Friday, 20 March 2015

ANTES DA LEITURA SEMICOLETIVA DE THOMAS PIKETTY*

Nos próximos sábados, nos meses de abril e maio, iremos fazer uma leitura/discussão do fenomênico livro de Thomas Piketty, “O Capital no Século XXI”, com um pequenino grupo de alunos, do curso de economia, e mais alguns curiosos. O objeto do livro de Piketty é a desigualdade econômica – de riqueza e de renda. Antes, porém, a modo de introdução, teremos uma aula sobre a pobreza, que é um tema/questão diretamente correlato às desigualdades econômicas.
O ponto de partida da aula sobre pobreza será um conjunto de oito vídeos que integra o projeto “Por Que Pobreza?”, além do vídeo nacional “Pobreza no Brasil”. Ao todo, totalizam cerca de oito horas.
A pobreza é um tema/questão envolto em dois grandes aspectos. O primeiro diz respeito a dificuldade de abordá-la. O segundo é que, recentemente, a pobreza passou a ser exaustivamente estudada, por indivíduos e grupos altamente especializados.
Em relação às dificuldades, seja pela definição do termo, nos dicionários (estado ou qualidade de pobre; falta de recursos; indigência, miséria, penúria; os pobres), ou mediante conceito (ideia ou noção) que representa, de forma geral, uma realidade ou fenômeno, torna-se muito difícil para alguém de fora do meio de convivência dos “especialistas” dizer algo sobre pobreza, que considere o conjunto de pontos fundamentais.
Essa situação provém, em grande parte, do fato de não existir uma área do conhecimento (economia, direito, ciência política, etc.) com abrangência suficiente para abordar o tema/questão da pobreza em sua totalidade, dado o formato de “especializações” que caracteriza o desenvolvimento da ciência moderna.
Nesse sentido, os vídeos cumprem um papel fundamental. O vídeo, per se, já é um instrumento de grande potencial, por usar múltiplos recursos de linguagem. Os nove vídeos (Por Que Pobreza e Pobreza no Brasil) exploram as mais diversas possibilidades. Em cada um é focado um aspecto e/ou dimensão da pobreza contemporânea (dinâmica do poder econômico e políticos, ajuda dos países ricos, educação, gênero, dureza do capitalismo chinês, etc.).
Em termos espaciais, Por Que Pobreza se detém mais em alguns países africanos, pois é lá que se encontra a maior parcela da pobreza mundial. Algumas imagens não são fáceis de assistir; machucam a alma. No entanto, na esfera do entendimento, elas os vídeos são impecáveis, mesmo considerando a complexidade da dinâmica da pobreza – tanto as questões técnicas quanto as de poder econômico e político, etc.
Movendo-se para o campo das pesquisas e estudos, a pobreza é um dos objetivos mais estudados nos últimos anos, indiscutivelmente. Evidente, que as preocupações oficiais extrapolam o momento recente, já que no final da década de 1960, o Banco Mundial já tinha produzido um importante trabalho sobre o tema, na gestão de McNamara, no famoso Relatório Pearson, no qual foram desenhadas as primeiras estratégias de combate à pobreza.
Omitindo algumas décadas, a referência dos estudos e debates recentes sobre pobreza são os “Objetivos (ou Metas) do Milênio” estabelecidos pela ONU, em 2000, dentro da chamada Declaração do Milênio, na qual, 190 países se propuseram, até 2015: (1) acabar com a fome e a miséria; (2) educação básica de qualidade para todos; (3) igualdade entre sexos e valorização da mulher; (4) reduzir a mortalidade infantil; (5) melhorar a saúde das gestantes; (6) combater a aids, a malária e outras doenças; (7) qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; (8) todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento.
Estes objetivos são o sonho de todo indivíduo, grupo social, governo. É uma ideia que se universalizou; virou moda. Por exemplo, de forma caricatural, hoje, no Brasil, até o Partido Progressista (PP) – herdeiro de muitas histórias – define “a eliminação das desigualdades” como um dos pontos de seus objetivos básicos.
A decisão da ONU reflete estudos, pesquisas, discussões e disputas de políticas realizadas ao longo dos anos de 1980 e 1990s, nos principais centros de poder e organizações, e instituições mundiais, de onde foi elaborado o conceito de pobreza e as estratégias de políticas necessárias para combatê-la, num mundo caracterizado pela hegemonia das ideias liberais. 
Podemos mencionar que os economistas do Banco Mundial são os especialistas maiores dessa história. Ou seja, quase tudo que acontece nos países com níveis elevados de pobreza tem a marca dessa organização multilateral. Seu espelho brasileiro transita na sombra do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA.
Se alguém não tiver a paciência de consultar os indispensáveis textos do Banco Mundial, e desejar ultrapassar a leveza dos vídeos, pode ter uma ideia ampla e profunda no livro do renomado economista Jeffrey Sachs, “O Fim da Pobreza (como acabar com a miséria mundial nos próximos 20 anos)”, escrito em 2005. Conceitos de pobreza, pobreza extrema (ou absoluta), pobreza moderada ou pobreza relativa são exaustivamente discutidos no contexto das políticas adequadas para combatê-las.
Não menos relevantes são os relatórios anuais sobre os Objetivos do Milênio. O “Relatório sobre os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio”, de 2014, mostra um quadro do que se alcançou nestes quatorze anos, com bastante detalhes: “Têm-se verificado progressos importantes em todos os objetivos, tendo algumas metas sido cumpridas antes do prazo estabelecido de 2015.” Quando todas as metas serão cumpridas?
Em 1930, Keynes, um dos maiores economistas do século XX, escreveu as “Possibilidades econômicas para os nossos netos”. Naquele momento de terror da crise econômica que começava, ele previu que por perto do final do século XX, a pobreza deixaria de ser o “velho problema econômico”, como resultado da dinâmica espetacular da ciência e da tecnologia na sustentação de taxas de crescimento contínuas a juros compostos. Se escrevesse hoje, à luz de todo acúmulo do conhecimento, o que Keynes diria novamente?
Niall Ferguson, em “A grande degeneração (a decadência do mundo ocidental)” – livro sintético, intenso e provocante – defende que tudo passa por quatro dimensões: democracia, mercado (capitalismo), paisagem jurídica (Estado de direito) e sociedade civil. Segundo ele, são esses os componentes principais de base da civilização ocidental, dentro dos quais há um conjunto de instituições extremamente complexo e interconectado, que explicam o fenômeno da prosperidade.
As respostas de Jeffrey Sachs, em O Fim da Pobreza, são muito parecidas com as de Ferguson. Entretanto, a pergunta persiste: quem em vida ainda testemunhará o fim da pobreza? O momento está perto ou no infinito? O livro “Glória incerta: a Índia e suas contradições”, de Jean Drèze e Amartya Sem, recém-lançado, que trata de um país que tem dentro de si mais do dobro da população brasileira de pobres, não é a resposta, mas mostra o que está acontecendo numa Índia que domina a energia nuclear, mas ainda é exemplo como a pobreza teima em persistir.
A pergunta permanecerá, evidentemente, o que ajudará a leitura de Thomas Piketty, um livro extenso e complexo, que exige um esforço razoável. Um livro que mostra que as desigualdades econômicas vêm aumentando nas últimas décadas (será que o crescimento das desigualdades atrapalharão os projetos de combate à pobreza?). Os nove vídeos sobre pobreza não substituirão um livro sobre desigualdades econômicas, no entanto, reduz algumas das dificuldades inerentes a um livro que se transformou num fenômeno de venda e de crítica em menos de um ano.

* Publicado no Jornal Página 20, dia 18-03-2015. FACEBOOK.

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POR QUE POBREZA? (FUTURA) / WHY POVERT? (YOUTUBE)
INTELIGÊNCIA/TAHMIMA ANAM
Na doença e na riquezaBengaleses ricos viajam ao exterior para tratar doenças. Dacca, Bangladesh

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