Autonomia Luiz Belluzzo

A BANDEIRA DA INDEPENDÊNCIA
por Alex Ribeiro | De Brasília

No debate sobre autonomia do Banco Central, há um consenso: é necessário que o país tenha maturidade política para conceder liberdade à instituição

VALOR ECONÔMICO, 08-11-2013

Quando o trabalhista Tony Blair assumiu como primeiro-ministro do Reino Unido, em 1997, colocando fim a quase duas décadas do reinado neoliberal de Margaret Thatcher e John Major, uma de suas primeiras medidas foi propor a independência formal do banco central da Inglaterra, o Bank of England. Esse atalho ajudou um governo que se supunha de esquerda a ganhar credibilidade perante os mercados.

Há duas semanas, com o anúncio de que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), iria tirar da gaveta um projeto que concede autonomia formal ao Banco Central, o governo da presidente Dilma Rousseff parecia andar pelo mesmo caminho, num gesto para dissipar as desconfianças entre o empresariado e investidores causado pelas suspeitas de abandono do tripé de política macroeconômica.

No fim, a proposta não foi levada adiante, e há duas versões para o ocorrido. Uma delas é que, a partir do diagnóstico de que o governo deveria reconstruir as pontes com o setor privado, o ex-presidente Luiz Inácio da Lula da Silva, sem conhecimento da presidente Dilma, tomou a iniciativa de acertar com Renan Calheiros a tramitação da proposta. Outra versão é que a própria presidente teria abraçado a proposta, mas recuou depois que apareceu na imprensa a informação de que a iniciativa tinha sido de Lula. Dilma, segundo essa narrativa, teria agido para apagar a impressão de que o ex-presidente é quem dá as cartas no governo.

Os principais possíveis candidatos a presidente da República nas eleições de 2014, de José Serra a Aécio Neves, de Eduardo Campos a Marina Silva, já se posicionaram contra a concessão de autonomia formal ao Banco Central, o que incluiria a instituição de mandatos fixos para seus membros, que tomam as decisões de subir e baixar os juros.

[A presidente teria vetado a proposta de autonomia do Banco Central, com a qual a princípio supostamente simpatizava (na foto, Dilma dá posse a Alexandre Tombini no BC)]

Cientistas políticos que estudam o tema têm chegado à conclusão de que, muitas vezes, projetos de autonomia dos bancos centrais são propostos por governos de esquerda, geralmente em períodos de crise. Por isso, não descartam a possibilidade de, apesar de rejeitado pela presidente Dilma e seus potenciais adversários, o projeto voltar à pauta em algum momento não muito distante.

"O projeto de autonomia do Banco Central morreu por ora, mas pode ser uma carta na manga do governo para 2014", afirma Christopher Garman, diretor para mercados emergentes do Eurasia Group, empresa de risco político sediada em Nova York. O trunfo poderia ser usado se, por exemplo, o Brasil for atingido de forma mais forte do que o esperado pela retirada dos estímulos monetários pelo Federal Reserve (Fed) ou por um eventual rebaixamento da nota do país pelas agências de classificação de risco. "É uma medida que permite ao governo ganhar credibilidade perante os mercados sem pagar um alto preço político."

Há mais de 50 anos, em 1962, o pai do pensamento econômico neoliberal, Milton Friedman, escreveu um famoso ensaio com o título "Deve haver um banco central independente?" De lá para cá, o debate e as pesquisas acadêmicas sobre o tema evoluíram bastante. Em geral, economistas que defendem a proposta gostam de usar a palavra "autonomia", que envolve uma certa liberdade vigiada e exigência de prestação de contas, em vez de "independência". E os graus podem ser bastante variados, de acordo com o modelo adotado.

Nos Estados Unidos, por exemplo, vigora o modelo mais amplo, em que o Fed tem a chamada autonomia de objetivos. O Congresso Nacional fixa os objetivos, dos quais os mais importantes são inflação baixa e estável e pleno emprego, e cabe ao Fed decidir qual deles deve ser priorizado em cada momento. Na União Europeia, é adotado o sistema de autonomia de metas. O próprio Banco Central Europeu (BCE) define qual é a inflação que persegue (no caso, inflação mais próxima possível de 2%) e usa os instrumentos para atingi-la. E há a autonomia de instrumentos - a que se discute para o Brasil. O governo define a meta de inflação e o Banco Central tem autonomia para usar o instrumento - no caso, a taxa de juros - para cumprir o objetivo.

[Belluzzo diz que eventual autonomia não deve dispensar ressalvas, entre as quais a justificação de votos dos integrantes do Copom]

O principal argumento para se ter um banco central autônomo é protegê-lo dos interesses eleitorais ou partidários dos governantes de plantão. A teoria por trás disso é que, embora no longo prazo mais inflação não leve a mais crescimento nem a menos desemprego, em tese é possível ter alguns ganhos no curto prazo. Assim, presidentes poderiam ter o interesse de, às vésperas de eleições, pressionar o Banco Central para baixar os juros e deixar a economia superaquecida. Ou adiar o trabalho de combater a inflação enquanto a campanha eleitoral está na rua, criando um problema maior mais adiante.

Outra razão para dar autonomia aos bancos centrais é protegê-los de pressões do governo para, via aumento de inflação, financiar despesas. Foi o que aconteceu no Brasil durante muitos anos, sobretudo entre as décadas de 1970 e 1980, quando a emissão de moeda foi a forma usada para financiar gastos públicos que estavam fora de controle.

Críticos da autonomia operacional do Banco Central sustentam, porém, que não há provas científicas incontestáveis de suas vantagens. Alguns trabalhos mostram que, onde bancos centrais são independentes, a inflação é mais baixa e estável, com menores custos em termos de política monetária. Mas também há estudos que não encontraram relação clara entre uma coisa e outra.

Um dos trabalhos mais interessantes sobre o tema é o do economista turco Daron Acemoglu, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), em conjunto com outros três pesquisadores, incluindo Simon Johnson, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI). O texto, intitulado "Quando reformas funcionam? O exemplo da independência dos bancos centrais", reconhece que apenas em certos casos a maior autonomia dos bancos centrais garante ganhos. O arranjo funciona relativamente pouco em países onde governantes não são obrigados a prestar contas, como em ditaduras, e nos quais estão submetidos a alto grau de escrutínio, ou seja, nas democracias mais maduras. Os ganhos maiores se dão em países onde os políticos estão submetidos a um grau intermediário de vigilância pelas instituições democráticas.

"O Banco Central é um órgão de Estado que não deve ser capturado nem pelo governo nem pelos interesses privados", afirma Belluzzo

Um exemplo citado nesse estudo é o do Zimbábue, governado por Robert Mugabe há mais de três décadas, que aprovou em 1995 uma lei que aumentava o grau de autonomia do Banco Central. Isso não impediu que, nos anos seguintes, o país se tornasse um dos raros casos de hiperinflação no período de estabilidade monetária em todo o mundo que ficou conhecido como a Grande Moderação. A formalização da independência do Banco Central não mudou o fato essencial de que quem mandava no pais era o ditador.

Os argumentos contrários à autonomia formal do Banco Central têm a ver com a preservação dos mecanismos de representação popular em um regime democrático. No fundo, dar independência a um banco central significaria entregar boa dose de poder a tecnocratas, em detrimento de representantes eleitos.

"A autonomia formal, de certo modo, poderia representar um elemento a mais de distanciamento entre o eleitor e o regime democrático", afirma o economista Marcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo, centro de estudos vinculado ao Partido dos Trabalhadores (PT). Ele pondera que, hoje, o Banco Central já goza de uma autonomia operacional de fato e que, portanto, a discussão é sobre a formalização em lei dessa autonomia, por meio da definição de mandato. "Em última instância, na cabeça do eleitor, o responsável pela inflação é o ministro da Fazenda, o presidente da República, e não o presidente do Banco Central. A autonomia tira do eleitor a possibilidade de julgar o presidente eleito que indicou o presidente do BC."

Alguns economistas argumentam que a autonomia formal do Banco Central, que já foi vista como solução para todos os males, está sendo examinada com outros olhos, depois da crise financeira internacional. Os modelos de autonomia devem ser mais bem pensados do que foram no passado.

[Em 1997, quando assumiu o governo britânico, Tony Blair (à direita), respondeu "sim" à pergunta que Milton Friedman (à esquerda) fez em artigo de 1962: "Deve haver um banco central independente?"]

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, da Universidade de Campinas (Unicamp), lembra que é necessário garantir autonomia aos bancos centrais não só para protegê-los dos interesses mais imediatos dos políticos, mas também dos interesses privados. A crise recente, afirma, foi causada, entre outros fatores, porque órgãos reguladores, incluindo bancos centrais, foram capturados pelos interesses do sistema financeiro, entre eles o de uma regulação mínima.

"O Banco Central é um órgão de Estado que não deve ser capturado nem pelo governo nem pelos interesses privados", afirma Belluzzo, em artigo publicado nesta semana no Valor. Ele pondera que a moeda tem dupla natureza - de um lado, é um bem público, uma instituição social, e de outro é um instrumento de enriquecimento privado. Por isso, o modelo de autonomia do Banco Central tem que conter salvaguardas adequadas.

Belluzzo defende, por exemplo, que os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC sejam obrigados a divulgar seus votos com justificativas; que sejam eleitos membros independentes para os comitês; e que sejam obrigados a prestar contas ao Congresso Nacional em audiências públicas realmente rigorosas, como ocorre no modelo americano.

Há um consenso de que é necessário que o país tenha maturidade política para conceder autonomia a seu banco central. Outras economias da América Latina tiveram experiências traumáticas. Na Argentina, por exemplo, a autonomia foi violada no começo da década passada, quando o país abandonou o regime de "currency board" e demitiu o presidente do banco central, Pedro Pou. Na Venezuela de Hugo Chávez, também houve intromissão na autonomia do banco central.

"O projeto de autonomia do BC morreu por ora, mas pode ser uma carta na manga do governo para 2014", diz diretor do Eurasia Group

Se a autonomia não for concedida no governo Dilma Rousseff, essa não será a primeira oportunidade perdida. Como conta o economista José Júlio Senna no livro "Política Monetária: Ideias, Experiências e Evolução", o Banco Central foi fundado em 1964 como uma instituição independente, mas o mandato de seu primeiro presidente, Dênio Nogueira, teve vida curta, até 1967, quando foi abortado pelo presidente Costa e Silva.

Depois disso, a concessão de autonomia formal foi discutida algumas vezes. Na elaboração do Plano Real, foi vista como um modo de dar credibilidade para a moeda em um período em que o país tentava debelar a hiperinflação, mas o então presidente Itamar Franco foi contra.

Fernando Henrique Cardoso, quando era presidente, preferia um banco central sem mandatos que, por exemplo, em meio a uma grave crise cambial, permitiu a fácil troca de Francisco Lopes por Armínio Fraga no comando da instituição. Em 2002, na primeira eleição de Lula, a autonomia chegou a ser debatida como possível solução para combater a crise causada pelas desconfianças do mercado sobre o que poderia ser o primeiro governo do PT, que no passado havia defendido medidas econômicas extremas, como um calote da dívida externa. No fim, a ideia não foi levada adiante.


OS RICTUS DA INDEPENDÊNCIA
por Luiz Gonzaga Belluzzo
Erro grave é a alteração radical do atual sistema de acesso a áreas para pesquisa mineral, substituindo-o por licitações permeadas por subjetividade
Valor Econômico , 05-11-2013

A AUTONOMIA DO BANCO CENTRAL BASTA
por Antonio Delfim Netto

VALOR ECONÔMICO, 12-11-2013

Na frustrada tentativa de dar independência jurídica ao Banco Central do Brasil na manobra da taxa básica de juros (Selic) para manter a "expectativa" inflacionária, e a taxa de inflação ela mesma, em torno da meta de 4,5%, argumentou-se que a medida seria semelhante à de Tony Blair. Ele tomou posse sob forte desconfiança dos mercados (acostumados ao "liberalismo" do período Thatcher) e a dissipou instantaneamente concedendo "independência" ao Banco da Inglaterra.

Salvo melhor juízo de historiador mais informado, o que Blair fez, na sua primeira medida do novo governo, foi retirar o controle da taxa de juros básica do "chancellor" of the Exchequer (o mais pomposo nome que já se inventou para ministro da Fazenda), para um novo Monetary Policy Committee (MPC), ou Comitê de Política Monetária.

É óbvio que os mercados precisariam ter muita fé, ou muita ingenuidade, para acreditar que um comitê criado pelo governo, cujos membros são nomeados por ele, que trabalha para atingir um objetivo fixado por ele, é independente dele!

Não precisamos de novidades na política monetária

Concretamente, o "governor" (o presidente) do Banco da Inglaterra, e também do MPC, escreveu várias cartas ao ministro da Fazenda explicando os desvios da meta: 1) o aumento do custo da energia; 2) a desvalorização da libra em 2007-08 e o aumento do seu "pass-through"; e 3) o efeito da redução do imposto sobre valor adicionado (VAT) de 2,5% de 12/2009 a 12/2010. Tudo muito semelhante a um país que todos conhecemos, com exceção que eles estão hoje com uma inflação de 2,6%, muito parecida com a meta.

O mundo assistiu há menos de dois meses uma guerrilha para a nomeação do novo presidente do Fed (o banco central dos EUA), que deixou Obama numa situação muito delicada. Alguém pode acreditar que ele (ou melhor, ela) será independente, ou mais sutilmente, "indiferente" ao lado ganhador? Mais severa, por exemplo, com a taxa de desemprego do que com a taxa de inflação? Absolutamente, não. Mas não será para atender a interesses ou por maldade, mas sim porque não existe uma "ciência monetária" no sentido de "ciência dura", em que o universo é relativamente estável e as mesmas ações tendem, em geral, a produzir as mesmas "respostas". Seu universo não é ergódico: o futuro é essencialmente incerto, tende a não repetir o passado e, mais ainda, recusa submissão a leis probabilísticas. Trata-se no fundo de um processo de alta complexidade, em que as "emergências" (as rupturas, as crises) são certas, mas imprevisíveis.

Isso está longe de sugerir que os precários conhecimentos de que dispomos e o aperfeiçoamento de nossos modelos são inúteis. Pelo contrário, eles evidenciam a sua própria necessidade e indicam que devemos ter a maior humildade diante dos terríveis sacrifícios que podemos impor aos pacientes de nossas recomendações.

Entende-se facilmente por que, para os clássicos (Adam Smith, Karl Marx, Marshall, Maynard Keynes, Veblem e outros menores), a economia, se for alguma coisa, há de ser uma "disciplina moral", não para apenas fazer o bem, mas para evitar o mal que seus erros podem produzir.

É mais do que claro que as políticas monetárias postas em prática desde a crise do Lehman Brothers apenas evitaram o pior e que o ajuste fiscal que as acompanhou destruiu as finanças dos países cuja administração foi corrompida pela aceitação irresponsável de incentivos aos derivativos financeiros.

Esses instrumentos pareciam estimular o desenvolvimento econômico, enquanto escondiam, atrás de uma sofisticação matemática, consequências macroeconômicas que nem a sociedade, nem os governos e seus bancos centrais entendiam. Elas produziram a maior crise do capitalismo desde os anos 30 do século passado.

A prova disso está nas declarações do pragmático Alan Greenspan (o "El-Maestro" de 2006) quando declarou, honestamente, em 2011, que "talvez tenhamos tido maior crença nos mercados financeiros e nas teorias que o sustentavam do que deveríamos", e na confissão de Ben Bernanke, um teórico reconhecidamente competente, que explorou como ninguém as consequências da crise de 1930 e que disse, em 2013, que "estamos navegando sem bússola, em noite escura e mar revolto". As recentes indefinições dos bancos centrais são apenas uma manifestação das "incertezas" que assombram os formuladores da política econômica em todo o mundo.

É cada vez mais claro que os efeitos do "quantitative easing" perderam eficiência na margem, mas que retirá-los (o "tapering") não é uma tarefa trivial. O Federal Reserve está enrascado no problema de como realizá-lo sem produzir um terremoto nos mercados financeiros mundiais.

Por outro lado, a política de anunciar o comportamento do banco central ("forward guidance") não limitada a condicionalidades físicas, mas apenas ao calendário da sua execução, pode apresentar problemas (como é o caso de nossa política cambial).

Em poucas palavras, não precisamos de novidades na política monetária. O necessário é auxiliá-la com uma política fiscal adequada, que se comprometa de forma crível a reconduzir a "expectativa" da inflação para a meta de 4,5%, num horizonte aceitável. Como ninguém sabe muito bem como fazê-lo, é preciso de disposição firme do governo, muito cuidado e alguma paciência.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

E-mail: contatodelfimnetto@terra.com.br

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HÁ CONDIÇÕES PARA UM MELHOR 2014
por Antonio Delfim Netto

A dissipação da possível "tempestade perfeita" depende apenas de uma ação firme e crível do governo brasileiro. É o que reforça a esperança de termos um 2014 um pouco melhor do que 2013

VALOR ECONÔMICO, 10-12-2013

Do ponto de vista econômico, o Brasil é um país relativamente fechado: as exportações representam 13% e as importações 14% do PIB a preços de mercado. Mesmo assim, a conjuntura mundial tem alguma influência sobre as variações do nosso PIB, através da flutuação das exportações e importações físicas e da relação dos seus preços relativos, que chamamos de "relação de troca".

Quando ela cresce, ganhamos um "bônus" do mundo equivalente a um aumento acidental da nossa produtividade. É por isso que existe uma correlação (uma variação concomitante) entre a conjuntura mundial e a nacional: temos maior facilidade para crescer um pouco mais com uma conjuntura mundial favorável. A relação é tênue, mas talvez seja uma componente - juntamente com o pequeno declínio da relação de troca - de parte da explicação da dramática redução do crescimento do PIB nos últimos três anos. O resto é responsabilidade da nossa própria política econômica.

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A tabela abaixo revela que entre o terceiro trimestre de 2002 e o terceiro trimestre de 2010, o PIB cresceu 3,8% ao ano. Entre o terceiro trimestre de 2010 e igual período de 2013, o crescimento foi de 1,8%, com uma composição profundamente diferente.

A queda de 80% do crescimento do setor industrial, somada à redução da expansão da economia mundial, talvez seja responsável por cerca de metade da redução de 2% da taxa de crescimento do PIB entre os dois períodos. Há seguramente outras causas e podemos sofisticar à vontade a qualidade do diagnóstico. No curto prazo, entretanto, é muito difícil deixar de aceitar o fato que foi a brutal queda de demanda da produção de manufaturados produzidos no Brasil, como consequência da combinação mortal da supervalorização cambial acompanhada de paulatina desorganização do sistema de tarifas efetivas e da ausência do "draw-back verde amarelo" que um dia tivemos.

O gráfico abaixo registra o saldo comercial (exportação menos importação) do setor de produtos manufaturados e a taxa de câmbio real (taxa de câmbio nominal dividida pelo salário nominal de cada ano). Com uma defasagem de 2 anos, o saldo responde às variações do câmbio real. Trata-se de visão puramente impressionista. Não é preciso procurar explicação mais sofisticada para entender que entre 2002 e 2007 o importante superávit (produzido pela correção cambial imposta pelo mercado em 1999), de US$ 139 bilhões, foi transformado num déficit de US$ 171 bilhões, entre 2008 e 2013, graças principalmente, à excessiva valorização cambial. No período, a política econômica "roubou" bilhões de dólares de demanda externa e interna da indústria de manufaturados nacional. A carga tributária elevada, a maior taxa de juro real do mundo e o câmbio mais valorizado do mundo (devido aos aumentos de salários nominais muito acima da produtividade do trabalho), usado como instrumento de controle da inflação, congelaram o "espírito animal" do empresário nacional e aumentaram os riscos de novos investimentos. Felizmente, o mercado, de novo, impôs a correção do câmbio. A taxa de juros real (com suas idas e vindas) é menor. Isso sugere que, entre 12 e 18 meses, a indústria de manufaturados usará melhor os fatores de que dispõe, ajudando na recuperação do crescimento.

Por outro lado, a clara disposição do governo de manter a busca da "modicidade tarifária" com amigável audiência e respeito aos limites do setor privado, aumentou a probabilidade de sucesso dos leilões de concessão de infraestrutura, até no setor ferroviário. Elas serão poderosas alavancas para acelerar os investimentos em infraestrutura. Finalmente, a lenta recuperação da economia mundial talvez possa nos dar um pequeno alento adicional. Esses três fatores poderão nos proporcionar um razoável 2014.

Se insistirmos, com a cooperação do Congresso, numa forte coordenação entre adequadas políticas fiscal e monetária, afastaremos as ameaças e as incertezas que hoje nos cercam. A dissipação da possível "tempestade perfeita", que seria o acontecimento simultâneo da queda de um ponto no nosso rating soberano e o início ("tapering") do afrouxo monetário dos EUA - que será, como sempre, desajeitado - depende apenas de uma ação firme e crível do governo brasileiro. É o que reforça a esperança de termos um 2014 um pouco melhor do que 2013.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

E-mail: contatodelfimnetto@terra.com.br

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STANLEY FISCHER
por Antonio Delfim Netto

Fischer, que parece será nomeado para a vice-presidência do Fed, é um dos mais bem apetrechados economistas teóricos aos quais foram dadas oportunidades para usar seu conhecimento no exercício da política econômica

VALOR ECONÔMICO, 17-12-2013

Stanley Fischer, que parece será nomeado para a vice-presidência do Fed, é um dos mais bem apetrechados economistas teóricos aos quais foram dadas oportunidades para usar seu conhecimento no exercício da política econômica. Recebeu o PhD no MIT em 1969 e rapidamente se notabilizou.

Que economista ficou indiferente em 1977 diante da sua inovadora combinação da teoria das "expectativas racionais", com hipóteses keynesianas? Qual não se entusiasmou em 1978, com a síntese magistral do "Macroeconomics" (em colaboração com Rudiger Dornbusch)? E não se maravilhou e sofreu, em 1989, com o seu "Lectures in Macroeconomics" (em colaboração com Olivier Blanchard)?

Em 1984, assessorou o governo de Israel no bem-sucedido programa de estabilização, inaugurando sua vida prática. Depois ocupou o cargo de economista-chefe do Banco Mundial, no período de 1988-1990. Em 1994, foi nomeado economista-chefe do FMI, cargo que ocupou até 2001 e no qual enfrentou várias crises, inclusive a brasileira. Em 2001, ao deixar o FMI, foi assessorar o Citigroup e meteu a mão na massa no lado privado do sistema financeiro.

A competência é confirmada por seu pragmatismo

Voltou à vida pública em 2005, nomeado presidente do Banco Central de Israel, cargo que ocupou até 30 de junho último. Mostrou o seu virtuosismo na grande recessão de 2008. Antecipou um afrouxamento monetário (antes do Fed) e combateu a apreciação da moeda israelense, o shekel, para proteger o nível de atividade do país, onde as exportações são próximas de 40% do PIB.

Ainda em 2008, instituiu um programa de compra diária de US$ 100 milhões, exatamente o oposto do que fazia o Banco Central do Brasil, que estimulava a valorização do real como fator coadjuvante para o combate à inflação à custa da destruição do nosso setor industrial.

A competência e a sensibilidade de Fischer são confirmadas por seu pragmatismo. Não hesita em relativizar sua "ciência" diante da realidade fática que a nega. É o caso, por exemplo, de sua mudança de atitude diante da ampla liberdade de movimento de capitais e do regime de câmbio livremente flutuante, que defendeu ardorosamente enquanto no FMI.

Toda a longa experiência de Fischer está destilada e amadurecida na imperdível introdução à conferência "Lessons from the World Financial Crisis", realizada em Israel em 2011, agora publicada no livro ("The Great Recession" - Lessons for Central Bankers", MIT Press, 2013). Ele aponta as dez lições que colheu até agora. Particularmente interessante é a lição nº 6: "A importância da taxa de câmbio nas pequenas economias abertas".

Nela, Fischer nos ensina que "a taxa de câmbio real é uma das duas mais importantes variáveis macroeconômicas nas pequenas economias abertas. A outra é a taxa de juros real. "Nenhum banqueiro central em tais economias pode ser indiferente quanto ao nível da taxa de câmbio, mas infelizmente não há escolhas fáceis na sua administração".

E Fischer continua: "Primeiro, há a escolha do sistema cambial, que está intimamente ligado à questão do controle de capitais. Se os fluxos de capitais podem ser controlados, pode haver alguma vantagem na escolha de uma taxa de câmbio nominal fixa. Entretanto, e sem entrar no longo e irresoluto debate sobre o sistema cambial, acredito (sic) que é melhor operar com um sistema cambial mais flexível e com um movimento de capitais mais aberto. Mas "flexível" não significa, aqui, que um país não possa intervir no mercado cambial, ou que o movimento de capitais seja completamente aberto... Nenhum país pode comprometer-se a defender uma particular taxa de câmbio. Os participantes do mercado costumam dizer que o banco central não pode colocar-se contra sua força. Entretanto, é preciso reconhecer a assimetria existente entre defender-se de pressões para valorizar ou desvalorizar a moeda. No caso da depreciação, o mercado quer mais moeda estrangeira das quais o banco central dispõe de quantidade limitada e não pode resistir indefinidamente. Os eventos recentes mostraram que grandes reservas podem ajudá-lo a resistir às pressões do mercado... No caso da valorização, os mercados querem mais moeda local, que o banco central pode produzir para comprar o fluxo de moeda estrangeira que está entrando. Evidentemente, para prevenir um processo inflacionário é preciso esterilizar os seus efeitos, como se fez em Israel e em outros países".

Fischer reconhece que, em certas circunstâncias, os países introduzem algum atrito no movimento dos capitais. Para ele, "tais controles são raramente elegantes, de administração difícil e permanentemente erodidos pela capacidade do setor privado de encontrar meio de ilidi-los. Mas, às vezes, necessários, quando o país é confrontado com um importante movimento de entrada de capitais".

A 10ª lição de Fischer é definitiva e moralmente tranquilizadora para os sacerdotes do método do "suponhamos que", que se pensam portadores da "verdadeira" ciência econômica. "Numa crise" - diz ele - "os banqueiros centrais (e sem dúvida outros 'policy makers') vão encontrar-se tendo que decidir por políticas que eles nunca pensaram em aplicar e, frequentemente, que eles nunca prefeririam aplicar. Portanto, uma palavra final para os banqueiros centrais: nunca digam nunca". O conselho pode estender-se aos críticos que, sem saber, serão um dia "policy makers".

Este "suelto" foi publicado nesta coluna em 17/09/2013, quando eu esperava que ele fosse o "chairman" do Fed.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

E-mail: contatodelfimnetto@terra.com.br

'Cai risco de tempestade perfeita', diz Delfim
O ex-ministro Delfim Netto disse, em entrevista ao Valor, que o risco de uma "tempestade perfeita" não está afastado, embora tenha diminuído na semana passada, quando o Federal Reserve decidiu antecipar, para janeiro, o início da redução dos estímulos monetarios
Valor Economico, 23-12-2013


O exagero da vulnerabilidade
por Delfim Netto
A vulnerabilidade externa do Brasil é muito pequena quando comparada com a dos outros países colocados por analistas no grupo dos "vulneráveis" 
Valor Econômico, 04-02-2014

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ENTREVISTA LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Governo perdeu a batalha contra o mercado financeiro
Para professor de Dilma, câmbio está muito fora do lugar e é preciso acelerar as concessões e refortalecer a indústria
Folha de São Paulo, 29-12-2013


Depois da bolha, a bolha
por Luiz Gonzaga Belluzzo

A decisão de reduzir as injeções de liquidez suscitar a "reavaliação" das posições formadas nos portfólios de bancos, fundos, empresas e famílias durante o período de abundância

valor econômico, 04-02-2014

O frenesi que turbinou as bolsas de valores e (outra vez) os preços dos imóveis nos Estados Unidos entrou em pane no mês de janeiro, juntamente com os mercados de ativos denominados nas moedas dos emergentes.

Ao longo das últimas semanas, enquanto o surto de desvalorizações cambiais atingia indiscriminadamente saduceus e fariseus, o Dow Jones e o S&P empreenderam uma reviravolta baixista com o anúncio da redução - ainda que gradual - do Quantitative Easing (QE).

As moedas emergentes sofreram, como de hábito, as agruras das voltas e reviravoltas dos capitais nervosos que, nos momentos de "fragilidade das expectativas", orientam seus movimentos pelos sinais emitidos nas reuniões do Board of Governors do Federal Reserve. Nada de novo, apenas consequências da farra habitual dos movimentos de capital-dinheiro acumpliciados com o "privilégio exorbitante" inscrito em um (não) sistema monetário internacional desgovernado pela moeda de um só país.

O ajustamento dos mercados às novas condições monetárias não é um jogo de Lego, que se arma e desarma

O presidente do Banco Central da Índia, Raghuram Rajan, ponderou: "Os Estados Unidos deveriam se preocupar com os efeitos de suas políticas sobre o resto do mundo. Gostaríamos de viver em um mundo em que os países levassem em conta os efeitos de suas políticas sobre outros países, fazendo o que é certo para todos e não apenas no que respeita às próprias circunstâncias".

Rajan ocupou o cargo de economista-chefe do FMI entre dezembro de 2003 e outubro de 2006. Navegou, portanto, nas águas da Grande Moderação. Sua posição no FMI não o impediu de soar o alarme para advertir os incautos sobre os riscos envolvidos na catadupa de inovações que, entre outras façanhas, levaram os mercados a "comodificar" o risco com derivativos de crédito. Imaginando espancar os perigos da flutuação aguda de preços e da iliquidez, os folgazões de Wall Street - na companhia das "hookers" e da "cocaine" - ingressaram na procissão dos bancos-sombra para trilhar a senda da alavancagem geral e irrestrita, práticas que levaram ao desastre financeiro. Entre 2007/2008, a roda da "confiança" girou em falso e deu origem ao "momento Minsky": vendedores em fúria e compradores em fuga dissiparam - no propósito de alcançá-la - a liquidez dos mercados.

O economista indiano apresentou seu diagnóstico e advertências em 2005, na conferência em homenagem a Alan Greenspan, que se despedia do Federal Reserve com a aura de "Maestro".

As intervenções do Fed de Ben Bernanke conseguiram, aos trancos, barrancos e trombadas legais, estancar a rápida deterioração das expectativas. Contrariando os augúrios mais pessimistas, a ação das autoridades foi capaz de afetar positivamente as taxas do interbancário e dos mercados monetários.

Essa reação atípica de última instância, no entanto, foi pouco eficaz para restabelecer a "confiança" na proporção necessária para reanimar o dispêndio das famílias e dos negócios. Empresas e consumidores administram os gastos (e, portanto, a demanda de crédito) para ajustar o endividamento contraído no passado à renda que imaginam obter num ambiente de retomada lenta da economia, com pífia evolução do emprego e dos salários.

A economia real nos Estados Unidos entregou um crescimento anualizado de 3,2% no derradeiro trimestre de 2013, com promessas de dígitos semelhantes em 2014. Caso as previsões otimistas sejam confirmadas, a deterioração do "canal financeiro" pode ser compensada pelos efeitos favoráveis do crescimento americano sobre a demanda global.

Seja como for, as injeções de liquidez do QE não fizeram pouco. Além de construir um piso para a deflação de ativos, as intervenções suscitaram um movimento global no interior da circulação financeira. Tratou-se, na verdade de um rearranjo dentro do estoque de riqueza que responde aos preços esperados dos ativos por parte dos investidores que lograram vencer o colapso da liquidez. Logo saíram à cata das oportunidades mais óbvias oferecidas pelo maremoto de grana inoculada pelo Fed. Publicado em janeiro de 2014 pelo Banco Mundial, o "Global Economic Prospects" mostra que "ao longo dos últimos 5 anos a participação dos países em desenvolvimento nos mercados de títulos de dívida (excluídos os Brady bonds) cresceu de estáveis 7% para 10% no primeiro semestre de 2013, o nível mais elevado nas últimas duas décadas". A realocação de carteiras favoreceu as bolsas, o mercado de imóveis nos Estados Unidos e as moedas dos emergentes. Depois da bolha, a bolha.

A decisão de reduzir as injeções de liquidez, ainda que paulatinamente, vai afetar as taxas de juros no país gestor da moeda reserva e, assim, suscitar a "reavaliação" das posições formadas nos portfólios de bancos, fundos, empresas e famílias durante o período de abundância. Desgraçadamente, o ajustamento dos mercados financeiros às novas condições monetárias não é um jogo de Lego em que se pode armar e desarmar "da frente para trás e de trás para frente".

Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e escreve mensalmente às terças-feiras. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists.



Canal Livre discute o rumo da economia - Parte 1

Segunda-Feira, 3 de Fevereiro de 2014


O conselho é do economista Luiz Gonzaga Belluzzo
Segundo ele, se a inflação acelerar e subir, poderá causar dolo na eleição da presidenta


BY ZÉLIA CARDOSO DE MELLO
Plano Collor (há quase 24 anos).  Mas, ela, ex-ministra da Economia, retor


KEYNES x CRISIS III



ARMADILHA LULISTA
por André Singer - 04-01-2014
Uma leitura atenta das respostas que o economista Luiz Gonzaga Belluzzo forneceu a Eleonora de Lucena na entrevista publicada no último domingo pela Folha, permite perceber, sobretudo na versão integral (disponível na internet), de maneira cristalina o impasse brasileiro contemporâneo. Se feitas as devidas pontes entre o quadro econômico ali analisado e a situação política, tem-se um retrato agudo do momento atual.


DESENVOLVIMENTISTAS, LIBERAIS, E O BAIXO CRESCIMENTO
por Luiz Carlos Bresser-Pereira
O governo Dilma ficou longe da taxa de câmbio que torna competitivas as boas empresas brasileiras e que leva à aceleração do crescimento
VALOR ECONÔMICO, 02-01-2014

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STATE, ECONOMICS and MARKET + DESENVOLVIMENTO + The Economist


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DIFERENTES VISÕES DO CRESCIMENTO
por Pedro Ferreira e Renato Fragelli


Nunca é demais lembrar que a evidência estatística de que câmbio afeta o crescimento é rala se não inexistente

VALOR ECONÔMICO, 22-01-2014

Em artigo publicado neste espaço no dia 20/11/2013 argumentamos que as políticas desenvolvimentistas que o país vem adotando há alguns anos - desvalorização cambial, redução da taxa de juros, expansão fiscal, escolha de vencedores - configuraram-se um retumbante fracasso: não só o país não vem crescendo, como não se inova e pouco se exporta.

Em artigo publicado no Valor no dia 2/1, Luiz Carlos Bresser-Pereira busca refutar nossos argumentos em dois pontos. Primeiro, houvesse o Brasil adotado as políticas defendidas pela "ortodoxia liberal" o Brasil teria crescido muito menos. Estas políticas, de acordo com ele - câmbio apreciado, juros altos, política fiscal restritiva - seriam exatamente o inverso dos "pilares desenvolvimentistas" que nós atacáramos em nosso artigo. Segundo, o problema não foi desenvolvimentismo demais, mas de menos: a taxa de câmbio que faria o país crescer seria muito mais alta que a atual, mais precisamente R$ 3,26. Esta é a "taxa de câmbio de equilíbrio industrial", que segundo sua definição é "a taxa que torna competitivas as empresas nacionais de bens comercializáveis que usam tecnologia moderna".

Em relação ao primeiro ponto há aqui uma simplificação do que seria uma política oposta ou diferente das políticas heterodoxas. Em primeiro lugar, economistas "liberais-ortodoxos", neoclássicos ou qualquer outra denominação que nos enquadre não defendem políticas de câmbio apreciado e juros altos. Não está nos manuais nem em nossos artigos. Isto porque juros e câmbios são preços e, portanto, determinados pelas forças de mercados e fora do controle direto dos policy makers no médio e longo prazo. Dependem da poupança, contas públicas, demanda, reservas internacionais, taxa de juros externas, entre outras variáveis. Isto é, são endógenas e não exógenas. Obviamente aumentar a poupança exige políticas bastante sofisticadas e de difícil implementação, mas a aparente simplicidade de se desvalorizar o câmbio é enganosa, pois não é sustentável se não for acompanhada de medidas estruturais. Também não há quem defenda, no campo de cá, políticas fiscais restritivas para acelerar o crescimento, embora a desorganização das contas públicas possa impactá-lo negativamente e, como estamos observando no momento, provocar aumentos da taxa de juros.

A evidência estatística de que câmbio afeta o crescimento é rala se não inexistente

Há hoje forte evidência de que produtividade e eficiência econômica (no jargão dos economistas: produtividade total dos fatores) são essenciais para o crescimento e que países ricos são, via de regra, mais eficientes e produtivos. Há também forte correlação entre quantidade e qualidade de educação e renda per capita. Assim, uma política eficaz de crescimento deve buscar afetar estas variáveis e não manipular preços, juros e câmbio.

Nesta dimensão o que se propõe é uma estrutura tributária menos pesada e distorciva, oferta adequada de infraestrutura, menos proteção comercial e mais competição, melhor regulação, educação de qualidade, mais políticas horizontais que beneficiam (potencialmente) a todos e menos políticas setoriais que beneficiam grupos escolhidos. O que se busca é um conjunto de instituições e políticas que gerem os incentivos corretos para o investimento e inovação.

O segundo ponto é o câmbio necessário para o crescimento. O valor de R$ 3,26 por dólar foi tirado de cálculos de artigo de Oreiro, Basílio e Souza. Como os próprios autores reconhecem, é um cálculo bem simples, na verdade uma regra de três. Assume-se que a relação câmbio real efetivo sobre salário de meados de 2005 era a relação "adequada para restabelecer a competitividade da indústria," e usando o valor desta mesma variável em junho de 2013 e a taxa efetiva de câmbio neste último mês, chega-se a uma sobrevalorização de 48,12%. Que multiplicado pelo câmbio da época, R$ 2,20 por dólar, nos dá a taxa de R$ 3,26 por dólar. Isto, obviamente, é uma aproximação sem valor científico e, convenhamos, pouco rigorosa. Esta taxa seria, por exemplo, bem menor se a data inicial fosse meados de 2006 ou muito maior se fosse 2003. Além disto, em artigo de 19/02/2013, neste mesmo jornal, Bresser-Pereira defende ser o câmbio de equilíbrio industrial R$ 2,80 por dólar enquanto que em entrevista no dia 17/09/2012 esta taxa seria de somente R$ 2,70.

Desta forma, é difícil concluir se tivemos desenvolvimentismo de menos - como implicitamente afirma Bresser-Pereira - ou demais, porque a variável chave aqui vem crescendo com o passar do tempo e seu cálculo nos parece arbitrário e pouco robusto. É como um alvo móvel, e estaremos sempre muito abaixo do câmbio necessário para o crescimento sustentável. Nunca é demais lembrar, como já fizemos inúmeras vezes neste espaço, que a evidência estatística de que câmbio afeta o crescimento é rala se não inexistente e os poucos resultados nesta dimensão, como no artigo citado de Oreiro e co-autores, possuem sérios problemas metodológicos (no jargão dos economistas: há um claro problema de simultaneidade/endogeneidade nas regressões e possivelmente de omissão de variáveis) que tornam as estimativas pouco confiáveis.

Onde concordamos com o Bresser-Pereira é que não há ambiente político para a mega desvalorização proposta por ele, dado que os custos desta política são altos, principalmente aumento da inflação, redução dos salários reais e piora da distribuição de renda. Onde discordamos é que não vemos estes efeitos como temporários. Ao contrário, desvalorizações cambiais implicam piora das condições de vida das classes trabalhadoras e qualquer economista com preocupações sociais deveria ser muito cuidadoso ao propô-las.

Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso são professores da Escola de Pós-graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas (EPGE-FGV)


Chico Lopes e a crítica
By Marcelo Miterhof
O ex-presidente do BC sob FHC é um liberal, mas busca entender a racionalidade da política econômica do PT
Folha de São Paulo, 23-01-2014

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Eleições "Sustentabilidade está fora da pauta de 2014"
José Eli da Veiga diz que vai aderir à campanha se Campos contestar o governo pela esquerda
Valor Econômico, 27-12-13 e Fim de Semana

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Antropólogo francês Bruno Latour fala sobre natureza e política
Bruno Latour diz que ‘ecologizar’ é o verbo da vez, mas propõe uma noção de 'ecologia' com sentido mais amplo do que o defendido hoje por ativistas e políticos. Para ele, o Brasil, apesar das contradições, é ator fundamental na construção de uma inteligência política e científica para o futuro

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YELLEN NO COMANDO DO FED
por Jairo Saddi
VALOR ECONÔMICO, 28-10-2103
Barack Obama anunciou Janet Yellen como a nova indicada para assumir a presidência do Federal Reserve, depois da histórica (ainda que polêmica) passagem de Ben Bernanke pelo órgão. Além do louvável fato de ela ser a primeira mulher no cargo desde a sua fundação, quando for aprovada pelo Congresso, sua gestão deverá ser muito relevante para o mundo, tanto pelo apoio que ela dá à política de recompra de ativos na recuperação da economia americana, como também por sua particular visão de juros e política monetária.

Os Estados Unidos têm uma curiosa história de Banco Central. Duas experiências anteriores de bancos centrais não vingaram e o Fed é, até hoje, um arranjo muito particular de autoridade monetária. A primeira experiência durou de 1791 a 1811, quando os legisladores ainda tinham em mente a estrutura corporativa com caráter público do Banco da Inglaterra, mas cujo controle acionário pertencia aos particulares. A segunda, de 1816 a 1836, adotou um modelo que pouco diferia do anterior, não sendo sua autorização prorrogada pelo Congresso. Em 1840, optou-se por um sistema híbrido, em que o Tesouro - a autoridade fiscal- passou a servir de banco central. Em tal sistema, que se proclamava Tesouro Independente, as contas do governo e do sistema bancário estavam alegadamente separadas. Perdurou até 1914, com a criação do Federal Reserve System.

Com a criação do Fed, a elite dos banqueiros iniciou um processo de "despolitização" da moeda, utilizando-se da estratégia de separação entre as contas do banco central e do Tesouro, que culminou com a importante reforma, em 1951, conhecida como o Treasury-Fed Accord, tida como o verdadeiro marco da autonomia entre o Federal Reserve e o Poder Executivo americano. Atualmente, o Fed é livre para perseguir políticas que assegurem a melhor condição do emprego, mas obrigadas a manter os índices de inflação estáveis em patamares de até 2%. Nunca a discussão sobre a interrupção da compra mensal dos ativos do Tesouro, o tapering foi tão intensa quanto agora.

A autonomia do banco também esteve ligada a algumas personalidades que dirigiram e marcaram a instituição

A autonomia do Federal Reserve nos seus primórdios também esteve ligada não a políticas, mas a algumas personalidades que dirigiram e marcaram a instituição. Por seus temperamentos obstinados e intransigentes, Benjamin Strong, Merriner Eccles, William McChesney Martin Jr., nas décadas de 1960 e de 1970, e Paul Volcker, nos anos 1980, contrariaram o poder Executivo em diversas ocasiões (e às vezes, às custas de grandes recessões na história americana). Se, por um lado, uns escreveram a história do Federal Reserve com as cores da autonomia, muitos seriam identificados como apoiadores incondicionais do poder Executivo, e outros, como Alan Greenspan, como os precursores e responsáveis por uma regulação frouxa que desaguou na crise de 2008-2009.

Atualmente, o Fed que Janet Yellen vai dirigir engloba os sete diretores que compõem o Federal Reserve System Board, participantes do Federal Open Market Committee (Fomc), mas composto também de outros cinco, representantes dos Federal Reserve Banks regionais, com o objetivo de definir taxas de juros e política creditícia. Ainda que o Federal Reserve seja obrigado a cooperar com o poder Executivo sobre temas como emprego, o mandato de Yellen está restrito à moeda, vale dizer, adotar estratégias e medidas tendo em vista determinados fins de inflação. E é nisto que residem seus grandes desafios e muitos acusam-na de pretender extrapolar o seu mandato.

Entre tantas incertezas, há muitas dúvidas sobre sua postura em relação ao Fed, ao Executivo e ao futuro. O senador Tim Johnson, do partido Democrata, que preside a Comissão de Assuntos Bancários do Senado, bem resumiu: "Há questões sobre as quais sabemos muito pouco sobre a sua opinião, inclusive sobre temas de regulamentação. Isso é preciso mudar, já que o mercado inteiro vai passar a se concentrar em Yellen nos próximos meses". Bem recebida, a indicação animou o mercado. Segundo analistas, sua capacidade é incontestável. Yellen, ao contrário de um grande número de seus colegas banqueiros centrais, já alertava sobre o surgimento de uma bolha imobiliária e da fraqueza econômica por volta de 2007. Para a grande maioria, pode-se esperar que Yellen vai continuar com uma mão cautelosa no leme, num regime de continuidade a Bernanke.

Impactos para o Brasil? Claro, o país deve seguir o que acontece no planeta, potencializado pelos diversos problemas internos. Mas é bom olhar também para a União Europeia e o par de Yellen, Mario Draghi. Poderá haver uma divisão entre um Banco Central Europeu mais conservador e um Federal Reserve mais arrojado, numa administração ainda mais dividida das emergências monetárias - com óbvios reflexos para o preço dos ativos.

Jairo Saddi, pós-doutor pela Universidade de Oxford, é diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP). Escreve mensalmente às segundas-feiras.


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YELLEN ADOTARÁ IDEIAS DE TOBIN E KEYNES NO FED
Por Victoria McGrane e Jon Hilsenrath | The Wall Street Journal
VALOR ECONÔMICO, 10-10-2013

O Maestro mapeia a crise - CAPA
Greenspan admite alguns erros e diz que não consegue pensar em ninguém que seja tão bom quanto Janet Yellen para a presidência do Fed

Análise O jogo ainda está no primeiro tempo
Bernanke deixa para Janet Yellen, sua sucessora no Fed, a administração dos riscos desconhecidos da desmontagem do plano de salvamento da economia VALOR ECONÔMICO - 10-01-2014


OS RISCOS NO HORIZONTE DE JANET YELLEN
por Sergio Lamucci | De Washington

Início relativamente tranquilo da gestão da nova presidente do Fed está longe de garantir uma normalização da política monetária dos EUA sem acidentes

Jornal VALOR ECONÔMICO, 07-03-2014

AP / APYellen tem em seu plano de voo a redução de compra de ativos, mas há dúvidas se isso representa aperto monetário: "É como se o Fed tirasse o pé do acelerador, mas sem começar a frear", diz Gagnon
A redução dos estímulos monetários pelo Federal Reserve começou sem grandes solavancos. Anunciada em dezembro, a diminuição gradual das compras mensais de títulos do Tesouro e papéis lastreados em hipotecas não provocou até agora grande turbulência nos mercados. Esse início relativamente tranquilo, porém, está longe de ser uma garantia de que a normalização da política monetária nos Estados Unidos não será acidentada. Em boa medida, encobre a magnitude dos desafios que Janet Yellen terá à frente do banco central americano nos próximos anos.

O desafio mais óbvio de Yellen é que, mesmo com ações bastante ousadas do Fed nos últimos anos, a recuperação da economia ainda não está assegurada. Apesar das perspectivas mais favoráveis para a atividade neste ano, há sinais ambíguos no mercado de trabalho e a inflação em 12 meses permanece bastante abaixo de 2%, a meta de longo prazo do Fed. Ao mesmo tempo, a continuidade de uma política monetária ultraexpansionista impõe riscos à estabilidade financeira, como o surgimento de novas bolhas de ativos. Para tornar a situação mais complexa, a normalização da política monetária nos Estados Unidos tem impacto sobre a economia global, especialmente sobre os mercados emergentes.

O primeiro foco de Yellen é encerrar sem sobressaltos a terceira etapa da compras de ativos, o chamado afrouxamento quantitativo (QE, na sigla em inglês). Com os juros básicos próximos de zero, o QE é usado para ajudar a manter baixas as taxas de longo prazo e, com isso, tentar estimular o consumo e o investimento. Um pouco antes do colapso do Lehman Brothers, em setembro de 2008, o Fed tinha menos de US$ 1 trilhão de títulos em seu balanço; hoje, tem mais de US$ 4,1 trilhões.

O risco de imprevistos

O plano de voo do Fed contempla a redução gradual das compras de ativos, hoje em US$ 65 bilhões por mês, a um ritmo de US$ 10 bilhões a cada encontro do Comitê de Mercado Aberto do Fed, como anunciado nas reuniões de dezembro de 2013 e janeiro deste ano. Nessa toada, as aquisições terminarão no fim do ano. Ex-economista do Fed, David Stockton diz que, embora o Fed destaque que a diminuição de compras de ativos depende da situação da economia, será necessária uma mudança considerável para ele sair dessa rota. "O Fed pode não estar no piloto automático, mas não está muito longe disso", diz ele, em artigo para o "Intereconomics Review of European Economic Policy".

À medida que a redução das aquisições de ativos continuar, os juros de longo prazo nos EUA devem seguir em alta, diminuindo aos poucos a disposição dos investidores em assumir riscos, afirma Stockton, hoje pesquisador-sênior do centro de estudos Peterson Institute for International Economics (Piie). Se tudo ocorrer como programado, isso ocorrerá num ambiente de fortalecimento da economia, servindo como um amortecedor para a aceleração da atividade, sem tirá-la dos trilhos.

A questão é que raramente tudo segue conforme o planejado, diz Stockton, lembrando que boa parte dos economistas, incluindo os do Fed, têm sido otimistas demais a respeito da recuperação da atividade. O verdadeiro trabalho do Fed, com isso, será responder aos "inevitáveis desvios" das projeções atuais, analisa. Nos últimos meses, vários indicadores têm decepcionado, como a criação de empregos, num movimento influenciado em boa parte pelo inverno rigoroso, ao que tudo indica.

Se a fraqueza da economia não se dever predominantemente ao mau tempo, o Fed poderá ter de rever os seus planos. O primeiro passo seria interromper a redução das compras de ativos, como diz Desmond Lachman, pesquisador do American Enterprise Institute (AEI), centro de estudos conservador. Segundo ele, Yellen tem como principal meta no momento construir a sua credibilidade, o que ela busca fazer ao acenar com a continuidade das políticas de seu antecessor, Ben Bernanke, e sem soar como uma defensora de uma política expansionista demais.

Se a economia desacelerar com mais força do que o previsto, Yellen poderá enfrentar uma situação delicada, diz Lachman, que aponta um conflito vivido pelo Fed. Do ponto de vista de curto prazo, faz sentido continuar a estimular a economia, para acelerar a recuperação. "Mas, ao fazer isso, o Fed pode pagar um preço no longo prazo, que é o risco de formação de bolhas", observa ele, ex-estrategista-chefe para mercados emergentes do Salomon Smith Barney. Esse é um dos principais motivos pelos quais o Fed não quer esticar por muito tempo as compras de ativos.

Dúvidas sobre a recuperação

A situação do mercado de trabalho tem de fato melhorado, e foi um dos motivos que fizeram o Fed começar a reduzir os estímulos monetários. O quadro, porém, ainda não é o ideal. Em janeiro, a taxa de desemprego ficou em 6,6%, número bem abaixo dos 10% atingidos em outubro de 2009. A questão é que boa parte se deve ao fato de que muitas pessoas saíram da força de trabalho. Mudanças demográficas explicam parte desse recuo, em virtude do envelhecimento populacional, mas a fragilidade da recuperação também contribui.

Bloomberg / Bloomberg"A taxa de desemprego está caindo, mas vários outros indicadores mostram um mercado de trabalho ainda deprimido", diz Ball, da Universidade Johns Hopkins
Nesse cenário, o economista Laurence Ball, da Universidade Johns Hopkins, diz que o primeiro desafio de Yellen é ajudar a economia a criar mais empregos. "A taxa de desemprego está caindo, mas vários outros indicadores mostram um mercado de trabalho ainda deprimido", diz ele, que ressalta também a inflação sob controle. Medida preferida do Fed, o núcleo do índice de preços das despesas de consumo pessoal (PCE, na sigla em inglês), que exclui alimentos e energia, subiu apenas 1,1% nos 12 meses até janeiro.

Uma questão em debate é se a redução gradual das compras de ativos representa ou não um aperto monetário. Joseph Gagnon, ex-economista do Fed e do Tesouro americano, cria uma boa imagem para responder a essa pergunta: "É como se o Fed tirasse o pé do acelerador, mas sem começar a frear". Para ele, o mais provável é que os juros básicos aumentem apenas no fim de 2015 ou em 2016, e então passem a subir mais rapidamente do que os analistas esperam. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê aumento dos juros em algum momento de 2015.

Orientação futura

Uma das tarefas mais importantes de Yellen será fazer a sintonia fina na política de orientação futura (forward guidance, em inglês), uma das ferramentas utilizadas pelo Fed depois que os juros se aproximaram de zero. A ideia é comunicar com mais transparência os próximos passos da política monetária, para influenciar com maior eficiência as expectativas de investidores, empresários e consumidores. Em dezembro de 2012, o Fed informou que manteria os juros baixos enquanto o desemprego não caísse abaixo de 6,5% e as expectativas de inflação de um a dois anos não superassem 2,5%.

Como a desocupação nos EUA se aproxima do nível de 6,5%, o momento de elevação dos juros poderia estar próximo. Yellen, porém, já deixou claro que as taxas podem permanecer no chão por um bom tempo mesmo se a taxa recuar abaixo desse número, porque outros indicadores apontam para uma situação ainda insatisfatória no mercado de trabalho, como a fatia elevada dos desempregados de longo prazo. Segundo ela, os 6,5% não são um gatilho que, uma vez atingido, vai provocar uma alta dos juros.

Para o professor Menzie Chinn, da Universidade de Wisconsin, esse limite para a taxa de desemprego deveria ser reduzido, já que nos últimos anos houve uma diminuição significativa da fatia da população em idade para trabalhar que busca emprego ou está empregada. A taxa de desemprego, desse modo, não refletiria com precisão a ociosidade no mercado de trabalho.

A comunicação dos próximos passos da política monetária pelo Fed será muito relevante, em um quadro em que crescerá a expectativa em relação ao timing do aumento dos juros básicos. Em meados do ano passado, incertezas quanto ao momento em que o Fed começaria a reduzir as aquisições de ativos fizeram os juros dos títulos do Tesouro de dez anos pularem da casa de 1,7% para a casa de 3% ao ano, provocando fortes desvalorizações de moedas de países emergentes como o Brasil. Essa taxa tem oscilado entre 2,6% e 2,7%.

Nos últimos meses, o Fed melhorou a sua comunicação, mas é excesso de otimismo acreditar que daqui para frente não haverá mais volatilidade. Segundo estudo apresentado no fim do mês passado em um seminário organizado pela Chicago Booth Business School, "quando os investidores inferirem que a política monetária será apertada, a instabilidade vista em meados de 2013 tende a reaparecer".

Esse problema pode ocorrer mesmo se o grau de alavancagem no mercado estiver baixo, diz o grupo de quatro autores do trabalho, que inclui o economista-chefe do JP Morgan, Michael Feroli, e Anil Kashyap, da Universidade de Chicago. "A nossa análise sugere que medidas de política monetária não convencional, como o QE e a política de orientação futura, criam perigos, ao encorajar certos tipos de tomada de riscos que tendem a ser revertidos em algum momento", escrevem eles.

A depender da rapidez do movimento de ajuste dos juros globais, os países emergentes poderão sofrer novamente. Lachman lembra do relatório do Banco Mundial divulgado no começo do ano, traçando cenários para os fluxos de capitais para os países em desenvolvimento. No mais provável, o processo de normalização dos juros e da atividade nos países ricos terá uma "trajetória relativamente ordenada", causando apenas uma modesta desaceleração na entrada de recursos estrangeiros.

O Banco Mundial observa, contudo, que há riscos significativos de um ajuste mais forte. Se houver mudanças abruptas nas expectativas de mercado que façam o retorno dos bônus globais subir 1 a 2 pontos percentuais por alguns trimestres, a redução nos fluxos de capitais para os países em desenvolvimento pode atingir de 50% a 80% por vários meses, diz o estudo.

Economias com déficits externos crescentes e inflação mais alta, como Turquia, Índia e Brasil, podem sofrer mais num ambiente como esse. A vantagem de alguns emergentes é que vários deles têm hoje um nível de reservas mais confortável, além de contar com uma taxa de câmbio flutuante, trunfos de um país como o Brasil, uma diferença em relação ao que se observava no fim da década de 1990, como nota Lachman.

Leo Pinheiro/Valor / Leo Pinheiro/ValorPara Lachman, Yellen tem que construir sua credibilidade, o que busca fazer ao acenar com a continuidade sem soar defensora de uma política expansionista demais
Para ele, o Fed tem que levar em conta o que se passa nesses países para definir a política monetária, porque os emergentes têm hoje um peso muito maior na economia global. Se houver uma desaceleração muito expressiva dessas economias, os próprios EUA serão atingidos. Na reunião do G-20 do mês passado, realizada em Sydney, na Austrália, Yellen indicou em reunião fechada que o Fed está atento ao que ocorre nos emergentes quando analisa os seus próximos passos, por causa do possível efeito sobre a economia americana, como apurou o correspondente do Valor em Genebra, Assis Moreira. Mas é evidente que a situação dos EUA é que move as decisões do Fed - a consideração sobre os emergentes é algo secundário.

Para Gagnon, o mais provável é que a normalização dos juros ocorra sem grandes turbulências. "Há um ano, o nível das taxas dos títulos de longo prazo era difícil de explicar, mas hoje elas parecem perfeitamente razoáveis", afirma. Gagnon diz acreditar que os juros de curto prazo ficarão na casa de 3% a 3,5% após o processo de normalização, enquanto as taxas dos títulos de 10 anos deverão atingir cerca de 4,5%. "Serão taxas mais altas do que as atuais, mas menores do que as de antes da crise", diz Gagnon, para quem deve haver alguns soluços, já que os mercados não costumam fazer ajustes totalmente suaves, mas sem volatilidade excessiva.

Chinn também não aposta em aumentos muito fortes dos juros, por considerar que a economia americana não entrará num período de crescimento exuberante. Para este ano, os analistas esperam uma aceleração em relação ao 1,9% de 2013, em parte porque o ajuste fiscal será menos severo, mas muitos projetam uma expansão inferior a 3%.

Os juros mais altos nos EUA deverão se traduzir em taxas de equilíbrio mais altas também nos emergentes. "As taxas americanas ficaram artificialmente baixas por muito tempo, assim como as dos emergentes", diz Edwin Truman, economista com passagens pelo Fed e pelo Tesouro americano, para quem é natural que os juros globais fiquem mais elevados num ambiente em que haverá menos ociosidade na economia mundial. Um crescimento mais forte dos EUA é algo saudável para o mundo, afirma ele.

Estabilidade financeira

Uma eventual formação de bolhas de ativos é um problema que poderia levar o Fed a elevar os juros antes do esperado, mesmo se a retomada da economia não se mostrar muito sólida. Na semana passada, um dos diretores do Fed, Daniel Tarullo, disse que tem observado um aumento de risco nos mercados de crédito, especialmente no de bônus de empresas e de empréstimos alavancados. A boa notícia é que a situação está "relativamente sob controle", segundo Tarullo. Ele afirmou que, se houver riscos à estabilidade financeira, não se podem descartar ações de política monetária - ou seja, pode ser necessário aumentar os juros, ainda que medidas macroprudenciais possam ser usadas num primeiro momento para combater excessos financeiros.

O tamanho do balanço do Fed também impõe desafios ao BC americano nos próximos anos. A instituição tem hoje US$ 4,1 trilhões em títulos, valor que deve chegar a US$ 4,5 trilhões até o fim da política de compra de ativos. Se os juros subirem rapidamente, os papéis em poder do Fed tenderiam a perder valor, colocando em risco as transferências polpudas que o BC tem feito ao Tesouro. Em 2013, elas totalizaram US$ 77,7 bilhões.

O Fed indicou que pretende manter no balanço os títulos lastreados em hipotecas até o vencimento, o que pode contribuir para evitar as perdas. Se decidir vendê-los, o BC americano pode causar uma queda forte dos preços desses títulos, pois aumentaria a oferta num mercado que negocia volumes muito menores do que os dos títulos do Tesouro.

Outra questão a ser monitorada é o excesso de reservas que os bancos mantêm depositado no Fed, próximo de US$ 2,5 trilhões, recebendo 0,25% ao ano. Para alguns economistas, como Martin Feldstein, da Universidade de Harvard, as instituições não emprestam esses recursos em grande parte devido a essa remuneração. Para Gagnon, é algo que se deve a uma economia ainda fraca. Os bancos continuam cautelosos para emprestar e a demanda por novos financiamentos não é das maiores.

No entanto, se os bancos passarem a fazer empréstimos com mais força, pode haver um crescimento rápido do crédito, dado o potencial de alavancagem das instituições financeiras. Com isso, poderiam surgir riscos para a estabilidade financeira e para a inflação. Os analistas, contudo, consideram que a situação pode ser manejada sem grandes problemas. Para Ball, da Universidade de Johns Hopkins, o Fed pode elevar a taxa paga sobre o excesso de reservas caso isso ocorra, para moderar o apetite dos bancos para fazer financiamentos. Outra opção é elevar os depósitos compulsórios, mas Ball acha que aumentar a remuneração das reservas funcionaria melhor. Truman vê essa situação como muito distante, por ver uma economia de fato em recuperação, mas sem perspectiva de crescimento exagerado.

O tamanho de seu balanço e o excesso de reservas bancárias são alguns motivos que podem levar o Fed a mudar a maneira como opera a sua política monetária no dia a dia. Gagnon e outro ex-economista do Fed, Brian Sack, hoje no D.E. Shaw Group, propõem que o Fed passe usar como principal instrumento de política a taxa das operações de recompra reversa (reverse repurchase agreement, em inglês). Por meio dessa operação, o Fed vende um título com o acordo de recomprá-lo no futuro, a um preço determinado. Pela proposta de Gagnon e Sack, os juros pagos sobre o excesso de reservas seriam mantidos no mesmo nível da taxa da recompra reversa. Segundo os economistas, esse novo arranjo melhoraria o controle das taxas de juros de curto prazo e a transmissão da política monetária, num ambiente em que o balanço do Fed continuará recheado por muito tempo. Os juros dos Fed funds passariam a ser determinados pelo mercado.

Por meio desse mecanismo, dizem eles, o BC americano fixaria duas taxas de curto prazo que afetam diretamente um número muito maior de instituições e de investidores do que por meio da taxa hoje utilizada, a dos Fed funds - aquela que os bancos cobram uns dos outros em empréstimos por um dia. Em depoimento ao Senado, na semana passada, Yellen afirmou que o Fed considera fazer essa mudança. Em um momento em que o Fed navega por águas desconhecidas, como diz Lachman, é mais uma novidade que pode surgir no manejo da política monetária.




All in The Family
Family of Economists



DESINDUSTRIALIZAÇÃO II


POLÍTICA INDUSTRIAL - DILMA + DESINDUSTRIALIZAÇÃO



escrito por  José Luís Fiori
É importante entender porque os sucessos econômicos do passado acabaram sendo interrompidos por retumbantes fracassos políticos e/ou geopolíticos
Valor Econômico - 29/06/2012
"A dificuldade da "economia política clássica" foi reconhecer o significado econômico das nações, não apenas na prática mas também na teoria". Eric Hobsbawm, "Nações e Nacionalismo desde 1780", Paz e Terra, 1990, p: 37


JOSÉ LUÍS FIORI + MARTIN WOLF

O PROTÓTIPO ARGENTINO
por José Luís Fiori
Na altura da Primeira Guerra Mundial, a Argentina era o país mais rico do continente latino-americano e tinha todas as condições para se transformar na sua potência hegemônica
Valor Econômico - 30/10/2012

BRASIL, EUA E O HEMISFÉRIO OCIDENTAL"
por José Luís Fiori
O principal objetivo estratégico dos EUA em relação aos países ao sul da Colômbia e da Venezuela sempre foi impedir que surgisse um polo alternativo de poder
VALOR ECONÔMICO, 29-01-2014

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