Análise mais detalhada sobre os resultados da última edição da Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec 2008) feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que o crescimento dos investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&D&I) nacional não reduziu a distância que separa o Brasil dos demais países no esforço de ter empresas mais inovadoras. Entre 2005 e 2008, os gastos em P&D das companhias em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) cresceram 145% em Portugal, 23% na Espanha, 21% na China, 12% nos Estados Unidos e apenas 10% no Brasil, em um período de crescimento da economia mundial. O País, contudo, ficou um ponto percentual acima da média de crescimento dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para o período, que foi de 9%, três acima da Alemanha (7%) e cinco em relação à União Europeia (5%). Se o Brasil continuar nesse ritmo de crescimento da taxa de inovação, alerta o Ipea, demorará 20 anos para que o País chegue ao patamar observado nos países europeus.
Os números foram apresentados por Luiz Ricardo Cavalcante e Fernanda de Negri, pesquisadores do Ipea, no artigo "
Pintec 2008: análise preliminar e agenda de pesquisa". A
Pintec 2008 mostrou que o Brasil aumentou o investimento em atividades de inovação nas empresas industriais extrativas e de transformação e nas de serviços. A pesquisa, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), calcula a taxa de inovação das empresas, ou seja, a relação percentual entre o número de empresas que declararam ter introduzido pelo menos uma inovação no período considerado e o número total de empresas nos setores pesquisados. Na Pintec 2000, a primeira feita no País, a taxa de inovação foi de 31,52%. A Pintec 2003 registrou uma taxa de 33,27%, enquanto na Pintec 2005 a taxa foi de 33,36%. A última edição, de 2008, mostrou que a taxa de inovação nacional ficou em 38,11%. A Pintec levanta os gastos em atividades de inovação tecnológica, que são basicamente a aquisição de máquinas e equipamentos e a realização de projetos de P&D.
"Houve avanços significativos, mas ficaram aquém da expectativa que se criou em face das taxas de crescimento econômico entre 2005 e 2008, pois os investimentos em P&D tendem a ser pró-cíclicos, e também em virtude da disseminação de instrumentos de apoio à inovação nas empresas", afirma Cavalcanti, em entrevista ao Inovação. Os pesquisadores do Ipea preferem não considerar, para comparação, os números de 2000. "A Pintec 2000 deve ser usada com cautela. Foi a primeira edição da pesquisa e contém alguns conceitos que ainda não estavam cristalizados no Brasil. Tendo a achar que essa edição da Pintec é um outlier [valor discrepante], e que devemos concentrar a análise nas três últimas edições da pesquisa", aponta Cavalcanti.
"O problema fundamental, em minha opinião, é que os investimentos em P&D também cresceram significativamente no mundo todo, o que nos deixou praticamente na mesma posição em relação aos outros países", destacou Fernanda de Negri ao Inovação. "Apesar do crescimento recente, nós não estamos conseguindo reduzir a distância que nos separa dos países desenvolvidos. Vale lembrar que o período 2005 – 2008, até antes da emergência da crise, foi um período de elevado crescimento econômico não apenas no Brasil, o que contribuiu para impulsionar as atividades inovativas no mundo todo", acrescenta.
No artigo publicado pelo Ipea, os pesquisadores explicam que o Brasil está em estágio intermediário de desenvolvimento tecnológico e, para reduzir sua defasagem em relação aos países mais desenvolvidos, precisa ter níveis de crescimento dos esforços tecnológicos superiores aos observados nos países centrais. Os autores lembram que os Estados Unidos, por exemplo, estão na fronteira tecnológica, e seria esperado que o aumento dos investimentos em P&D nesse país fosse menor. Contudo, ficou em 12%, superior ao brasileiro. "Países que estavam em um patamar de esforço tecnológico muito próximo ao Brasil em 2005, como Portugal, Espanha e China, tiveram um crescimento muito mais expressivo nos seus esforços tecnológicos e lograram, efetivamente, reduzir a distância em relação aos países da fronteira", destacam os pesquisadores do Ipea no texto. E alertam: "mesmo com o crescimento significativo dos esforços tecnológicos brasileiros no período recente, se o País mantivesse a mesma taxa, seriam requeridos cerca de 20 anos para chegar ao patamar observado atualmente nos países europeus."
Investimentos concentrados em número menor de empresas
Observando apenas a indústria extrativa e de transformação (excluindo-se serviços, portanto), os pesquisadores destacam o aumento das atividades inovativas – 24,45% na Pintec 2003 para 30,49% na Pintec 2008 (houve mudança na amostra na última edição da Pintec, pois não foram englobadas as atividades de edição e reciclagem). Contudo, esse aumento da taxa de inovação não se refletiu no esforço de P&D das empresas.
A Pintec 2008 confirmou que as firmas brasileiras continuam inovando mais pela compra de máquinas e equipamentos para implementar produtos e processos novos ou melhorados do que pela realização ou aquisição externa de P&D. Apesar do aumento das atividades e gastos em inovação, a Pintec 2008 mostra redução nas atividades de P&D internas e na aquisição externa de P&D – atividades de P&D realizadas por outra organização, como outras empresas, institutos de pesquisa e universidades.
Conforme o levantamento feito pelos pesquisadores do Ipea, 5,86% das empresas industriais que se declararam inovadoras na Pintec 2003 fizeram atividades internas de P&D e 1,43% disse ter feito aquisição externa. Na Pintec 2008, esses percentuais são de 4,25% e 1,41%, respectivamente. Essa informação já havia despertado a preocupação de analistas, conforme
Inovação noticiou em novembro do ano passado.
O percentual dos gastos em atividades de inovação em relação ao faturamento aumentou no período 2003 e 2008 de 2,46% para 2,54%. Mas o índice de 2008 foi menor do que o 2005 (2,77%), apesar de a última edição da Pintec ter capturado um momento de maior crescimento econômico. Os gastos em P&D relacionados ao faturamento cresceram de 0,61% para 0,73% no período. Em atividades internas, o gasto em relação ao faturamento ampliou-se de 0,53% para 0,62%; e em aquisição externa cresceu de 0,07% para 0,10%.
Fernanda explica que a queda no número de empresas que fazem atividades de P&D interna ou aquisição externa não é necessariamente ruim, pois o indicador que relaciona o percentual de gastos em P&D com faturamento está aumentando. "O que esse indicador mostra é que as atividades de P&D estão se concentrando em um número menor de empresas", diz. Segundo ela, o investimento em P&D é concentrado em poucas empresas no mundo todo: segundo estudo de 2005 da UNCTAD, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, as 700 maiores firmas com gastos em P&D no mundo – entre as quais 90% são transnacionais – respondem por quase metade do total dos gastos em P&D mundiais e por 69% dos gastos empresariais em P&D. "Isso [a queda no número de empresas que fazem P&D], em si, não seria algo que merecesse um juízo de valor negativo. É um ponto a ser explorado [em análises futuras sobre os resultados da Pintec 2008]", completa Cavalcante.
Análise dos investimentos por intensidade tecnológica
No artigo do Ipea, os pesquisadores fazem uma análise diferenciada dos dados da Pintec 2008 ao olhar o desempenho das empresas de acordo com a classificação das mesmas por intensidade tecnológica. Do total de 98.420 indústrias da amostra da Pintec 2008, apenas 37.808 se declararam inovadoras, e registraram uma taxa de inovação de 38,41%. Entre essas quase 38 mil empresas, a grande maioria (19.405) foi classificada no segmento de baixa intensidade tecnológica. A seguir vêm as empresas de média-baixa (10.377), de média-alta (6.883) e de alta (1.143). As que registram a maior taxa de inovação são as de alta intensidade tecnológica, com 58,27%, seguidas pelas de média-alta, com 50,27%; média-baixa (36,12%) e baixa (35,91%).
O estudo mostra que as empresas do setor de média-alta tecnologia são responsáveis pelos maiores gastos em atividades de P&D em relação ao faturamento, quando comparado aos segmentos de alta, média-baixa e baixa intensidade tecnológica, seguindo metodologia da OCDE e do próprio IBGE. Os pesquisadores do Ipea classificaram as empresas que estão no segmento "outros equipamentos de transporte" como firmas de média-alta intensidade tecnológica. Entre as empresas da categoria "outros equipamentos de transporte" estão desde firmas que produzem bicicletas, que são de baixa intensidade tecnológica, até as que produzem aviões, de alta intensidade.
Na Pintec, não é possível fazer essa desagregação de informação. Por isso, os pesquisadores do Ipea optaram por classificar todo o setor que produz "outros equipamentos para transporte", incluindo o de fabricação de aeronaves, que é de alta intensidade, no setor de média-alta tecnologia. Dessa forma, os gastos da Embraer, por exemplo, uma das empresas que mais investem em P&D&I e no Brasil, consta no estudo do Ipea como um gasto de uma empresa de média-alta intensidade tecnológica, apesar de a companhia ser de alta tecnologia. Mas, segundo Cavalcanti, esse aspecto da metodologia não compromete os resultados da pesquisa.
Segundo o levantamento do Ipea, o setor de média-alta tecnologia é o que mais investiu em atividade interna de P&D (R$ 5,7 bilhões). A seguir vieram as empresas classificadas como média-baixa (R$ 2,5 bilhões), e as de baixa intensidade tecnológica, que investiram R$ 1,2 bilhão, mesmo patamar de investimento do setor de alta tecnologia. Na aquisição de atividades externas, quem mais investiu foi o segmento de média-baixa (R$ 676 milhões), seguido pelas empresas de média-alta intensidade (R$ 506 milhões), alta (R$ 499 milhões) e baixa (R$ 71 milhões).
Se observada relação entre o gasto em P&D interno e externo e o faturamento, a maior proporção fica com as empresas de alta tecnologia, cujo dispêndio em P&D corresponde a 1,89% do faturamento do setor, seguido pelas firmas de média-alta tecnologia (1,13%), média-baixa (0,62%) e baixa (0,26%). "A relação P&D sobre faturamento nos setores de baixa é, obviamente, menor do que dos de alta. O problema é que temos mais empresas de baixa do que de alta, assim, os gastos totais das de baixa são altos", explica Cavalcanti, acrescentando que a estrutura industrial brasileira ainda é relativamente concentrada em empresas de baixa intensidade tecnológica.
Se temos maior esforço no segmento de empresas de média-alta tecnologia, não seria recomendável que o Brasil focasse seus programas de apoio à inovação nesse setor? "Pessoalmente, acredito que políticas estritamente horizontais podem ter um universo muito amplo, o que dificultaria sua aplicação. Além disso, desconfio que nossa relação P&D sobre faturamento nos setores tradicionais não é muito diferente dos padrões mundiais, ao passo quetemos espaço para crescer nos setores de alta e média-alta - e nesses setores o universo de empresas é menor", responde Cavalcanti. "Isso, é claro, não significa abandonar os setores tradicionais, mas enfatizar atividades de inovação incremental que têm mais impactos sobre seus níveis de competitividade e são mais baratas", prossegue.
Sobre esse aspecto, Fernanda de Negri acrescenta que as políticas de inovação são recentes e talvez ainda não tenha havido tempo para que o potencial de mudança dessas ações se reflita nos indicadores de inovação das empresas. "Entretanto, é certo que é preciso focalizar essas políticas em setores mais intensivos em tecnologia, que teriam maiores possibilidades de impulsionar o desenvolvimento tecnológico do País. Setores como tecnologia da informação e comunicação [TICs] e fármacos respondem pela maior parte dos investimentos em P&D no mundo - 35% do investimento mundial em P&D é feito em TICs", diz. "Não é possível pensar em ampliar nossos investimentos em P&D sem aumentar a participação desses setores na economia, bem como seus esforços tecnológicos", conclui.