Monday, 7 January 2013

O QUE O DINHEIRO NÃO COMPRA - SANDEL


Quarta-feira , 08 de Agosto de 2012
O QUE O DINHEIRO PODE COMPRAR
por Raghuram Rajan - Valor Econômico - 08/08/2012
A mensagem mais importante é que a tolerância da sociedade à monetização é proporcional à legitimidade atribuída à distribuição do dinheiro
Em recente e interessante livro, "What Money Can"t Buy: The Moral Limits of the Market" (o que o dinheiro não pode comprar: os limites morais do mercado), Michael Sandel, filósofo em Harvard cita a gama de coisas que o dinheiro pode comprar nas sociedades modernas e tenta delicadamente atiçar nossa indignação diante do crescente predomínio do mercado. Terá ele razão em dizer que deveríamos ficar alarmados?
Embora Sandel se preocupe com a natureza corrupta de algumas transações monetizadas (será que as crianças desenvolvem um amor da leitura se forem subornadas para que leiam livros?), ele também se diz preocupado com o acesso desigual ao dinheiro, que torna intercâmbios monetários desiguais. Mais amplamente, ele crê que a expansão do intercâmbio monetário anônimo corrói a coesão social e defende a redução do papel do dinheiro na sociedade.
As preocupações de Sandel não são inteiramente novas, mas seus exemplos merecem reflexão. Nos EUA, algumas empresas pagam desempregados para que fiquem em filas para conseguir ingressos gratuitos para audiências públicas no Congresso. Elas, então, vendem os ingressos para lobistas e advogados de companhias com interesses nas audiências, mas demasiado ocupadas para esperar nas filas. Sem dúvida, as audiências públicas são elemento importante da democracia participativa. Todos os cidadãos devem ter igual acesso. Então vender acesso parece uma perversão dos princípios democráticos.
Em vez de focar a proibição de transações monetárias, talvez uma lição mais importante transmitida nos exemplos de Sandel é que deveríamos trabalhar continuamente para melhorar a legitimidade percebida da distribuição de dinheiro
O problema fundamental, porém, é de escassez. Nós não podemos acomodar numa sala todos que possam ter interesse em uma audiência particularmente importante. Por isso, temos de "vender" entradas. Na disputa de lugares, podemos permitir que as pessoas usem seu tempo na fila para disputar lugares ou podemos permitir que as pessoas usem seu dinheiro participando de leilões. O primeiro (sistema) parece mais justo, porque todos os cidadãos aparentemente começam em igualdade de condições. Mas terá uma mãe solteira que trabalhe numa função exigente e três filhos pequenos igual tempo livre que um estudante em férias de verão? E seria a sociedade beneficiada se ela, conselheira jurídica de uma grande empresa, passasse boa parte de seu tempo na fila?
Dizer se é melhor alocar entradas em troca de tempo ou de dinheiro, portanto, depende do que esperamos alcançar. Se queremos melhorar a eficiência produtiva da sociedade, a disposição das pessoas de pagar com dinheiro representa um indicador razoável de quanto ganharão se tiverem acesso a audiências. O leilão de lugares em troca de dinheiro faz sentido - um advogado contribui mais para a sociedade mediante a preparação de argumentos do que ficando numa fila.
Mas, se for importante que cidadãos jovens e impressionáveis vejam como funciona sua democracia, e que construamos solidariedade social fazendo com que executivos fiquem em filas junto com adolescentes desempregados, faz sentido obrigar as pessoas a disputar os assentos usando seu tempo e tornar as entradas intransferíveis. Mas se considerarmos que os dois objetivos - eficiência e solidariedade - devam desempenhar algum papel, talvez devêssemos fazer vista grossa à contratação de desempregados para ficarem na fila, em vez de advogados atarefados, desde que não monopolizem todos os lugares.
E quanto à venda de órgãos humanos, outro exemplo com que Sandel se preocupa? Algo parece errado quando um pulmão ou um rim é vendido em troca de dinheiro. Apesar disso, nós comemoramos a bondade de um estranho que doa um rim para uma criança. Portanto, claramente, não é a transferência do órgão que nos deixa indignados - não acreditamos que o doador esteja mal informado sobre o valor de um rim ou esteja sendo enganado para que dele se separe. Também, creio, não temos reparos aos escrúpulos da pessoa que vende o órgão - afinal, ela está se alienando de forma irreversível de algo que lhe é precioso por um preço que poucos de nós aceitariam.
Creio que parte de nosso desconforto tem a ver com as circunstâncias em que a transação ocorre. Em que tipo de sociedade vivemos, se as pessoas têm de vender seus órgãos para sobreviver?
Mas, embora a proibição de venda de órgãos possa nos fazer sentir melhor, será que isso realmente beneficia mais a sociedade? Possivelmente, se fizer a sociedade trabalhar para garantir que as pessoas nunca sejam colocadas em circunstâncias que as façam contemplar essa possibilidade. E provavelmente não, se permitir que a sociedade ignore o problema fundamental, seja levando esse comércio para um mercado negro ou forçando essas pessoas a recorrer a remédios piores.
Então, de novo, parte de nosso mal-estar provavelmente tem a ver com o que percebemos como uma troca desigual. O vendedor está cedendo parte de seu corpo numa transação irreversível. O comprador está dando apenas dinheiro - talvez ganho num golpe de sorte em negócios com ações ou num emprego superbem remunerado. Se esse dinheiro tivesse sido ganho com a venda de parte de um pulmão ou representasse uma poupança dolorosamente acumulada durante anos de trabalho árduo, poderíamos considerar a troca mais igualitária.
Claro, a virtude central do dinheiro é, justamente, seu anonimato. Nada preciso saber sobre a nota de dólar que recebo, para poder usá-la. Mas, uma vez que o anonimato do dinheiro obscurece sua proveniência, ele pode ser socialmente menos aceitável como meio de pagamento por alguns objetos.
Nos dois exemplos - entradas para o Congresso e vendas de órgãos - Sandel sugere reduzir o papel do dinheiro. Mas o dinheiro tem muitas virtudes no sentido de facilitar transações - daí seu uso onipresente. Assim, talvez a mensagem mais importante é que a tolerância da sociedade à monetização é proporcional à legitimidade atribuída à distribuição do dinheiro.
Quanto mais gente acreditar que são as pessoas mais trabalhadoras as que têm dinheiro, mais ficarão dispostas a tolerar as transações com dinheiro (embora algumas transações permaneçam tabu). Mas se as pessoas acreditam que os endinheirados são principalmente as pessoas bem conectadas ou vigaristas, sua tolerância a transações monetárias diminui.
Em vez de focar a proibição de transações monetárias, talvez uma lição mais importante transmitida nos exemplos de Sandel é que deveríamos trabalhar continuamente para melhorar a legitimidade percebida da distribuição de dinheiro. (Tradução de Sergio Blum)
Raghuram Rajan ex- economista chefe do FMI, é professor de finanças na Booth School of Business, da Universidade de Chicago e autor de Fault Lines: How Hidden Fractures Still Threaten the World Economy (linhas de fraturas: como falhas ocultas ainda ameaçam a economia mundial. Copyright: Project Syndicate, 2012.



Raghuram Rajan Aug. 7, 2012
In an interesting recent book, the Harvard philosopher Michael Sandel points to the range of things that money can buy in modern societies and gently tries to stoke our outrage at the market’s growing dominance. Is he right that we should be alarmed?


CIFRAS & LETRAS - CRÍTICA / CAPITALISMO

Filósofo põe em xeque limites morais das leis de mercado
Livro debate como o dinheiro redefine valores, condutas e relações humanas
SE DINHEIRO É FATOR DECISIVO PARA A COMPRA DE UM BEM SUPÉRFLUO, A HISTÓRIA MUDA QUANDO BEBÊS OU ÓRGÃOS VITAIS SÃO OBJETOS DE UMA TROCA
NATÁLIA PAIVA; EM MADRI - In: FOLHA DE SÃO PAULO, 23-06-2012, CAderno Mercado
O filósofo Michael Sandel, que ministra uma das aulas mais concorridas em Harvard, abre seu novo livro com uma questão: o que o dinheiro não pode comprar.
Um filho? Um lugar na fila para audiência pública? O direito de matar um animal em extinção? Afeto? Cultura?
Ao contrário do que dizia uma antiga propaganda de cartão de crédito, tudo isso hoje, sim, já tem o seu preço.
Uma americana já pode, por exemplo, terceirizar os incômodos da gravidez a uma indiana, pagando US$ 6.250.
Por US$ 20 a hora, moradores de rua dormem na fila do Capitólio, o prédio do Congresso americano, em véspera de audiências importantes, contratados por empresas especializadas que depois vendem o lugar para lobistas.
Na África do Sul, por US$ 150 mil, um caçador compra o direito de matar um rinoceronte-negro. E assim segue...
Em "What Money Can't Buy (O que o Dinheiro Não Pode Comprar)", Sandel lista dezenas de exemplos para afirmar que a economia de mercado deixou de ser somente ferramenta útil para organizar a atividade produtiva: passou a definir relações sociais e valores morais.
De sutilezas como a compra do direito de nomear locais públicos, como a que o Barclays fez de uma estação de metrô de Nova York, a debates globais como o mercado de créditos de carbono.
DILEMAS
Os exemplos são agrupados por temas amplos. Aborda a substituição da ética da fila -"o primeiro a chegar será servido antes"- pela orientação do maior preço.
Trata ainda do aumento de incentivos, como pagar para um estudante ler livros; do esvaziamento das relações afetivas, com empresas especializadas em vender pedidos de desculpas -e da "indústria da morte", reflexão sobre o mercado secundário de apólices de seguros de vida de idosos.
Aos exemplos de que tudo hoje tem seu preço segue a pergunta: há algo que o dinheiro não deveria comprar?
O método de análise é semelhante ao de seu livro anterior -"Justiça: Qual é a Coisa Certa a Fazer?". Sandel alia teoria filosófica, de Aristóteles a Kant, a dilemas morais atuais, como políticas públicas que adotam ações afirmativas de inclusão.
Para analisar, por exemplo, o mercado de órgãos vitais ou um eventual mercado de bebês para adoção, o autor usa dois parâmetros: justiça e "corrupção" do bem.
Aqui cabe um aparte: esse eventual mercado de bebês para adoção foi proposto por um juiz americano e previa que crianças fossem destinadas a pais/consumidores dispostos a pagar de acordo com a lei de oferta e procura. A proposta não vingou.
A premissa do autor para a análise dos limites morais é a da eficiência do mercado.
Com um preço-equilíbrio, haveria mais incentivo para doação de rins, por exemplo, e mais gente em necessidade poderia garantir um transplante. Do mesmo modo, agências de adoção seriam mais eficientes. Como ocorre numa transação livre, tanto o vendedor como o comprador se beneficiariam.
Mas, pondera o filósofo, os mercados nem sempre são eficientes e justos. Se dinheiro é fator decisivo para a compra de um bem supérfluo, tal qual um smartphone, a história muda quando filhos ou rins são objeto de uma troca.
Se as pessoas compram e vendem em condições desiguais ou de extrema necessidade, poderia ocorrer que só ricos fariam transplantes ou adotariam os bebês mais "desejáveis", assim como os mais pobres se veriam obrigados a vender um rim ou um filho.
Além disso, afirma Sandel, mercados deixam marcas, "expressam e promovem certas atitudes em relação aos bens trocados". Nesse sentido, um filho ou uma maternidade seriam "corrompidos" em significado e propósito, com efeito degradante.
ALÉM DA COBIÇA
Para deliberar se um bem deve ir ao mercado ou não, escreve o autor, é preciso definir claramente seu significado e seu propósito -e quais valores devem governá-lo.
Apesar de ter narrativa fluida, Sandel frequentemente pula de um exemplo a outro sem completar o raciocínio.
O traço filosófico do livro, entretanto, tem o mérito de levar o debate sobre moral e economia para além da ideia de "cobiça" associada a Wall Street e bandeira principal dos movimentos "Occupy" que se rebelaram contra os mercados pós-crise de 2008.
A mudança em curso na ideia de mercado, destaca o autor, não está atrelada à cobiça-alvo dos atuais protestos, mas sim à expansão dos valores de mercado para esferas tradicionalmente governadas por outras normas.
Se existem alguns bens que o dinheiro nunca deveria comprar, a obra deixa no ar questões sobre quais seriam.
WHAT MONEY CAN'T BUY - THE MORAL LIMITS OF MARKETS
Autor: Michael J. Sandel
Editora: Farrar, Straus and Giroux; US$ 27 (256 págs.); Avaliação: Bom




Money and the markets
Two new books probe the limits of capitalism     -     Jul 21st 2012
How Much Is Enough? Money and the Good Life. By Robert Skidelsky and Edward Skidelsky. Other Press; 243 pages; $24.95. Allen Lane; £20.
What Money Can’t Buy: The Moral Limits of Markets. By Michael Sandel. Farrar, Straus and Giroux; 244 pages; $27



Rehabilitating capitalism
Jul 14th 2012
Why Capitalism? By Allan Meltzer. Oxford University Press; 154 pages; $21.95 and £14.99.
A Capitalism for the People: Recapturing the Lost Genius of American Prosperity. By Luigi Zingales. Basic Books; 304 pages; $27.99 and £17.99



por André Lara Resende | Para o Valor Econômico, de São Paulo
"O mundo moderno é muito complexo para ser reduzido a uma fórmula, uma condenação ou uma solução. Deve ser observado sem arroubos de entusiasmo ou de indignação" - Raymond Aron


Money and the markets
Two new books probe the limits of capitalism - Jul 21st 2012 
How Much Is Enough? Money and the Good Life. By Robert Skidelsky and Edward Skidelsky. Other Press; 243 pages. Allen Lane; What Money Can’t Buy: The Moral Limits of Markets. By Michael Sandel. Farrar, Straus and Giroux; 244 pages.



By NICHOLAS D. KRISTOF


ENTREVISTA - 22/07/2012
O professor de filosofia em Harvard diz que os princípios e a moral são bem-vindos ao debate público – mesmo que tenham origem na fé
por MARCOS CORONATO



CIFRAS & LETRAS - CRÍTICA / CAPITALISMO
Filósofo põe em xeque limites morais das leis de mercado
Livro debate como o dinheiro redefine valores, condutas e relações humanas
SE DINHEIRO É FATOR DECISIVO PARA A COMPRA DE UM BEM SUPÉRFLUO, A HISTÓRIA MUDA QUANDO BEBÊS OU ÓRGÃOS VITAIS SÃO OBJETOS DE UMA TROCA
NATÁLIA PAIVA; EM MADRI - In: FOLHA DE SÃO PAULO, 23-06-2012, CAderno Mercado



Segunda-feira , 03 de Setembro de 2012
UM DEBATE SOBRE OS LIMITES MORAL DO MERCADO
por Oscar Pilagallo | Para o Valor, de São Paulo - 28-08-2012
Sandel: os mercados deixam sua marca nas normas sociais, aponta no livro "O Que o Dinheiro Não Compra"
Um dos intelectuais públicos mais populares da atualidade, o americano Michael Sandel, autor do best-seller internacional "Justiça: O Que É Fazer a Coisa Certa", está de volta sob os holofotes midiáticos ao propor o debate sobre os limites morais do mercado em "O Que o Dinheiro Não Compra".
Sandel concede que há pouquíssimas coisas que o dinheiro não compra. Não compra, por exemplo, um prêmio honorífico, como o Nobel, uma vez que a própria venda dissolveria o bem que dá lhe valor. "Comprá-lo significa comprometer o bem que se busca", raciocina o autor.
Com poucas exceções como essa, a maioria das coisas pode ser comprada. Sandel escreveu o livro para argumentar que muitas dessas coisas não deveriam ser objeto de negociação envolvendo dinheiro, e talvez "O Que o Dinheiro Não Deveria Comprar" fosse um título mais próximo da tese central do autor.
Professor de política de um concorrido curso da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, Sandel introduz um elemento estranho no debate econômico: a dimensão moral do mercado. Não que ele tenha qualquer viés socialista. Ao contrário, trata-se de um admirador convicto da economia de mercado, que descreve como "valiosa e eficaz". O que ele critica é a sociedade de mercado. A diferença é que, enquanto a economia de mercado é apenas uma ferramenta, a sociedade de mercado "é um modo de vida em que os valores de mercado permeiam cada aspecto da atividade humana", afirma. "É um lugar em que as relações sociais são reformatadas à imagem do mercado."
Sandel não está preocupado com a ganância, denunciada depois da crise de 2008 como a "falha moral" no cerne do triunfalismo do mercado, que o levou a assumir riscos de maneira irresponsável. Para ele, esse diagnóstico é apenas parcial. "A mudança mais decisiva ocorrida nas últimas três décadas não foi o aumento da ganância, mas a extensão dos mercados, e de valores do mercado, a esferas da vida com as quais nada têm a ver."
O livro é construído sobre uma sequência infindável de exemplos que, com mais ou menos eficiência, ilustram a mesma conclusão: "Os mercados deixam sua marca nas normas sociais".
Mesmo os exemplos mais prosaicos, como o desrespeito às filas, ajudam a compreender aonde o autor quer chegar. Ele detalha o mecanismo de fura-fila diante das salas de audiência do Congresso americano. É simples: os lobistas chegam a pagar mais de mil dólares para que outras pessoas fiquem horas guardando um lugar para eles. Não há nada de ilegal nisso, mas a prática foi considerada desmoralizante para o Congresso e insultuosa para o público, opinião que Sandel endossa. Afinal, a fila remunerada priva o cidadão comum da possibilidade de comparecer às audiências.
O autor conhece bem o argumento dos entusiastas da presença do mercado em todas as esferas da vida. Eles falam em liberdade individual e no caráter utilitário da ação. Se compradores e vendedores estão de acordo em relação ao preço, se não são coagidos a fazer o que fazem, se ambas as partes ganham com a transação, então por que não realizá-la? Simplesmente porque extrapolam os limites morais, responde Sandel.
O autor está ciente de que não é tarefa simples introduzir a perspectiva moral na lógica do mercado. Ele cita o caso da permissão de caçar rinocerontes negros, uma espécie em risco de extinção. Onde a caçada limitada é permitida, como na África do Sul, a população de rinocerontes vem crescendo, pois é do interesse econômico dos fazendeiros proteger os animais para que possam no futuro ser caçados. Já no Quênia, onde a caça é proibida, o número de rinocerontes continua caindo em decorrência da transformação de florestas em pastagens.
Nesse caso, o que é moralmente errado leva ao resultado desejável e vice-versa. O que é melhor? Sandel não tem uma resposta. Já no início do livro havia advertido que seu objetivo é menos encaminhar soluções do que estimular o debate. No caso do mercado de rinocerontes, ele apenas constata que estamos diante de algo "moralmente complexo" e segue adiante.
Outro exemplo gerador de ambiguidade é o mercado de créditos de carbono. Por um lado, é uma espécie de "licença moral para poluir" (Sandel lembra que os críticos do sistema o comparam às indulgências papais, aqueles pagamentos à Igreja Católica que compensavam transgressões nos tempos medievais). Por outro lado, os créditos têm tido algum impacto na redução da emissão de gás carbônico.
Na maior parte dos exemplos, no entanto, é fácil concordar com o autor. Filhos, amizades, vistos de refugiados políticos, rins, há quase um consenso de que tais coisas não deveriam ser tratadas como mercadoria. O "quase" fica por conta de Gary Becker, economista americano que defende que tudo pode ser reduzido a uma transação comercial. Becker surge no livro como antípoda de Sandel, que chega a citá-lo nos agradecimentos por ter lhe dado a oportunidade de, num seminário de que ambos participaram, testar em público seus argumentos contra a supremacia das escolhas racionais, "ponto de partida da abordagem econômica em qualquer questão".
"O Que o Dinheiro Não Compra" vai além da questão ética. Sandel está preocupado com as consequências, para a sociedade, da "marquetização de tudo". Ele acredita que, em tempos de desigualdade crescente, tal atitude amplia o abismo entre as pessoas abastadas e as de poucos recursos. "Vivemos, trabalhamos, compramos e nos distraímos em lugares diferentes. Nossos filhos vão a escolas diferentes. Estamos falando de uma espécie de 'camarotização' da vida." O autor se refere aos Estados Unidos, mas a noção pode ser aplicada também ao Brasil, onde o camarote da elite econômica é ainda mais exclusivo.
O professor de política não deixa de apontar a interseção entre esse vácuo cívico e uma ameaça aos princípios democráticos. "Democracia", lembra ele, "não quer dizer igualdade perfeita, mas de fato exige que os cidadãos compartilhem uma vida comum." Embora Sandel não liste a democracia como algo que não possa ser comprado, não há dúvida de que aí está um valor que não tem preço.
"O Que o Dinheiro Não Compra"
Michael Sandel. Tradução: Clovis Marques. Civilização Brasileira. 240 págs., R$ 24,90
Oscar Pilagallo é jornalista e autor de "História da Imprensa Paulista" (Três Estrelas) e "A Aventura do Dinheiro" (Publifolha)
Livro debate como o dinheiro redefine valores, condutas e relações humanas
SE DINHEIRO É FATOR DECISIVO PARA A COMPRA DE UM BEM SUPÉRFLUO, A HISTÓRIA MUDA QUANDO BEBÊS OU ÓRGÃOS VITAIS SÃO OBJETOS DE UMA TROCA
NATÁLIA PAIVA; EM MADRI - In: FOLHA DE SÃO PAULO, 23-06-2012, CAderno Mercado


Michael Sandel


É preciso discutir os limites dos mercados em questões morais
por Michael Sandel, Folha de São Paulo, 04-01-2013


Entrevista da 2ª: MICHAEL SANDEL
Camarotes de VIPs são uma ameaça ao espírito democrático
=> espaços públicos com mistura de classes


You have £2000, I have a kidney
Glen Newey
What Money Can’t Buy: The Moral Limits of Markets by Michael Sandel
Allen Lane, 244 pp, £20.00, April 2012, ISBN 978 1 84614 471 4
BUYHow Much Is Enough?: The Love of Money and the Case for the Good Life by Robert Skidelsky and Edward Skidelsky
Allen Lane, 256 pp, £20.00, June 2012, ISBN 978 1 84614 448 6


CORRUPÇÃO


.O melhor teste para descobrir se uma sociedade é justa
Por Redação
abril 19, 2014 12:07
O filósofo americano John Rawls investigou a justiça social. E criou uma teoria simplesmente brilhante
Por Paulo Nogueira, no DCM
O que é uma sociedade justa?

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