Por Claudia Safatle | De Brasília
Com uma inflação que ronda os 6% desde 2010, os 20 anos de criação do Real são motivo mais para preocupação do que para celebração
Jornal Valor Econômico, Caderno EU & FIM DE SEMANA, 27/06/2014
[Lula Marques/FolhapressO presidente Itamar Franco e o ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, em 1994, no dia do anúncio do Plano Real]
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As pesquisas eleitorais revelam o desapontamento da população com os resultados do combate à inflação. Segundo o Ibope/CNI, divulgado na semana passada, 71% dos entrevistados avaliam muito mal o controle da inflação por este governo.
Passadas duas décadas do mais bem-sucedido e engenhoso programa de estabilização - que derrubou a inflação anual de 2.477,15% em 1993 para 22,41% em 1995 e 1,65% em 1998, o seu menor nível -, esse é o retrato do Plano Real. Uma iniciativa heterodoxa, de convivência temporária com duas moedas, que deveria ter sido levada com determinação a índices mais neutros de inflação, mas ficou a meio caminho.
É claro que os preços, hoje, não crescem a dois dígitos ao mês como antes do Real. Em junho de 1994, às vésperas da circulação da nova moeda, a variação do IPCA foi de 47,4%. Mas uma inflação que ronda os 6% ao ano desde 2010, com os preços dos alimentos subindo mais de 10% ao ano, é motivo de preocupação e não de comemoração. A estabilidade de preços ainda não é uma sólida conquista da sociedade brasileira.
Debelar a hiperinflação, após tantas tentativas fracassadas, era o primeiro passo para construir uma economia mais eficiente, competitiva e um país menos desigual. O aumento generalizado e consistente dos preços no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990 encobria as ineficiências e corrompia as informações sobre a real situação tanto do setor privado quanto das contas públicas federal, estaduais e municipais.
Ao derrubar a inflação, as mazelas começaram a aparecer a partir, inclusive, da perda das receitas inflacionárias. Os Estados, na sua maioria, estavam quebrados. Falimentar também era a situação dos bancos públicos - estaduais e federais - e de algumas instituições privadas. Mas só às vésperas da reeleição do então presidente Fernando Henrique Cardoso, em setembro de 1998 - quando o Banco Central (BC) travava um embate com o mercado para segurar o câmbio -, foi que o governo se convenceu da necessidade de encerrar a farra fiscal. No fim daquele ano, reeleito para um segundo mandato, FHC se comprometeu com um duro ajuste nas contas públicas, no âmbito de um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para socorrer o balanço de pagamentos. Na sequência, o governo conseguiu, em 2000, a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Só às vésperas da reeleição de Fernando Henrique, em 1998, o governo se convenceu da necessidade de encerrar a farra fiscal
A partir da quebra dos monopólios estatais, as privatizações ganharam fôlego em setores-chave, como os de telecomunicações, energia, siderurgia e financeiro. Bancos estaduais foram vendidos e dois federais, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, foram capitalizados pelo Tesouro Nacional. O programa foi levado adiante, sobretudo entre 1996 e 1999, e a venda das estatais rendeu cerca de US$ 78 bilhões aos cofres públicos. Essa arrecadação, entretanto, não foi suficiente para estancar a crescente dívida líquida do setor público, que passou de R$ 147 bilhões em junho de 1994 para quase R$ 563 bilhões em dezembro de 2000, em valores correntes. Havia, mais do que discussão ideológica, pelo menos dois motivos para vender as empresas nos anos 1990: as companhias não tinham recursos suficientes para bancar os investimentos necessários e o governo precisava de reais e dólares para fechar suas contas internas e externas.
A privatização, por mais polêmica que possa ter sido, deu um salto na oferta de serviços públicos, sobretudo de telefonia. Antes telefone era um bem de luxo, um ativo a ser declarado no Imposto de Renda. Havia fila e demorava anos para se conseguir uma linha telefônica da Telebras. Hoje a compra e a habilitação de um celular tomam poucas horas.
Privatização mediante concessões foi o caminho encontrado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, a partir de 2012, por Dilma Rousseff, para viabilizar os necessários e urgentes investimentos em infraestrutura - rodovias, portos, aeroportos e ferrovias. Leilões de rodovias foram realizados no ano passado, mas as obras não começaram, enquanto as de seis aeroportos concedidos ao setor privado avançaram.
Em 1998, o Banco Central gastou boa parte das reservas internacionais para sustentar o regime de câmbio administrado. Câmbio valorizado foi um instrumento importante para conter o processo inflacionário pós-Real, ao baratear as importações para suprir a demanda interna. Levada por tempo demais, a apreciação da moeda gerou grandes tensões até que, em janeiro de 1999, FHC trocou o comando da autoridade monetária, mudou a política cambial em meio a uma crise que se aprofundou com a troca de Gustavo Franco por Chico Lopes na presidência do BC e a adoção da banda diagonal endógena.
Em fevereiro daquele ano, Armínio Fraga assumiu o comando do BC e instituiu o regime de taxas flutuantes para o câmbio. No mesmo ano, a política monetária passou a ser calcada no sistema de metas para inflação e o governo começou a cumprir as metas de superávit primário. Estava criado o tripé macroeconômico.
A primeira meta fiscal de FHC foi um superávit primário (que exclui os gastos com os juros da dívida) de 3,1% do PIB, percentual que oscilou para cima e para baixo nos anos seguintes, inclusive durante o mandato de Lula. Dilma Rousseff cumpriu a meta de 3,1% do PIB no seu primeiro ano de governo, em 2011, mas logo depois o governo optou por uma trajetória de afrouxamento fiscal que levou o resultado para 1,89% do PIB em 2013, ainda assim com bilhões em receitas extraordinárias. Para este ano a meta é de 1,9% do PIB. A medida real das condições fiscais, porém, é a do déficit nominal (que inclui os juros), que atualmente está na casa dos 3% do PIB.
O regime fiscal é importante para dar sustentabilidade à dívida pública como proporção do PIB - principal indicador de solvência do país - e para apoiar a política monetária. De pouco adiantam taxas de juros elevadas para controlar a inflação se o gasto público é crescente e aumenta a demanda agregada da economia. Políticas monetária e fiscal não podem ser dissonantes sob o risco de deixar o BC enxugando gelo e a inflação em descontrole.
O tripé vigorou por todo o segundo mandato de FHC. Lula assumiu em janeiro de 2003, no rescaldo de um forte ataque especulativo às vésperas das eleições, e fez um ajuste considerável no primeiro ano de governo, mantendo-se fiel às bases da política econômica de FHC. Nos três primeiros anos do mandato do novo presidente predominou a visão liberal na política econômica, com bons resultados. A partir de 2006/2007, ela começou a assumir contornos "desenvolvimentistas", na esteira do escândalo do mensalão. Instituiu-se uma política de aumentos reais do salário mínimo, dos investimentos públicos em infraestrutura (o PAC), do crédito e do consumo, além dos programas de transferência de renda e reajustes salariais para o funcionalismo público. Foi, também, o período de substancial acumulação de reservas cambiais, com as pressões fiscais decorrentes da esterilização das reservas.
Lula pegou bons ventos externos que o ajudaram no crescimento econômico, com o "boom" das commodities. A inflação caiu de 12,5% em 2002 para 3,14% em 2006. O crescimento econômico foi de 3,5% em média nos quatro primeiros anos de Lula e de 4,62% no segundo mandato, sendo que em 2010 chegou a insustentáveis 7,5% - ano da eleição de Dilma Rousseff -, mas não sem deixar uma herança de problemas para a sua sucessora.
O início do governo Dilma Rousseff foi de ajuste, com aumento do superávit primário e dos juros. Em meados de 2012, porém, a política econômica começou a tomar outro rumo, com a execução de uma "nova matriz econômica" fundamentada em taxa de juros baixa; câmbio competitivo e "consolidação fiscal amigável ao investimento", na definição do secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, em entrevista ao Valor em dezembro de 2012. Naquela época o governo estava convicto de que o país experimentaria uma expansão forte dos investimentos. Não houve.
O compromisso com a meta de inflação de 4,5%, àquela altura, já era totalmente frouxo. "Inflação mais alta é algo relativo. Hoje, os economistas sabem que é bom tomar cuidado com inflação muito baixa. Porque taxas muito baixas levaram os bancos centrais a ter taxas de juros muito baixas, que, por sua vez, geraram estímulos à formação de bolhas de ativos. Esse tema, sobre qual é a taxa de inflação ideal, é controverso", argumentava Holland na ocasião.
Havia, assim, a percepção de que a inflação em torno de 6%, onde se situa há quatro anos, tinha um caráter "civilizatório", fruto da distribuição da riqueza em curso no país, que teve início na gestão Lula, e esse patamar seria bem tolerado pela população. Foi o abandono do tripé em nome de um modelo que teve curta duração.
Em meados de 2012, a política econômica passou a tomar outro rumo, com a execução de "uma nova matriz econômica"
A acelerada expansão do crédito, que sustentou taxas de crescimento mais exuberantes, encerrou seu ciclo com o aumento da inadimplência. A retração dos bancos privados levou o governo a estimular as instituições públicas a avançar na oferta de crédito para o consumo. As famílias, endividadas, estão mais cautelosas e os bancos públicos respondem, hoje, por metade do crédito no país.
A transição para substituir o consumo pelo investimento como motor do crescimento econômico esbarrou na perda de confiança de empresas e consumidores no governo e no atraso das concessões de serviços públicos para o setor privado. A economia, que pelos prognósticos oficiais deveria crescer 4% desde o início da gestão Dilma Rousseff, não deslanchou.
É fato que o mundo que tanto ajudou Lula não colaborou com Dilma - desde a crise de 2008/09 a economia mundial cresce pouco e acabou o "boom" das commodities. Mas não há como atribuir toda a decepção ao resto do mundo, como tenta agora justificar o governo. Há responsabilidade interna, independente dos restos da crise externa, sobre o desânimo que se disseminou na produção e no consumo domésticos. Caso contrário o Brasil não estaria no último lugar em uma lista de mais de 40 países, de acordo com pesquisa global sobre o Índice dos Gerentes de Compras (PMI, na sigla em inglês). O país foi para o fim da fila por conta própria.
Do lado externo, a situação também deixou de ser confortável. De 2003 e 2007 o país acumulou superávits nas transações correntes do balanço de pagamentos, mas de 2008 para cá a situação se reverteu. O déficit em conta corrente em maio era de 3,61% do PIB, ou US$ 81,9 bilhões. De exportador de capitais o Brasil passou a ser importador, mas isso também não se converteu em aumento do investimento. O quadro externo não chega a ser dramático, mas não é muito prudente diante da perspectiva de aumento futuro dos juros internacionais.
No primeiro trimestre deste ano o Brasil sofreu um rebaixamento da agência Standard and Poor's no rating, mas ainda mantém o "grau de investimento", conquistado a duras penas em abril de 2008. O corte na nota do país decorreu da deterioração das contas do governo central e das incertezas em relação à política fiscal. Desde as estripulias contábeis do Tesouro Nacional, em 2012, e os sucessivos arranjos dependentes de receitas extraordinárias, dividendos das estatais ou renegociação de débitos tributários (Refis), os dados fiscais passaram a ser olhados com lupa e desconfiança.
Nunca foi fácil para a classe política compreender que há limites ao crescimento das despesas públicas e que o Estado não produz dinheiro, mas apenas o recolhe da sociedade sob a forma de impostos e o redistribui.
Soma-se à deterioração das contas públicas o endividamento do Tesouro para emprestar aos bancos federais, sobretudo ao BNDES. A União transferiu mais de R$ 400 bilhões para o banco estatal emprestar a juros subsidiados a empresas privadas sem que elas tenham aumentado a taxa de investimento. Resultado: os juros implícitos da dívida líquida do setor público são crescentes e muito acima da taxa Selic.
Dilma assumiu com taxa Selic de 10,75% ao ano, que subiu para 12% com o objetivo de combater a inflação no primeiro ano do governo, foi reduzida a 7,25% e hoje é de 11% ao ano. Juros baixos e câmbio competitivo eram objetivos acalentados pelo Palácio do Planalto e concebidos na nova matriz econômica.
A curta experiência de juro baixo, que em termos reais chegou em alguns momentos a ser de 2% ao ano, decorreu do excesso de liquidez internacional, de juros reais negativos nos países desenvolvidos e de uma crise nos países da zona do euro. A combinação da redução da expansão monetária nos Estados Unidos com o aumento da inflação no Brasil demandou elevação da Selic a um patamar superior ao encontrado por Dilma. Com um agravante que não houve nos governos passados: o atraso nos preços da gasolina e da energia elétrica que contaminou as expectativas inflacionárias para 2015 e ainda debilitou a Petrobras.
No último ano do governo Dilma, candidata à reeleição, os dados do primeiro trimestre são desalentadores. A economia cresceu 0,2%, a taxa de investimento (o estoque) caiu de 18,2% em igual período do ano passado para 17,7% do PIB, a taxa de poupança de 12,7% foi a mais baixa desde o ano 2000. O mercado considera provável uma retração no segundo trimestre, mas o governo não.
A permanência de mecanismos de indexação - estendidos ao salário mínimo por Lula - e experimentalismos em busca de atalhos que levassem da estabilidade de preços para o crescimento sustentado de forma indolor deixaram o Plano Real inacabado.
Chegou-se a trabalhar, em 2011, em propostas ambiciosas de desindexação da economia que abarcariam desde os investimentos financeiros indexados ao DI (juros médios das operações interbancárias) a preços que teriam uma indexação "oculta" - ou seja, preços que, embora livres, não obedecem aos ciclos econômicos e trazem algum mecanismo de correção automática.
Um grupo de técnicos do governo traçou uma detalhada radiografia do que teria que ser feito nos preços administrados e livres para desatrelá-los da inflação passada. Boa parte dos administrados, responsáveis por 30% do IPCA, são regidos por contratos com reajustes anuais atrelados a índices gerais de preços e 70% dos preços livres também são corrigidos por algum mecanismo que leva em conta a inflação passada. Um exemplo disso são as negociações salariais que tomam como piso o percentual de aumento do salário mínimo. O assunto morreu.
Com um persistente aumento real dos salários superior aos ganhos de produtividade, o mercado de trabalho em pleno emprego e o salário mínimo indexando as aposentadorias do INSS, o seguro-desemprego, o abono salarial, seria muito difícil conter a inflação.
Uma economia que não cresce ou cresce pouco, porém, perde as condições de reduzir as desigualdades e fica sob risco de queda do emprego. Os dados de ocupação na indústria divulgados nesta semana pelo Ministério do Trabalho são inquietantes. Houve um movimento generalizado de fechamento de vagas na indústria de transformação em maio e, em 12 meses, o saldo de vagas abertas é de apenas 3.618.
Consolidou-se, no setor privado, a desconfiança no governo. A piora dos índices de confiança que precedem a desaceleração ou mesmo recessão econômica tem sido contínua e as tentativas do governo de reverter esse cenário foram malsucedidas.
A transição para substituir o consumo pelo investimento como motor do crescimento esbarrou na perda de confiança no governo
Por 12 anos a meta de inflação no Brasil está estacionada em 4,5% ao ano com margem de tolerância de dois pontos percentuais para cima ou para baixo para acomodar choques de oferta. Foi curta a tentativa de progredir no processo de desinflação e a meta está estabelecida para até 2016. De 26 países que adotam o regime de metas, em apenas 3 - Gana, Indonésia e Turquia - o índice de preços ao consumidor supera a alta de 6,4% registrada pelo IPCA nos 12 meses até maio. Países da América Latina têm objetivos mais restritivos. No Chile, na Colômbia e no México a meta de inflação é de 3% e no Peru, de 2%. As bandas de flutuação para acomodar eventuais choques, nesses países, é de um ponto percentual.
São várias as explicações para o Brasil ter inflação mais elevada do que os outros países que adotam o regime de metas, da inércia à elevação da renda que pressionou os preços dos serviços, passando ainda pela desconfiança na autonomia do Banco Central do Brasil para combater a alta dos preços com elevação dos juros. Em nenhum outro país se acumulou, também, uma defasagem de preços e tarifas públicas como aqui, afetando negativamente as expectativas pela perspectiva de reajuste maior da gasolina e energia a partir do próximo ano.
Ideal para a economia brasileira seria ter uma taxa de inflação mais próxima da que têm os principais parceiros comerciais do país. Há quem estime como adequada uma meta de inflação de 3% ao ano, que seria uma taxa mais neutra para as decisões econômicas e menos prejudicial para a competitividade externa.
Quando do início do regime de metas, o Conselho Monetário Nacional, em 2001, fixou como alvo para 2003 um IPCA de 3,25%. Foi a última tentativa de desinflação. Em 2007 houve um intenso debate no governo sobre a possibilidade de estabelecer uma inflação menor como meta, já que o IPCA de 2006 havia sido baixo, de 3,14%, e as expectativas do mercado estavam até abaixo da meta. Mas venceu quem foi contra, desperdiçando uma oportunidade ímpar.
De 2005 para cá, ao perenizar a meta de 4,5%, buscou-se privilegiar o crescimento econômico. O país ficou sem os dois.
Às vésperas das eleições presidenciais de outubro o Brasil se vê diante de duas possibilidades: retomar o caminho da restrição fiscal e colocar um teto para a expansão do gasto público, corrigir os preços represados, administrar a política monetária para levar a inflação à meta de 4,5%, reduzir os subsídios ao crédito público; ou prosseguir no atual caminho.
Tudo será tão mais fácil quanto maior for o voto de confiança da sociedade no novo governo.
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UMA LIÇÃO SIMPLES E ATERRADORA
Por Gustavo Franco | Para o Valor
De todos os 20 aniversários da nossa moeda, este é o mais cercado de dúvidas sobre a coisa conquistada. Que pode haver de pior nesta data do que a ansiedade sobre o retorno da criatura que se considerava extinta?
A lição parece tão simples quanto aterradora: a volta aos velhos hábitos é tristemente fácil, pois não há cura para o vício, apenas abstinência. Um pouco de inflação é como um pouco de vandalismo, de bagunça ou de gravidez.
A passagem do tempo parece facilitar uma oscilação entre a consciência do problema e a perda de memória, ou pior, o estado de negação. Vinte anos depois, a memória do flagelo parece cada vez mais embaçada. Muitos se empenham em lembrar que foi uma tragédia, mas apenas os que estão próximos dos 40 anos tiveram a chance de testemunhar, já maiores de idade, a criatura caminhar sobre território brasileiro.
"Parece bem claro que há um limiar a partir do qual a inflação entra num terreno escorregadio e caminha para a explosão"
Muitos não acreditam no que se passou, ou enxergam aí uma "narrativa neoliberal", e mesmo dentre os crédulos há diversos que evitam o termo "hiperinflação" por vergonha ou pudor. Preferem esquecer. Ou dizem que não foi isso tudo, que não chegamos onde esteve a Alemanha, que este registro denigre o país e que não há valor pedagógico em cultivá-lo.
Para muitos, portanto, por motivos variados, inocentes ou não, é como se não tivesse acontecido.
Pois bem, para que não fique a dúvida sobre o fato, vamos aos números: a inflação acumulada em 12 meses até junho de 1994, medida pelo IPCA, atingiu 6.433%. Em junho de 1994, a inflação foi de 50% no mês, que equivalem a 12.875% anuais, ou cerca de 2% por dia útil. A meta de inflação para 2014 seria a inflação de um simples fim de semana, naqueles tempos loucos. Um feriadão já seria suficiente para estourar a meta.
A criatura desapareceu em julho de 1994, mas nos primeiros 12 meses de vida da nova moeda a inflação acumulou 33%. A batalha inicial, marcada pela URV em fevereiro-julho de 1994, foi um extraordinário episódio de guerra tecnológica, que resolveu um bom pedaço do problema, mas não tudo. Daí em diante, a estabilização foi resolvida pela infantaria e com o armamento convencional. Só em 1997 a inflação caiu abaixo de 5% no acumulado de 12 meses e em 1998 chegamos a 1,6% para o ano inteiro, nossa melhor marca.
Foi absolutamente essencial chegar ao zero, ou a uma inflação igual à dos Estados Unidos, para desintoxicar o organismo por inteiro. Assim o país elevou consideravelmente a sua resistência aos choques que se seguiram. A vida se assentou, especialmente depois dos sacolejos de 1999, 2002 e 2004, que abriram várias tumbas, e expuseram diversos esqueletos, que, afinal, não saíram andando e devorando as pessoas como alguns temiam. Não sei se é possível dizer o mesmo de 2008, quando a explosão nuclear em Wall Street fez aparecer ideias radioativas como as "políticas anticíclicas", a "contabilidade criativa" e a "nova matriz macroeconômica".
Enquanto isso, na Argentina e na Venezuela, duas inquietantes experiências tinham lugar. Dois organismos viciados eram novamente expostos a variados tipos de drogas, não apenas as derivações do desequilíbrio fiscal, mas também alucinações ideológicas de amplitude imensa e perigosa. Em ambos os casos, algo estranho ocorre em algum momento entre 10% e 20% de inflação anual, talvez a aceleração da periodicidade de reajustes, ou uma redolarização pelo câmbio negro. É difícil dizer. Mas parece bem claro que há um limiar a partir do qual a inflação entra num terreno escorregadio e caminha para a explosão.
Em ambos os casos, entraram em cena não apenas controles de preços como algumas novidades: falseamento das coletas, manipulação dos cálculos e constrangimentos diretos a supermercados e produtores. Foi preciso travar os mercados para que não expressassem as verdades da economia, tal como se fez com os veículos de comunicação. Mercados e jornais são mecanismos de disseminação de informação essenciais para a alocação de recursos e para decisões econômicas e políticas. Ao atacar os mercados, a escassez se dissemina, bem como os esquemas espúrios e o colapso da produção e da produtividade. Os índices de inflação mostram algo como 40% anuais, em coletas parciais e enviesadas, na plena vigência de congelamentos de preços, mas esses números não refletem a vasta desorganização econômica reinante.
São exemplos horríveis, nada que ver com o Brasil, mas são alarmantes pela proximidade não apenas geográfica, mas conceitual: estamos rodando a 6,5% anuais e com a inflação de serviços em 10% e preços públicos comprimidos. Não estamos muito longe do limiar, e pior: as políticas macroeconômicas continuam teimosamente heterodoxas e com alguns episódios isolados, mas preocupantes, de hostilidade ao setor privado.
Há desconforto com a falta de convicção da administração Dilma Rousseff sobre quatro temas básicos: responsabilidade fiscal, moeda sadia, cidadania global e economia de mercado, quatro pilares essenciais da reconstrução monetária iniciada em 1994. Os primeiros três itens são os componentes do famoso "tripé", apenas vistos de forma mais ampla. E o quarto, a crença na economia de mercado, o vértice associado às políticas regulatórias, ambiente de negócios, reformas e infraestrutura, é algo que se tomava por dado em outros tempos. Havia uma harmonia de pensamento entre governo e setor privado sobre a quem cabe o protagonismo no processo de crescimento, que se viu rompida pelo crescimento da presença direta e indireta do Estado na economia.
O vigésimo aniversário do real, como observado de início, está marcado pelo signo da dúvida: estaria o governo engajado em uma tentativa heroica de demonstrar a falência dos paradigmas ortodoxos de política macroeconômica, do Consenso de Washington e da teoria econômica neoliberal, ou vamos assistir, em 2015, a um retorno ao bom senso em matéria de macroeconomia?
Gustavo Franco é sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do Banco Central
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A MOEDA PARA A MODERNIZAÇÃO
Por Célia de Gouvêa Franco e Cristiano Romero | De São Paulo
Persio Arida, um dos formuladores do Real, diz que plano de estabilização foi parte de iniciativas para modernizar o Estado
VALOR ECONÔMICO
[Ana Paula Paiva/Valor / Ana Paula Paiva/ValorPersio Arida: "Inflação de 6% ao ano é uma mensagem ruim porque mostra que o governo é muito complacente"]
Um dos principais formuladores do Plano Real, o economista Persio Arida afirma que o programa de estabilização era parte de um conjunto de iniciativas para modernizar o Estado e a economia. No espaço de seis anos, o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, entre outras medidas, privatizou estatais, quebrou monopólios, renegociou as dívidas dos Estados e criou um marco - a Lei de Responsabilidade Fiscal - para forçar os entes federados a equilibrarem suas contas.
"[O Plano Real] era um primeiro passo, necessário, já que com hiperinflação não há condições políticas nem sociais de se pensar em nada a não ser em combatê-la", explicou Persio, que, em coautoria com André Lara Resende, idealizou a URV (Unidade de Referência de Valor), uma espécie de moeda virtual que precedeu a criação do real. "O Estado herdado do governo militar era intervencionista, planejador e produtor. O Real era a mudança para a concepção moderna de Estado, em que este se relaciona com a economia privada via agências reguladoras, proibindo abuso de concorrência."
Para o economista, hoje integrante do conselho de administração do banco BTG Pactual, o projeto modernizador foi abandonado nos últimos anos pelas gestões petistas. Na verdade, houve retrocesso, uma vez que, desde a crise de 2008, o governo tomou gosto pelo "desenvolvimentismo" do período Geisel, com aumento da presença do Estado na economia e dos gastos públicos, elevação do crédito direcionado e tolerância com inflação alta.
"O governo achou que tinha uma crise keynesiana de falta de demanda, portanto, achou que precisava ampliar gasto e o crédito públicos. Na verdade, a contração da demanda, de investimentos, era um momento tópico, que se combate com taxas de juros mais baixas. Teria sido muito melhor para o Brasil reduzir drasticamente o custo de financiamento e não expandir em um centavo o gasto público ou o volume de crédito", criticou.
Valor: O senhor já escreveu que o Plano Real está incompleto. O que quer dizer com isso?
Persio Arida: São três coisas diferentes. Primeiro, o Plano Real se inseria dentro de um contexto maior, de modernização do funcionamento do Estado e das instituições brasileiras. É claro que era um primeiro passo, necessário, já que com hiperinflação não há condições políticas nem sociais de se pensar em nada a não ser em combatê-la. Toda a discussão política gira em torno disso. Mas a estabilização foi o primeiro passo. Depois vieram outras medidas. Fim da moratória, Lei de Concessões, privatizações, renegociação das dívidas dos Estados, Lei de Responsabilidade Fiscal, o fim do problema dos bancos estaduais.
"O país teria muito a ganhar, por exemplo, se tivéssemos não só mantido a inflação em 4,5%, mas também se o BC tivesse mandato independente"
Valor: Fim dos monopólios?
Arida: Também. Era um projeto de modernização do Estado brasileiro. O Estado herdado do governo militar era intervencionista, planejador e produtor. É a noção de que cabe ao Estado desenvolver o país. Daí, as grandes estatais, a interferência na economia, créditos subsidiados direcionados etc. O Real era a mudança para a concepção moderna de Estado, em que este se relaciona com a economia privada via agências reguladoras, proibindo abuso de concorrência. O foco do Estado está nas suas atividades precípuas: educação básica, saúde pública, transporte e segurança. A energia política está voltada para isso - e não para criar estatais ou dar créditos subsidiados para alguns setores.
Valor: Seria o Estado mínimo?
Arida: O problema não é o tamanho do Estado em si, mas o que ele faz. Se o Estado está preocupado em direcionar uma estatal para essa direção ou outra, em dar subsídio a este setor ou outro, se obriga o país a entrar num molde de um planejamento centralizado, está fazendo errado. O Brasil, hoje, 20 anos depois, tem um mercado de capitais muito mais desenvolvido do que tinha naquela época. O que era verdade com o Plano Real é muito mais agora. O outro Estado - o que se volta à educação, saúde, transporte público e segurança -, se é maior ou menor, é secundário. O que o Estado faz, o que percebe como sua função, é que muda. E esse projeto modernizante, liberal na construção do Estado, que existia quando o Real foi lançado e nos oito anos seguintes, infelizmente avançou até certo ponto durante o governo Lula, mas depois foi paralisado, se é que não houve um forte retrocesso em algumas coisas.
Valor: O fato de este projeto modernizante ter sido paralisado representa um risco para a estabilidade a médio e longo prazo?
Arida: Sim e não. É claro que, de um lado, se o Estado faz o que não devia e deixa de fazer o que deve, aos poucos você vai ter uma economia com taxas de crescimento cada vez mais baixas por excessiva interferência estatal e uma insatisfação social enorme porque o Estado não faz o que deve. São duas consequências ruins do retorno da concepção de Estado vinda do governo militar, que coincide, latu sensu, com o que é o chamado desenvolvimentismo.
Valor: A rigor, o ex-presidente Ernesto Geisel era um desenvolvimentista?
Arida: É a mesma concepção de Estado, da qual muitas vezes a esquerda gosta. A única diferença é que antes se anunciavam com fanfarras os planos quinquenais, curiosamente imitando o regime soviético. Mas, a rigor, pouco crescimento, insatisfação social, não tem nada a ver com estabilidade de preços. A princípio, não afeta a estabilidade de preços. Se você jogar isso ao longo do tempo, cria uma enorme pressão para o Estado aumentar gastos, fazer o que não deve e uma enorme pressão sobre o próprio sistema, com controle de preços. Porque, se o país cresce pouco, a arrecadação tributária é pequena, os gastos em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) crescem, então, a situação fiscal começa a se deteriorar. E, vale lembrar, o Real foi lançado tendo sido precedido de uma emenda constitucional que assegurava condições fiscais mínimas para sustentar a estabilização.
Valor: Mas, no primeiro mandato de FHC, os gastos públicos subiram muito. Só houve disciplina fiscal quatro anos depois.
Arida: O orçamento aprovado pelo Congresso é fixado em termos nominais. A arrecadação de impostos segue a atividade real. Então, em períodos de inflação elevada, na prática, qualquer que seja o valor que se aprove em janeiro, o valor real da despesa vai ser muito menor. Mas quando você breca a inflação, a arrecadação é a mesma, mas o valor real da despesa passa a ser aquele valor anunciado em janeiro e não o valor médio do ano. Isso faz com que todas as despesas subam, portanto, você tem um problema fiscal de partida, corrigido ao longo do tempo.
Valor: Alguns economistas dizem que permitir uma inflação mais alta, de 6%, 7%, faz o país crescer mais e abrigar certas demandas sociais.
Arida: Essa tese é um equívoco gigantesco. A nossa banda de meta de inflação - de 2,5% a 6,5% - é muito generosa. O centro da meta, de 4,5%, é muito alto. Isso importa porque, quanto mais estável o nível de preços, menor é a dispersão de preços relativos, portanto, mais eficiente fica o funcionamento do sistema de mercado. Quando aumenta a dispersão de preços relativos, o segredo de como funciona a economia de mercado, que é a informação que o preço relativo transmite, fica afetado. Por que o Brasil tinha crescimento tão baixo e sofria quando a inflação era 20% ao mês? Se todos os preços sobem 20% ao mês, que diferença faz? Faz uma enorme diferença porque eles não sobem todos ao mesmo tempo. Você não sabia quando o preço tinha subido, se tinha acabado de subir, portanto, em termos relativos se aquele bem estava caro ou se iria subir no dia seguinte. Então, a dispersão de preços relativos faz com que a economia de mercado perca eficiência. Nesse sentido, quando você vai de 4,5% para 6%, primeiro não vai acontecer nada. Se você anunciar essa mudança, todo mundo revisa os planos para 6%, a inflação esperada passa a ser 8% ou 9% porque mostrou que você não tem credibilidade nenhuma. Se a inflação pula para esse nível, você não ganha nada em termos de crescimento.
Valor: A inflação também não pode ser muito baixa...
Arida: É claro que não. Não se pode correr o risco de deflação e tem que levar em conta que muito do que a gente chama inflação é mudança tecnológica embutida. Se eu compro um computador hoje e ele tem o mesmo preço em termos reais do que tinha há dois anos, estou me enganando: ele caiu de preço porque oferece muito mais qualidade hoje do que há dois anos. Mas com essas pequenas adaptações, como um todo, quanto mais baixa a inflação, maior a eficiência na transmissão da informação via sistema de preços relativos.
Valor: A inflação de 6% do Brasil hoje torna o país menos competitivo?
Arida: É óbvio que, se você olha um país que tem 6% comparado com outros da América Latina, você diz "bom, tem algo de mais errado nesse país do que nos outros". A percepção de qualquer investidor é exatamente essa. Inflação de 6% é uma mensagem ruim porque mostra que o governo é muito complacente. O país teria muito a ganhar, por exemplo, se tivéssemos não só mantido a inflação em 4,5%, mas também se o Banco Central tivesse mandato independente. Quando você reforça a credibilidade da política monetária, a inflação funciona de forma mais eficiente. O custo de financiamento baixa. Por que o Brasil só tem financiamento de longo prazo baseado em títulos atrelados à inflação? Porque as pessoas não confiam. Se perguntarmos: "como é que um NTN-B de 2050 sai à inflação mais 6,5%, 7% de juros?". É algo completamente absurdo, sinal de desconfiança na capacidade do BC de manter a estabilidade de preços.
Valor: Qual o centro da meta ideal?
Arida: O ideal - estou sonhando, porque estamos muito longe disso - é que se reduza de 4,5% para 4%, 3,5%.
Valor: Quando se defende redução das despesas públicas, é comum ouvir que o governo precisa atender as demandas sociais.
Arida: Acho essa visão equivocada. Primeiro, a ineficiência do setor público, o excesso de gastos, as obras que não saem na hora certa ou saem a preços muito maiores do que deveriam. Essa ineficiência é visível a olho nu. O que o governo mais precisa hoje é de um plano para gerir o setor público com mais eficiência. Garanto que se vai economizar muito mais do que todo mundo pensa. Você vai a qualquer repartição pública e vê uma meia dúzia de funcionários abnegados, excelentes, que carregam o piano e há um outro tanto, de outro percentual muito maior, de gente acomodada que não faz nada. Como não há meritocracia nenhuma, por que alguém vai trabalhar muito se pode trabalhar pouco e se o salário é igual? Nas obras públicas, é notório o grau de desperdício. Qualquer um que tenha se aproximado de um governo federal - e não falo de agora, não, mas de 10, 20, 30 anos atrás - viu o grau de ineficiência. O total de gastos públicos associado a transferências - Bolsa Família, seguro-desemprego, subsídios - é 1,9% do PIB. Agora, o governo gasta com previdência 7,4% do PIB. A desproporção é evidente. A despesa previdenciária do governo federal, que é de longe o principal item, está aumentando o tempo todo. Há uma década, era 5% do PIB. Em parte, a despesa cresceu porque os aposentados do setor público estão ficando mais velhos. Em parte, porque os benefícios estão aumentando para os aposentados por causa da regra do salário mínimo. Equacionar a previdência é a prioridade número um se você quiser administrar bem as poupanças públicas. Como a nossa demografia está piorando, o problema fica muito mais sério daqui para a frente. Então, antes de gastar mais no setor público, é preciso resolver esse problema da previdência.
Valor: Nas manifestações populares, há uma demanda por serviços de melhor qualidade e isso está sendo entendido como demanda por mais gastos. Como equacionar isso?
Arida: Minha leitura é um pouco diferente. De um lado, é notável o espírito em que as manifestações ocorreram porque não é uma manifestação europeia. Esta seria para exigir maiores salários com jornada de trabalho menor. A brasileira é de outra natureza. As pessoas querem uma melhoria do coletivo, não da sua situação individual. Isso é absolutamente notável, um ponto muito importante que merece aplausos. O que se demandava ali? Obviamente, um conjunto enorme de propostas, mas, em última análise, era que o Estado funcionasse melhor nas suas áreas próprias de atuação, que são segurança pública, transporte, educação e saúde. Nem era exatamente uma crítica ao governo federal. Na verdade, é como se a sociedade estivesse pedindo para o Estado se modernizar, deixar de ser um Estado desenvolvimentista típico do governo militar para ser um Estado moderno. No fundo, era o arcabouço básico do Plano Real, entendido como projeto de modernização do Estado.
Valor: O senhor tem dito que o país ainda não tirou todo o proveito do bônus da estabilidade econômica. O que seria exatamente isso?
Arida: Na época do Plano Real, todo mundo deixava dinheiro aplicado por um dia em títulos públicos. O volume de crédito era baixíssimo. Era uma economia que convivia com uma enorme restrição de crédito e um custo de capital muito alto. Quando se faz a estabilidade e ela se torna crível, algo que só se consegue com o tempo, a reação das pessoas é esperar para ver. A partir do momento em que cresceu a confiança no padrão monetário, naturalmente o volume de crédito aumentou, os prazos de financiamento ficaram mais longos. Isso faz com que a economia funcione de forma mais eficiente. Há um ganho de crescimento potencial enorme.
"É ótimo ter expansão de créditos? Não há dúvida, mas tem que ocorrer como resposta ao estado de confiança e não por indução artificial do governo"
Valor: Qual ganho?
Arida: O da normalização das relações de crédito. Esse ganho está longe de ser exaurido, embora tenha havido enorme progresso nos últimos 20 anos, que vemos em custo de capital com juros mais baixos, volume de crédito muito maior e avanço do mercado de capitais, que era pequeno naquela altura e hoje tem uma importância fundamental para a economia. Só que esses três dividendos ainda não foram exauridos. O Brasil tem muito a ganhar em termos de PIB potencial se continuar o projeto de "financial deepening" [aprofundamento]. Se compararmos com o Chile - não estou falando em comparar com os Estados Unidos -, estamos longe. Em volume de crédito, de hipoteca sobre PIB, custo de capital, capacidade de endividamento de pessoas e principalmente de companhias. Há um potencial de crescimento enorme.
Valor: Quais são os passos que precisam ser dados para que isso ocorra ou se acelere?
Arida: Primeiro, evitar artificialismos. É ótimo você ter expansão de crédito para a economia? Não há a menor dúvida, mas tem que ocorrer como resposta ao estado de confiança e não por indução artificial do governo.
Valor: Como foi feito nos últimos anos?
Arida: Foi o que aconteceu. O crescimento do crédito privado caiu e o crédito vindo do setor público foi aumentando, a tal ponto que hoje mais da metade do crédito vem daí. Você está aumentando o crédito por intervenção estatal e não porque há mais confiança do setor privado na estabilidade monetária. Obviamente, isso não é sustentável e gera distorções. Outro exemplo: se você aumenta o volume de crédito direcionado na economia, pode ter certeza que a economia perde eficiência. No fundo, há um grande planejador em Brasília que diz como é que o crédito tem que ser alocado. Hoje estamos no pico. A proporção de crédito direcionado em relação ao total é de 46%.
Valor: O governo alega que, na crise de 2009, os bancos represaram a liquidez. Já os bancos públicos aumentaram a oferta de crédito e sua inadimplência é a menor do mercado.
Arida: O que é preciso entender é que 2008 afetou o Brasil por contágio. Era uma crise de hipoteca nos EUA e o Brasil tem uma porcentagem de hipoteca mínima. Era uma crise de confiança na saúde dos bancos americanos e europeus que não tinha nada com o Brasil, mas a globalização tem disso. Quando você gera um episódio de aversão ao risco generalizada, com a percepção de possível quebra dos grandes bancos internacionais, as pessoas pensam o mesmo sobre o Brasil. O que houve em 2008 foi que o investimento entrou em colapso no mundo inteiro e no Brasil também. Colapsos de confiança se resolvem injetando mais confiança. A resposta adequada para um problema desse tipo é baixar a taxa de juros. O governo achou que tinha uma crise keynesiana de falta de demanda, portanto, achou que precisava ampliar gasto e o crédito públicos. Na verdade, a contração da demanda, de investimento, era um momento tópico, que se combate com taxas de juros mais baixas. Teria sido muito melhor para o Brasil reduzir drasticamente o custo de financiamento e não expandir em um centavo o gasto público ou o volume de crédito.
Valor: O governo fez as duas coisas.
Arida: Sim. A diferença é a capacidade de reversão. A economia brasileira, como não tinha problemas, reverteu muito rapidamente a crise de 2009. Só que, quando você estimula a economia via gastos, para parar de gastar é uma dureza: você já concedeu benefício a alguém, gastou com um novo programa, criou interesses privados que estão associados à continuação dos gastos. Já deu crédito subsidiado. Se tentar cortar, alguém do setor privado que está recebendo vai protestar. O que aconteceu é que, além do plano de reversão, a criatura teve vida própria. Se você olhar, o volume de gastos públicos e a expansão de créditos do setor público continuaram. Aquele processo que parecia uma resposta de curto prazo a um problema externo, na verdade virou uma política permanente que, se não fazia sentido em 2009, fez muito menos em 2013. Foi uma resposta errada de um lado e a incapacidade de reverter de outro. É um dos fatores responsáveis pela baixa taxa de crescimento da economia.
Valor: O senhor acha que chegou o momento de acabar com o crédito direcionado?
Arida: Não tenho a menor dúvida. É claro que terminar é um processo complicado, não pode ser de uma hora para outra. O mercado de capitais hoje é muito mais desenvolvido do que era na época dos militares ou 20 anos atrás. Então, a ideia de que é preciso estimular setores que não têm acesso a mercado de capitais valia nos anos 70, certamente não vale hoje. Esse volume de créditos subsidiados e direcionados provoca a elevação da taxa de juros.
Valor: Por quê?
Arida: O BC tem que assegurar que a inflação fique constante em 4,5%. Se tem um volume de crédito muito barato, ele põe a Selic mais alta para, na média, assegurar o mesmo efeito. Então, no fundo, se há setores que têm taxas de juros subsidiadas, o resto da sociedade paga a conta. Além disso, gera-se uma assimetria de poder enorme. Quem tem acesso ao crédito subsidiado é quem tem influência, lobby, representatividade junto ao poder político. E quem paga a conta é a empresa que não tem acesso a Brasília, a pessoa física que toma emprestado para comprar uma geladeira. Isso cria uma distorção enorme no país. Se você permitir reduzir a taxa Selic e evitar esse tipo de distorção, já dá um grande passo. O segundo passo é a política fiscal. Se tiver uma política fiscal muito mais apertada, você pode ter certeza de que a taxa de juros nominal que estabilize a inflação em 4,5% vai ser muito mais baixa. Tem um elemento de credibilidade na sustentação da política fiscal ao longo do tempo que é importantíssimo. De certa forma, se você apertar a política fiscal, seus gastos com juros vão cair. Não é o contrário. Nesse sentido, os nossos conceitos estão até errados. É verdade que o número de déficit público hoje não fala com o número de dez anos atrás porque as mudanças de contabilidade foram tantas que a série perdeu significado, mas o déficit tem que ser pensado não em um número exato, se é 1,9% do PIB, se é 2%, 3%. É claro que 3% é melhor que 1,9%, mas o que se quer com o controle do gasto público? Um conceito importante é estabilizar a dívida como proporção do PIB. O Brasil não tem uma dívida sobre o PIB muito alta. É mais alta que alguns emergentes, mas está longe de ser um problema de sustentabilidade. O mais importante é ter o superávit necessário para fazer com que se tenha confiança na taxa de juros. Não sei qual é o superávit primário suficiente para se alcançar isso, mas certamente é muito maior que o de hoje.
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A QUESTÃO AINDA É FISCAL
Por Ribamar Oliveira | De São Paulo
Depois de elogios e críticas ao Plano Real, Delfim recomenda, para hoje, conciliar investimento com um freio no ritmo da distribuição de renda
VALOR ECONÔMICO
[Luís Ushirobira/Valor / Luís Ushirobira/ValorDelfim: "Foram retiradas do empresário brasileiro as condições de competição. Eliminou-se a mais poderosa alavanca de modernização e de expansão da economia que é o comércio exterior."]
O Plano Real foi uma "obra-prima", "uma pequena joia", mas "nunca terminou", avalia o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto. "Nunca, na verdade, o governo decidiu fechar o déficit fiscal", criticou, em entrevista ao Valor. Para Delfim, uma consequência perniciosa da falta de um maior apoio fiscal foi "a valorização do real muito superior ao que seria necessário". Ele sempre foi um crítico ácido da excessiva valorização da moeda brasileira frente ao dólar, por entender que isso prejudicava a indústria brasileira. "A empresa brasileira foi submetida à maior carga tributária do mundo, à maior taxa de juros do mundo e ao câmbio mais valorizado do mundo", afirmou. O ex-ministro disse que a redução da capacidade exportadora do Brasil é um processo iniciado antes do Plano Real, mas, na opinião dele, "o real acentuou isso".
Pela falta de vontade política de enfrentar a questão fiscal, Delfim disse que "até hoje o país não consegue caminhar com um equilíbrio razoável". Embora considere que o Brasil "não está à beira do cataclismo", o ex-ministro acha indispensável abrir um espaço fiscal para que se possa adotar, em caso de necessidade, uma política anticíclica. Para ele, o problema central do país, hoje, é o aumento persistente do salário real acima do aumento da produtividade. "Não tem política monetária nem política fiscal que sejam capazes de enfrentar esse problema." Delfim disse que a distribuição de renda realizada nos últimos anos decorreu de uma melhoria nas relações de troca do país e de um aumento considerável no déficit do balanço de pagamentos. "Agora isso vai ter que mudar. A distribuição está comendo o crescimento. Teremos que reduzir a velocidade da distribuição." A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Como o senhor viu o Plano Real na época? Foi um mecanismo engenhoso?
Delfim Netto: Foi uma pequena joia. Foi uma contribuição importante, prática, dos economistas brasileiros que dele participaram. Alguns deles tinham as experiências de outros programas de estabilização, mas era um conceito novo. Desde o início, achei que o negócio ia funcionar. Alguns economistas que participaram ativamente do plano, da concepção, tinham sido alunos do Dornbusch [economista Rudiger Dornbusch] e do Fischer [economista Stanley Fischer]. O Fischer e o Michael Bruno tinham produzido o plano de Israel, que foi a primeira tentativa efetiva de fazer estabilização com sucesso. O Plano Real fez coisas absolutamente fantásticas. Ele liberou todos os preços, criou uma moeda, a URV, em que se media tudo em torno dela, estabilizou a distribuição da renda, pois fixou os salários em URV como média, e fez tudo aquilo que era necessário para que, quando os preços fossem liberados, não houvesse mais tensões escondidas. A distribuição de renda era aquela que a sociedade queria, os preços estavam livremente flutuando, bastava, portanto, fixar a âncora, que foi o câmbio. Foi uma obra-prima. Muito bem imaginada, que honra a inteligência de seus formuladores. Mas o plano nunca terminou. Nunca, na verdade, o governo decidiu fechar o déficit fiscal. Nunca o governo decidiu enfrentar de verdade os problemas da indexação. Foi-se arrastando com um pé. Primeiro, com uma valorização do real muito superior ao que seria necessário se tivéssemos tido um apoio fiscal maior.
Valor: Na época, o senhor foi um crítico muito ácido da valorização do real, pois achava que iria prejudicar a indústria brasileira.
Delfim: E prejudicou. A empresa brasileira estava sendo submetida, em primeiro lugar, à maior carga tributária do mundo, que não podia ser isentada na exportação, porque se tinha tanta confusão que o governo era incapaz de fazer isso. Em segundo lugar, o país tinha a maior taxa de juros do mundo, para sustentar a valorização do câmbio. E, terceiro, o Brasil tinha o câmbio mais valorizado do mundo. Então, foram retiradas do empresário brasileiro as condições de competição. Ou seja, eliminou-se a mais poderosa alavanca de modernização e de expansão da economia que é o comércio exterior. No fundo, esse é um processo que vem desde 1984. Essa ideia de que se tinha uma política de substituição de importações antiquada, não sei o quê, é pura conversa para boi dormir. O país tinha um câmbio que era o "crawling peg" [sistema de câmbio administrado, em que a taxa vai sendo ajustada ao longo do tempo], que era um câmbio relativamente desvalorizado; tinha-se construído uma tarifa efetiva adequada e, mais do que isso, tinha-se o "draw-back" verde amarelo. Ou seja, a importação era considerada como fator de produção. Se você importasse o produto para exportar, era livre (de tributação). Naquele tempo, existia um plano de desenvolvimento da indústria automobilística em que se estava construindo no Brasil uma plataforma exportadora. O Brasil estava ligado com o mundo. Isso tudo foi destruído. Hoje, o país está completamente afastado da estrutura industrial mundial, não tem ligação nenhuma com o mundo. Esses anos todos de valorização cambial levaram os exportadores a se transformar em importadores. O defeito básico é anterior ao real, mas o real acentuou isso. O governo Fernando Henrique Cardoso deu duas ou três contribuições importantes para o Brasil e deu uma tragédia. A primeira contribuição foi a estabilização, que foi uma maravilha. Depois, a lei de responsabilidade fiscal, que é outra pequena joia. E com a estabilização ele conseguiu a reeleição, que foi a maior tragédia que ele vai deixar para a história do Brasil.
"O Plano Real tinha em si uma pílula de suicídio, no sentido de que até hoje o país não consegue caminhar com um equilíbrio razoável"
Valor: Por quê?
Delfim: Na verdade, está provado que em um país em que não há o menor controle social, a reeleição é um instrumento perigoso, é um instrumento que termina, inclusive, com a democracia. Isto porque o poder incumbente adquire um controle tal da sociedade que não tem como competir.
Valor: No início do real, não houve uma preocupação muito grande com a questão fiscal.
Delfim: No primeiro governo Fernando Henrique não houve o menor controle fiscal. Só quando o país quebrou, em 1998, que o governo foi correndo para o Fundo Monetário Internacional (FMI), em que o Bill Clinton [então presidente dos Estados Unidos] salvou o Brasil, pois, se naquele momento o Lula ganhasse a eleição, despreparado como estava o PT, teria sido uma tragédia. Por pressão do Clinton, o FMI tergiversou, nos deu um dinheirinho, depois o Fernando Henrique voltou ao Fundo em 2002 de novo. No primeiro governo FHC [Delfim mostra uma tabela], a média do déficit público nominal foi 5,3% do PIB. No segundo mandato, foi 4,4% do PIB. No primeiro mandato do Lula, foi 4% do PIB e no segundo mandato, de 2,9% do PIB. Agora, nós estamos com 3,2% do PIB. O que eu digo é que nunca houve um esforço fiscal de verdade. O Plano Real foi um sucesso tão grande, o plano foi tão brilhante, que tinha em si uma pílula de suicídio.
Valor: Em que sentido?
Delfim: No sentido de que até hoje o país não consegue caminhar com um equilíbrio razoável. Nós estamos em uma situação desconfortável. O Brasil não está à beira do cataclismo. Mas 3,5% de déficit fiscal nominal não é uma coisa saudável. Ter uma dívida bruta de 60% do PIB não é uma coisa saudável. Tudo bem, faz dez anos que o país está com dívida bruta constante. A dívida líquida, não se pode mais usar [como parâmetro], pois está toda destruída. Mas é evidente que se amanhã o país tiver necessidade de um plano anticíclico de verdade, não terá espaço para isso. A dívida vai para 80% do PIB e o Banco Central puxa o juro para a lua de novo, sobrevaloriza o câmbio.
Valor: Ao contrário de 2008/2009, quando havia espaço.
Delfim: Havia espaço. Hoje, não. É a única coisa inconveniente e que o governo tem, em um momento qualquer, de entender isso. Não tem nenhuma tragédia. A questão da inflação, por exemplo, a gente discute, discute, mas são coisas óbvias. Em primeiro lugar, não é possível, persistentemente, estimular o salário real, acima do aumento da produtividade. Isso é como um sanduiche: você coloca no pão um pedaço de carne e joga mostarda. Quando você apertar o sanduíche, a mostarda vai sair para o lado. Ou vai sair como inflação ou vai sair como déficit em conta-corrente, que é o que nós estamos vivendo. Não é o salário-mínimo [o problema], mas é aquilo que nunca foi tirado. É ligar o mínimo a todo o resto. Hoje, é o salário-mínimo que determina a despesa pública. Este é único país do mundo em que isso sobrevive. O salário- mínimo é um instrumento muito útil. Agora, você não pode, além de garantir o poder de compra para o aposentado, garantir o aumento de produtividade per capita. Não se pode usar o salário-mínimo para fixar o salário-educação, fixar o seguro-desemprego, o abono salarial etc.
Valor: Ou seja, em algum momento o salário-mínimo terá que ser desvinculado dos demais benefícios sociais.
Delfim: Não tenho dúvida disso. Mas, no Brasil, isso só vai ser feito quando estiver caindo no abismo. Aí aparece um campeão e corrige tudo isso. O drama é que nós estamos jogando fora uma oportunidade de ouro. O crescimento medíocre e uma distribuição de renda medíocre do Fernando Henrique elegeram o Lula. Um crescimento um pouco mais elevado e uma distribuição melhor elegeu a Dilma. Agora, a distribuição está comendo o crescimento. Agora tem que ter uma mudança. É isso.
Valor: Durante a implantação do Plano Real, o Brasil enfrentou várias crises internacionais. A Ásia quebrou, depois a Rússia quebrou. Em que isso pesou na execução do plano?
Delfim: A crise asiática explicitou o erro do câmbio no processo de estabilização da economia brasileira. Nós teríamos sofrido muito menos se não fosse esse erro. O que eu digo é que a concepção do plano foi extraordinária, a armação foi perfeita, só que a execução foi toda pontuada por dificuldades, por problemas. Eu acho que faltou convicção do centro do governo do que precisava ser feito, ou seja, o ajuste fiscal.
Valor: Vinte anos depois do Plano Real, a inflação mostra resistência, girando em torno de 6% ao ano. Em sua opinião, quais são os fatores que mantêm a inflação do Brasil elevada?
Delfim: No momento em que se aumenta, sistematicamente, o salário real acima da produtividade não tem como você caminhar... Não tem política monetária nem política fiscal que sejam capazes de enfrentar esse problema. Tem, sim. Você entrega o Banco Central independente para um sujeito que seja um profundo portador de uma ciência monetária, ele põe os juros a 40% ao ano, faz uma recessão para valer, desemprega todo mundo e tem uma inflação de 4,5%. Tudo bem. Isso no quadro-negro funciona. No livro-texto também. Só que no Brasil real não funciona. Não tem política fiscal que compense isso. A não ser que o governo produza um excedente gigantesco e baixe o nível de atividade. É preciso compreender o seguinte: se não tiver o apoio da política salarial, não há política de combate à inflação que funcione. Nós estamos vivendo neste momento exatamente isto. A inflação está em 6,5%, mas você tem guardado aí pelo menos 1,5% ou um pouco mais. E isso é péssimo para o combate à inflação. Porque no combate a inflação é importante a expectativa. O Banco Central está funcionando. Estou achando que a queda da atividade vai ser maior do que a gente suspeita. Eu não sei se já não tem a mão pesada demais. O trem está chegando. Chegou o primeiro vagão, chegou o segundo, chegou o terceiro. O nível de atividade está caindo. Começou na indústria. Passou para o comércio. Está chegando no serviço. Há os primeiros sinais de que vai ter desemprego. O câmbio se valorizou. Ou seja, está funcionando [o aperto monetário]. O ritmo de crescimento do crédito desacelerou. Está tudo na direção certa. No momento em que se instalar a ideia de que a expectativa de inflação vai cair, a correção será rápida. Por que isso não acontece? Por causa do erro do governo de esconder a inflação. Ou seja, todo sujeito que pensa diz o seguinte: não, a expectativa de inflação não vai cair. A expectativa de inflação vai primeiro subir e aí eu não sei o que eles vão fazer, pode ser uma tragédia, e aí vai cair.
Valor: Não há uma compreensão muito clara de alguns setores do governo sobre a função das expectativas no sistema de metas de inflação.
Delfim: Hoje, eu estou convencido de que não é um problema econômico. É um problema ecológico. O ambiente é pouco propício para a reprodução da espécie. O que está acontecendo? O ambiente deteriorou. As pessoas se sentem mal. É a diferença entre o andar de baixo e o andar de cima. O andar de baixo continua se sentindo muito bem, porque ele não enxerga que, na frente, o país está indo para bater em um muro. O andar de cima já viu tudo isso e é muito preconceituoso. Acho uma coisa ridícula ser contra as cotas, ser contra a Bolsa Família. É ridículo. Quem tem que se sentir bem? É o povo, é a sociedade. E, segundo, é quem produz, é quem investe. É quem toma o risco de investir. Foi aqui que houve uma destruição da relação entre o governo e o setor privado. Mas o governo está aprendendo. Essa é que é a verdade.
Valor: Essa resistência da inflação não está relacionada com os resquícios da indexação, que não foram retirados?
Delfim: Com essa política monetária que está aí, que está funcionando, se invertesse a expectativa, a inflação ia cair. Agora, não cai porque a própria ação do governo elimina a possibilidade de reduzir a expectativa. A política de controle de preços nega a expectativa. Para ela cair, ela precisa antes absorver os erros que foram cometidos tentando corrigi-la equivocadamente.
Valor: A correção de todos esses erros às vésperas da eleição é uma coisa meio complicada.
Delfim: Eu não acredito que vá ter nada. Eu continuo achando que a Dilma vai se reeleger. E estou apostando no fato de que ela é uma mulher inteligente, que ela está aprendendo. O governo demorou um pouco para entender como se faziam as concessões de infraestrutura e está se aperfeiçoando. A minha convicção é a seguinte: uma sociedade civilizada só se constrói com o jogo dessas duas instituições: a urna e o mercado. Um corrigindo o outro. A urna ainda está muito satisfeita, a urna não está vendo parede nenhuma. O mercado está antecipando o que a urna ainda não vê. Ou seja, as dificuldades do mercado não migraram para contaminar a urna. O que eu acho é que a Dilma tem ainda uma boa probabilidade de se reeleger. E é preciso, portanto, a gente ajudar na direção de corrigir esses defeitos.
"Com essa política monetária, a inflação ia cair. Não cai porque a própria ação do governo elimina a possibilidade de reduzir a expectativa"
Valor: Há uma discussão neste momento sobre a meta de inflação. Inclusive, propostas de candidatos de reduzir a meta. O que o senhor acha disso?
Delfim: Eles estão absolutamente defasados da teoria econômica mais moderna. Todo mundo está vendo que 2% de inflação já não é tão satisfatório. Aprenderam que é preciso ter uma taxa de inflação que torne flexível o salário. Se puder ter 3%, muito bem. Se puder ter 2%, muito bem. Até ter uma crise. Em minha opinião, 4,5% de inflação seria confortável se a flutuação estiver em torno da meta e não ficar namorando o limite superior da banda. O problema é o laxismo com relação à meta. Alguns dizem que a meta é de 2,5% a 6,5%. Não, a meta é de 4,5%, com um intervalo de tolerância de dois pontos percentuais para acomodar choques de oferta ou, eventualmente, de demanda. Essa ideia de desmontar o que está feito não funciona, pois as pessoas receberam os benefícios que só foram possíveis porque o país teve uma melhoria dramática das relações de troca, porque o país fez déficits em conta-corrente gigantescos. O governo distribuiu o que tomou emprestado e o que ganhou de presente. Isso terminou. Quando a Dilma entrou, começou a cair a relação de troca. Foi possível distribuir porque pegou um vento de cauda. Agora, não, a Dilma está pegando um vento de frente.
Valor: Há um entendimento de que o Brasil não vai mais contar com esse vento de cauda.
Delfim: É, isso acabou. Daqui para a frente, você precisa afinar os seus instrumentos. Primeiro, você não terá o presente. O nosso naviozinho estava no mar. Subiu o nível do mar, o navio subiu junto. O PT pensa que foi ele que elevou o nível do mar. Agora, o nível do mar está baixando, ele não quer saber disso. Ele diz: isso não é comigo. É com a Dilma. E terminou também a possibilidade de continuar com o déficit em conta corrente de 3,6% do PIB. Nós temos que pensar que temos que ganhar a vida honestamente. Não vamos receber nem presente mais do mundo e nem financiamento mais do mundo. Nós temos que viver com as restrições físicas do nosso sistema. Nós temos que entender que a identidade da contabilidade nacional é inviolável. Quando eu tento violar, eu só faço besteira. O sistema de preços tem dificuldades, mas o ser humano não inventou um melhor. Então, eu preciso respeitar o sistema de preços. Eu preciso, na verdade, abrir um espaço para a política fiscal. Não é por que eu vou quebrar. Não. É porque eu vou precisar disso em algum momento, em que afrouxar a demanda. Eu preciso também fazer convergir a minha inflação para 4,5% e esquecer a ideia de que 6,5% é meta.
Valor: Os economistas estão dizendo que não será mais possível fazer, daqui para a frente, uma distribuição de renda na mesma velocidade com que foi feita nos últimos anos.
Delfim: Eu acho que foi feita uma distribuição correta. Você recebeu de presente e tomou emprestado. A consciência nacional é a seguinte: eu só posso distribuir o que já foi produzido. Não posso distribuir o que não foi produzido. A posição de cada um é o degrau em que ele se encontra. O sujeito que subiu quatro degraus tem que ficar no quarto degrau. Ele vai chegar no quinto com um tempo maior do que ele passou do terceiro para o quarto. Mas ele vai chegar no quinto. Agora, você tem que dar para ele a esperança de que ele vai chegar no quinto. Você não pode dar o quinto para ele hoje. Você vai ter que compatibilizar o investimento com a distribuição. Nenhum dos dois vai parar. Você tem que acelerar o investimento, mas não prejudicar a distribuição. Você tem que reduzir a velocidade da distribuição. E é isso que vai ter que ser feito, mantendo os programas sociais.
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ERA UMA VEZ O BRASIL
por Carlos Eduardo Soares Gonçalves | Para o Valor
VALOR ECONÔMICO, 10/10/2014
Era uma vez um país que finalmente dava continuidade a certo conjunto de políticas macroeconômicas de qualidade e ensaiava os primeiros passos numa agenda mais profunda de incremento da produtividade dos setores privado e público. Esse país, terra da deleitável jabuticaba, 20 anos atrás: controlou a grande inflação com um sistema de taxas fixas de câmbio que tem lá seus problemas, mas é implacável caçador de inflações altas e resistentes; abriu-se para o comércio exterior numa velocidade estonteante (o que não é ideal, mas tenta fazer essas coisas aos poucos para ver se você consegue); privatizou suas ineficientes empresas públicas sugadoras de escassos recursos orçamentários. Começava a normalização do ambiente econômico.
Esse mesmo país, depois de uma crise internacional de amplas proporções nos fins dos anos 1990, que foi sofrida mas forçou mudanças necessárias e para melhor, sofisticou ainda mais seu arcabouço econômico: passou a permitir a livre flutuação da moeda e adotou rigor nas contas públicas e na condução da política monetária, respectivamente, criando a Lei de Responsabilidade Fiscal e copiando o bem-sucedido sistema de metas de inflação, que já havia sido implementado algures. Esse país, enfim, depois dos solavancos da virada do século, parecia pronto para a segunda etapa da agenda do desenvolvimento sustentado - uma agenda de natureza mais microeconômica e institucional. Mesmo com alterações na política. Mudou o comandante, saiu o sociólogo e entrou o companheiro, mas o companheiro sentado finalmente na cadeira mais alta, para surpresa de muitos e felicidade geral da nação, manteve o timão na direção correta. Um sabor de esquerda europeia no ar. Mas, passado o seu tempo, o companheiro tinha que dar a vaga para outra pessoa e aí, de repente, a criatura do próprio companheiro, democraticamente alçada ao posto de comandante-em-chefe, resolveu - como compreender isso? - jogar tudo por terra, dar fragorosos passos atrás, retroceder a décadas remotíssimas, nas quais o andar da carruagem se pautava pela lógica de uma desabrida marcha forçada - e fracassada. Nem o companheiro entendeu, creio eu, mas já era tarde. Era uma vez o Brasil.
Em 2009 houve uma imponente crise vinda lá de fora, dos países centrais, e houve, conseguintemente, uma reação dos líderes nacionais, ávidos por acionar as alavancas à disposição, de modo a conter os efeitos nocivos da irresponsabilidade dos ricos estrangeiros. Era preciso transformar uma tsunami vinda do Norte em marolinha dos calmos mares do Sul. E reduzir juros, superávit primário e aumentar o crédito público, ali, naquele momento, deu certo, até porque o terreno estava melhor preparado para isso, abundante em reservas internacionais, aplainado de dívidas grandes e de tenebrosa indexação. Foi um sucesso, efetivamente. Palmas!
Mas, ó humanos incorrigíveis, o sucesso acendeu a fagulha da húbris, e os deuses começaram a ficar insatisfeitos. Aconselhamentos foram ventilados por gente de bem: era preciso refrear aquele impulso tremendo nas políticas fiscal, monetária e para-fiscal. Aquilo geraria inflação e má alocação de capital entre os setores da economia. Esses apelos ao razoável, porém, encontraram ouvidos moucos, de mercador, de mercadores de eleições mais precisamente. Dionísio, em algum lugar aqui na Terra, mastigava jabuticabas e incitava a farra a continuar: o país empanturrava-se em gastos altos e juros baixos e crédito farto e subsidiado. A turma no poder queria - como é natural, reconheçamos sem hipocrisias - seguir no poder, e para isso era preciso meter o pé na tábua. Mas, claro, quem acelera demais uma hora tem que frear. Fosse só isso...
O problema é que a coisa não ficou só no expansionismo eleitoral. Fosse assim, a natural e típica reversão à sensatez no pós-pleito conteria os danos sobre a economia, a afobação em incentivar a demanda refluiria, as coisas voltariam gradativamente aos eixos. E no primeiro semestre de 2011 parecia efetivamente que essa era a rota. Mas não, tratava-se de ajuste passageiro e a contragosto, pois a nova líder, uma senhora de português faltoso, tinha efetivamente outra visão de mundo, uma visão trópico-jabuticabal sobre o funcionamento da economia, um conjunto de ideias compartilhadas por um número ínfimo de arautos num mundo de não sei quantos milhões de economistas. Então, desde o segundo semestre de 2011, o exotismo na política econômica floresceu com vigor inaudito, como se, a exemplo da jabuticaba, houvesse uma política econômica válida apenas para o "do Oiapoque ao Chuí" presente, ainda que tenha experimentado comprovado fracasso alhures e aqui mesmo em outros tempos.
Consistia nisso, tentando resumir: reduzir forçosamente a taxa de juros para ver no que daria, uma promessa de campanha (que esquecia, claro, da feliz existência de uma relação entre juros na canetada baixos e inflação elevada); aumentar gastos e cortar impostos, atitudes que, em conjunto, desafiam as leis mais elementares da aritmética fiscal (por favor, não tentem reproduzir esse tipo de experimento na sua casa, pode ser muito perigoso); intervir pesadamente na taxa de câmbio sem critério bem definido, sendo uma hora para incentivar a indústria nacional (que, curiosamente, não se sentiu nada incentivada, a julgar pelos dados), outra hora para controlar a inflação galopante; fechar a economia ao comércio internacional e solapar sua eficiência com medidas como a tal "necessidade de conteúdo nacional", que premia a incompetência e onera os competentes; erigir um faraônico sistema de subsídios para os mais ricos - sim, você leu corretamente, para os mais ricos - via crédito barateado para um grupo seleto de empresários carinhosamente apelidados pelos críticos como amigos do rei (da rainha?). E cosi via...
Deu no quê essa tal de nova matriz?
Deu nisso: inflação superior a 6%, ou seja, bem acima da meta estipulada, que é 4,5% para os desavisados; déficits externos grandes, da ordem de há muito não vistos, de 4% do PIB; queda da produtividade e dos investimentos a taxas apavorantes; rebaixamento do crescimento potencial, de cerca de 3,5% para a casa dos magérrimos 1,5%.
Aí vocês podem dizer (e estão desculpados de antemão pela inocência): mas depois de tanta miséria de resultados, eles reconheceram, ainda que a voz baixinha, os erros crassos? Desculpe informar que não, que não reconheceram. E aguente firme, prezado leitor, tenha nervos de aço, pois aviso aos navegantes que há uma chance de tudo isso se repetir, como naquele filme da marmota, por todos os dias dos próximos quatro anos.
7 a 1 diz alguma coisa pra você? A piada de mau gosto entre os economistas é que, na hipótese de continuidade desse conjunto de políticas econômicas é bom se acostumar com a ideia de inflação na casa dos 7% e crescimento na casa do 1%.
O governo, claro, e seus defensores, dizem que não é nada disso. Que a desaceleração tem que ver com uma economia mundial em dificuldades. Mas como pode ser essa a explicação se outras economias emergentes estão indo muito bem, obrigado? Ok, demos um injustificável benefício da dúvida, aceitemos que foi a desaceleração mundial que nos legou esse crescimento médio de menos de 2%. Sendo essa a história, porém, por que, enquanto a inflação lá fora está mais para perto de 2%, a nossa situa-se acima de 6%? Não estamos sofrendo de um mal de desaceleração generalizado? Ué, mas isso implica inflação perto de zero...contudo a nossa é de mais de 6%. Ué mesmo.
Não foi o cenário internacional, meus prezados, foram os erros na política econômica. Era uma vez um país cujo futuro, escorregadio, teimava em não chegar. Era uma vez o Brasil.
Carlos Eduardo Soares Gonçalves, professor titular de economia da FEA-USP e autor de "Economia Sem Truques" e "Sob a Lupa do Economista" (Campus), escreve neste espaço quinzenalmente
E-mail: cesg73@usp.br
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COMO VAI A ECONOMIA APÓS 20 ANOS DE ESTABILIZAÇÃO?
por Fernando Ferrari Filho e Octavio A. C. Conceição
Diga-se de passagem que o desempenho do PIB tem sido ainda mais pífio e volátil desde a crise do subprime e a grande recessão, a despeito das políticas contracíclicas implementadas
VALOR ECONÔMICO
Diga-se de passagem que o desempenho do PIB tem sido ainda mais pífio e volátil desde a crise do "subprime" e a grande recessão, a despeito das políticas macroeconômicas contracíclicas implementadas pelas autoridades econômicas para evitar um efeito-contágio de maior impacto sobre a economia brasileira.
Por que o desempenho da atividade econômica brasileira tem sido risível, principalmente quando comparado à de outros países emergentes, e não se sustenta? As políticas econômicas implementadas desde o Plano Real - ou mais especificamente, desde 1999, quando foi adotado o tripé metas de inflação, metas de superávits fiscais e câmbio flexível - são insuficientes para assegurar crescimento econômico dinâmico e consistente? Em nosso ponto de vista, tendo como referência as teorias institucionalista e keynesiana, conclui-se que as políticas econômicas implementadas desde a segunda metade dos anos 1990 não se constituem em um sólido pilar para sustentar o crescimento do PIB. Assim sendo, o que é necessário para que a economia brasileira possa crescer de forma sustentável em um contexto de inflação controlada, equilíbrios fiscal e externo e inclusão social?
O desempenho do PIB tem sido ainda mais pífio e volátil desde a crise do subprime e a grande recessão
Pela abordagem institucionalista de Thorstein Veblen e John Commons, o processo de crescimento econômico consiste da articulação entre os planos macroeconômico e microeconômico de forma a possibilitar, por meio de convenções ou estratégias, os princípios de decisões dos agentes econômicos que se originam do conjunto de regras, de hábitos e do comportamento humano.
Por sua vez, pela teoria keynesiana, flutuações de demanda efetiva e no nível de emprego, inerentes às economias monetárias, ocorrem porque, em um mundo no qual há incerteza radical e, portanto, o futuro é desconhecido, os indivíduos preferem reter moeda e, por conseguinte, suas decisões de gastos, seja de consumo, seja de investimento, são postergadas. Nesse contexto, Keynes propõe a adoção de políticas monetária e fiscal contracíclicas e a intervenção do Estado, não necessariamente como gastador, mas, sim, enquanto planejador, regulador e financiador da atividade produtiva, como soluções para as crises de demanda efetiva.
Pois bem, tendo como base as referidas teorias e entendendo que, por um lado, as mudanças "institucionais" observadas com o Plano Real não foram literalmente "embedded" pelos agentes econômicos e, por outro, a política macroeconômica implementada ao longo deste período não somente limita as autonomias das políticas monetária e fiscal, mas são operacionalizadas pragmaticamente, logo se pode conjecturar que nos últimos 20 anos não foi criado um "ambiente institucional" para despertar o "animal spirits" dos empreendedores e, portanto, dos investimentos produtivos, condição sine qua non para a expansão consistente da atividade econômica. Diante deste quadro, o que fazer para crescermos sustentavelmente?
Em termos macroeconômicos, é fundamental o aumento da relação formação bruta de capital/PIB dos atuais 19% para 25%. Para tanto, as autoridades econômicas devem:
Dado Galdieri/Bloomberg / Dado Galdieri/Bloomberg
1 - buscar a responsabilidade fiscal, entendida não como um fim em si mesmo, mas seguindo o critério de administrar a política fiscal de forma contracíclica: em períodos de crise e recessão, política fiscal expansionista, ao passo que em épocas de prosperidade e de crescimento econômico acima da capacidade produtiva ela deve ser, respectivamente, neutra e contracionista.
2 - Orientar a política monetária pelas metas de crescimento e emprego e não somente pelos targets de inflação.
3 - Administrar a taxa de câmbio de maneira a lograr a manutenção de taxa de câmbio real efetiva competitiva, objetivando, assim, que quaisquer ações especulativas no mercado de divisas estrangeiras possam ser coibidas. Ademais, para que o regime de câmbio administrado seja eficiente é necessária a adoção de controle de capitais, seja para mitigar os efeitos perversos do influxo de capitais de curto, seja para que o Banco Central tenha autonomia de política monetária.
Paralelamente, são fundamentais regras e reformas institucionais, tais como:
1 - reforma tributária que tenha como objetivos uma maior incidência da tributação sobre a renda e a riqueza, visando, assim, um caráter de maior progressividade, e a redução do custo Brasil.
2 - marcos regulatórios transparentes, eficientes e ágeis para dinamizar as parcerias público-privadas e melhorar a infraestrutura.
3 - política industrial que tenha como objetivos dinamizar o investimento em P&D e os incentivos fiscais e creditícios para as grandes cadeias industriais, entre outros.
4 - políticas de renda para regular os salários e os preços, em conformidade com os ganhos de produtividade da economia e a dinâmica concorrencial dos mercados.
Em suma, entendemos que as medidas elencadas preenchem a lacuna deixada pela estabilização monetária do Plano Real, qual seja, os crescimento e desenvolvimento sustentáveis.
Fernando Ferrari Filho é professor titular da UFRGS e pesquisador do CNPq)
Octavio Augusto Camargo Conceição é professor adjunto da UFRGS
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RUMOS DA ECONOMIA, Suplemento, Valor Econômico, 02/05/2013
É ESSE O CAMINHO - Suplemento Valor, 02/05/2012
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GUSTAVO FRANCO: INFLAÇÃO É COMO ALCOOLISMO, NÃO TEM CURA, SÓ CONTROLE
Por Thais Folego, Luciano Máximo e Flavia Lima | Valor
Jornal VALOR ECONÔMICO, 12-03-2014
ARMÍNIO ESBOÇA O PROGRAMA DO PSDB
por Claudia Safatle
O ex-presidente do BC expôs em palestra, por ocasião da comemoração dos 20 anos do Plano Real, que pode ser visto como o "esqueleto" de uma proposta para o candidato do PSDB à Presidência da República
Jornal VALOR ECONÔMICO, 14-03-2014
OS NOVOS MODELOS ECONÔMICOS
por Antonio Delfim Netto
A ampliação da missão dos bancos centrais foi, até agora, a mudança mais importante para enfrentarmos as futuras crises do capitalismo
Jornal VALOR ECONÔMICO, 29-04-2014
A INFRAESTRUTURA QUE NÃO ANDA E OS NÓS INSTITUCIONAIS
por Cyro Andrade | De São Paulo
Jornal VALOR ECONÔMICO, 06/05/2014
A ERA DA INCERTEZA
Por Eduardo Belo | de SP
Novos temas em debate, maior número de oponentes e campanha "concentrada" desafiam capacidade dos institutos de pesquisa
Jornal VALOR ECONÔMICO, 02-05-2014
AS TRÊS PODEROSAS [agências de RATING]
por Alex Ribeiro | De Brasília
Como funcionam a Standard & Poor's, a Moody's e a Fitch e quais são as perspectivas para o Brasil manter sua nota na avaliação de risco de crédito
VALOR ECONÔMICO, 14-02-2013 e Fim de Semana
5. Folha de S.Paulo - Opinião - Editorial: Ambição real - 02/03/2014
O aniversário de 20 anos da medida provisória 434/1994, que instituiu a URV (Unidade Real de Valor) e preparou o caminho para o lançamento do real, decerto me ...
O preço da salada e outros mitos da moeda
JOÃO SAYAD - sobre inflação
CRISE SEM EFEITOS PERCEPTÍVEIS TORNA AJUSTE DESAFIO POLÍTICO
por Flavia Lima e Catherine Vieira | De São Paulo
Para João Sayad, no entanto, quem quer que seja eleito não terá como protelar as medidas corretivas
VALOR ECONÔMICO, 13/10/2014
Ana Paula Paiva/ValorSayad: receita para recuperar economia passa por desvalorização do câmbio e mudança na medida da inflação
O futuro presidente da República terá que tomar medidas difíceis do ponto de vista político, pois não há uma crise que justifique sacrifícios, diz o economista João Sayad. Há pleno emprego e uma inflação que passa longe dos 90% ao mês registrados no período Collor. Ainda assim, Sayad avalia que não está em jogo adiar o ajuste - a questão é qual será a velocidade dele.
Segundo o economista, que já atuou em governos de diferentes partidos - passando pelo Planejamento no governo Sarney e, mais recentemente, pela secretaria das Finanças da cidade de São Paulo, na administração de Marta Suplicy, e pela Cultura durante o governo de José Serra -, a primeira coisa a fazer, caso fosse ministro da Fazenda, seria subir o preço da gasolina, o que, em suas contas, elevaria o caixa da Petrobras em cerca de R$ 120 bilhões. "O problema é saber o quanto isso impacta a inflação", diz Sayad, para quem uma "paulada" inflacionária poderia atingir de câmbio a salários.
Entrando em temas que já foram caros ao debate eleitoral, Sayad diz que toda a discussão acerca da independência do Banco Central é "pelo em casca de ovo". Quanto ao tripé econômico, diz que o operador do regime de metas deveria ter como objetivo a manutenção de um câmbio "bastante desvalorizado" e juros em sintonia com as taxas internacionais. Tudo isso sem mudar o nome de nada. Do modo como está, afirma ele, a alta do preço do tomate acaba desindustrializando o Brasil. O economista justifica ainda o voto em Aécio Neves porque gosta da "ideia de renovação". Questionado se, portanto, optou por não votar em Geraldo Alckmin, apenas ri. "O voto é secreto". A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Como o sr. avalia as propostas econômicas dos candidatos?
João Sayad: A política econômica criada nos últimos dois ou três anos poderia ter dado certo, mas não deu. A inflação, não que esteja alta, tem uma tendência oculta de alta muito preocupante e o crescimento do PIB não se materializou. Então, independentemente da crença nesta ou naquela matriz de política econômica, nós pagamos os preços e não tivemos nenhum resultado satisfatório. O emprego se manteve alto, mas eu não saberia dizer, é difícil afirmar, se isso ocorreu por causa da nova matriz econômica. Qualquer um dos dois que seja eleito terá que tomar medidas corretivas que serão muito difíceis do ponto de vista político.
Valor: Por quê?
Sayad: Porque pelo menos para uma pessoa da minha geração, não há uma crise percebida pela maior parte da população que justifique sacrifícios como o real desvalorizado, a gasolina mais cara e a contração fiscal necessária para reequilibrar a trajetória da dívida, que, com o tempo, pode se tornar um problema gravíssimo. Como não estamos pressentindo a crise, do ponto de vista político, é difícil. Imagine um Plano Collor, que foi tão cruel e gerou uma recessão. Mas havia um clima político naquele momento de preocupação com a inflação que estava em 89% ao mês. Era um momento de crise. Neste momento, a situação é diferente. O produto está crescendo zero, mas não apareceu no emprego ainda. A inflação ameaça, mas é de 6,5%, não 90%. Então, como administrar isso é um enigma.
Valor: Pode existir uma tentação de adiar medidas corretivas?
Sayad: Protelar é impossível mesmo para Dilma. A questão é qual a velocidade do ajuste. Por exemplo, o preço da gasolina vai subir imediatamente ou vai continuar esse negócio de subir devagar para evitar impacto sobre a inflação? Energia elétrica a mesma coisa. O tamanho excessivo dos ativos do BNDES, como é que reduz? Isso aí é sempre lentamente. Que margem de manobra fiscal existe para recuperar o superávit primário necessário?
Valor: O ajuste de 2003 era mais fácil?
Sayad: Era. A eleição do Lula gerou pânico. Estive com banqueiros e bancários de bancos estrangeiros à época para explicar o que achávamos que estava acontecendo. Era um ambiente de pânico e com análise incorreta de que haveria uma moratória da dívida externa. Era um medo não justificado. Assim que [Lula] faz a carta aos brasileiros e põe uma politica ortodoxa, isso se apaga. Era um problema mais de expectativas do que problemas reais. Aqui é mais real.
Valor: É preciso um ajuste ortodoxo para reanimar a economia?
Sayad: Não, não precisa. Mas o caminho ideal é difícil de escolher. Se fosse presidente da República, colocaria a gasolina muito cara porque ela recupera as finanças da Petrobras e é muito melhor do que o pedágio urbano. A gasolina cara traria vantagens para a Petrobras, para o setor sucroalcooleiro e seria uma forma eficaz de recuperar receitas para o Tesouro através da Cide. A Petrobras tem um faturamento chutado de R$ 400 bilhões. Se aumentar os preços de todos os derivados - vamos supor que isso seja possível - a receita sobe 30%, o que dá R$ 120 bilhões. Em São Paulo, todo o setor de transporte público, com a parte que a prefeitura paga e a receita das empresas, é R$ 6 bilhões. Vamos supor que seja um quinto do Brasil. Então, no Brasil seriam R$ 30 bilhões. De repente, se tem R$ 120 bilhões para subsidiar esse setor em termos de tarifas, para fazer investimentos em transportes coletivos, corredor, metrô. Lógico que não pode gastar tudo, mas estou dando ideia da magnitude de ganhos que representa uma correção de preços de derivados. E é uma política correta do ponto de vista de sustentabilidade e de viabilidade urbana.
Valor: Mas e a inflação?
Sayad: O problema é saber quanto isso impacta a inflação. No caso do aumento da gasolina, o impacto pode ser atenuado porque se pode não corrigir transporte público. Ou corrigir pouco. Energia elétrica também precisa ser corrigida para que o sistema de preços funcione. Quando se começa a atenuar os aumentos de preços de energia elétrica através de empréstimos às distribuidoras se evita a inflação, porém não se dá incentivos para economizar energia. Mesma coisa com a água. Mas o impacto disso sobre a inflação é o dilema, a pergunta sem resposta. Uma paulada, um pulo inflacionário pode ser de curta duração, mas pode se espalhar pelo câmbio, salários, para tudo. E isso é incontrolável. Portanto, é uma questão de arte e não de técnica, de saber como se corrige esses preços. A meu ver é a questão mais importante.
"Se fosse presidente, colocaria a gasolina muito cara, porque ela recupera as finanças da Petrobras"
Valor: O que o sr. faria se fosse ministro da Fazenda?
Sayad: Quando vejo R$ 120 bilhões, a vontade é aumentar o preço da gasolina imediatamente. Penso sobre isso há muito tempo. Acho que o prefeito da cidade [de São Paulo] propôs isso a Dilma para subsidiar o transporte e a proposta não foi bem recebida. Acho que era uma proposta correta.
Valor: E o que mais faria parte do seu ajuste?
Sayad: Nos programas sociais não vejo dificuldade alguma, estão bem administrados. Sobre saúde e educação tenho uma visão retrospectivamente otimista. As novas gerações reclamam, com razão, da má qualidade do serviço de saúde e da educação. Mas a minha geração, olhando para trás, se espanta positivamente por termos conseguido criar um programa de saúde para 150 milhões de brasileiros. Talvez seja o maior país social-democrata do mundo. Claro que precisa de aperfeiçoamento e administração, mas quando é que você poderia imaginar, em 1980, alguém dizendo, 'fui ao posto de saúde e não fizeram ressonância magnética?' As escolas são péssimas, aparece menina em Manaus que tem que ir de barco para a escola, mas eu, com a minha idade, diria: tem uma escola lá no meio da Amazônia? Que legal! Mesma coisa as universidades. O crescimento de matrícula no ensino superior é espantoso. No caso do ensino, tenho uma preocupação de professor. Na época do Collor foi anunciado que a prioridade era ensino fundamental e não a universidade. Eu continuo achando essa uma estratégia equivocada. Uma boa educação exige um bom crescimento do ensino superior. Quanto ao ensino técnico, acho uma ótima ideia, em completo acordo com a demanda da população. Mas e as humanidades? E não estou falando de ciências sociais, mas história da arte, teologia, filosofia, música, teatro, cinema. Isso aí não vale nada? O problema da corrupção, da visão que temos do Brasil depende de um crescimento compatível do ensino de humanidades também.
Valor: No caso da inflação, o problema é conjuntural ou estrutural?
Sayad: É estrutural por duas razões: primeiro que a moeda é uma espécie de religião, é o que nos une. E no caso de um país como o Brasil, a questão do conflito distributivo com aspirações de crescimento é uma das causas inflacionárias estruturais. E é incorrigível. Só o progresso atenuará essa questão. A outra é o problema da indexação. Em 1964 foi estabelecida a indexação formal, ela foi colocada em lei. Então, nossa inflação tem um vício adicional. Se você perguntar para um americano, quanto vale um dólar, ele vai responder: vale um dólar. No Brasil, porque a inflação é um fenômeno antigo, desde 1948, nós substituímos o mito de que o dinheiro vale porque vale ou vale porque é ouro pelo mito do índice. E o mito do índice é inflacionário. No mundo inteiro pode faltar tomate. Aqui vira aumento no índice de preços, que modifica política salarial, política da divida pública, taxa de juros e taxa de câmbio. Ou seja, o tomate desindustrializa o Brasil. Agora se você pensar se é razoável incorporar o aumento do preço do tomate no índice de preço, a resposta é não. E, pensando do ponto de vista do trabalhador, não precisa incorporar a inflação ao salário, porque ele não precisa comprar tomate muito menos chuchu quando o preço do chuchu sobe. Não é item de primeira necessidade.
Valor: Como resolver?
Sayad: Num momento de inflação baixa, impor, por lei, que a indexação garantida em lei é dada pelo 'core inflation', ou seja, a inflação que não leve em conta o chuchu, a alcachofra, o peixe. Que alisa esses preços. Muito difícil. No governo militar, isso era chamado de expurgo pela população, não era bem recebido. Mas num momento de baixa inflação, que ocorra no futuro, esperamos que venha ocorrer, é oportunidade de fazer essa reforma. Será menos mal recebida.
Valor: O sr. disse que as políticas econômicas não geraram resultados esperados. O que deu errado?
Sayad: A terapia expansionista iniciada com Lula e continuada pela Dilma provou que não deu certo. Expandiu-se a demanda com câmbio sobrevalorizado, aumentando a demanda por serviços e também a importação dos manufaturados. É o pleno emprego com call centers e desemprego na indústria automobilística, na metalúrgica, na indústria. Então, foi um crescimento da demanda que em vez de ser homogêneo para todos os setores, por causa do câmbio, ficou desequilibrado, o que gerou déficit nas transações correntes e super emprego no setor de serviços. Não há dúvida que o setor de serviços tem crescido no mundo inteiro mais do que o resto da economia. No caso do Brasil, isso é exagerado por causa do mau desempenho da indústria.
Valor: E isso gerou uma crise na indústria ou essa crise já existia?
Sayad: A crise tem um componente estrutural e a China é o número um. No mundo inteiro, mas no Brasil mais ainda pelo câmbio sobrevalorizado. O câmbio sobrevalorizado, a meu ver, resulta da política de metas. Se perguntar para um aluno que faz um curso regular de macroeconomia, a política de metas é desestabilizadora. A regra de estabilização de qualquer política econômica é que cada instrumento procure objetivo onde tem maior impacto. No caso dos juros, se aumenta os juros para combater a demanda, a inflação. Só que ele afeta mais o câmbio do que a demanda, porque atrai capital do resto do mundo. Então, se deveria fixar os juros olhando para os juros internacionais e garantir uma taxa cambial suficientemente desvalorizada, mas estável. Não fixa. Estável para combater a inflação pelo menos no setor de produtos comercializáveis. Como fazer isso? É difícil, porque o mundo da economia é um mundo de boas maneiras. Se o Brasil anunciar que agora inventou uma nova forma, o dólar vai lá para cima, não vai resolver nada. Mas acho que o operador do regime de metas deveria ter como objetivo a manutenção de um câmbio desvalorizado - bastante desvalorizado - em relação ao atual e regular os juros em cima dos juros internacionais. Sem mudar o nome. Isso evitaria a frase que eu disse: o tomate desindustrializa. Quando aumenta a inflação por causa do tomate, o BC aumenta os juros, o dólar sobrevaloriza e acaba afetando a indústria.
Valor: O sr. então mudaria o tripé econômico?
Sayad: Não mudaria o nome e nem a regra de câmbio flexível e taxa de juro determinada pelo Copom. Mas faria com que a taxa olhasse mais para os juros internacionais. E é preciso desvalorizar o câmbio. Como é que faz isso com a conta fiscal apertada, não sei.
Valor: O que dá para fazer na conta fiscal?
Sayad: O Bolsa Família é irrelevante para o custo fiscal. A Previdência é um item importante e está atrelada ao salário mínimo. Mas talvez seja muito mais importante na redução da desigualdade do que o Bolsa Família, então não dá para brincar com a Previdência. Deve existir muita ineficiência, o que deve abrir um grande espaço. Minha experiência de três vezes em governo é que existe uma proliferação de pequenos programas ineficazes que atingem meia dúzia de pessoas, o que não tem nenhum impacto relevante. Deve haver um desperdício nisso. Não sei se resolve o problema macroeconômico. Mas tem outras fontes de redução de custos que são importantes, como correção de gasolina e energia elétrica. Os subsídios pagos para empréstimos do BNDES e desonerações industriais. Não será nenhuma mágica, mas um grande número de pequenas correções. Mas veja a conta desse negócio todo. Energia elétrica, falam em R$ 60 bilhões de subsídios até mudar o preço. Gasolina, são R$ 120 bilhões, os subsídios do BNDES, R$ 40, R$ 50 bilhões. Não precisa assumir nenhuma postura neoliberal ou desenvolvimentista. Fala: apostamos e não deu certo. É difícil reverter política, mas parece óbvio que precisam ser revertidas.
"Com tanto problema para se resolver, por que se vai discutir o mandato do presidente do BC?"
Valor: Em termos de visão de política econômica, o sr. se sente mais próximo do Aécio ou da Dilma?
Sayad: Da Dilma não é. A do Aécio, não conheço. Se for um regime de metas não calibrado, com o juro em 50% e o dólar indo a R$ 2, acho que é repetição de um erro. Quando os juros explodiram e a taxa de câmbio explodiu no início do governo Lula em 2003, o governo chamou aquilo de herança maldita, mas era uma herança bendita: o câmbio estava corrigido e o juro era alto e se podia começar a diminuir. Mas não se podia deixar o câmbio cair. Era uma correção quase necessária do fim do mandato do FHC.
Valor: E a questão da autonomia do Banco Central?
Sayad: É pelo em casca de ovo. Para quê dar esse passo a mais? E essa não é uma disputa jabuticaba. A criação do Federal Reserve também foi muito difícil pela ideia de colocar todo o poder em Nova York. Por isso ele virou 'federal'. É uma questão delicada. Com tanto problema para se resolver por que se vai discutir o mandato do presidente do BC? Mesmo com mandato, numa crise, um presidente do BC maluco e totalmente em desarmonia com o governo central, isso iria para o Congresso para retirá-lo. Para que colocar esse obstáculo a mais? Já é autônomo. A mudança do presidente do BC hoje não é uma mudança tranquila. Não se põe um e tira o outro. É uma mudança complicada. E o mercado financeiro já impõe essa autonomia.
Valor: O sr. votou na Marina no primeiro turno?
Sayad: Não, votei no Aécio. Eu acho a renovação de qualquer governo fundamental.
Valor: Então, não votou no Alckmin?
Sayad: (risos). O voto é secreto.
Valor: O sr. foi secretário de Finanças da cidade de São Paulo. Por que a tentativa do Haddad de elevar IPTU foi tão mal recebida?
Sayad: Não sei. Acho que ele não tem apoio político suficiente. Mas há uma causa de imenso apelo popular que é aquela que diz que os impostos no Brasil são muito altos. Primeiro é uma causa fácil, pois ninguém gosta de pagar imposto. Mas, além disso, há outros problemas: primeiro é mostrar que a carga tributária do Brasil é alta em função da renda per capita. Quem é que disse que a renda per capita é que determina o tamanho da carga tributária? O que determina o tamanho da carga tributária é a intenção constitucional ou governamental de redistribuir renda. De criar uma infraestrutura. Para se criar estradas, levar médico para o Alto do Solimões, o esforço civilizatório de construir saúde e educação para todos, internet, tudo isso exige uma redistribuição de renda que é feita pela carga tributária. Se olhar os estudos do FMI, do Banco Mundial e do BID existe uma porção de países da América Latina cujo objetivo dos órgãos multilaterais é aumentar, não diminuir, a carga tributária, porque eles não têm dinheiro para investir em educação etc., e não querem pagar impostos. São países dominados pelos contribuintes, não pelos beneficiários. É o caso de Chile, em parte. E mais gravemente na América Central. Se atendermos aos anseios da associação comercial, vamos ter uma carga tributária como a da Costa Rica, que é menos de 10% do PIB. E há ainda o problema de computar como carga tributária as contribuições da Previdência.
Valor: Afinal, elas devem ou não ser consideradas na carga tributária?
Sayad: Não. A Previdência é uma contribuição minha para a minha aposentadoria. Não é dinheiro à disposição do governo. Tirando isso, a carga tributária também diminui. Mas essa é uma luta perdida: todo mundo é contra impostos. Mas é um ativo do governo brasileiro. O que não é um ativo é a complexidade tributária, a guerra fiscal do ICMS, os inúmeros processos na Justiça sobre questões tributárias. Mas uma simplificação não é fácil, não é só uma canetada. Como reformar isso, não sei.
Valor: O crescimento da economia no ano que vem depende de quem for eleito?
Sayad: A falta de crescimento do Brasil não é um problema fácil de resolver. Não acho que recuperar a confiança, corrigir o preço da gasolina, acertar as contas públicas são condições suficientes para recuperar o crescimento. Tudo isso é necessário. Mas não tenha essa fé de que os empresários, ficando mais sossegados, vão investir mais. Me parece um discurso político.
Valor: Considera voltar à vida pública?
Sayad: Não. Vivo tratando de processos - processos regulares - no Tribunal de Contas. Tenho 70 em três anos de administração. E ação civil pública. Além do incômodo pessoal, fico pensando por que a Justiça gasta tanto tempo com tanta coisa irrelevante. Então, secretaria-fim ou ministério-fim, nem pensar. Só se for presidente da República (risos).
CURSO RÁPIDO PARA PRESIDENTE
por João Sayad
Como falar em público? Como liderar? Fuja da discussão "mais estado ou mais mercado". Não leva a nada e está envelhecida
VALOR, 16/10/2014
Daqui a três meses teremos um novo(a) presidente. Aqui vai uma sugestão de curso rápido para presidente.
As leituras são de filosofia política, nada de economia. O novo chefe(a) do executivo deve ler, antes de tudo, a Ética de Aristóteles. Para que venha a ser um presidente que procure a virtude - a justiça, o bem e a verdade. E dê um exemplo para todos os brasileiros. Não resolve de vez a corrupção, mas o exemplo é uma condição necessária, o que a punição não é.
Um presidente precisa conviver com o contraditório e não tentar superá-lo. Não se engane com a Ética do Aristóteles. Leve também o "Príncipe" de Maquiavel. Ao falar na televisão ou no Congresso, Aristóteles. Mas à noite, quando refletir sobre decisões desagradáveis, é Maquiavel. Os preços atrasados devem ser corrigidos de uma vez só, diminuindo o déficit fiscal com o aumento do preço da gasolina, da energia elétrica ou deve ser resolvido gradualmente? E a taxa cambial? Depende do poder que o presidente queira angariar com esse ato de força. Será um teste definitivo. Maquiavel recomenda o mal de uma vez só e o bem, aos poucos. Realmente, não sei. Também preciso ler o Maquiavel.
Na campanha eleitoral, os candidatos falam como prefeitos. Mas um presidente deve se dedicar a outra coisa
Precisa também decidir o que é sua atividade principal e o que pode deixar para os ministros. Recomendo Hanna Arendt, que divide a vida humana em labor ("labour"), trabalho ("work") e ação ("action"). Labor é o trabalho do dia a dia, a luta pela subsistência - tomar ônibus, ganhar salário, arrumar a cama. Trabalho é a construção de bens duráveis que criem significado para a vida humana -uma escultura, telefone celular, o posto de saúde. Ação é a ação política que dá significado e promove novos sentidos para a vida nacional. Talvez só a "action" justifique a vontade de ser presidente.
O país enfrenta diversos problemas - saúde e educação podem ser deixadas para os ministros. O SUS já atende dois terços dos brasileiros. Ainda falta muito para ficar satisfatório. Mas está bem encaminhado. Basta o trabalho de ministros. Conseguimos também colocar na escola a totalidade da população em idade escolar. As matrículas no ensino superior também cresceram muito. A qualidade do ensino é ruim. Precisa melhorar. Trabalho de ministro, "work" como afirma Hanna Arendt.
Ótimo que tenham crescido as vagas para o ensino técnico. Mas um país e um sistema educacional não dependem apenas de eletrotécnicos, marceneiros e assistentes de enfermagem. Precisamos criar cursos de humanidades (não de ciências sociais), história da arte, filosofia, cinema, teatro, teologia. São esses cursos que moldarão a discussão e o debate sobre ensino, política e vida nacional.
Na campanha eleitoral, os candidatos à presidência falam como prefeitos. Falam em mais postos de saúde batizados por siglas estaduais ou federais (Amas, Ames, UPAs, etc), em ensino em tempo integral, em aprovação direta, etc. Mas esse trabalho está encaminhado. Trabalho de ministros ou mesmo de prefeitos. Talvez falte dinheiro, o que pode ser minorado.
O presidente deve se dedicar à "action", na definição de Hanna Arendt, a atividade que dá sentido à vida humana. Onde o Brasil precisa de "action", a atividade criativa da política - segurança e justiça, que de certa forma, estão excluídas do poder executivo federal. As polícias são estaduais e a Justiça é outro poder. Mas são as questões mais importantes da vida nacional. É nestas áreas que precisamos da liderança e da ação política do presidente.
Fiscalizar fronteiras, quebrar o corporativismo das polícias civis e militar, combater a corrupção. Na Justiça o problema é mais difícil. É preciso dar uma lidinha em Montesquieu sobre divisão de poderes na democracia. Mas a Justiça precisa resolver o excesso de encarceramento, o congestionamento de processos. Não é fácil, nem tarefa do presidente. Mas o presidente é o chefe da nação e todos esperam que a solução do problema seja encaminhada por ele ou ela.
O meio ambiente já não é um problema de sonháticos. Falta água, falta energia, em São Paulo faz muito calor, as florestas estão queimando por causa da secura. Não é apenas um problema do ministro do Meio Ambiente. A Amazônia precisa de uma força policial federal imensa, muito bem equipada e que não seja cooptada pelos interesses locais. Sugiro a leitura de "Forest Ranger", um livro muito antigo que mostra como a guarda florestal americana era ao mesmo tempo descentralizada e compartilhava de uma ideologia comum. A ideia é simples. Os postos da guarda florestal têm muita autonomia mas o pessoal é sempre chamado para seminários e conferências onde são "doutrinados" pela administração central. E fazem rodízio de postos periodicamente.
Recomendo a leitura dos três volumes da biografia do Getúlio Vargas, de Lira Neto. Para entender como se convive com a contradição, com a ambiguidade e se consegue impor uma política social contra tantos interesses.
Como falar em público? Como liderar? Fuja da discussão "mais Estado ou mais mercado". Não leva a nada e está envelhecida.
Não há nada para ler sobre comunicação. Mas talvez existam na internet discursos e entrevistas de Fernando Henrique Cardoso e do Lula. Do Fernando Henrique, o novo presidente deve aprender como ser conciliador, generoso e irônico ao mesmo tempo. Ironia é desconfiar das próprias palavras, falar entre aspas e, portanto, desviar a violência do conflito para o verdadeiro dono das palavras que estão sendo proferidas. Generosidade é generosidade. Com o Lula, deve aprender como falar coisas de bom senso contra os economistas e liberar o discurso político do econômico. "É a política, estúpido" e não a economia que definirá o sucesso do novo(a) presidente.
João Sayad é Professor da Faculdade de Economia e Administração da USP.
CRISE INDUSTRIAL LEVA PAÍSES PARA PERIFERIA DA CHINA
por Vanessa Jurgenfeld | Do Rio
Se a crise da indústria não for revertida, a tendência é a América Latina virar nova periferia do novo centro hegemônico mundial que a Ásia, sobretudo a China, agora representa
VALOR ECONÔMICO, 27/10/2014
Leo Pinheiro/ValorFerrer: crise da indústria tem relação com estrutura produtiva que não incorporou áreas mais avançadas em tecnologia, como fizeram os países asiáticos http://www.valor.com.br/sites/default/files/gn/14/10/foto27esp-101-aldo-a28.jpg
Se a crise da indústria, a mais importante crise atualmente em vigor em países como Brasil e Argentina, não for revertida, a tendência é que esses países, e a América Latina em particular, virem uma nova periferia do novo centro hegemônico mundial que a Ásia, sobretudo a China, agora representa.
Ministro da Economia argentina em 1970 e professor emérito da Universidade de Buenos Aires, o diagnóstico do economista Aldo Ferrer sobre a América Latina parte da constatação de que a crise aguda ocorre não só por terem sido até agora fracos os investimentos em progresso tecnológico, mas também porque não houve e não há uma orientação dos investimentos estrangeiros nesses países, de forma a favorecer o desenvolvimento.
Segundo ele, para a reversão desse quadro é preciso que a América Latina se integre às cadeias globais de produção como fornecedora de itens industriais e não apenas como fornecedora de matérias-primas. E passe a estabelecer uma relação "madura" com a China. Ou seja, uma relação entre países industriais e não de países fornecedores de insumos com um país industrial.
Ferrer, que ficou conhecido pelo livro "La economia argentina", em que discute a formação econômica do país, publicado em 1976, é um economista formado na escola estruturalista da Cepal. Ele, que veio ao Brasil recentemente, afirma que a crise da dívida argentina é um problema secundário quando comparado com a questão da fragilização da indústria, inflação e recessão no país.
Confira trechos da entrevista concedida ao Valor:
Valor: Como o sr. analisa a crise da indústria latino-americana?
Aldo Ferrer: Creio que há uma crise da indústria latino-americana porque não conseguimos criar uma estrutura produtiva que incorporasse as áreas mais avançadas em tecnologia. No caso argentino, por exemplo, temos um grande déficit no comércio de manufaturas de partes de automóveis, bens eletrônicos, de bens de capital e no setor químico. E isso revela que a indústria argentina não alcançou um nível de desenvolvimento integrado e que mantém com o resto do mundo uma posição deficitária. A indústria argentina não exporta, não ganha os dólares necessários para satisfazer suas próprias necessidades. Temos um sistema desequilibrado, no qual o déficit se cobre com superávit de commodities, atividades primárias. E isso é uma má estrutura econômica. Essa estrutura [produtiva] não tem capacidade de crescimento de longo prazo.
Valor: O sr. considera que países como Brasil e Argentina abriram mão de certa forma de sua indústria?
Ferrer: Eu creio que há uma grande diferença de países como Brasil e Argentina em relação aos países asiáticos. Os asiáticos desenvolveram sua indústria com base em fortes empresas nacionais e que permitiram o ingresso de investimentos estrangeiros, não para ocupar o mercado interno, mas sim para criar alianças e assim projetar-se no mercado mundial. Eles tiveram, portanto, investimentos estrangeiros que contribuíram com a transformação [da sua indústria] para uma estrutura econômica mais equilibrada e dinâmica. Aqui não. Os investimentos estrangeiros vieram basicamente para ocupar o mercado interno, em segmentos menos avançados tecnologicamente e não em setores de ponta. E consequentemente a presença de investimentos estrangeiros na indústria é parte do desequilíbrio e da crise da indústria latino-americana. Dessa forma, temos que reorientar o desenvolvimento da região.
Valor: O que significa reorientar o desenvolvimento da região?
Ferrer: Temos que dar impulso às empresas nacionais de alta tecnologia, e direcionar os investimentos estrangeiros para que se integrem nas cadeias de valor mundiais, incorporando tecnologia, e que exportem.
Valor: De que forma isso poderia ser feito?
Ferrer: A partir de políticas públicas. Há em geral marcos regulatórios da economia que devem ser usados para direcionar o investimento estrangeiro, permitindo uma transformação extraordinária. Países asiáticos como a China fizeram isso. Aqui na América Latina não fizemos isso. Há uma série de motivos do por que não o fizemos. Cada país escreve sua própria história. No caso argentino, a instabilidade política de longo prazo foi muito importante. Tivemos períodos como entre 1976 e a crise de 2001, um quarto de século, em que se fez um genocídio industrial. A política consistiu em destruir a indústria argentina. E isso deixou marcas profundas no tecido produtivo. A causa pela qual temos uma crise da indústria são os problemas criados por nossos países internamente. Isso nos impediu de responder adequadamente aos desafios e às oportunidades do mercado mundial.
Valor: Em comparação com o que a China fez...
Ferrer: A China se converteu em um grande exportador de manufaturas. E da América Latina ela compra commodities. E corremos o risco de que essas relações com a China reproduzam as condições do século XIX, de uma América Latina periférica. Então, temos que construir o poder nacional.
Valor: Construir ou reconstruir o poder nacional?
Ferrer: Eu digo construir o poder nacional, a partir de fortes políticas públicas e fortes setores que nos permitam nos inserir no mundo de uma maneira mais equilibrada e não subordinada.
Valor: Nunca houve uma política forte nacional?
Ferrer: Tivemos por alguns períodos objetivos nacionais tanto na história argentina quanto na história brasileira, como foi o período da industrialização. Mas não os sustentamos no tempo. O que também ocorre é que estamos diante da financeirização, com a hegemonia da dimensão financeira mundial. Isso nos levou à crise da dívida da década de 1980. Dela conseguimos nos recuperar reduzindo a dívida, fortalecendo as condições fiscais, mas aí temos também um problema de como mobilizamos os recursos internos voltados ao desenvolvimento nacional e os voltados a ter superávit na balança de pagamentos. Neste mundo global que vivemos, só vão bem os países que exercem sua soberania econômica. Os que se deixam conduzir pelos acontecimentos internacionais terminam muito mal, como terminou a Argentina na crise de 2001.
"Desenvolvimento segue sendo um tema político. Uma sociedade cria ou não cria as condições para a sua transformação"
Valor: O sr. considera que há questões específicas dos países que os levaram à situação em que se encontram hoje, mas o sr. também dá grande peso ao cenário mundial, de predomínio da financeirização?
Ferrer: O que ocorre é que o lucro financeiro se tornou o principal lucro no mundo corporativo. Algumas empresas da economia real - as que produzem bens - dedicam boa parte de sua política para ganhar dinheiro no mercado financeiro. O gerente de finanças de muitas empresas da economia real é mais importante do que o gerente industrial.
Valor: Mas os países periféricos têm como fazer um bloqueio a isso, que é uma tendência mundial?
Ferrer: Depende da fortaleza que cada país tem na sua questão social, a qualidade de seus líderes econômicos e políticos nacionais e da qualidade de suas instituições. Depende também da sua forma de ver o mundo. O pensamento estruturalista latino-americano, como o de Raul Prebisch e de Celso Furtado, destaca que fomos historicamente dependentes do pensamento do centro, que é o pensamento das grandes potências. E este é incompatível com o nosso desenvolvimento. Portanto, temos que ter um pensamento crítico. E, neste contexto, a integração latino-americana, o Mercosul, a relação bilateral Brasil-Argentina, são fundamentais. Temos que aproveitar os mercados internos para o nosso processo de transformação e para nossa projeção no mercado mundial.
Valor: O sr. entende que como bloco os países da América Latina seriam mais fortes para fazer frente à concorrência asiática?
Ferrer: Creio que temos que ter uma política comum frente à nova realidade, a respeito da China e da Coreia do Sul. Devemos ter uma política que permita ampliar os negócios de maneira consistente com nossa própria transformação. Senão vamos terminar sendo a periferia desse novo centro hegemônico, que é a Ásia.
Valor: Há tempo para recuperar a indústria latina e fazer frente à concorrência asiática ou já está muito tarde?
Ferrer: Creio que há sempre tempo. Ele depende da vontade da decisão política e isso é basicamente uma decisão política de nossa sociedade, de construir um bom caminho para o seu desenvolvimento, abordando questões centrais como desigualdade, justiça, atraso, dependência. Se não temos capacidade de transformar essa herança, que provocou nosso subdesenvolvimento, não vamos ter capacidade de encontrar um nova forma de desenvolvimento, para se inserir no mercado mundial de uma maneira não subordinada.
Valor: Que relação a região tem que estabelecer com a China?
Ferrer: Na China, as cadeias de valor industriais possuem uma integração de alta tecnologia. A China tem vários sócios asiáticos, com os quais estabeleceu uma relação madura de economias industriais. Com a América Latina e com a África, a China tem uma relação tradicional entre um país industrial e um país periférico. Temos que estabelecer com a China uma relação semelhante a que ela tem com seus sócios asiáticos, de cadeias transnacionais de valor; entre países industriais.
Valor: A China está cada vez mais substituindo o Brasil na Argentina como principal parceiro comercial, por exemplo.
Ferrer: Esse relacionamento que cada um dos países latinos está tendo com a China é muito ruim para a integração [latino-americana]. Esse é um exemplo. A produção da China está substituindo o Brasil na Argentina e a Argentina no Brasil. A presença de um novo centro mundial na China é, por outro lado, uma grande oportunidade.
Valor: Grande oportunidade?
Ferrer: Esse novo centro mundial é positivo, mas temos que criar uma relação madura. É positiva por causa dos mercados, porque valorizou os produtos primários, trouxe demanda para os recursos naturais. Mas temos que nos integrar às cadeias de valor, não podemos nos integrar com recursos naturais crus, sem transformá-los. O problema é que tipo de relação que se estabelece com esse centro. E essa é uma decisão que depende do que nós - cada um dos países - fazemos e do que todos nós juntos fazemos.
Valor: Quais medidas poderiam ajudar a indústria?
Ferrer: Durante um longo período tanto na Argentina quanto no Brasil houve uma valorização cambial, que foi um fator importante para a crise da indústria. Creio que há muitos instrumentos e temos que ser o mais simples possível, com medidas diretas e fortes. Podem ser tarifas, tipos de câmbios [diferenciados], incentivos fiscais. A Argentina tem câmbios diferenciados para produção primária e industrial. A Argentina é competitiva no mercado mundial de soja, por exemplo. Mas há estruturas desequilibradas que não dão competitividade à totalidade da produção sujeita à concorrência internacional.
"Cada país tem sua realidade, mas há certas diretivas de políticas de desenvolvimento que são válidas para todos"
Valor: Em relação à integração às cadeias globais de valor, o Brasil tentou formar grandes grupos para competir internacionalmente, por meio de auxílio do BNDES. O que o sr. acha dessa política?
Ferrer: Quando fui ministro da Economia argentina, em 1970, criamos o banco nacional de desenvolvimento, mas depois esse banco foi quebrado. No Brasil, esse banco é um instrumento financeiro muito importante e forma parte do conjunto disponível para o país avançar em setores de ponta, como o de eletrônicos, tecnologia de informação e comunicação. Também temos que nos integrar na cadeia automotiva, deveríamos ter uma grande empresa Brasil-Argentina produtora de automóveis que competisse com as firmas asiáticas, europeias e americanas, que permitisse a Brasil e Argentina a integração na totalidade da cadeia de valor do setor automotivo, não somente em algumas partes. As empresas finais na região são todas feitas por filiais [de empresas estrangeiras] enquanto as cadeias se integram lá fora nos segmentos de maior conteúdo tecnológico. Se permanecermos assim, teremos continuamente um déficit maior em componentes para automóveis. Não podemos resolver isso sem ter uma grande empresa Brasil-Argentina de automóveis. E temos uma base tecnológica para fazer isso. Tanto Argentina quanto Brasil têm demonstrado que podem desenvolver atividades na fronteira tecnológica. Por exemplo, na área nuclear, no caso do petróleo off-shore. O problema é essencialmente político.
Valor: A indústria automotiva é ainda muito importante?
Ferrer: Ainda é fundamental. Ainda mais porque agora a recessão da economia Argentina é por conta da contração do setor automotivo, no qual há uma integração de filiais entre Argentina e Brasil.
Valor: Existe um modelo de crescimento de referência para América Latina hoje? É o modelo chinês ou o modelo sul-coreano?
Ferrer: Creio que cada país tem sua realidade. Mas há certas diretivas de políticas de desenvolvimento que são válidas para todos. Por exemplo, a importância de ter uma economia de mercado com um forte protagonismo de empresas nacionais. Isso é fundamental. Outro elemento que é geral é a importância decisiva de políticas públicas, na infraestrutura, na administração da economia, com incentivos, criação de espaços de rentabilidade etc. Outro aspecto tem a ver com estabilidade institucional. A política tem que ter longo prazo. Outra condição muito importante é a capacidade de ver o mundo a partir de sua própria perspectiva. Fiz alguns trabalhos comparativos nos últimos anos, e em todos os países que foram bem se verificam essas condições.
Valor: Atualmente, com as empresas financeirizadas globalmente, como distinguir aquilo que é realmente capital nacional e produtivo e que na opinião do sr. deveriam ser prioridade para o crescimento dos países?
Ferrer: Isso depende da situação de cada país. O setor financeiro tem muito mais poder relativo no Brasil do que na Argentina. No Brasil, o lucro financeiro é muito grande, mas esse é um problema de como administrar o financeiro para que ele não seja especulativo, mas leve recursos ao desenvolvimento. É um problema de reformas que cada país deve fazer. A crise industrial se apresenta de maneira particular. O desenvolvimento, apesar do mundo global, está restrito ao espaço nacional. São problemas que se resolvem em primeiro lugar na esfera nacional.
Valor: Poderia explicar melhor como é possível solucionar esses problemas na esfera nacional?
Ferrer: Há tarefas que um país como o Brasil tem que fazer em matérias de reformas que são problemas do Brasil. Cada país tem que assumir a responsabilidade sobre sua própria realidade e cooperar mutuamente com outros países para poder fortalecer a região. O desenvolvimento segue sendo essencialmente um tema político. Uma sociedade cria ou não cria as condições para a sua transformação.
Valor: A Argentina vive uma crise de "default" da sua dívida, como o sr. analisa esse momento?
Ferrer: A Argentina viveu uma crise muito grave em 2001 e entrou em "default". Depois propôs a reestruturação da dívida e a maioria dos credores aceitou a reestruturação. Além disso, a Argentina pagou a dívida que tinha com o Fundo Monetário Internacional (FMI), de forma que não está muito endividada. O Estado está cumprindo o seu compromisso pontualmente. Por outro lado, o setor bancário está sólido, não há bolhas especulativas. Há um pequeno grupo de especuladores que pretende que lhe paguem o valor original dos títulos. Mas a Argentina não pode fazer isso porque, se fizer, os demais podem pedir o mesmo e isso derruba toda a reestruturação. É incumprível. Então, a posição da Argentina é seguir buscando um acordo, mas que não destrua o que já fez.
Valor: Qual a gravidade desse problema da dívida argentina?
Ferrer: Não é um problema de primeira magnitude. Os problemas argentinos importantes são a inflação, a recessão, a tecnologia, a indústria. O problema com os abutres é um inconveniente que precisa ser resolvido. Mas a realidade [difícil] é a mesma com ou sem os abutres. É um tema de menor importância relativa.
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Por Flavia Lima e Catherine Vieira | De São Paulo
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NOVA EQUIPE RESTABELECERÁ CONFIANÇA, diz Mercadante
por Leandra Peres e Andrea Jubé | De Brasília
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Ministro licenciado rebate porta-voz econômico tucano
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MARINA É O CIRO GOMES DA SAIAS
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Sem comunicação política eficiente, a candidata do PSB ficou também sem uma imagem identificadora
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O RETRATO DO 'VELHO' ESTÁ LÁ [[[getúlio vargas]]]
por Diego Viana | Para o Valor, de São Paulo
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Traços da permanência de Getúlio, que morreu há 60 anos, podem ser difíceis de notar, mas parte de sua política subsiste no Brasil de hoje
VALOR ECONÔMICO, 22/08-2014
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