Wednesday 25 March 2009

OBAMA'S ARTICLES + MERKEL + G20

NYT MAGAZINE
After the Great Recession
By DAVID LEONHARDT
Published: April 28, 2009
On April 14, President Obama gave a speech at Georgetown University, trying to explain why he was taking on so many economic issues so early in his administration. He argued that the country needed to break its bubble-and-bust cycle and cited the New Testament in calling for a new economic foundation for the nation. This foundation would be built on better schools, alternative energy, more affordable health care and a more regulated Wall Street, he said. Later that afternoon (shortly before the Obama family introduced its new dog, Bo, on the South Lawn of the White House), I sat down with the president to talk about how his agenda might change daily life in this country. ... ... .... ...
6 pgs.



25/03/2009 - 00h00
Um momento para uma ação global
Barack Obama*
Nós estamos vivendo um momento de desafios econômicos globais que não podem ser resolvidos por meias medidas ou esforços isolados de um único país. Agora, os líderes do G20 têm a responsabilidade de realizar ações ousadas, abrangentes e coordenadas não apenas para impulsionar a recuperação, mas também lançar uma nova era de compromisso econômico para impedir que uma crise como esta venha a acontecer de novo.
Ninguém pode negar a urgência da ação. Uma crise de crédito e de confiança se alastrou além das fronteiras, com consequências para cada canto do mundo. Pela primeira vez em uma geração, a economia global está sofrendo retração e o comércio está encolhendo. Trilhões de dólares foram perdidos, bancos pararam de emprestar e dezenas de milhões perderão seus empregos em todo o mundo. A prosperidade de cada país está ameaçada, juntamente com a estabilidade dos governos e a sobrevivência das pessoas nas partes mais vulneráveis do mundo.
De uma vez por todas, nós aprendemos que o sucesso da economia americana está inseparavelmente ligado à economia mundial. Não há uma separação entre a ação que restaura o crescimento no interior de nossas fronteiras e uma ação que o apoia fora delas. Se as pessoas em outros países não puderem gastar, os mercados secarão -nós já estamos vendo a maior queda nas exportações americanas em quase quatro décadas, o que resulta diretamente em perda de empregos americanos. E se continuarmos permitindo que instituições de todo o mundo atuem de forma temerária e irresponsável, nós continuaremos presos em um ciclo de bolhas e estouro delas. Este é o motivo para o futuro encontro de cúpula de Londres ser diretamente relevante para nossa recuperação doméstica.
Minha mensagem é clara: os Estados Unidos estão prontos para liderar e podemos pedir aos nossos parceiros que se juntem a nós com um senso de urgência e propósito comum. Muito trabalho importante já foi feito, mas ainda resta muito mais. Nossa liderança se baseia em uma premissa simples: nós agiremos de forma ousada para retirar a economia americana da crise e reformar nossa estrutura regulatória, e estas ações serão reforçadas por ações complementares no exterior. Por meio de nosso exemplo, os Estados Unidos podem promover uma recuperação global e reconstruir a confiança ao redor do mundo; e se a Cúpula de Londres ajudar a estimular uma ação coletiva, nós poderemos promover uma recuperação segura e futuras crises poderão ser evitadas.
Nossos esforços devem começar com uma ação rápida para estimular o crescimento. Os Estados Unidos já aprovaram a Lei de Reinvestimento e Recuperação Americana -o esforço mais dramático em uma geração para estimular a criação de empregos e estabelecer a base para o crescimento. Outros membros do G20 também buscaram um estímulo fiscal e estes esforços devem ser robustos e sustentados até que a demanda seja restaurada. Ao prosseguirmos, devemos adotar um compromisso coletivo de encorajar o livre comércio e o investimento, resistindo ao mesmo tempo ao protecionismo que aprofundaria esta crise.
Segundo, nós devemos restaurar o crédito do qual dependem as empresas e os consumidores. Em casa, nós estamos trabalhando agressivamente para estabilizar nosso sistema financeiro. Isto inclui uma avaliação honesta dos balancetes de nossos grandes bancos, o que levará diretamente aos empréstimos que podem ajudar os americanos a comprarem bens, permanecerem em seus lares e expandirem seus negócios. Isto será amplificado pelas ações dos nossos parceiros do G20. Juntos, poderemos adotar uma estrutura comum que insista na transparência, na responsabilidade e na preocupação com a restauração do fluxo de crédito que é vital para o crescimento da economia global. O G20, juntamente com instituições multinacionais, pode fornecer o financiamento ao comércio, ajudando a aumentar as exportações e criar empregos.
Em terceiro lugar, temos a obrigação econômica, moral e de segurança de estender a mão aos países e aos povos que enfrentam o maior risco. Se lhes dermos as costas, o sofrimento causado por esta crise se agravará e nossa própria recuperação será retardada, porque os mercados para os nossos produtos encolherão ainda mais e outros empregos americanos serão perdidos. O G20 deve oferecer rapidamente os recursos para estabilizar os mercados emergentes, impulsionar substancialmente a capacidade de ajuda de emergência do Fundo Monetário Internacional e ajudar os bancos de desenvolvimento regional a acelerar os empréstimos. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos financiarão novos e importantes investimentos na área de segurança dos alimentos, que permitam aos mais pobres enfrentar os dias difíceis que virão.
Embora essas medidas possam nos ajudar a sair da crise, não podemos buscar um retorno ao status quo. Devemos pôr um fim à especulação temerária e aos gastos superiores aos nossos recursos, aos créditos podres, aos bancos excessivamente alavancados e à falta de supervisão que nos condena a bolhas que inevitavelmente estourarão. Somente uma ação internacional coordenada poderá impedir que sejam assumidos os riscos irresponsáveis que causaram esta crise. Por isso eu prometi aproveitar essa oportunidade para promover reformas abrangentes em nossa estrutura de regulamentação e supervisão.
Todas as nossas instituições financeiras -em Wall Street e no mundo- precisam de uma forte supervisão e normas ditadas pelo senso comum. Todos os mercados devem ter normas de estabilidade e um mecanismo de transparência. Uma forte estrutura de exigências de capital protegerá contra as crises futuras. É preciso combater os paraísos fiscais no exterior e a lavagem de dinheiro. Normas rigorosas de transparência e responsabilidade terão de conter os abusos e os dias de remunerações absurdas devem acabar. Em vez de uma colcha de retalhos de esforços que permitam uma corrida ao ponto mais baixo, devemos proporcionar incentivos claros de bom comportamento que estimulem uma corrida ao topo.
Sei que os Estados Unidos carregam sua parcela de responsabilidade pelo caos que todos enfrentamos. Mas também sei que não temos de escolher entre um capitalismo caótico e impiedoso e uma economia dirigida por um governo opressor. Esta é uma falsa escolha que não serve ao nosso povo e nem a povo nenhum. Esta reunião do G20 proporciona um fórum para um novo tipo de cooperação econômica mundial. Este é o momento para trabalharmos juntos para restaurar o crescimento sustentado que só se tornará possível com mercados abertos e estáveis que explorem a inovação, apoiem o empreendedorismo e promovam as oportunidades.
Os países do mundo possuem interesses uns nos outros. Os Estados Unidos estão prontos para aderir aos esforços globais em prol da criação de novos empregos e do crescimento sustentável. Juntos, poderemos aprender as lições desta crise e forjar uma prosperidade duradoura e garantida para o século 21.
* Barack Obama é o presidente dos Estados Unidos. Este artigo foi escrito para o "Global Viewpoint".Tradução: George El Khouri Andolfato




Notes on Change
CHRISTOPHER HAYES Three months into the Obama era, the euphoria of the election has begun to dissipate.
The Next 900
KATRINA VANDEN HEUVEL The president's meeting with the Congressional Progressive Caucus presents encouraging signs for the future.
Why Black People Loved the First 100 Days
MELISSA HARRIS-LACEWELL A little racial satire on President Obama's first 100 days.
100 Days (of Obama-Bashing on Fox)
ARI MELBER A must-see video of Fox's Obama coverage over the first 100 Days.
Obama Stands Strong on Torture, Weak on Accountability
JOHN NICHOLS 100th day session highlights opposition to waterboarding, misses mark on Bush-Cheney wrongdoing.


100 DAYS OF OBAMA
The Instant American Revolution
After his first 100 days -- an arbitrary landmark set by Franklin D. Roosevelt -- President Obama has overturned decades of Republican ideology in Washington. One Republican even managed to sweeten the date for Obama by defecting to the Democrats. But the president still has to be wary.
Photo Gallery: The 100- Day Review



Obama impôs sua marca em 100 dias de governo
Editorial
29/04/2009
Diz a sabedoria política convencional que um presidente novato deve tentar concentrar esforços em poucas e bem definidas metas e persegui-las uma de cada vez. O presidente Barack Obama desafiou as convenções e, em seus cem primeiros dias de governo, encaminhou uma enxurrada de medidas e planos de governo em todas as frentes possíveis. O saldo inicial é amplamente positivo e não se pode dizer surpreendente - o próprio Obama havia dito que faria exatamente isso. É cedo para dizer que o novo presidente vai ser bem sucedido diante da ampla gama de desafios que começou a ser enfrentada. Mas um dos objetivos centrais de sua estratégia para o início do governo foi atingido. Obama deixou claras a diferença de políticas e atitudes em relação a George Bush e demonstrou que não poupará esforços para cumprir suas principais promessas de campanha. O presidente imprimiu sua marca doméstica e externa.
Obama agiu com mais rapidez e precisão na arena externa, onde definições eram urgentes e imprescindíveis. Ele deslocou o centro do combate ao terrorismo para o Afeganistão, ratificou politicamente a saída do Iraque e deu sinais muito claros de que os EUA não continuarão a aceitar passivamente a política de Israel em relação aos palestinos, que perpassa todas as crises no Oriente Médio. Para demarcar nitidamente a mudança, Obama distendeu relações com inimigos declarados da administração Bush, como o Irã, e chamou para a mesa de negociações países que ameaçavam grandes confrontos diplomáticos, como a Rússia.
Especialmente delicada é a manobra iniciada para demover o regime iraniano de obter capacidade nuclear para fins militares, ainda mais diante das reiteradas provocações do presidente Mahmoud Ahmadinejad. O Irã tem papel importante em várias frentes, como no tumultuado xadrez da política libanesa, onde apoia o Hizbollah, e na Faixa de Gaza, onde respalda o Hamas. Inimigo da Al-Qaeda e do Talibã, pode ser um potencial aliado em relação ao Afeganistão. Os problemas maiores surgem agora dos aliados, como Israel, que deu guinada à ultra-direita, em um retrocesso repleto de riscos para a região.
Em outras paragens, o novo governo relaxou proibições a Cuba e já mantém reuniões com diplomatas da ilha. Desarmou a agressividade antiamericana de Hugo Chávez, da Venezuela, na Cúpula das Américas, e abriu espaço para um entendimento pragmático e menos ideológico com os países da América do Sul.
Em outra iniciativa de grande envergadura, recolocou os EUA nas negociações sobre as metas para enfrentar o aquecimento global que sucederão as definidas pelo Protocolo de Kyoto. Ao mesmo tempo, empurrou os democratas no Congresso para que tentem obter rapidamente a aprovação de sistema de créditos de carbono e aprovar planos que preveem reduções expressivas do uso de combustíveis fósseis.
No cenário doméstico, Obama revogou o fundamentalismo de Bush ao liberar fundos do governo para pesquisa com células-tronco originárias e encaminhou o maior orçamento da história para a ciência. O maior desafio, porém, não foi vencido: a crise bancária e a recessão. A situação dos bancos permanece quase igual à do início da crise - as instituições financeiras continuam penduradas em apoio estatal que já ultrapassou US$ 1 trilhão. A recessão se aprofunda e trará mais créditos incobráveis para os balanços dos bancos. Sem resolver a situação dos bancos a economia não será consertada e não há garantias de que a solução escolhida vá funcionar. E dessa resolução da crise depende crucialmente o futuro político de Obama.
Houve percalços. A política de aproximação com os republicanos encontrou inesperada resistência, que ameaça os principais objetivos de Obama, como a difícil aprovação da reforma do sistema de saúde. Republicanos e alguns democratas bombardeiam a redução dos subsídios agrícolas e tornarão bem mais complicada a obtenção eventual de mais recursos para sanear as instituições financeiras. Além disso, a crise econômica cria novos focos de tensão em um mundo que os alicerces se tornaram bastante instáveis. Um bom começo na Presidência não é uma garantia de sucesso, mas aumenta bastante a chance de obtê-lo.



EUA: Presidente americano cativa plateias pelo mundo, mas recebe críticas por falta de medidas concretas
Em 100 dias, política externa de Obama falta dizer a que veio
Marc Champion e Peter Fritsch, The Wall Street Journal, de Bruxelas
29/04/2009
Em meio a uma profunda crise econômica, o presidente dos EUA, Barack Obama, conseguiu incluir na sua agenda duas grandes viagens ao exterior, o que disse ao mundo exatamente o que se queria ouvir: que a era de George W. Bush acabou.
Mas, após 100 dias de governo, completados hoje, o mundo também continua ansioso acerca de quais mudanças, exatamente, o presidente vai fazer nos planos e projetos dos EUA.
Este mês, em Londres, o presidente foi aplaudido de pé por jornalistas, tradicionalmente céticos, em uma coletiva de imprensa. Em Praga, dezenas de milhares de checos que acorreram para ouvi-lo na praça central da cidade deram vivas à sua promessa de desarmamento nuclear. Na América Latina, até o estridente venezuelano Hugo Chávez parecia cativado.
Mas revoltas e protestos também fizeram parte das primeiras viagens de Obama ao estrangeiro. Segundo observadores experientes, sua mudança de tom, rumo a uma política de inclusão e multilateralismo, ainda não foi acompanhada por medidas concretas - um fator que pode vir a azedar algumas relações no futuro.
Os líderes europeus também estão chegando à conclusão que têm mais exigências dos EUA a contestar do que nos últimos anos do governo Bush. Em apenas uma semana, os países europeus rejeitaram pedidos para que gastem mais dinheiro para estimular suas economias, mandem mais tropas para o Afeganistão e aceitem a Turquia como membro da União Europeia. Um memorando do governo francês que vazou recentemente também se referia com sarcasmo às ambiciosas propostas de Obama de eliminar as armas nucleares, tachando-as de não realistas.
Alguns analistas até temem que os países do famigerado "eixo do mal" mencionado por Bush, assim como outros países hostis à liderança dos EUA, estejam se aproveitando da aparente ingenuidade da nova administração, ainda em sua fase inicial, para testar a comunidade internacional. Desde que Obama saiu do solo americano, Kim Jong-Il, ditador da Coreia do Norte, testou um míssil e expulsou inspetores internacionais; o Irã prendeu uma jornalista iraniana-americana, acusando-a de espionagem (leia texto abaixo); e Chávez intensificou as represálias contra seus adversários internos.
Obama respondeu a algumas críticas em um encontro com estudantes turcos em Istambul. "Eu não sou ingênuo. Se fosse algo fácil, já teria sido feito", disse, a respeito de suas promessas quanto a armas nucleares, a conseguir a paz entre israelenses e palestinos e entrar em um diálogo com o Irã. "Essas coisas levam tempo, e a ideia é construir os alicerces."
Autoridades europeias dizem que Obama deixou os outros governantes impressionados por ter conseguido participar de três reuniões de cúpula em três dias e ainda mediar duas disputas entre outros líderes - uma capacidade altamente valorizada na Europa. Eles argumentam que o presidente americano fez mudanças substanciais na política externa, mesmo que ainda seja muito cedo para dizer aonde essas mudanças levarão. Entre elas se incluem sua promessa de melhorar as relações com o Irã e de "recomeçar do zero" as relações com a Rússia, começando por um acordo feito em Londres com o presidente russo Dmitri Medvedev para retomar as conversações sobre controle armamentista.
Obama também tem recebido crédito por quebrar o gelo, ainda que cautelosamente, em alguns impasses diplomáticos, como o que ocorre com Cuba.
A grande realização dos primeiros cem dias de Obama, segundo Jorge Castañeda, ex-ministro do Exterior do México, assim como outros, é a sua capacidade de projetar uma sensação de humildade - traço de caráter que, segundo Castañeda, estava faltando muito aos EUA nos últimos oito anos.
Na Turquia, Obama conseguiu discutir a necessidade do país de enfrentar a realidade da matança de cerca de 1 milhão de armênios, ocorrida em 1915 no então Império Otomano, referindo-se à dificuldade do seu próprio país de reconhecer sua história de racismo, escravidão e perseguição aos índios norte-americanos. Na América Latina, ele agradou ao México reconhecendo que os EUA têm grande responsabilidade pelo consumo de drogas e a venda de armas, que são as causas subjacentes da atual onda de violência.
No Oriente Médio e Ásia Central, onde os conflitos sempre prestes a explodir colocam ameaças à segurança dos EUA e de outros interesses globais, os analistas dão uma nota alta ao governo Obama pelo realismo que, segundo eles, vem direcionando a mudança das políticas relativas ao Afeganistão e o Paquistão. "Mas tudo que Obama está dizendo, realmente, é que a Ásia Central será uma tremenda confusão, e ele tem razão" diz Ian Bremmer, presidente do Eurasia Group, firma de consultoria sobre riscos políticos globais. "Há realmente muito pouco que o governo americano possa fazer a respeito."
As negociações sobre não-proliferação de armas com o Irã e a Coreia do Norte provavelmente também serão espinhosas, e os EUA terão dificuldade para conseguir que a Rússia e a China apoiem essas iniciativas, segundo analistas.
Até agora, por exemplo, Obama ainda não cumpriu a retórica protecionista que anunciou em sua campanha, alertando contra políticas que possam prejudicar outros países, já em sua primeira viagem ao exterior, quando foi ao Canadá, em fevereiro. Se essa posição mudar, o presidente pode ter que enfrentar um relacionamento muito mais difícil com a China - possivelmente o relacionamento mais importante dos EUA.



Revive Lincoln's Monetary Policy An Open Letter to President Obama
By Ellen Brown
Global Research, April 9, 2009webofdebt.com






SPIEGEL INTERVIEW WITH CHANCELLOR ANGELA MERKEL
'No Script for the Crisis'
German Chancellor Angela Merkel, 54, discusses government bailouts for companies, her achievements during her term in office and the legacy of the East German secret police, the Stasi.
Editor's note: The following interview was conducted with Chancellor Angela Merkel prior to the government's announcement Saturday that it had reached a deal to rescue the German automaker Opel.
SPIEGEL: Chancellor Merkel, you have shaped an astonishing career for yourself since you took office three-and-a-half years ago. In addition to being head of government, you are now Germany's chief executive, as your government intervenes in the economy to an unprecedented extent. Did you ever dream this would happen?
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02/06/2009
"Não há roteiro para a crise", diz Angela Merkel em entrevista a "Spiegel"
A chanceler alemã Angela Merkel, 54, fala sobre os pacotes de ajuda governamental concedidos a companhias, as suas realizações durante o período em que ocupa o cargo e o legado da Stasi, a política secreta alemã oriental
Nota do editor da "Spiegel": esta entrevista foi realizada com a chanceler Angela Merkel antes do anúncio, no último sábado (30), de que o governo da Alemanha chegou a um acordo para salvar a companhia automobilística alemã Opel.
Spiegel: Chanceler Angela Merkel, você tem construído uma carreira surpreendente desde que assumiu o cargo três anos e meio atrás. Além de ser líder do governo, você é atualmente a diretora-executiva da Alemanha, já que o seu governo intervem na economia com uma intensidade sem precedentes. Você alguma vez imaginou que tal coisa ocorreria?
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28/03/2009 - 00h01
"Todos nós queremos fazer com que a economia mundial volte à normalidade", diz Merkel

Bertrand Benoit, Quentin Peel e Chris Bryant

Quando se ouve Angela Merkel expor as suas expectativas em relação à reunião de cúpula do G20, que ocorrerá na semana que vem em Londres, é difícil lembrar que há apenas três semanas os líderes europeus e dos Estados Unidos encontravam-se envolvidos em uma briga acirrada para decidir qual seria a melhor forma de enfrentar a crise financeira e econômica mundial. .... ..... ......... ......... ..............





24/03/2009 - 00h01
A importância das palavras vazias da declaração do G20
Gideon Rachman
Os melhores diplomatas do mundo passarão semanas esboçando e reesboçando a declaração oficial que será divulgada ao final do encontro de cúpula do Grupo dos 20 em Londres, na próxima semana. Mas por que se darem ao trabalho?Para entender o quanto o exercício é vazio, é preciso apenas olhar para a declaração oficial emitida após o primeiro encontro de cúpula do G20 em Washington, em novembro passado. Os líderes declararam solenemente: "Nós ressaltamos a importância crítica de rejeitar o protecionismo (...) Nós evitaremos erguer novas barreiras ao investimento ou comércio de bens e serviços". Para enfatizar sua determinação, eles "instruíram" seus ministros do comércio a concluir a rodada de Doha de negociações de comércio até o final de 2008.E o que aconteceu de lá para cá? Naturalmente, a rodada de Doha não foi concluída -nem de perto. Na verdade, um estudo do Banco Mundial divulgado na semana passada mostrou que 17 dos países que assinaram a declaração de Washington do G20 adotaram medidas protecionistas.Parte do que aconteceu é protecionismo básico -o aumento de barreiras às importações. Na semana passada, o México anunciou que aumentaria as tarifas em US$ 2,4 bilhões de bens americanos -em retaliação, dizem os mexicanos, à decisão americana de impedir que caminhões mexicanos utilizem estradas americanas.A decisão do Congresso americano em relação aos caminhões mexicanos é um exemplo das formas indiretas de protecionismo que compõem cerca de dois terços das medidas apontadas pelo Banco Mundial. Elas incluem novos subsídios às exportações anunciados pela União Europeia aos produtos agrícolas; e as reduções de impostos para os exportadores adotadas pela China e Índia. O plano de estímulo de Obama também inclui cláusulas "compre produtos americanos".Logo, por que devemos acreditar na próxima declaração emitida no encontro de cúpula de Londres, em 2 de abril? Provavelmente, sua primeira linha já será mentirosa. A declaração começará, "Nós, os líderes do Grupo dos Vinte..." Na verdade, haverá cerca de 25 líderes reunidos em Londres.Apesar de ser tentador zombar da falta de sinceridade dos líderes do G20, é mais importante entender o que está acontecendo. Por que os líderes do mundo emitem estas declarações sobre comércio, e então não as cumprem?A resposta é que estão presos em um aperto entre um compromisso abstrato com o livre comércio e políticas práticas. Quase todos os líderes que comparecerão em Londres sabem que o protecionismo é uma má ideia. Mas estão sob pressão de eleitores enfurecidos para que protejam os empregos em casa e contra estrangeiros manipuladores.À medida que as condições econômicas pioram, cresce a tendência de procurar por bodes expiatórios estrangeiros. Falando no Fórum de Bruxelas do Fundo Marshall alemão no último fim de semana, Robert Zoellick, o presidente do Banco Mundial, comentou que: "Uma discussão relevante a respeito do comércio no Congresso americano dificilmente seria mais tóxica". O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, apontou orgulhosamente que o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, rejeitou recentemente sancionar algumas leis protecionistas que lhe foram apresentadas. Mas ele reconheceu que o presidente Lula poderá ter dificuldade para repetir o feito, caso uma legislação semelhante seja reapresentada neste ano.Os políticos que se reunirão no G20 podem sentir um aumento das pressões protecionistas. Alguns dizem sentir uma "primavera de inquietação" com o aumento do desemprego -seguida por um "verão de protecionismo". Zoellick, do Banco Mundial, alerta que um desdobramento desses seria desastroso: "Nós estamos muito longe dos anos 30, mas uma grande dose de protecionismo nos levaria nessa direção".O mundo já está vendo uma grande queda no comércio. Tanto as exportações japonesas quanto chinesas caíram mais de 20% em relação ao ano passado. Locais que prosperaram como portais para a globalização, como Cingapura, estão enfrentando recessões particularmente duras. Neste ano, é provável que veremos a contração mais forte no comércio global em 80 anos.Até o momento, entretanto, o processo de desglobalização é liderado em grande parte pelo setor privado. Os consumidores estão reduzindo seus gastos e também as empresas. Mas se os líderes políticos do mundo começarem a aumentar deliberadamente as barreiras ao comércio, eles aprofundarão e agravarão a crise econômica -correndo o risco de transformar o processo de desglobalização em uma tendência permanente.A maioria dos líderes políticos sabe disso -de forma que ainda se sentem um pouco embaraçados em relação a medidas diretas de aumento de tarifas. Logo, a nova onda de protecionismo assumirá formas indiretas.Algo para ficar atento é o "protecionismo verde". O Congresso americano está discutindo a imposição de "tarifas de carbono" aos países que não seguirem os esforços americanos para redução das emissões de dióxido de carbono. Na semana passada, Steven Chu, o novo secretário de energia, pareceu endossar a ideia.O novo protecionismo pode ser sempre justificado como "retaliação" à má fé dos estrangeiros. Este é o motivo para disputas francas no G20 -ou o fracasso nas negociações a respeito da mudança climática mais à frente neste ano- serem perigosas. Qualquer fracasso levará a recriminações, que então facilitariam para os líderes mundiais a adoção do protecionismo, sob o velho princípio do playground do "foi você que começou".Será tentador rir, se e quando a declaração oficial do encontro de Londres contiver as promessas familiares de evitar o protecionismo e concluir a rodada de Doha. Mas provavelmente é importante que os líderes mundiais pelo menos prometam seguir o caminho da virtude -mesmo sabendo que podem pecar. O fracasso em prestar homenagem ao livre comércio seria um sinal muito ruim -e poderia abrir a porta para um protecionismo muito mais desenfreado. Às vezes palavras vazias importam.Tradução: George El Khouri Andolfato


FOLHA DE SÃO PAULO, 28-03-2009
ARTIGO
A mística do mercado
PAUL KRUGMANDO "NEW YORK TIMES"
NA SEGUNDA-FEIRA, Lawrence Summers, o chefe do Conselho Econômico Nacional, respondeu às críticas ao plano do governo Obama para subsidiar a compra privada de ativos tóxicos. "Não conheço nenhum economista que não acredite que mercados de capitais funcionando melhor, nos quais os ativos possam ser negociados, não sejam uma boa ideia." Deixe de lado por um momento a questão de se um mercado em que os compradores têm de ser subornados para participar pode realmente ser descrito como "funcionando melhor". Mesmo assim, Summers precisa sair mais. Alguns economistas reconsideraram sua opinião favorável sobre os mercados de capitais e a negociação de ativos à luz da crise atual. Mas ficou cada vez mais claro nos últimos dias que autoridades graduadas do governo Obama ainda estão presas à mística do mercado. Elas ainda acreditam na magia do mercado financeiro e na proeza dos magos que a executam. A mística do mercado nem sempre dirigiu a política financeira. A América saiu da Grande Depressão com um sistema bancário rigidamente regulamentado, que fez das finanças um negócio sóbrio e até aborrecido. Os bancos atraíam os depositantes fornecendo localizações convenientes de agências e talvez uma ou duas torradeiras de brinde; usavam o dinheiro assim captado para fazer empréstimos, e era isso. E o sistema financeiro não era apenas aborrecido. Também era, pelos padrões de hoje, pequeno. Mesmo durante os "anos go-go", o mercado altista da década de 1960, finanças e seguros juntos representavam menos de 4% do PIB. A relativa desimportância das finanças se refletia na lista de ações que formavam a Média Industrial Dow Jones, que até 1982 não continha uma única companhia financeira. Tudo parece primitivo pelos padrões de hoje. Mas aquele sistema financeiro aborrecido e primitivo serviu a uma economia que duplicou os índices de padrão de vida no período de uma geração. Depois de 1980, é claro, surgiu um sistema financeiro muito diferente. Na era Reagan, de mentalidade desregulamentadora, a banca à moda antiga foi cada vez mais substituída pela especulação em grande escala. O novo sistema era muito maior que o antigo regime: à véspera da crise atual, finanças e seguros representavam 8% do PIB, mais que o dobro de sua participação nos anos 60. No início do ano passado, o Dow Jones incluía cinco companhias financeiras -entre elas gigantes como AIG, Citigroup e Bank of America. E as finanças tornaram-se nada aborrecidas. Atraíram muitas de nossas mentes mais agudas e fizeram algumas pessoas imensamente ricas. Sob o novo mundo glamouroso das finanças estava o processo de securitização. Os empréstimos não ficavam mais com o credor. Em vez disso, eram vendidos para outros, que cortavam em fatias, picavam e faziam purê das dívidas individuais para sintetizar novos ativos. Hipotecas "subprime", dívidas de cartão de crédito, empréstimos para carros -tudo entrava na processadora do sistema financeiro.Do outro lado, supostamente, saíam doces investimentos AAA. E os magos financeiros foram generosamente recompensados pela condução desse processo. Eram fraudesMas os magos eram fraudes, quer eles soubessem disso quer não, e sua magia veio a ser nada mais que uma coleção de truques baratos. Acima de tudo, a promessa chave da securitização -que tornaria o sistema financeiro mais robusto ao espalhar mais os riscos- veio a ser uma mentira. Os bancos usaram a securitização para aumentar seu risco, e não para reduzi-lo. Nesse processo tornaram a economia mais, e não menos, vulnerável aos distúrbios financeiros. Mais cedo ou mais tarde as coisas tinham de dar errado, e acabaram dando. O Bear Stearns faliu; o Lehman faliu; mas principalmente a securitização faliu. O que nos traz de volta à abordagem do governo Obama para a crise financeira. Grande parte da discussão sobre o plano de ativos tóxicos se concentrou nos detalhes e na aritmética, e com razão. Além disso, no entanto, o que é marcante é a visão manifestada tanto no conteúdo do plano financeiro como em declarações de autoridades do governo. Na essência, o governo parece acreditar que quando os investidores se acalmarem a securitização e os negócios financeiros poderão retomar de onde pararam um ou dois anos atrás. Para ser justo, as autoridades estão pedindo mais regulamentação. Na verdade, na quinta-feira Tim Geithner, o secretário do Tesouro, explicou planos para aumentar a regulamentação que teriam sido considerados radicais pouco tempo atrás. Mas a visão subjacente permanece a de um sistema financeiro mais ou menos igual ao que havia dois anos atrás, embora um pouco mais controlado por novas regras. Como você pode adivinhar, eu não compartilho essa visão. Não acho que isso seja apenas um pânico financeiro; eu acredito que representa o fracasso de todo um modelo de banca, de um setor financeiro que cresceu demais e causou mais dano que bem. Não acho que o governo Obama seja capaz de trazer a securitização de volta à vida, e não acredito que deva tentar isso. PAUL KRUGMAN , economista, é colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES



FOLHA DE SÃO PAULO, 29-03-2009
Brasil tem poucas armas contra crise, diz EIU
Para Justine Thody, diretora para AL da Economist Intelligence Unit, só Chile fez microrreformas necessárias contra crise Consultoria ligada à revista "The Economist", que previa retração de 0,4% na economia brasileira neste ano, agora estima queda de 1,5% CRISTIANE BARBIERIDA REPORTAGEM LOCAL O crescimento da América Latina depende da exportação de commodities, de investimentos estrangeiros e da remessas de imigrantes -fatores em queda e com tendência a piorar. Já o mercado interno está ameaçado pela retração no emprego e nos ganhos sociais e ainda pela maior entrada de importados, sobretudo chineses. Tudo somado, a tensão social tende a crescer, com risco de levar ao aumento da criminalidade e, em alguns países, a colocar em risco as eleições. Nesse cenário, o Brasil não passará impune, apesar de ser o país da região que deve sofrer menor impacto. A previsão é de Justine Thody, diretora regional da Economist Intelligence Unit. O braço da consultoria ligada à revista "The Economist" reúne um time de 100 analistas fixos e outros 500 pesquisadores especializados em projeções econômicas. A consultoria acaba de aumentar sua previsão de encolhimento do PIB (Produto Interno Bruto) do país. Um dos motivos é a pouca capacidade do governo de manter, por longo prazo, políticas anticíclicas, como explica nesta entrevista.

FOLHA - A consultoria acaba de projetar que o PIB brasileiro encolherá ainda mais em 2009. Será retração de 1,5%, em vez do -0,4% previsto anteriormente. Por quê? JUSTINE THODY - Apesar de o Brasil ter uma economia mais fechada do que outros países e de ter mais resistência, a indústria é muito exposta à queda nas exportações e nos investimentos. Isso terá reflexos no setor de serviços, com efeito em cadeia. Na última semana, visitei clientes, falei com analistas e economistas e, depois de conversar com as pessoas, estou contente com a projeção de retração de 1,5% [no PIB]. Não creio que a revisemos de novo.
FOLHA - Não revisará ainda mais para baixo. E para cima? A parada brusca do fim do ano não pode ter sido apenas de ajuste? THODY - A retomada da atividade no setor automobilístico, por exemplo, é um caso muito especial. Há uma defasagem dos efeitos da crise que ainda não foi sentida, entre outros, pelo setor de serviços. As dificuldades financeiras que as empresas de pequeno e médio portes estão enfrentando também sofrem dessa defasagem. Para eles, é mais difícil conseguir crédito, que também está mais caro. Os pequenos e médios podem resistir até certo ponto, mas, se não melhorar -e achamos que não melhorará rapidamente-, a resistência deles será minada.
FOLHA - A contração será forte? THODY - A economia e a produção do Brasil estavam num patamar muito alto de crescimento. Num contexto global, a contração será moderada. Ela acontecerá porque, embora o sistema financeiro seja forte e bem capitalizado, ele não é isento de efeitos externos. Além de a liquidez estar mais restrita, também há o efeito multiplicador da queda da produção industrial, afetada pela demanda externa. Apesar de o investimento direto estrangeiro ter se mantido, ele também sofre o efeito defasado. Os grandes projetos de investimento externo são contratados com muita antecedência. Agora se vai perceber o impacto da restrição do crédito mundial.
FOLHA - Há contas que indicam que 35% da renda dos brasileiros independe de crise, já que vêm do funcionalismo público, pensões e Bolsa Família. Esse dinheiro também não minimizará o impacto da crise?THODY - Sim. A rede de proteção social no Brasil é mais efetiva do que em muitos países em desenvolvimento. Porém um risco que vejo é o de a receita fiscal cair mais do que o governo prevê. Isso afetará não só o governo federal como também os estaduais e municipais. Em alguns Estados, os governos vão ter dificuldades para pagar salários. O efeito de a receita cair mais do que o governo estima vai ser compensado em parte pela queda dos juros. Por outro lado, prejudica na manutenção dos compromissos de investimentos. Por isso, vai ser difícil haver um efeito contracíclico muito forte. Essa é uma das razões pelas quais o governo não vai evitar completamente a crise. O Brasil não tem grande espaço de manobra em termos de política anticíclica.
FOLHA - Por que este deve ser o pior ano da crise? THODY - Uma das premissas fundamentais das projeções para 2010 está na eficácia dos pacotes fiscais, sobretudo dos Estados Unidos e da China. No fim do ano, o plano Geithner [de recuperação de papéis tóxicos, sem valor comercial] vai começar a restaurar a confiança no mercado financeiro. Há, no entanto, riscos muito grandes e muitas dúvidas.
FOLHA - O que muda no ranking dos países mais atraentes para fazer negócio com a crise? THODY - Comparamos a atratividade do ambiente de negócios em 82 países nos últimos cinco anos com uma projeção dos próximos cinco anos. O potencial de crescimento a longo prazo depende da qualidade institucional. O problema é que, na maioria dos países da América Latina, com exceção do Chile, não houve avanços nas reformas de microeconomia. Nos últimos anos, a abundância global e o crescimento da economia mascararam a falta de progresso nessa área. Agora, a situação política vai ser mais difícil. O governo vai ser culpado, não pela crise, mas pelo manejo e pelo gerenciamento de medidas anticíclicas. Vai ser mais difícil avançar nessas reformas que são muito contenciosas politicamente. No caso brasileiro, uma das premissas para o longo prazo envolvia a melhora na infraestrutura, no sistema financeiro para a baixa do "spread" bancário e de enfrentamento do problema da burocracia. Fica mais difícil avançar nessas reformas.
FOLHA - Vocês apontam um recrudescimento na política monetária, tão logo a economia volte a crescer. Isso afetará muito o Brasil?THODY - O Banco Central do Brasil vai permanecer conservador. Aos primeiros sinais de volta inflacionária, é bem provável um aperto monetário. Vão baixar [a taxa básica de juros] mais neste ano e não vai haver aperto em 2010.


G20 trocará número por "senso de direção"
Na cúpula em Londres, líderes das maiores economias convergem para a restauração da saúde do sistema financeiro Governos fazem investidas individuais contra ativos "tóxicos" com o objetivo de restabelecer o crédito em transações internacionais
Wolfgang Kumm - 22.fev.09/Efe
Merkel, Sarkozy, a ministra francesa Lagarde e Brown em reunião em Berlim no mês passado CLÓVIS ROSSIENVIADO ESPECIAL A LONDRES Seria ilusório esperar que, no dia 3 de abril, um dia depois de encerrada a cúpula de Londres do G20, as maiores economias do planeta, o mundo saísse do sufoco.Mas seus organizadores torcem para que os governantes consigam transmitir ao público em geral "um senso de direção e um plano", como diz Malloch Brown, o "sherpa" do governo britânico para a cúpula."Eles têm de convencer a comunidade global de que estão no comando e sabem o que estão fazendo", afirma o "sherpa", designação que se usa em todas as cúpulas para os altos funcionários que, a exemplo dos guias do Himalaia, carregam o peso e mapeiam o caminho para que os alpinistas possam fincar a bandeira no pico.Como não está previsto que o documento final contenha muitos números específicos, gritar sucesso ou fracasso vai depender muito mais de percepções e, por extensão, da maneira como a mídia e, em seguida, os mercados receberão as decisões.Os antecedentes não são propriamente brilhantes: da primeira cúpula do G20, realizada em novembro em Washington, para cá a crise só fez piorar -muito, aliás, a ponto de o Fundo Monetário Internacional estar prevendo a primeira queda global da economia para este ano e a Organização Mundial do Comércio estar avisando que o comércio planetário retrocederá 9% em 2009, a primeira vez em 60 anos.Números assustadores mesmo depois de ter sido lançada, globalmente, "uma operação de estímulo no valor de US$ 2 trilhões", pelas contas de Malloch Brown, o que equivale a pouco menos do que toda a riqueza que o Brasil produz em dois anos, sem que a economia recupere o fôlego.Acontece que a cúpula se realiza no momento em que os países que compõem o G20 deram dois ou três passos para trás, em relação à crise.Além da reformaNum primeiro momento, no fim do ano passado, a intenção era muito mais reformar a arquitetura do sistema financeiro internacional de forma a evitar no futuro a repetição de crises como a que ocorre atualmente.Não havia muita expectativa de poder atacar a crise em si porque seria preciso rebobinar a fita e voltar no tempo ao momento em que começaram a ser disseminados os que hoje se convencionou chamar de ativos "tóxicos".No segundo momento, no entanto, os líderes do G20 começaram a despejar pacotes e pacotes de estímulos.Anunciaram até, por meio de seus ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais, a disposição de "adotar qualquer ação que seja necessária até que o crescimento seja restaurado".Os governantes repetirão a promessa nos próximos dias, com a maior visibilidade que palavra de líder tem.Mas, depois de todos os pacotes, vieram os dois passos atrás na maneira de olhar a crise: o reconhecimento de que nenhum pacote de estímulo funcionaria enquanto não fosse restaurada a saúde do sistema financeiro. E, para restaurá-la, era indispensável eliminar o que a ministra francesa de Economia, Christine Lagarde, chama de "trombose", representada pela acumulação de ativos "tóxicos".DesintoxicaçãoÉ nessa fase que o mundo está. Ou, posto de outra forma, os governos estão fazendo individualmente suas apostas para desintoxicar o sistema financeiro e restabelecer o crédito. A cúpula vai apenas referendá-las."O teste preliminar [dos resultados da cúpula] será quando ocorrer um freio na deriva rumo ao protecionismo e se os bancos voltarem a emprestar. Se isso acontecer, vai se refletir nos preços nas lojas, em nossa capacidade de obter um financiamento hipotecário ou empréstimo bancário, o que, por sua vez, levará ao crescimento e ao aumento do emprego", diz Malloch Brown.Enquanto o hoje da crise não se resolve, o G20 aposta firmemente em que a reforma da regulação/supervisão do sistema financeiro permitirá evitar que uma crise semelhante ocorra no futuro.Nesse ponto, o comunicado dos líderes será tão ou mais preciso que o divulgado pelos seus ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais, que anuncia uma revolução nessa área.Uma revolução que dará ao Fundo Monetário Internacional um novo papel, como novos recursos e uma nova distribuição de poder.Mas os recursos e o novo papel chegam já. A redistribuição do poder ficou para janeiro de 2011, mesmo assim uma antecipação de dois anos em relação à previsão pré-crise.Se dependesse de chineses e de russos, a revolução seria tão formidável que o dólar deixaria de ser a moeda de reserva planetária.Talvez o tema surja na cúpula, mas não passará de um debate retórico, prevê Dominique Strauss-Kahn, o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional."Provavelmente, será um tema a ser debatido por muitos anos à frente. Não vejo uma mudança rápida [no papel do dólar]", diz Strauss-Kahn.


ARTIGO
Olhar a periferia deve ser a meta
GEORGE SOROSESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES" A REUNIÃO do G20 será um evento decisivo. A menos que resulte em medidas de apoio aos países menos desenvolvidos, que estão ainda mais vulneráveis que as nações desenvolvidas, os mercados sofrerão mais uma contração, como aconteceu no mês passado, quando o secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, não anunciou medidas práticas para a recapitalização do sistema bancário. A crise é diferente de todas as demais que aconteceram depois da Segunda Guerra Mundial. Nos exemplos anteriores, as autoridades se organizaram e impediram o colapso do sistema financeiro. Desta vez, depois da quebra do Lehman Brothers, em setembro, o sistema desabou e está sendo mantido vivo por meios artificiais. Esse passo resultou em consequências adversas: muitos outros países, do leste da Europa à América Latina, à África e à Ásia, não tinham condições de oferecer garantias semelhantes. Houve uma fuga de capital da periferia para o centro. Nos países periféricos, as moedas caíram, as taxas de juros subiram e as taxas dos CDS ("credit default swaps") dispararam. Quando a história for escrita, registrará que, diferentemente da Grande Depressão, o protecionismo chegou primeiro às finanças que ao comércio. Instituições como o FMI (Fundo Monetário Internacional) enfrentam uma novidade: proteger os países periféricos contra uma tempestade criada nas nações desenvolvidas. As instituições mundiais estão acostumadas a trabalhar com governos; agora, precisam enfrentar o colapso do setor privado.Caso se provem incapazes disso, as economias periféricas sofrerão ainda mais que as centrais. São mais pobres e dependem mais de commodities que as dos países desenvolvidos. Também têm US$ 1,44 trilhão de dívidas bancárias a vencer em 2009. Não poderá haver rolagem desses empréstimos sem assistência internacional. Diferenças de atitudeO primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, observou na reunião do G20 uma forma de enfrentar a questão. Mas emergiram diferenças de atitude, especialmente entre EUA e Alemanha. Os EUA reconheceram que o colapso do crédito no setor privado só pode ser revertido pelo uso mais amplo do crédito de Estado. A Alemanha, traumatizada pelas memórias da hiperinflação dos anos 20, reluta em semear uma futura inflação ao incorrer em dívida excessiva. As posições se sustentam com rigidez. A controvérsia ameaça a reunião. No entanto deve ser possível um terreno comum. Em lugar de fixar uma meta universal de 2% do PIB (Produto Interno Bruto) para pacotes de estímulo, bastaria um acordo para ajudar os países periféricos a proteger seus sistemas financeiros. Isso serve ao interesse comum. Caso seja permitido um colapso das economias periféricas, os países desenvolvidos também sairão prejudicados. A reunião do G20 deve produzir alguns resultados concretos: os recursos do FMI provavelmente serão duplicados, principalmente pelo uso do mecanismo de "novos arranjos para captação", que podem ser ativados sem que seja resolvida a espinhosa questão da redistribuição dos direitos de voto. Isso bastará para permitir que o FMI ajude países específicos que enfrentam situações de risco, mas não oferecerá uma solução sistêmica para os menos desenvolvidos. Essa solução está facilmente disponível na forma de direitos especiais de saque, os SDRs. Os SDRs são complexos, mas em resumo representam a criação internacional de dinheiro. Países capazes de criar dinheiro próprio não precisam deles, mas nações periféricas, sim.Os países ricos deveriam, portanto, emprestar suas alocações às nações mais necessitadas. Os beneficiados pagariam o FMI com juros muito baixos, o equivalente à taxa média dos títulos de Tesouro de todas as moedas conversíveis. Estariam livres para usar suas alocações, mas seriam fiscalizados quanto ao uso dado às alocações tomadas de empréstimo. Além da ampliação extraordinária dos recursos do FMI, deveria haver uma grande emissão anual de SDRs, no valor de digamos US$ 250 bilhões, enquanto perdurar a recessão. É tarde demais para que essa medida seja decidida pelo G20 em 2 de abril, mas, caso a ideia seja apresentada pelo presidente Barack Obama e aceita pelos demais líderes, isso bastaria para fazer da reunião um sucesso retumbante. GEORGE SOROS é presidente do conselho da Soros Fund Management.Tradução de PAULO MIGLIACCI.

Prêmio Nobel defende contrato social global
DE GENEBRA
Há anos o economista americano Joseph Stiglitz alerta de que uma globalização sem freios e regras será o aumento do fosso entre ricos e pobres. Em seus livros, o Nobel de Economia de 2001 defende um contrato social global, em que as nações desenvolvidas abririam seus mercados aos emergentes em favor de um regime de comércio com mais igualdade. Mas a crise financeira reforça o risco de que ocorra justamente o contrário, deflagrando uma onda de protecionismo a partir dos países desenvolvidos. Se isso ocorrer, diz Stiglitz, os maiores prejudicados serão os países em desenvolvimento. "A crise não começou nos países pobres, mas são eles que pagarão a parte mais pesada da conta", disse o economista à Folha, em recente passagem por Genebra. (MN)

FOLHA - O sr. concorda com o premiê Gordon Brown, sobre o risco de desglobalização?JOSEPH STIGLITZ - O risco é substancial. A globalização gerou benefícios para muitos países, mas também criou riscos enormes. Caso não haja as reformas necessárias, os benefícios da integração dos mercados desaparecerão, e só permanecerá o lado negativo da globalização, que é a dependência excessiva de fluxos externos de capital. Seria o pior dos mundos.
FOLHA - Qual a consequência?STIGLITZ - Se o Ocidente aumentar o protecionismo, isso criará grande instabilidade e poderá reverter os avanços dos últimos anos. As reações serão inevitáveis. Com o aumento da pobreza, muitos governos terão argumentos bastante convincentes para resistir à globalização.
FOLHA - Há protecionismo?STIGLITZ - Algumas das coisas que os Estados Unidos estão fazendo podem não provocar efeitos concretos, mas têm um enorme poder simbólico. Um bom exemplo disso é a cláusula "Buy American".
FOLHA - Quem vai se prejudicar?STIGLITZ - Os países em desenvolvimento. Espero que os mais ricos tenham sensibilidade para evitar isso.



RESENHAReportagens e análises preciosas
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRACOLUNISTA DA FOLHA MUITOS economistas constroem modelos matemáticos complicados para explicar a realidade econômica à custa de uma simplificação brutal que se transforma em uma caricatura. O grande jornalista econômico Celso Pinto sempre fez o inverso: ajudado por seus entrevistados, mas jamais submisso a eles, formulava explicações simples e compreensíveis de uma realidade econômica sempre complexa e contraditória. Os textos que escreveu entre 1974 e 2003, alguns dos quais reunidos no livro "Os Desafios do Crescimento - Dos Militares a Lula", mostram bem isso.Não é fácil para os jornalistas informar os leitores sobre economia porque os sistemas econômicos são sempre imprevisíveis, e as teorias econômicas, necessariamente precárias. Eles podem simplesmente noticiar os fatos ou então entrevistar autoridades econômicas e economistas e reproduzir suas ideias. Quando, porém, além disso, o jornalista decide fazer a análise do que está acontecendo e concordar ou discordar das ideias dos entrevistados, seu trabalho se torna muito mais difícil e desafiador.Celso Pinto, enquanto teve saúde para realizar seu trabalho, aceitou sempre esse desafio. Ele começou no jornalismo na Folha, em 1974, depois passou para a "Gazeta Mercantil", foi correspondente econômico em Londres, voltou para a Folha e, convidado pelos grupos Folha e Globo, fundou e deu forma ao "Valor Econômico", que nada fica a dever aos melhores jornais econômicos do mundo.Em todo esse período, ele desenvolveu uma forma especial de jornalismo econômico, escrevendo o que eu chamaria de "reportagens-análises". Ele não escrevia uma coluna, em que o colunista faz com frequência predeterminada análise do que está acontecendo, nem fazia reportagens ou entrevistas nas quais o repórter informa os fatos ou reproduz as palavras ou as ideias dos entrevistados. Em vez disso, ele combinava a notícia e a entrevista com a análise de uma forma integrada, o que permitia que o leitor ficasse informado e com uma noção razoavelmente clara dos problemas complicados sobre os quais versava.O organizador do livro distribuiu as reportagens-análises em oito capítulos. Escolho o capítulo sobre a taxa de câmbio para ilustrar o método de Celso Pinto. No texto "Controle cambial na berlinda" (3/9/98), por exemplo, ele foca o problema do controle dos fluxos de capitais que estava sendo discutido na época. Mostra que os economistas heterodoxos, apoiados por Paul Krugman, eram a favor dos controles, enquanto os ortodoxos, no governo, eram contra, garantindo que não eram necessários. Celso Pinto não toma partido, mas termina seu texto assinalando que o grande aumento das saídas de capital não justificava o otimismo governamental. Na verdade, naquele momento a crise cambial estava batendo à porta.Um mês depois, ele fala no "plano B" que se especulava ter o governo e que economistas estrangeiros como Rudiger Dornbusch apoiavam a dolarização da economia na linha seguida pelo Plano de Conversibilidade da Argentina e comenta, manifestando delicadamente seu desacordo: "Nenhum país de dimensão continental como o Brasil jamais experimentou um "currency board'".A clareza e o didatismo comparecem em outra reportagem-análise, "Custos e benefícios do novo câmbio", que ele escreve em seguida à bem-sucedida flutuação do câmbio, em janeiro de 1999. Depois de noticiá-la, Celso Pinto analisa a mudança do câmbio sob cinco dimensões: comparação com outros países, impacto fiscal, impacto sobre juros e crescimento, pressão sobre a inflação e futuro do regime de câmbio. E em seguida escreve sobre cada um desses pontos, com grande propriedade e competência.Em outro texto, "A tentação de "operar" o mercado", Celso Pinto discute as tentativas do governo de administrar a taxa de câmbio antes da crise cambial do final de 1998. Diz ele que, nesses momentos, o formulador de política econômica tem sempre "a profunda convicção de que o mercado financeiro aposta contra ele porque não entendeu direito os fundamentos ou porque está metido em uma especulação desenfreada". Em seguida, entrevista um desses formuladores e, quando este faz afirmações pouco convincentes, não hesita: escreve um claro "discordo".Esses textos são uma preciosidade jornalística e econômica. A Publifolha está de parabéns ao fazer uma segunda reimpressão do livro. O Grupo Folha podia agora completar o trabalho e oferecer na internet todas as reportagens-análises que Celso Pinto escreveu e criar um mecanismo de busca interno a essa coleção de textos. Essa iniciativa seria uma grande contribuição ao estudo da economia brasileira.
LIVRO - "Os Desafios do Crescimento - Dos Militares a Lula" Celso Pinto; Publifolha, 376 págs.




FOLHA DE SÃO PAULO, 30-03-2009
Mundo deve pensar em volta à disciplina fiscal, diz Merkel
DO "FINANCIAL TIMES"
Ouvindo a chanceler alemã Angela Merkel falar de suas expectativas para a cúpula do G20, é difícil não lembrar que há só três semanas os líderes de EUA e Europa "brigavam" com unhas e dentes sobre a melhor maneira de fazer frente à crise financeira e econômica. "Vamos nos reunir para tomar decisões conjuntas, não para competir uns contra os outros", diz Merkel. "Todos nós queremos a mesma coisa: recolocar a economia mundial de pé o mais rapidamente possível e impedir que uma crise como esta possa voltar a acontecer." As tensões transatlânticas antes da cúpula diminuíram: a insistência dos EUA em que a Europa deve gastar mais para combater a crise se tornou menos estridente, e os europeus reconheceram as medidas duras anunciadas por Washington para reforçar o dispositivo de regulamentação financeira. Mas, como Merkel deixou claro, ela não acha que a Europa cedeu, mas que venceu a discussão. "Há um processo de reflexão global em curso e um reconhecimento de que aconteceram algumas coisas que não deveriam ter acontecido", diz. Ela tem pouca disposição para ouvir conselhos de política econômica vindos do outro lado do Atlântico, como a ideia de que a Alemanha, assim como a China, precisa elevar drasticamente sua demanda doméstica como contribuição para o reequilíbrio da economia mundial. "A China nem precisaria aumentar sua dívida [para reforçar a demanda]", diz ela, apontando para as enormes reservas de divisas do país. "Seu potencial de crescimento é muito maior que o da Alemanha." Evidentemente acreditando que sua posição é intelectualmente correta, Merkel não pede desculpas quando fala das origens do derretimento financeiro global. A culpa, diz, é dos esforços equivocados dos EUA, tanto do governo quanto do Fed (o BC), de relançar artificialmente a economia depois do 11 de Setembro, injetando dinheiro cada vez mais barato no sistema financeiro. Ela vê com ceticismo os chamados por déficits públicos maiores e políticas monetárias mais frouxas como solução. "A crise não aconteceu por estarmos gastando muito pouco, mas porque estávamos gastando demais para gerar um crescimento que não era sustentável. Os governos deixaram que eles o fizessem." É isso que explica a insistência de Merkel de que os governos precisam começar a pensar em suas "estratégias de saída" -um retorno à disciplina fiscal, o desmonte das medidas protecionistas e o enxugamento do excesso de liquidez. A discussão sobre os possíveis efeitos colaterais inflacionários das medidas adotadas para fazer frente à crise "é algo que estou levando muito a sério", diz ela. "Ouvi com grande interesse o presidente americano falar de sua meta de reduzir o déficit pela metade até o final de seu mandato." Os mercados, diz ela, "esperam ver o retorno às políticas fiscais sustentáveis após o término da crise". Questionada sobre o fracasso de um leilão de títulos no Reino Unido na última semana, Merkel faz uma pausa longa e então acrescenta: "Isso mostra que os Estados não podem contrair empréstimos para sempre". Segundo ela, mais crucial para o futuro da economia do que elevar o consumo é a necessidade de assegurar que as empresas alemãs não percam sua dianteira tecnológica e que elas, assim como o governo, continuem a gastar com pesquisas e desenvolvimento. Angela Merkel diz: "A China também vai fazer isso. Os EUA, também. Quando a crise terminar, as cartas serão embaralhadas outra vez e nós veremos quem vai sair mais forte e quem sairá enfraquecido".


G20 anuncia nova cúpula e assume o papel do G8
"Prévia" do comunicado que será divulgado após o encontro de quinta-feira estabelece o G20 como principal fórum da economia CLÓVIS ROSSIENVIADO ESPECIAL A LONDRES A cúpula de quinta-feira do G20, com as principais economias do planeta, vai referendar o novo papel do grupo como substituto, para todos os efeitos práticos, do G8 como diretoria econômico-financeira do planeta, obviamente informal.É pelo menos o que consta do esboço do comunicado final obtido pelo jornal britânico "Financial Times", que, no entanto, ressalva que o documento ainda pode ser modificado até quinta-feira. De fato, os vice-ministros de Economia e os delegados pessoais dos governantes (chamados "sherpas" no jargão diplomático) estão se reunindo em Londres desde sexta para preparar o texto.O governo britânico negou que a versão do "FT" seja a mais recente, mas, no que se refere à entronização do G20 como o principal fórum de discussão para a economia, a Folha apurou que é improvável que haja uma alteração.O texto afirma que os líderes concordam "em se encontrar de novo antes do fim do ano para rever os progressos em relação aos nossos compromissos", ou seja, aos compromissos que serão adotados em Londres.Se a versão do "FT" for a correta, não há nos compromissos nada além do que constava do documento da primeira cúpula (em Washington, em 15 de novembro) e do texto mais recente, emitido no último dia 14 pelos ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais do G20, como a Folha antecipara.Enquanto o G8 reúne os sete países mais ricos do mundo mais a Rússia, o G20 inclui desenvolvidos e emergentes, entre os quais o Brasil.Os governantes reafirmam a defesa de "uma economia mundial aberta, baseada em princípios de mercado, efetiva regulação e instituições globais fortes", um conjunto que "assegurará uma globalização sustentável com crescente prosperidade para todos".O documento é um inventário das "ações fiscais coordenadas e sem precedentes" já adotadas, mas deixa entre parênteses (sinal de desacordo) o valor de tais ações. Tampouco anuncia novos pacotes nem quantifica a não ser entre parênteses, de novo, a expectativa de aumento da produção decorrente das ações adotadas e de aumento do emprego (entre parênteses, estão 2% como crescimento econômico e mais de 20 milhões de empregos).O texto reitera o compromissos dos BCs de manter políticas de juros expansionistas, ou seja, perto de zero, compromisso que Henrique Meirelles também assinou, no último dia 14.A versão do jornal britânico contém igualmente a promessa de restabelecer o funcionamento do sistema financeiro, sempre nos termos já acordados pelos ministros da Fazenda e presidentes de BCs.Mas o texto não específica o valor dos recursos que serão disponibilizados para países emergentes e em desenvolvimento, duramente afetados pela secura do crédito. No Brasil, Gordon Brown, o anfitrião da cúpula, havia dito que seriam no mínimo US$ 100 bilhões para o financiamento do comércio internacional.O documento faz a condenação, já ritual, do protecionismo, tal como constava do texto de Washington. No entanto um estudo do Banco Mundial mostrou que, após a primeira cúpula, 17 dos países do G20 adotaram um conjunto de 47 ações de restrição ao livre comércio.Apesar desse antecedente, os líderes "reafirmam o compromisso assumido em Washington de não levantar novas barreiras ao investimento ou ao comércio de bens e serviços, não impor novas restrições ao comércio e não criar novos subsídios para exportações".O texto também retoma os documentos de Washington e dos ministros da Fazenda e presidentes de BCs para anunciar uma profunda reforma da regulação e supervisão do sistema financeiro.Tanta reiteração de compromissos já anunciados contraria as expectativas talvez excessivas levantadas em relação à cúpula de Londres. Brown já tratou de reduzi-las, em encontro com jornalistas do G20 na semana passada, ao afirmar que a reunião será "apenas uma etapa em um processo".A convocação de uma nova "etapa" antes do fim do ano mostra que não será, de fato, a bala de prata contra o vampiro da crise.

Às vésperas de reunião, Obama pede G20 unido
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Em tom de otimismo às vésperas da reunião de cúpula do G20, nesta quinta, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse ontem em entrevista ao jornal britânico "Financial Times" que os líderes globais devem "transmitir uma forte mensagem de união" pelo bem da economia global.Obama, que embarca amanhã em sua primeira grande viagem internacional como presidente, minimizou as divergências entre Estados Unidos e países europeus, notadamente Alemanha e França. Ele disse concordar com a chanceler alemã, Angela Merkel (veja texto ao lado), e o presidente da França, Nicolas Sarkozy, no que diz respeito à necessidade de coordenar estímulos fiscais e elaborar nova regulamentação do sistema bancário.A União Europeia defende a adoção de uma regulamentação global para o sistema financeiro, enquanto os EUA preferem controles domésticos."A tarefa mais importante para todos nós é transmitir uma forte mensagem de união em face da crise", afirmou.Sobre a posição em defesa de novas medidas de incentivo ao crescimento econômico, Obama admitiu que há resistência dos contribuintes, o que pode tornar mais difícil para ele adotar novos pacotes de estímulo à economia.




31/03/2009 - 00h01
Nossa meta é ter um sistema "robusto e estável", diz secretário do Tesouro dos EUA
Krishna Guha
Os EUA estão tão ansiosos quanto as nações europeias por uma ampla reforma regulatória que reforce o sistema financeiro global, afirmou o secretário do Tesouro americano, Tim Geithner, entrevistado pelo "Financial Times".
Geithner disse, às vésperas da reunião do G20, que os "EUA têm enorme interesse em agir de modo rápido e amplo para aproveitar esta oportunidade de conseguir um consenso internacional para tornar o sistema mais robusto e estável".
Ele rejeitou a noção que os EUA só estão interessados em estímulos fiscais, enquanto os europeus querem uma reforma regulatória. Ele disse que todas as nações do G20 concordavam com a necessidade de forte resposta regulatória para a crise e com o formato amplo que esta resposta deve assumir.
"Em relação ao que vivemos em 1998, durante a crise asiática, há um grau de consenso muito maior", disse ele. "A distância entre a posição dos franceses, dos alemães, dos americanos e dos chineses é muito pequena."
Na semana passada, Geithner revelou planos para um reforma da regulação financeira dos EUA e um esquema para limpar os títulos tóxicos do sistema bancário - medidas com as quais as autoridades americanas esperam conseguir maior credibilidade nas discussões internacionais.
O secretário do Tesouro disse que a regulação deve permanecer uma questão soberana. "Não vamos dar a ninguém a responsabilidade de decidir qual equilíbrio entre estabilidade e eficiência é correto para os nossos mercados". Ao mesmo tempo, ele disse que as reformas nacionais "não vão funcionar se não formos capazes de trazer os outros conosco".
Geithner disse que a "filosofia é tornar tanto as instituições principais quanto os mercados mais robustos". Os EUA estão concentrados, acima de tudo, em reforçar as exigências sobre o capital e a infraestrutura do mercado.
"Eu começo com o capital", disse ele. "Temos um claro imperativo de reformar as regulações do capital. Acho que os colchões básicos no sistema - capital, liquidez e reservas - estavam muito frouxos e muito cíclicos em seus efeitos".
Geithner defende o que alguns chamam de "sobretaxa de risco sistêmico" -exigências mais duras para as empresas mais sistemicamente importantes. Ele disse que o "teste crucial de um sistema financeiro" é sua capacidade de agüentar a falência. "Isso exige que as instituições principais detenham mais capital contra risco. Também significa que a infraestrutura em todos esses mercados - nos mercados de derivativos, no empréstimo de securities, nas operações compromissadas de "repo" (venda de títulos com compromisso de recompra) - tem que ser capaz de absorver o fracasso e o contágio".
Entretanto, os EUA não apoiam medidas para criar uma nova infraestrutura para o mercado de derivativos da Europa apenas. "Esses mercados são globais e queremos que as soluções sejam globais, não nacionais nem regionais", disse Geithner.
Os EUA e a Europa querem atacar a arbitragem regulatória. Há atualmente um acordo em torno da necessidade de grandes fundos hedge registrarem e revelarem informações, para que os fiscais possam impedir a manipulação de mercado e impor exigências de capital a qualquer fundo que apresente riscos sistêmicos.
"Nós queremos que o sistema seja capaz de evoluir", disse ele. "Mas, se uma entidade quiser desempenhar funções de banco, deve ser regulada como um banco."
Geithner disse que o Fórum de Estabilidade Financeira daria a infraestrutura básica para a cooperação regulatória futura. Ele disse que, quando tiver passado a crise, o mundo deve manter uma capacidade melhorada de resposta à crise por meio de instituições multilaterais.
Para os Lehmans deste mundo - instituições financeiras globais - "precisamos melhorar a forma que os regimes de insolvência operam em diferentes jurisdições", disse ele. "Em princípio, você quer poder administrar a falência controlada de uma instituição global. Mas isso é muito difícil de implementar em uma crise. Essa vai ser uma peça crítica do quebra-cabeça, mas estamos apenas no início desse estudo".
Geithner disse que não haverá um regulador de risco sistêmico global. "A autoridade de cada país tem que ser responsável pela supervisão consolidada de suas instituições."
Ele disse que era bom os reguladores pensarem mais sobre o sistema em vez dos riscos específicos de uma instituição. Entretanto, ele disse: "Tenho dúvidas quanto à capacidade dos bancos centrais e dos reguladores de anteverem e anunciarem as crises logo cedo. Precisamos construir um sistema seguro contra a incerteza, contra a ignorância e contra o fracasso em identificar a futura fonte de crise."Tradução: Deborah Weinberg


G-20 tem de focar objetivos básicos para ter sucesso
Financial Times
31/03/2009

série de boxs - principais temas... improtante

O encontro de chefes de governo do G-20 (grupo de 20 países de maior renda e emergentes) em Londres será um momento de definição. Num momento de crise econômica, os líderes dos países que geram a maior parte da atividade econômica global têm de apontar o caminho por meio de soluções comuns. Se eles conseguirem fazer isso, o encontro pode não ser lembrado como o começo do fim da crise, mas como o fim do começo.
Só o fato de o G-20 ser visto como o grupo certo para enfrentar esse desafio já é significativo. Não é mais possível que um pequeno número de países ocidentais - junto com o Japão - resolva os problemas econômicos mundiais. O G-20, por outro lado, contém todas as economias importantes do mundo. Aqui, sobretudo, as potências emergentes não se sentem como meros convidados, como nos encontros do G-8, o grupo de países mais ricos. Sendo assim, este é o grupo certo. Seu primeiro encontro foi em Washington, em novembro passado. O encontro de Londres deve ser o segundo de uma série.
Alguns progressos substanciais já foram alcançados, auxiliados por análises úteis do Fundo Monetário Internacional. Nunca antes a sabedoria dos fundadores das instituições de Bretton Woods e da Organização Mundial do Comércio havia ficado tão evidente quanto durante esta crise. Diferentemente dos anos 30, a existência dessas instituições reforçou os hábitos de cooperação e salvaguardou os princípios de abertura de mercado. Elas nos lembram, por sua existência e preceitos, que a crise mundial realmente precisa de soluções mundiais.
Elas também nos contam quão mal vai essa crise agora. Em sua última previsão, o FMI sugere que a economia mundial pode se contrair de 0,5% a 1% neste ano, o primeiro declínio desse gênero desde a Segunda Guerra Mundial. A OMC prevê um declínio de 9% no volume de comércio global. Essas quedas maciças vão ocorrer apesar dos estímulos fiscais e monetários já em aplicação. Esses números nos falam de esperanças obliteradas e vidas em dificuldades por todo o planeta.
A primeira prioridade do encontro, então, é prometer pacotes de estímulo grandes o bastante para eliminar o risco de uma espital de declínio na demanda e na produção mundiais.
Os países com reservas cambiais e superávits estão em melhor posição para adotar as medidas monetárias e fiscais. Os últimos têm obrigação e oportunidades excepcionais, já que dependem tando dos gastos e empréstimos dos outros para suas próprias estabilidades macroeconômicas. A China pode estar começando a entender isso. A Alemanha, não.
A segunda prioridade é um aumento nos recursos disponíveis ao FMI, para que ele possa responder adequadamente às dificuldades dos países emergentes, se não dos países da Europa Central e do Leste, também. Os recursos existentes de cerca de US$ 250 bilhões correspondem a aproximadamente 4% das reservas cambiais internacionais. Os europeus sugeriram dobrar esse montante; os EUA falam em triplicar. Os EUA estão mais perto em acertar o tamanho necessário.
A terceira prioridade é um acordo em como limpar a bagunça do setor financeiro sem acelerar a desintegração do sistema financeiro mundial. O protecionismo financeiro é quase que um resultado inevitável dos planos de ajuda financiados pelos contribuintes. Mas é preciso resistir a essa forma de protecionismo.
Isso nos leva à quarta prioridade: uma suspensão no protecionismo, inclusive comercial. Isso teria de ser monitorado pela OMC e pelo FMI.
Se o encontro alcançar esses objetivos básicos, ele terá sido um sucesso. Além disso, ele terá de promover esforços em três direções: análises dos erros do sistema financeiro e a promoção de uma reforma radical; análises tanto da fragilidade do sistema monetário global quando dos desequilíbrios macroeconômicos, que tiveram um grande papel para a instalação dessa crise; e a rápida reforma e modernização da estrutura das instituições internacionais. Separar o setor de monitoramento do de concessão de crédito deve ser uma parte dessas reformas. A melhor maneira seria formar grupos de alto nível de especialistas independentes que fariam recomendações aos líderes do G-20 até o final do ano.
Essa é uma crise que vai definir a economia global. A história julgará os líderes e o modo como eles responderam ao desafio. Ou eles põem em prática um programa de recuperação e reforma que leve a uma globalização mais saudável ou eles serão considerados responsáveis pelo colapso da promessa de um mundo melhor. Essa é uma escolha entre avançar e retroceder. É uma decisão que esses líderes têm de tomar juntos. Que tomem a decisão certa.



31/03/2009 - nyt
América, a maculada
Paul Krugman
Há dez anos, a capa da revista "Time" exibia Robert Rubin, o então secretário do Tesouro, Alan Greenspan, o então presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), e Lawrence Summers, o então vice-secretário do Tesouro. A "Time" chamou os três de "o comitê para salvar o mundo", lhes dando o crédito por conduzir o sistema financeiro global em meio a uma crise que parecia assustadora na época, apesar de ter sido apenas um pequeno soluço diante do que estamos enfrentando agora.Todos os homens na capa eram americanos, mas ninguém considerou aquilo estranho. Afinal, em 1999, os Estados Unidos eram os líderes inquestionáveis da resposta global à crise. Aquele papel de liderança era apenas em parte baseado na riqueza americana; também refletia, em um grau importante, a estatura dos Estados Unidos como modelo. O país, todo mundo pensava, era aquele que sabia como conduzir as finanças do modo acertado.Como os tempos mudaram.Não dê atenção ao fato de dois membros do comitê já terem sucumbido à maldição da capa da revista, o colapso da reputação que ocorre com frequência após a adulação pela mídia. (Summers, atualmente o chefe do Conselho Econômico Nacional, ainda permanece firme.) Bem mais importante é quanto nossas alegações de solidez financeira - alegações frequentemente invocadas enquanto admoestávamos outros países quanto à necessidade de mudarem seus modos - provaram ser vazias.De fato, atualmente os Estados Unidos estão se parecendo com o Bernie Madoff das economias: por muitos anos eram vistos com respeito, até mesmo admiração, mas ao final revelaram ser uma fraude.Agora é doloroso ler uma palestra dada por Summers no início de 2000, enquanto a crise econômica dos anos 90 passava. Ao discutir as causas da crise, Summers apontou para as coisas que os países atingidos pela crise careciam - e isto, de modo implícito, os Estados Unidos dispunham. Estas coisas incluíam "bancos bem capitalizados e supervisionados" e auditoria contábil corporativa confiável e transparente. Ai, ai.Um dos analistas citados por Summers naquela palestra, a propósito, foi o economista Simon Johnson. Em um artigo na atual edição da "The Atlantic", Johnson, que atuou como economista-chefe do FMI e atualmente é professor do MIT, declara que as dificuldades atuais americanas "lembram chocantemente" as crises em locais como Rússia e Argentina - incluindo o papel-chave exercido pelos capitalistas que favorecem os amigos.Nos Estados Unidos como no terceiro mundo, ele escreve, "os interesses das elites - financistas, no caso americano- exerceram um papel central na criação da crise, fazendo apostas cada vez maiores, com o apoio implícito do governo, até o colapso inevitável. Mais alarmante, eles agora estão usando sua influência para impedir precisamente as reformas que precisamos, e rápido, para retirar a economia de seu mergulho em parafuso".Não é de se estranhar, então, que um artigo no "Times" de domingo sobre a resposta que o presidente Barack Obama receberá na Europa ter sido intitulado "Capitalismo de Língua Inglesa sob Júdice".Agora, para sermos justos, é preciso dizer que os Estados Unidos não foram nem de longe o único país com bancos enlouquecidos. Muitos líderes europeus ainda estão em negação a respeito dos problemas econômicos e financeiros do continente, que podem ser tão profundos quanto os nossos - apesar das redes de seguro social mais fortes de seus países fazerem com que experimentem bem menos sofrimento humano. Ainda assim, é um fato que a crise custou aos Estados Unidos muito de sua credibilidade, e com ela grande parte de sua capacidade de liderar.E isso é algo muito ruim.Como muitos outros economistas, eu tenho revisitado a Grande Depressão, à procura de lições que possam nos ajudar a não repetir o mesmo. E uma coisa que se destaca na história do início dos anos 30 é a extensão com que a resposta do mundo à crise foi aleijada pela incapacidade de cooperação entre as maiores economias do mundo.Os detalhes de nossa crise atual são muito diferentes, mas a necessidade de cooperação é igual. Obama acertou na semana passada ao declarar: "Todos nós teremos que dar passos visando erguer a economia. Nós não queremos uma situação em que alguns países façam esforços extraordinários e outros países não".Mas esta é exatamente a situação em que estamos. Eu não acredito nem mesmo que os esforços econômicos americanos são adequados, mas são bem maiores do que a maioria dos outros países ricos estão dispostos a realizar. E a cúpula do G20 nesta semana deve ser uma ocasião para Obama repreender e pressionar os líderes europeus, em particular, a empregarem seu peso.Mas atualmente os líderes estrangeiros não estão dispostos a ser admoestados por autoridades americanas, mesmo quando -como neste caso- os americanos estão certos.A crise financeira teve muitos custos. E um deles é o dano à reputação dos Estados Unidos, algo que perdemos quando nós, e o mundo, mais precisamos dela.Tradução: George El Khouri Andolfato




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01/04/2009
O que é grande, barulhento, desnecessário e custa US$ 75
NYT
Anne Applebaum
Agora, uma charada: o que é grande, barulhento, desnecessário e custa US$ 75 milhões? Não, não é um elefante aposentado em um vestido bordado de brilhantes: a resposta é uma cúpula do Grupo dos 20, é claro. Essas reuniões do G20 - primas mais jovens e gordas das igualmente inúteis cúpulas do G7 e do G8 - vêm acontecendo desde 1999 de uma forma meio abaixo do radar, mas ultimamente assumiram uma nova urgência.De fato, a próxima, que se realiza em Londres na quinta-feira, está sendo amplamente considerada a cúpula que vai salvar o sistema econômico internacional, provocar a recuperação do mercado de ações, criar prosperidade duradoura e salvar os políticos presentes dos eleitores irados que protestam lá fora. E tudo isso em um único dia!A verdade, é claro, é que nada que será discutido na cúpula, e nada que será discutido em qualquer das cúpulas seguintes, não poderia ter sido discutido por telefone. Ou por e-mail. Ou em uma teleconferência pelo Skype. Na verdade, um autor britânico sugere que "os líderes mundiais poderiam ter continuado suas platitudes habituais sobre olhar para o futuro e envolver os jovens realizando a coisa toda no Facebook". ... .... .... ..... ....




02/04/2009 - 00h00
Além da recessão, estamos diante de uma crise de civilização
Luiz Inácio Lula da Silva
Le Monde
contrário das crises desses quinze últimos anos - na Ásia, no México ou na Rússia - , a atual tempestade que arrebatou o planeta se originou no centro da economia mundial, nos Estados Unidos. Depois de ter atingido a Europa e o Japão, a crise ameaça os países emergentes que se beneficiavam de um extraordinário crescimento e de um saudável equilíbrio macroeconômico. ... ... ... ...



02/04/2009 - 00h19
Obama e europeus tentam aparar arestas em encontro do G20
Uma das várias missões do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, durante a reunião do G20, nesta quinta-feira, em Londres, será a de dar mostras de coesão entre os americanos e seus aliados europeus.Nas últimas semanas, Estados Unidos e alguns dos países de maior peso na União Europeia vêm expressando divergências em relação às medidas necessárias para conter a crise econômica. Os americanos vêm clamando pela adoção de mais pacotes de estímulo econômico, posição que conta com o apoio do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, e do líder do Japão, o premiê Taro Aso.Mas tanto a Alemanha, da chanceler Angela Merkel, como a França, do presidente Nicolas Sarkozy, são contra a proposta americana.Eles defendem que o caminho para prevenir novas crises seria o de criar um órgão internacional de controle de grandes instituições financeiras, algo a que os americanos se opõem.Linguagem forte Para Johannes Linn, analista do Brookings Institution, alguns líderes europeus chegaram até mesmo a utilizar uma "linguagem carregada", que ele julga similar à do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando este afirmou que a crise foi causada por "brancos de olhos azuis"."Este tipo de linguagem também foi usada por europeus, como o primeiro-ministro checo (Mirek Topolanek, que disse que o plano de estímulo econômico de Obama representava uma 'estrada para o inferno') e Sarkozy, que ameaçou se retirar da conferência se suas reivindicações não forem atendidas." Na visão de Linn, "todos deveriam atenuar sua retórica", porque o tom agressivo não é favorável às negociações e passa a impressão equivocada de que as divergências são mais profundas do que na realidade."As diferenças em relação a possíveis estímulos econômicos talvez não sejam tão grandes, especialmente levando em conta isenções fiscais, ampliação de investimentos e aplicação de seguro-desemprego. São ações que europeus e americanos já tomaram e nas quais não estão assim tão distantes", afirma. Divergências As maiores diferenças, acrescenta, "residem na desigualdade entre os países de superávit - como China, Alemanha e Japão - e os países deficitários - como Estados Unidos e Grã-Bretanha"."Para sanar esse vão, é preciso mais do que a implantação de pacotes de estímulo econômico, mas sim amplos ajustes por todas as partes", diz.O analista também vê descompasso entre uma das prováveis conclusões do encontro do G20: uma injeção de recursos em instituições internacionais, como o Fundo Monetário Internacional, que poderá contar com investimentos de até US$ 500 bilhões.Estados Unidos e europeus vêm solicitando contribuições de todas as nações, inclusive os países emergentes, mas estes, liderados pela China, condicionam a aplicação de recursos no FMI à obtenção de uma voz mais ativa dentro do órgão. "Este é um foco de tensão, porque esta maior participação dos emergentes não será obtida rapidamente. É um processo que ainda deverá tardar de ano e meio a dois anos", afirma.Na opinião do analista, o comunicado final do G20 não será conclusivo, mas deverá buscar um consenso por parte dos diferentes países em áreas que julga cruciais para combater a ampliação da turbulência financeira."É preciso um compromisso de que os pacotes de estímulo tenham um tempo de vida de até dois anos, que haja considerável reforma na regulação do sistema financeiro e que se imponha um limite à adoção de medidas protecionistas. Se, nos próximos meses, houver retrocesso nessas áreas, o G20 perderá sua credibilidade e a economia mundial terá sérios problemas".



Bretton Woods, o G-20 e a reforma do sistema monetário internacional
José Gilberto Scandiucci Filho
03/04/2009
O momento atual, como em 1933, não se caracteriza pela presença de um poder hegemônico claramente definido
"Devemos atribuir grande importância à simultaneidade dos movimentos de aumento dos gastos. A pressão sobre o balanço exterior, que cada país receia ser o resultado do aumento de seus próprios gastos, será anulada se os outros países estiverem adotando a mesma política ao mesmo tempo. A ação isolada pode ser imprudente. A ação geral não traz qualquer perigo... a função desta Conferência, a meu ver, é formular algum tipo de ação conjunta que possa aliviar as ansiedades dos bancos centrais e amenizar a tensão sobre suas reservas... Não podemos, pela ação internacional, fazer os cavalos beberem. Esta é sua função doméstica. Mas podemos fornecer-lhes água".
A passagem acima pareceria extraída de recente pronunciamento de algum chefe de Estado, ou de um artigo de Paul Krugman, ou ainda de especialista do Banco Mundial. Nada disso: foi publicada há 76 anos, em março de 1933, pelo jornal britânico "The Times". Seu autor era o já célebre economista John Maynard Keynes, que fazia alusão à Conferência Econômica Mundial, a se realizar em Londres, em junho-julho daquele ano, para debater a grave crise econômica que então ameaçava a ordem capitalista.
Ontem, também em Londres, os líderes das 20 maiores economias do planeta discutiram propostas para buscar superar as imensas dificuldades financeiras da atualidade. É a maior crise desde a da década de 30 do século passado.
Analistas têm comparado as recentes cúpulas do G-20 com as reuniões que culminaram nos acordos de Bretton Woods (EUA), em 1944, quando foram lançadas as bases do sistema monetário internacional que sustentaria o maior ciclo de crescimento econômico da história do capitalismo. Conseguirão os líderes do G-20 - perguntam alguns - encontrar soluções tão engenhosas e criativas como as de Bretton Woods?
Já se disse que, em história, as analogias mais empobrecem que enriquecem os espíritos. Contudo, se o objetivo é encontrar, no passado, ocasião em que as circunstâncias fossem semelhantes às atuais, seria mais revelador mirar na Conferência de 1933 do que em Bretton Woods - como recentemente sublinhou nosso representante no FMI, Paulo Nogueira Batista Jr.
As condições políticas e econômicas com que deparava o sistema internacional durante as negociações de Bretton Woods mostram-se radicalmente diferentes das do momento contemporâneo. Para começar, as maiores potências do mundo encontravam-se em guerra: os negociadores britânicos e franceses, por exemplo, enfrentavam dificuldades para atravessar o Atlântico com segurança. Naturalmente, os países do Eixo foram alijados do processo negociador.
A guerra, somada à década da Grande Depressão que lhe antecedeu, havia semeado toda sorte imaginável de protecionismo e regionalismo: acordos bilaterais de comércio, quotas de importação, controles de capitais, restrições à conversibilidade, sistemas regionais de compensação cambial. O sistema monetário internacional não estava em crise: simplesmente não havia qualquer sistema. O padrão ouro, após tremendos solavancos nos anos 30, só continuava a ditar a regra em alguns poucos países; a maioria das moedas - incluindo a libra esterlina, regente do sistema monetário internacional entre 1870 e 1914 - era inconversível fora dos domínios coloniais.
Por outro lado, a hegemonia dos Estados Unidos - nos setores industrial, tecnológico, financeiro e militar - era incontestável no mundo capitalista. Situados fora dos territórios destroçados pela guerra e com tardia participação militar, os EUA mais se beneficiaram do que perderam com os conflitos. O presidente Franklin Delano Roosevelt enfrentava com tranquilidade o processo eleitoral marcado para novembro de 1944, no qual seria eleito pela quarta vez consecutiva. O apoio americano tornava-se, portanto, necessário e suficiente para qualquer ação internacional.
Confrontados com esse cenário, os negociadores de Bretton Woods podiam começar algo realmente novo. Enquanto os líderes políticos estavam evidentemente mais preocupados com os conflitos bélicos, um grupo de economistas e técnicos - que vinham trocando documentos desde 1941 - puderam, com relativa autonomia, montar os alicerces do novo sistema internacional, baseados na reciclagem da liquidez internacional e na preservação das paridades cambiais, ainda que sacrificando a livre mobilidade de capitais.
Bem diversa fora a situação em 1933, ano da Conferência Econômica de Londres. A Depressão atingia o seu momento mais grave, mas não havia consenso sobre as medidas a serem tomadas. As autoridades econômicas, embora tivessem, em sua maioria, abandonado a conversibilidade ouro dos ativos monetários, relutavam em partir para medidas protecionistas mais duras. A maioria das vozes clamava pelo retorno do sistema monetário internacional baseado no metal, o que confundia os espíritos.
A Grã-Bretanha, que antes regulava (moral e materialmente) as finanças internacionais, enfrentava sérias dificuldades para manter a conversibilidade da libra esterlina e amargava profunda recessão desde os anos 20. Os Estados Unidos, mais bem posicionados para exercer a liderança do sistema, não demonstravam, pelo perfil introspectivo de seus congressistas, disposição para assumir o papel internacional de estabilizador sistêmico. Roosevelt acabava de ser eleito pela primeira vez e não compareceu à Conferência de Londres, justamente por temer que a coordenação internacional colocasse por terra seus desígnios de reativação econômica. Era a clássica situação de "crise de transição hegemônica".
Nesse ambiente titubeante, a Conferência terminou em fracasso e a Depressão grassou pelos quatro cantos do planeta.
O momento atual, como em 1933, não se caracteriza pela presença de um poder hegemônico claramente definido, com liderança inquestionável (salvo se confirmadas as expectativas mais otimistas com relação ao presidente Obama). A crise apresenta-se como fenômeno demasiado novo para criar consensos. Para piorar, ainda não foram desbaratados os fetiches do modelo anterior, baseados na liberalização financeira.
Mas a analogia deveria terminar aqui. Dispomos, hoje, de ferramentas de administração macroeconômica muito mais modernas do que as da década de 30. Sabemos a nocividade oriunda da falta de disposição em cooperar. E os países em desenvolvimento, que podem oferecer novos enfoques para o debate, conquistaram seu espaço na mesa.
Contamos, portanto, com várias circunstâncias para evitar que 2009 repita 1933.
José Gilberto Scandiucci Filho é diplomata e doutor pelo Instituto de Economia da Unicamp.



Completando a agenda do G-20
Roman Frydman e Michael D. Goldberg
03/04/2009
É preciso, antes de mais nada, reconhecer que os riscos variam junto com os valores dos ativos
O colapso quase total dos sistemas financeiros em todo o mundo expôs fragilidades básicas nas suas arquiteturas e na forma como são regulados. Ao preconizar medidas que "protejam contra risco sistêmico", a cúpula do G-20 iniciou o processo de reconstrução, ao reconhecer que o sistema na sua totalidade, não meramente instituições isoladas, deve ser regulamentado.
Infelizmente, o comunicado do G-20 só oferece mais das mesmas receitas de gerenciamento de risco sistêmico que o Forum de Estabilidade Financeira, o Fed (Banco Central dos EUA) e outros propuseram. Estas propostas se concentraram nos problemas causados por transparência insatisfatória, alavancagem excessiva, instituições financeiras descomunais, paraísos fiscais, incentivos nocivos a dirigentes financeiros e conflitos de interesse de agências de classificação de crédito. Todas são importantes, mas passam ao largo de um ponto fundamental.
Hoje ninguém nega que as quedas acentuadas nos preços das ações e das moradias, que vieram na esteira de altas prolongadas - muito acima dos níveis de referência históricos - ajudaram a desencadear e alimentar a crise. Enquanto essas quedas continuam, existe um perigo de que elas, também, possam se tornar excessivas, arrastando o sistema financeiro e a economia ainda mais para o fundo da crise.
Conter riscos sistêmicos, portanto, requer não só assegurar transparência e administrar a alavancagem no sistema, mas também reconhecer que esses riscos variam junto com valores de ativos. Se as instituições que estiveram pesadamente expostas tivessem entendido isso, teriam elevado seus mecanismos de controle de capital durante a veloz valorização ocorrida nos preços de moradias e ações para se protegerem das inevitáveis reversões. Como já sabemos, porém, elas não entenderam.
Um motivo para esse fracasso é que o primeiro pilar do Acordo de Basileia II, que delineia como bancos em todo o mundo devem avaliar riscos e determinar o tamanho dos mecanismos de controle de capital, não oferece nenhuma margem para flutuações de longo prazo nos mercados de ativos. Em vez disso, ele se apoia em medições de valor em risco (Value-at-risk - VaR) que vinculam risco a noções-padrão de volatilidade de mercado de curto prazo.
O problema aqui é que essas medições pressupõem que o risco cai quando os mercados vão bem: elas demandam menos capital durante períodos tranquilos e mais capital durante períodos voláteis. Na verdade, a premissa é que as perdas de capital são aleatórias, assim que as agudas reversões e perdas que geralmente se seguem após elevações excessivas nos preços são desconsideradas nos cálculos de risco.
Realmente, devido ao fato de as medidas-padrão da probabilidade de calote caírem quando a economia vai bem e aumentarem quando vai mal, as exigências de capital baseadas nessas medidas tendem a ser pró-cíclicas. Isso, porém, aumenta o risco sistêmico, em vez de reduzi-lo.
O G-20 agora recomendou a revisão das normas de Basileia II, para que as exigências de capital se tornem anticíclicas, e a experiência da Espanha com esse tipo de exigências sugere que agir assim representa um passo na direção certa. Mas esses tipos de revisão de Basileia II não são suficientes, pois as carteiras dos bancos - especialmente as dos bancos internacionais com grandes carteiras de instrumentos financeiros - são vulneráveis aos riscos decorrentes das flutuações de longo prazo nos mercados de ativos.
Consequentemente, as medidas anticíclicas não só são necessárias, como também as exigências de capital dos bancos devem variar inversamente com as flutuações de expansão e recessão nos mercados de ativos às quais estão pesadamente expostos. As defesas dos bancos precisam ser reforçadas durante elevações excessivas nos preços dos ativos para que eles possam atravessar as inevitáveis reversões.
A conexão entre risco financeiro e oscilações de preços de ativos surge a partir do uso de uma nova abordagem - a Economia do Conhecimento Imperfeito (IKE, na sigla em inglês) - para entender risco e flutuações em mercados de ativos. Esta abordagem sugere que mais pode ser feito para reduzir risco sistêmico, para além de reformar a maneira como o risco é mensurado e como os mecanismos de controle de capital são determinados.
A IKE admite que, numa escala de variação razoável, o mercado tem desempenho muito melhor (embora não perfeito) na fixação de preços do que os reguladores. Ele também reconhece, porém, que as oscilações de preços podem se tornar exageradas, no sentido de que os participantes podem cotar os preços dos ativos muito acima dos níveis condizentes com seus valores de longo prazo.
A história ensina que esses tipos de oscilações não são sustentáveis e que, quanto mais excessivas se tornam, mais agudas e custosas serão as eventuais reversões - e mais graves as consequências para o sistema financeiro e a economia. A lição desta crise é que oscilações excessivas precisam ser amortecidas com um conjunto de medidas prudentes.
Uma medida prudente é anunciar uma "faixa de orientação" para preços de ativos, com variações projetadas de exigências de margem e capital, não para eliminar, mas para ajudar a amortecer movimentos fora dessas faixas. A principal característica destas medidas é que elas podem ser aplicadas diferentemente, dependendo de um ativo estar superavaliado ou subavaliado em relação à faixa de orientação. Seu objetivo é desestimular operações que distanciem ainda mais os preços da faixa de variação e incentivar operações que ajudem a trazê-los de volta.
O aprimoramento da capacidade dos mercados financeiros de se autocorrigirem para valores sustentáveis é todo o significado da regulamentação prudente. Por outro lado, restrições generalistas sobre vendas a descoberto (e outras medidas semelhantes que não têm nenhuma consideração quanto a um ativo ser superavaliado ou subavaliado) - opção que alguns sugeriram - poderiam efetivamente levar a maior instabilidade. Regras que são benéficas em algumas circunstâncias podem se tornar contraproducentes em outras. Portanto, a ideia de que o que mundo necessita agora é de mais regras fixas não resolverá.
Infelizmente, a teoria econômica contemporânea, com sua presunção de descoberta do preço perfeito em mercados de ativos, tirou o estímulo de economistas e formuladores de políticas públicas prestarem qualquer atenção no papel das oscilações nos preços dos ativos na gestão de risco sistêmico. A crise global atual demonstra que não podemos mais nos permitir ignorar este fator vital.
Roman Frydman é professor de economia na Universidade Nova York.
Michael D. Goldberg é professor de economia na Universidade de New Hampshire. © Project Syndicate/Europe´s World, 2009. http://www.project-syndicate.org/



O capitalismo e as finanças
Antonio Delfim Netto
07/04/2009
O equívoco de diagnóstico e o viés ideológico devem ser evitados neste momento em que se pretende, em rápidas reuniões onde sobra poder e escasseiam ideias, reformar a "arquitetura do capitalismo", como se ele fosse uma coisa e não um processo.
"Capitalismo" é o nome que se dá a uma organização social extremamente adaptativa que o homem descobriu no seu longo caminho desde que algumas famílias, há 200.000 anos, tocadas pela falta de alimentos, deixaram a África. Chegou-se a ela pela seleção histórica dentre as inúmeras formas de organização percorridas pelo homem na sua procura de uma que permitisse acomodar, simultaneamente, a eficácia produtiva e a liberdade individual. Ela tem três características: 1) não é plenamente satisfatória porque, quando deixada a si mesma, o nível de atividade (e, portanto, o nível de produção e do emprego) não é estável e, sendo um mecanismo que explora fortemente a competição, tende a acentuar a desigualdade entre os homens; 2) não é natural, isto é, não tem nada a ver com a "natureza humana" (seja lá o que isso for); e 3) felizmente, não é imortal.
É, portanto, passível de aperfeiçoamentos. A história do século XX mostra um fato trágico. Cada vez que se tentou melhorá-la utilizando as ideias de cérebros peregrinos que imaginaram construir uma "sociedade solidária com um novo homem", a experiência terminou muito mal. Primeiro, perdeu-se a eficácia produtiva. Depois, atribuindo o fracasso à resistência do homem, tomou-se dele a liberdade. O desenrolar dessas experiências foi sempre o mesmo. O poder centralizado que não consegue impor sua "organização" pela resistência dos homens que se recusam a ir ao paraíso, não vê nela suas dificuldades e, logo, exige mais poder para convencê-los. O resultado final foi sempre a ineficiência econômica precedida por um regime de terror político. Hoje a América Latina está no "estado da arte" na generosa busca de novas formas de organização social. Experiências se realizam com os Castros, com Chavez, com Correa e com Morales (e talvez com Lugo). Por que recusar "a priori" a hipótese que talvez um deles passará à história como tendo "descoberto" a "sociedade solidária e construído o novo homem" que o mundo copiará?
Infelizmente, nenhum deles estará no G-20. Logo, este há de contentar-se com projetos menos ambiciosos: consertar os males que a intermediação financeira produziu no sistema produtivo ao qual deveria servir. Desde meados do século XVII é evidente que cada vez que as finanças dominaram a produção, em lugar de servi-la, produziu-se o caos.
O mundo vive hoje uma crise profunda que encerrou um ciclo de rapidíssima expansão. Entre 2003 e 2007 o PIB mundial real cresceu à taxa de 4,6% ao ano (contra 2,9% entre 1990-2002), a taxa de inflação nos países desenvolvidos caiu para 2,0% (contra 2,4% entre 1990-2002) e o volume de comércio cresceu 8% ao ano (contra 6,2% entre 1990-2002). Simplificando ao máximo a origem dessa expansão podemos dizer que ela foi produzida:
1) pela disposição dos EUA de absorver os excedentes produzidos pelo resto do mundo, acumulando, entre 2003 e 2008, um déficit comercial de US$ 4,5 trilhões; 2) pela expansão dos países emergentes beneficiados pelo enorme aumento de preços das matérias primas (alimentos, petróleo) produzido pela desvalorização do dólar (que é a unidade de medida no comércio internacional), pela transformação da China de importante exportadora em substancial importadora daqueles produtos e pelo rápido crescimento da demanda frente a uma oferta relativamente inelástica no curto prazo; e 3) pela criação de enorme liquidez para financiar todo esse movimento através de "inovações" financeiras, supostamente capazes de estimar os "riscos" de qualquer papel e diluí-los em "derivativos". As consequências destas "inovações", no caso de uma quebra abrupta de confiança, nunca despertou o menor interesse nos órgãos supostamente reguladores (Bancos Centrais, agências de risco e auditores privados).
É preciso reconhecer que, enquanto durou, o processo foi imensamente benéfico aos países emergentes. Suas frequentes dificuldades externas foram resolvidas pela expansão dos preços de suas exportações nominadas em dólares desvalorizados, pelo aumento da quantidade exportada e pela baixa taxa de juros incidente sobre suas dívidas externas fixadas em dólares nominalmente constantes. O caso brasileiro é paradigmático. Em 2002 estávamos "quebrados" (fomos ao FMI para não declarar um "default" durante o processo eleitoral). A dívida externa do governo era igual a 22 meses de exportação e as reservas não chegavam a US$ 20 bilhões. Em 2008 a dívida do governo era igual a quanto meses de exportação e tínhamos quase US$ 200 bilhões de reservas!
Foi isso o resultado de um significativo esforço exportador do Brasil? Claramente não, como se vê na tabela ao lado, onde se registra a participação do valor de nossas exportações com relação às exportações mundiais e se compara com a China, onde o esforço foi extraordinário.
Esses números são trágicos: fingimos estar correndo apenas para ficar no mesmo lugar...
Antes de tentar mudar a arquitetura do "capitalismo" é preciso alertar que não se deve confundi-lo com as patifarias do setor financeiro. Estas foram feitas sob o nariz de um Estado omisso e é este que deve ser ativado para o controle mais eficiente das finanças. Ele, entretanto, não deve inibir as "inovações" que foram e são fundamentais para a expansão da economia real. A eficácia da economia de mercado (o capitalismo) continua a mesma e os seus problemas também. Estes não serão resolvidos pelo G-20, mas pela própria evolução histórica...
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras.


Fundos soberanos: rumo aos emergentes?
Por Javier Santiso
06/04/2009
O momento de crise pode acelerar o deslocamento de centros econômicos na direção do Sul
Os fundos soberanos se converteram nas estrelas emergentes do mundo financeiro ao longo dos anos recentes. Ultimamente, o brilho destes astros parece ter se reduzido. A agora real crise financeira que fustiga os países da OCDE está afetando duplamente estas instituições.
A maioria delas, por terem investido nos setores financeiros da City e de Wall Street, durante os anos de 2007 e 2008, enfrenta agora depreciações substanciais nas suas carteiras de renda variável. Foram afetados não só os seus ativos, como também os seus passivos: às perdas somam-se agora receitas menores, os preços do petróleo e das matérias-primas que as irrigam de liquidez desmoronaram desde os picos de meados de 2008. Como se não bastasse, o comércio internacional e as exportações estão se contraindo, afetando também os fundos soberanos asiáticos.
Qual será a direção dos seus investimentos no futuro? Conforme assinalado num estudo publicado no fim de 2008 (Javier Santiso, "Sovereign Development Funds: Key Financial Actors of the Shifting Wealth of Nations" [Fundos Soberanos de Desenvolvimento: Principais Atores Financeiros do Deslocamento da Riqueza das Nações], OECD Development Centre Emerging Markets Network Working Paper, 2008), veremos a combinação de dois movimentos importantes: mais investimentos nas suas bases nacionais e mais investimentos voltados para os países emergentes. Por um lado, os fundos soberanos enfrentam pressões internas para repatriar liquidez rumo às suas bases nacionais e regionais. Por outro lado, eles descobriram com a crise atual, como todos os investidores do mundo, que as equações e regras de investimento mais arraigadas cambalearam ou quebraram com esta crise.
Em especial, a ideia de que investir nos Estados Unidos ou na Europa era sinônimo de investimentos seguros, estáveis ou rentáveis foi desmentida pela crise atual. A Kuwait Investment Authority (KIA), por exemplo, reconheceu prejuízos superiores a US$ 270 milhões decorrentes dos seus investimentos de US$ 3 bilhões no Citibank. Estima-se que no total os fundos soberanos do Golfo podem ter perdido 40% dos seus ativos, em compasso com as desvalorizações de mais de 30% sofridas pelo fundo soberano norueguês. Assim, segundo o Council for Foreign Affairs, o maior fundo soberano do mundo (Adia) pode ter perdido mais de US$ 300 milhões de um total de US$ 800 milhões no começo de 2008. A crise não se limita a dimensões financeiras e econômicas vultosas, como estamos descobrindo dia após dia, ela apresenta também uma dimensão cognitiva que abarca os teoremas mais simples sobre os quais se apoiava a gestão de ativos.
A consequência de tudo isso é que, como temos argumentado, os fundos soberanos estão acelerando o reequilíbrio das suas carteiras na direção dos emergentes. Na esteira das perdas acumuladas nas empresas ocidentais, os fundos do Kuait, Dubai, Qatar e Abu Dhabi estão realizando uma repatriação importante de capitais na direção das bolsas domésticas. O Kuwait Investment Authority (KIA), por exemplo, reinvestiu ao longo de 2008 na bolsa local mais de US$ 4 bilhões, que estavam aplicados em bolsas ocidentais. A Qatar Investment Authority (QIA), por sua vez, iniciou injeções de liquidez nos bancos domésticos de mais de US$ 5 bilhões ao longo do último trimestre de 2008.
Os dados elaborados pela consultoria Monitor Group confirmam esta tendência. No terceiro trimestre de 2008, os últimos dados disponíveis, um total de 46% das transações realizadas por estes fundos ocorreram nas suas bolsas locais. Durante o segundo e terceiro trimestres de 2008, mais de 56% das transações foram efetuadas nos mercados emergentes (US$ 23 bilhões sobre um total de US$ 42 bilhões). As aplicações nos países da OCDE foram reduzidas durante todo o ano de 2008, passando de US$ 37 bilhões no primeiro trimestre para menos de US$ 9 bilhões no segundo e menos de US$ 8 bilhões no terceiro trimestre. O tombo mais extraordinário foi registrado nos Estados Unidos - onde os investimentos passaram de US$ 23 bilhões a apenas US$ 2,5 bilhões entre o primeiro e o terceiro trimestres de 2008.
Na realidade, ao contrário do costumeiramente noticiado pela imprensa e especialistas ocidentais, os investimentos nos países membros da OCDE não dominam a atividade de investimento destes fundos: sobre um total de 1,1 mil transações analisadas desde 2000, a Monitor indica que dois terços delas, representando 40% do total investido durante este período, ocorreu nos mercados emergentes, seja nas suas bases nacionais ou regionais, ou em outras áreas emergentes. A crise atual, que afeta os países desenvolvidos com uma virulência incomum, em vez de inibir, elevará o tropismo do fundo dos fundos soberanos em relação aos emergentes.
Durante 2008, aumentaram as operações de investimento na direção dos emergentes. O fundo soberano de Qatar (QIA) criou fundos em conjunto com as Filipinas (US$ 1 bilhão), Indonésia (US$ 1 bilhão), Líbia (US$ 2 bilhões), Índia (US$ 5 bilhões), Dubai (US$ 1 bilhão) e também Turquia e Vietnã. Estes tipos de acordos estão proliferando, como confirmam o India Oman Special Investment Fund, criado no fim de 2008. A Dubai International Capital (DIC), por sua vez, criou em 2008 um fundo de US$ 1 bilhão para investir na China.
Estes fundos agora começaram a sair das suas regiões tradicionais de investimento, interessando-se até pela América Latina. Assim, o fundo Temasek de Cingapura, investido em quase 80% na Ásia emergente, abriu, também no fim de 2008, escritórios no México e Brasil para fomentar seus investimentos nesta região. Como se não bastasse, fundos soberanos como o QIA, por exemplo, que acaba de criar um fundo de US$ 400 milhões para maximizar as energias renováveis, estão procurando oportunidades em setores como infraestrutura, energia limpa e, de maneira geral, tudo o que estiver vinculado à água, recurso que a América Latina possui em abundância, como atesta a sua farta presença nos setores agroindustriais.
Este apetite poderia favorecer investimentos nos setores em que a América Latina possui fortes complementaridades, como os setores agroindustriais: o Golfo, mas também China e Coreia, que possuem fundos soberanos mas carecem de água, precisam assegurar seu abastecimento em alimentos. Do Peru ao Chile, passando pelo Brasil, Colômbia e Argentina, a região como um todo possui extraordinárias vantagens nestes setores. Algumas empresas agroindustriais, como a brasileira Sadia, são líderes de fato reconhecidos no Golfo. Como se não bastasse, a região também possui campeões como Odebrecht e Cemex, em setores que vão da infraestrutura e serviços à construção, outra grande necessidade em todos os países mencionados. Os campeões dos setores energéticos, como Tenaris, Vale e Petrobras, assim como empresas de ponta em aeronáutica, como a Embraer, também deveriam interessar a esses fundos, na condição de investidores em busca de rendimentos futuros.
As crises incontestavelmente geram destruição de riqueza. Mas são, também, momentos críticos de oportunidades. É possível que o que estamos vivendo no fim acabe acelerando esse deslocamento de centros econômicos na direção do Sul. Em todo caso, caberá a nós vivermos em um mundo no qual as relações entre os países emergentes passarão a cobrar relevância cada vez maior.
Javier Santiso é diretor de desenvolvimento da OCDE.



O Brasil e o G-20
Cristiano Romero
08/04/2009
A principal vitória do Brasil e dos outros países emergentes na reunião de cúpula do G-20 foi a consolidação do grupo como o foro central de deliberação sobre temas econômicos e financeiros internacionais. O G-20, ao contrário do que ocorreu no passado, tomou decisões concretas, demarcando sua importância para o mundo num momento de crise aguda. Trata-se de um foro muito diferente daquele criado há dez anos, sob a inspiração e a liderança do então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton.
O G-20 original foi criado na esteira das crises asiática, russa e brasileira, com o propósito de dar lições aos países emergentes para que eles não entrassem novamente em enrascadas financeiras. Realizadas no nível dos ministros das Finanças, as reuniões eram sonolentas e improdutivas. Os países ricos fingiam que ensinavam alguma coisa e os emergentes fingiam que aprendiam. O resultado prático era algo próximo de zero.
Nos anos seguintes ao de criação do G-20, nações emergentes adotaram suas próprias estratégias para enfrentar possíveis crises. Puseram em prática políticas de austeridade fiscal, controlaram a inflação, estimularam exportações e acumularam reservas cambiais. Na prática, procuraram se ver livres das vulnerabilidades que fizeram suas economias irem a pique nos anos 90. No ano passado, com a falência do banco americano Lehman Brothers, o jogo mudou radicalmente. Dessa vez, não foram os países emergentes que se enroscaram numa crise financeira, mas as economias centrais do capitalismo.
Antes mesmo do início da fase mais aguda da crise atual, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, percebeu que o foro foi posto em situação marginal no processo decisório internacional. O ministro, e esse mérito deve ser creditado a ele, iniciou um esforço pessoal para mudar a natureza do G-20. Sua primeira tentativa fracassou - Mantega propôs a seus colegas, em meados do ano passado, que o G-20 realizasse uma reunião extraordinária para debater a crise dos preços dos alimentos e de energia.
O mundo precisou sentir o abalo do setembro negro de 2008 para que os líderes dos países mais ricos se sensibilizassem. Eles perceberam que, sem coordenação com os países emergentes, seria muito mais difícil sair desta crise. Em outubro, Mantega presidiu a reunião à qual o então presidente dos Estados Unidos George W. Bush decidiu comparecer, em Washington, mostrando à opinião pública internacional que, dali em diante, o G-20 passaria a ser um foro relevante.
Naquele encontro, Mantega criticou a falta de flexibilidade da organização, propôs a realização de mais encontros ministeriais e, o mais importante, defendeu que o foro passasse a ter reuniões de cúpula para, assim, exercer plenamente seu papel. A proposição foi aceita e, no mês seguinte, realizou-se, novamente em Washington, o primeiro foro de líderes do G-20, que, por sua vez, agendou o encontro de Londres, ocorrido semana passada. O esforço do ministro deu certo - só se consolida um grupo dessa natureza se ele se estabelece como parte do calendário das lideranças mundiais.
Na cúpula de Londres, a delegação brasileira trabalhou para que a próxima reunião de líderes constasse do comunicado, o que efetivamente aconteceu, embora sem a fixação de uma data - acertou-se apenas que ocorrerá antes do fim do ano. A questão agora é decidir o local. Como a primeira cúpula se deu nas Américas e a segunda na Europa, há um clamor para que a próxima seja realizada na Ásia (possivelmente, no Japão) ou na Oceania (Austrália).
Esta não é, definitivamente, uma luta vencida. Há no G-8, o grupo dos sete mais ricos acrescido da Rússia, países que se sentem mais confortáveis com o formato mais restrito. Daí, o interesse do Brasil em institucionalizar o G-20 no curto prazo. Reuniões bem-sucedidas como a de Londres cumprem esse papel, mas há desafios.
Houve avanços nos quatro principais temas da reunião do G-20 em Londres - incentivos econômicos para enfrentar a crise; fluxos financeiros para países emergentes e em desenvolvimento; regulação e supervisão do sistema financeiro; e reforma da governança mundial. Foi no quarto tema, no entanto, onde o ceticismo deu lugar a decisões concretas.
Consolidou-se, por exemplo, a data de abril de 2010 para a conclusão da reforma de voz e representação dos países no Banco Mundial, um objetivo pelo qual o Brasil sempre se bateu. Definiu-se janeiro de 2011 como o prazo limite para a conclusão da revisão de cotas, capital e voz no Fundo Monetário Internacional (FMI), outro objetivo perseguido desde sempre pelos brasileiros. Ampliou-se o "Financial Stability Forum", agora rebatizado para "board" (diretoria), com a inclusão de todos os integrantes do G-20, além da Espanha. O FSB, sua nova sigla, vai monitorar a economia mundial e recomendar medidas para enfrentar desequilíbrios.
Foram ampliados também o Comitê de Basiléia de Supervisão Bancária, do qual o Brasil passou a fazer parte, e o Comitê Técnico da Iosco, entidade que reúne os reguladores dos mercados de ações e títulos. Isto, sem falar no fortalecimento financeiro do FMI, uma medida importantíssima neste momento de crise de liquidez em vários países e mercados. Todas essas mudanças ocorreram tendo como referência temporal a reunião de cúpula do G-20, que, com isso, tende a se institucionalizar.
O dia em que o Brasil disse não ao FMI
Na véspera da decisão do governo mexicano de recorrer ao FMI, o governo brasileiro foi procurado por autoridades americanas, do Fundo e do México. Elas tentaram persuadir o presidente Lula a também recorrer à nova linha de financiamento do FMI, mais flexível e sem as inúmeras condicionalidades do passado. A ideia era mostrar que o país que buscasse a nova modalidade de crédito não seria ser malvisto pelo mercado. Lula rejeitou a "oferta". No passado, quem se fez de rogado à sedução (para usar a CCL, linha de crédito contingente) foi o México...
Cristiano Romero é repórter especial em Brasília e escreve às quartas-feiras




G-2, depois do G-20
Martin Wolf
08/04/2009
A China precisa compreender um aspecto fundamental: o mundo não pode absorver seus superávits em conta corrente
Terá o encontro do Grupo dos Vinte (G-20) em Londres, na semana passada, colocado a economia mundial no rumo de uma recuperação sustentável? A resposta é "não". Essas reuniões não podem solucionar desacordos fundamentais sobre o que deu errado e como fazer o conserto. Em consequência, o mundo está no caminho rumo a uma recuperação insustentável, como argumentei na semana passada. Uma recuperação insustentável pode ser melhor do que nada, mas não é suficientemente boa.
Essa cúpula teve duas conquistas: uma ampla e outra específica.
Em primeiro lugar, "bater boca é melhor do que guerrear", como observou Winston Churchill. Dada a intensidade da ira e do medo à solta no mundo, as próprias discussões são, necessariamente, um fato positivo.
Em segundo lugar, o G-20 decidiu triplicar os recursos à disposição do FMI, para US$ 750 bilhões, e apoiar uma alocação de US$ 250 bilhões de Direitos Especiais de Saque (SDRs, na sigla em inglês) - o ativo de reserva do FMI. Se implementadas, essas decisões deverão ajudar as economias emergentes mais adversamente impactadas pela crise. As decisões também assinalam um retorno a um grande debate: o funcionamento do sistema monetário internacional.
Esse é o aspecto que passará desapercebido a incontáveis leitores. É fácil, para a maioria das pessoas, crer que a explicação para a crise é unicamente a desregulamentação e as distorções nos sistemas financeiros americano, britânico e de mais alguns países. Entretanto, dada a escala do desequilíbrio macroeconômico mundial, não é, absolutamente, evidente que apenas padrões regulamentadores superiores teriam salvado o mundo.
Essa não é uma questão de interesse unicamente histórico. É também relevante para a sustentabilidade da recuperação. Os déficits fiscais estão, atualmente, de modo geral, bem maiores em países com déficits estruturais em conta corrente do que nos superavitários. Isso se deve ao fato de os superavitários poderem importar uma parte substancial do estímulo implementado pelos deficitários. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevê, para um período de três anos, um salto na dívida pública americana de quase 40% do PIB. É bastante provável, portanto, que a próxima crise venha a ser disparada pelo que os mercados veem como excessiva dívida fiscal em países com grandes déficits estruturais em conta corrente, especialmente os EUA. Se assim for, este poderá revelar-se um momento crítico para o sistema econômico internacional.
Curiosamente, o país que está levantando essas grandes questões é a China. Isso se deve, não restam dúvidas, a razões de autointeresse: a China está preocupada com o valor de suas reservas em moeda estrangeira, a maior parte das quais está denominada em dólares americanos; os chineses querem se distanciar da culpa pela crise; o país deseja preservar tanto de seu modelo de desenvolvimento quanto possível; e está, em minha opinião, procurando contrapor-se às pressões americanas contra o câmbio do yuan.
Wen Jiabao, o primeiro-ministro chinês, apontou a preocupação de seu país quanto ao valor de suas gigantescas reservas, perto de US$ 2 trilhões - seu montante é de quase metade do PIB de 2008. Imagine o que diriam os americanos se seu governo tivesse investido cerca de US$ 7 trilhões (o equivalente em relação ao PIB americano) em dívida de governos não inteiramente amistosos. O governo chinês está começando a dar-se conta de seu erro - tarde demais, lamentavelmente.
Por outro lado, o presidente do Banco do Povo da China, Zhou Xiaochuan, produziu uma notável série de discursos e documentos sobre o sistema financeiro mundial, sobre desequilíbrios mundiais e sobre reforma do sistema monetário internacional. Ambos são um posicionamento sobre o ponto de vista chinês e uma contribuição para o debate mundial. Podemos não concordar com tudo o que ele está dizendo. Mas o fato de ele estar se manifestando é, em si mesmo, relevante.
Zhou argumenta que a elevada taxa de poupança da China e de outros países do Leste Asiático é um reflexo de tradição, cultura, estrutura familiar, demografia e estágio de desenvolvimento econômico. Além disso, acrescenta ele, tudo isso "não pode ser ajustado simplesmente mudando a taxa de câmbio nominal". Além disso também, insiste ele, "a elevada proporção de poupança e as grandes reservas em moeda estrangeira nos países do Leste Asiático são um resultado de reações defensivas contra especulação predatória", ocorrida especialmente durante a crise financeira asiática em 1997-98.
Nada disso pode ser modificado rapidamente, insiste o presidente do Banco Central: "embora os EUA não possam sustentar o padrão de crescimento de consumo elevado e baixa poupança, agora não é o momento certo para elevar sua taxa de poupança". Em outras palavras, dê-nos frugalidade americana, porém não já. Por outro lado, acrescenta o presidente, o governo chinês produziu um dos maiores pacotes de estímulo no mundo inteiro.
Além disso, os enormes acúmulos de reservas em moeda estrangeira, que cresceram US$ 5,4 trilhões entre janeiro de 1999 e seu pico em julho de 2008, refletem a busca das economias emergentes por segurança. Mas, como o dólar americano é o principal ativo de reserva mundial, o mundo depende das emissões monetárias americanas. Além disso, e por essa razão, os EUA tendem a registrar déficits em conta corrente. O resultado tem sido a ressurgência de uma fragilidade discutida nos anos de ocaso do sistema de câmbios fixos de Bretton Woods, que sofreu seu colapso no início da década de 70: excesso de emissões da moeda principal. A solução de longo prazo, acrescenta ele, é uma "moeda de reserva supersoberana".
É fácil contestar muitos desses argumentos. Grande parte do extraordinário aumento da poupança agregada chinesa é resultado de crescente lucratividade empresarial. Seria certamente possível tributar e então gastar uma parte dessa enorme poupança empresarial. O governo poderia também tomar mais recursos de empréstimo: a 3,6% do PIB previstos pelo FMI para este ano, seu déficit permanece decididamente modesto. É também difícil acreditar que um país como a China deva poupar metade de seu PIB ou incorrer em superávits em conta corrente da ordem de 10% de seu PIB.
Analogamente, embora o sistema monetário internacional seja efetivamente falho, essa é dificilmente a única razão para o vasto acúmulo mundial de reservas em moeda estrangeira. Outra é a dependência excessiva em crescimento puxado por exportações. Apesar disso, o presidente Zhou está correto em que parte da solução de longo prazo para a crise é a criação de um sistema de reservas que permita às economias emergentes incorrer com segurança em déficits em conta corrente. A emissão dos SDRs é uma maneira de alcançar esse objetivo, sem mudar o caráter fundamental do sistema mundial.
A China está buscando dialogar com os EUA. Isso é, em si mesmo, enormemente importante. Por mais autointeressada que seja sua motivação, essa é condição necessária para discussão séria sobre reformas mundiais. Mas a China também precisa compreender um aspecto fundamental: o mundo não pode absorver com segurança os superávits em conta corrente que o país provavelmente gerará em sua atual trilha de desenvolvimento. Um país tão grande quanto a China não pode se apoiar na dependência em relação a tão grandes superávits em conta corrente como fonte de demanda. Permanece a necessidade de que os gastos na esfera doméstica cresçam, forte e sustentadamente, em relação ao crescimento da produção potencial. E isso é, ao mesmo tempo, simples - e difícil.
Martin Wolf é colunista do "Financial Times".



Obama: o homem certo no momento errado
Gideon Rachman
09/04/2009
Todos querem acreditar que os líderes mundiais, encorajados pelo presidente dos EUA, podem corrigir a economia
E assim foi que Barack Hussein Obama visitou a Europa. Em Londres, ele socorreu a economia mundial. Em Estrasburgo, ele curou a aliança da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Em Praga, ele livrou o mundo das armas nucleares. Em Ancara, ele reconciliou o Islã com o Ocidente. E no sétimo dia, ele voltou ao Air Force One e desapareceu num céu sem nuvens.
Foi, tudo isso, um sonho? Receio que sim.
Em muitos níveis, a primeira viagem do novo presidente americano à Europa foi, de fato, um triunfo. Obama foi articulado, ambicioso e charmoso. Seu estilo pessoal tem um toque de imperador e um toque de estrela do rock -, mas com uma atraente humildade comum a nenhuma das profissões.
Embora sua maneira de se conduzir tenha sido descontraída, Obama também exibiu a todo momento um instinto para ação ousada que parece fora do alcance dos líderes europeus com os quais esteve. Ele quer abolir as armas nucleares, dar um choque na economia mundial para trazê-la de volta à recuperação e redobrar os esforços para vencer a guerra no Afeganistão.
Por isso, Obama marcou muitos pontos em termos de estilo e de ambição durante seu tour europeu. Mas, poderá ele cumprir concretamente o prometido? Aqui, o veredito é, necessariamente, muito mais duvidoso - por razões da situação que herdou, e não por quaisquer deficiências do novo presidente.
Essa disparidade entre ambição e realidade ficou evidente em cada fase da Odisseia de Barack Obama pela Europa. O resultado da cúpula do G-20 em Londres foi saudada com uma grande salto dos mercados. Todos querem acreditar que os líderes mundiais, encorajados por Obama, podem corrigir a economia mundial.
Mas o comunicado do G-20 merece ser tratado com considerável ceticismo. Ele pouco contribui no sentido de atacar as crises no sistema bancário e nos mercados de crédito. E a história sugere que os resultados desses grandes encontros de cúpula mundiais são com excessiva frequência ignorados. Os mesmos líderes prometeram evitar protecionismo, na primeira cúpula do G-20 em Washington no ano passado. Mas, desde então, a maior parte dos países envolvidos aprovaram medidas protecionistas.
As promessas grandiosas no sentido de aumentar a ajuda para desenvolvimento feitas pelo G-8 há três anos também foram discretamente renegadas. Os comunicados produzidos por cúpulas mundiais não têm força legal - nem muito peso político.
Os resultados da cúpula da Otan em Estrasburgo também foram decepcionantes. Os membros europeus da aliança reuniram outros aproximadamente cinco mil soldados para a guerra no Afeganistão. Mas três mil destes serão enviados apenas temporariamente para proporcionar segurança durante as eleições afegãs, que acontecerão em agosto. Os Estados Unidos, em contraste, estão enviando outros 21 mil soldados para combater os talebãs e a Al-Qaeda. O resultado é que a guerra no Afeganistão será cada vez mais liderada e combatida pelos americanos.
Obama não estava inclinado a enfatizar esse ponto, em seus comentários finais após a cúpula de Estrasburgo. Como pode ser o caso em relação à guerra no próprio Afeganistão, a estratégia de Obama para a Otan parece ser declarar vitória e seguir em frente. Mas é difícil argumentar que a aliança ocidental está em melhor forma, após o encontro de cúpula desta semana.
O discurso do presidente em Praga reavivou a inspiradora visão de um mundo livre da ameaça nuclear. O discurso aconteceu contra o pano de fundo do teste de um míssil norte-coreano - um evento que, simultaneamente, salientou e minou os pontos que Obama estava tentando enfatizar.
Por um lado, o lançamento de um foguete norte-coreano foi um nítido exemplo da urgência do desarmamento nuclear - um assunto que ficou fora de moda desde o fim da Guerra Fria. Por outro lado, o teste demonstrou que existem importantes atores, nesse drama, impermeáveis ao estilo frio, racional e conciliador adotado por Obama.
O mesmo problema surgiu no trecho turco da turnê. Desde que ganhou a eleição, Obama vem contemplando pronunciar um grande discurso dirigido ao mundo islâmico. Seus assessores vinham ponderando até que ponto ele pode, ou deveria, ao desculpar-se por ações americanas anteriores no Oriente Médio - por exemplo, o papel dos EUA no golpe de 1953, que depôs um governo democraticamente eleito no Irã.
No fim das contas, o discurso de Obama perante o Parlamento turco conteve apenas uma curta, ainda que eloquente, passagem sobre o Islã e o Ocidente. A maioria de suas palavras foram dirigidas diretamente ao próprios turcos, quando o presidente tentou fortalecer uma aliança americana crucial que está em muito má forma.
O discurso parece ter sido bem recebido. Mas tanto estrago já foi feito pela guerra do Iraque, pelos anos George Bush e pelo azedamento da relação da Turquia com a União Europeia, que Obama está diante de uma tarefa gigantesca. Uma pesquisa de opinião para o German Marshall Fund, no ano passado, mostrou que apenas 8% dos turcos são favoráveis à liderança americana em assuntos mundiais.
Quando Obama conquistou a presidência, "The Onion", uma revista satírica, cumprimentou sua vitória com o título: "Negro tem o pior emprego no país". Acompanhando o progresso de Obama pela Europa, nesta semana, essa parece uma síntese razoável da situação.
O novo presidente dos Estados Unidos enfrenta uma catástrofe econômica em casa, um impasse na guerra no Afeganistão, adversários imprevisíveis em lugares como a Coreia do Norte e, em grande parte, aliados inúteis na Europa. Nesta semana, Barack Obama consolidou a impressão de que é um político excepcionalmente talentoso e inteligente. Mas isso não significa que terá êxito. Pode ser apenas que ele é o homem certo no momento errado.
Gideon Rachman é colunista do "Financial Times".


Como será o novo FMI?
Por Raquel Landim, de São Paulo
09/04/2009
AP
A conferência de Bretton Woods, em 1944: FMI está sendo obrigado a mudanças que podem levá-lo mais perto de suas origens keynesianas
Durante a conferência de Bretton Woods em 1944, que estabeleceu a nova arquitetura financeira global no pós-guerra, o negociador-chefe do Reino Unido, John Maynard Keynes, estava cada vez mais frustrado com a arrogância dos americanos liderados por Harry Dextler White. Uma anedota da época conta que, para confortá-lo, o embaixador britânico Lord Halifax disse: "Os americanos podem ter as bolsas de dinheiro, mas nós temos todo o cérebro."
De nada adiantou a pretensa superioridade intelectual inglesa, pois o Fundo Monetário Internacional (FMI) nasceu como desejava White. Prevaleceu a posição dos Estados Unidos de uma instituição menor que aplicaria seus recursos seletivamente. Também venceu a ideia de utilizar as moedas nacionais nos empréstimos, principalmente o dólar, em vez de um novo ativo proposto por Keynes, o "bancor".
AP
A conferência de Bretton Woods, em 1944: FMI está sendo obrigado a mudanças que podem levá-lo mais perto de suas origens keynesianas
O FMI adotou como mandamento a defesa de White aos preços estáveis e à política monetária disciplinada. Com o passar do tempo, tornou-se ainda mais conservador que seu mentor, pois White compartilhava com Keynes a crença em políticas anticíclicas para manter o nível de emprego na crise. Mas essa configuração está se modificando. Passados 65 anos de sua criação, o fundo é obrigado pela mais grave crise econômica desde a Grande Depressão na década de 30 a mudanças que podem levá-lo mais perto de suas origens keynesianas.
A reunião de primavera do FMI, nos dias 24 e 25 em Washington, promete ser um bom teste para sua suposta guinada heterodoxa, pois ainda há muitas questões em aberto. De onde virá o dinheiro para reforçar o seu caixa? Em vez de cobrar austeridade fiscal, o fundo será capaz de incentivar gastos? O FMI vai efetivamente atuar como regulador e supervisor do sistema financeiro? Os emergentes realmente terão mais poder na instituição? "Se até o fim do mês não tiver nada concreto, podemos colocar as barbas de molho", diz Rubens Ricupero, ex-secretário geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad).
AP
A conferência de Bretton Woods, em 1944: FMI está sendo obrigado a mudanças que podem levá-lo mais perto de suas origens keynesianas
Após o encontro do G-20, grupo que reúne as maiores economias do mundo, em Londres na semana passada, o diretor-gerente Dominique Strauss-Khan comemorou: "O FMI está de volta." Não restam dúvidas de que ele está certo. A crise recolocou o fundo no centro da cena internacional depois de um período de duras críticas, corte de gastos e até de objeções à sua existência. Os líderes mundiais prometeram triplicar o caixa do FMI para US$ 750 bilhões e autorizaram mais US$ 250 bilhões em Direito Especial de Saque (DES), uma espécie de moeda da instituição.
Foi a principal decisão da reunião do G-20 e o único tema sobre o qual foi possível chegar a um consenso. Os países emergentes, como China e Brasil, se comprometeram a colocar dinheiro no fundo (embora ainda não tenham especificado valores), mesmo antes de ser atendido seu pleito de maior poder e participação na instituição. Para essas nações, é muito importante restabelecer os fluxos de capital no mundo, e essas mudanças institucionais levam tempo. Foi estabelecido o prazo de janeiro de 2011 para a conclusão da reforma das cotas do FMI. Os emergentes reclamam, com razão, de que estão sub-representados. A China, por exemplo, possui a mesma fatia da pequenina Bélgica.
O FMI também ganhou múltiplos papéis no combate à crise. O G-20 solicitou que a instituição monitore a implementação das políticas fiscais adotadas pelos países; que emita alertas prévios contra novas turbulências (em conjunto com o Fórum de Estabilidade Financeira); e seja parceiro dos países na discussão sobre quais políticas devem ser adotadas. Além, é claro, de utilizar seus recursos para aumentar a liquidez mundial e para ajudar os países emergentes afetados pela crise, especialmente os de menor desenvolvimento relativo.
A "ressurreição" do FMI já havia começado um pouco antes da reunião do G-20, quando nações como Hungria, Ucrânia, Paquistão e Islândia recorreram ao fundo em busca de uma ajuda de emergência para equilibrar sua balança de pagamentos. Fazia tempo que o fundo não tinha tantos clientes. No período pré-crise de abundância de capital e fluidez do crédito, os países em desenvolvimento fizeram reformas, acumularam reservas e deixaram o FMI às moscas. Além disso, a instituição ainda luta contra um forte estigma. Os países evitam recorrer ao fundo a todo custo, pois aceitar suas pesadas condicionalidades envia ao mercado o sinal de estar à beira da bancarrota.
Nas crises da Ásia e da América Latina na década de 90, o FMI recebeu reprimendas de economistas das mais diversas correntes por causa da insistência em recomendar mais privações - como taxas de juros elevadas e rígidos cortes de gastos - a países que já estavam doentes. Para o professor da Universidade de São Paulo Dante Aldrighi, a crise atual impôs mudanças ao fundo, pois não faz sentido pedir sacrifícios às nações pobres enquanto os Estados Unidos jogam dinheiro de helicóptero para recuperar seu mercado. "A crise financeira provocou a revisão de algumas convicções do pensamento ortodoxo", afirma.
O FMI fez o seu dever de casa ao dobrar os limites para os empréstimos sem condicionalidades e flexibilizar significativamente seus critérios. O objetivo do fundo agora é focar na qualificação dos países antes da tomada do crédito, em vez de impor metas de política econômica. Foi criada uma nova linha de crédito flexível, que prevê empréstimos significativos, de longo prazo e sem limites de renovação, liberados logo após sua aprovação, para países com fundamentos econômicos sólidos e políticas fiscais e monetárias consistentes. Para os países que não se encaixarem nesse critério, também foram relaxadas as regras para os tradicionais empréstimos de stand-by.
Afastado do fundo desde 1995, o México surpreendeu o mundo ao revelar que havia pleiteado um crédito de US$ 47 bilhões no FMI por meio da nova linha de condições flexíveis para combater os efeitos da crise internacional. Ao invés de provocar alarme, a notícia animou os mercados, e o peso mexicano valorizou-se. Um resultado e tanto para o fundo, que espera que o exemplo do México estimule outros países a bater à sua porta antes que a sua situação econômica esteja à beira da catástrofe.
Segundo Paulo Nogueira Batista, diretor-executivo do FMI pelo Brasil e mais oito países da América Latina e do Caribe, o governo brasileiro teve papel importante nessa mudança, pois foi o primeiro a propor a flexibilização dos critérios de empréstimos. Ele garante que não existem mais nas regras exigências como adoção de câmbio flutuante, metas de inflação e de superávit primário, mas admite que vai ser preciso supervisionar de perto se as intenções do fundo se transformarão em realidade. "Fizemos dois gols, mas ainda podemos tomar uma bola nas costas e perder a partida", diz.
Há muitas dúvidas entre os especialistas se o FMI vai realmente mudar sua cultura, abandonar as antigas receitas e conceder empréstimos para os países gastarem na reativação de suas economias em vez de economizar para o pagamento de dívidas. Na reunião do G-20, o primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown, declarou que o Consenso de Washington acabou - o conjunto de regras que conduziu a política do FMI para a América Latina.
Martin Feldstein, presidente do prestigiado Escritório Nacional de Pesquisa Econômica (NBER) e professor de Harvard, diz acreditar que o FMI vai seguir recomendando aos países princípios do consenso como livre comércio e câmbio flutuante. Ele está cético sobre o novo papel do fundo e recorda que não ficou claro se a instituição vai receber todo o dinheiro que foi prometido, já que, por enquanto, estão garantidos apenas US$ 100 bilhões do Japão e US$ 100 bilhões da União Europeia. Também duvida que o FMI vá funcionar como um fiscal eficiente se os países não tomarem as medidas necessárias para sair da crise. "Eles não estão realmente dispostos a disciplinar grandes países como os Estados Unidos", diz ao Valor.
Para Ronald McKinnon, professor da Universidade de Stanford, o Consenso de Washington só pode ser considerado passado no que diz respeito à defesa de regulação mínima dos mercados financeiros e do fluxo de capitais. Ele diz acreditar que não haverá mudança nos princípios envolvidos no comércio de bens e serviços. McKinnon defende que a austeridade tradicional do FMI era adequada quando países individualmente estavam com problemas, mas, no momento de uma recessão global, políticas expansionistas generalizadas são justificáveis.
Com diversos acordos de livre comércio, inflação baixa, contas em ordem e câmbio flutuante, o México é um excelente aluno da antiga receita do FMI e um dos melhores exemplos de países que seguiram o Consenso de Washington. Portanto, não é nenhum trauma para os burocratas do fundo aprovarem uma linha de crédito sem condicionalidades para os mexicanos. Mas o que pode ocorrer se a Argentina, que deu o calote nos seus credores, ou a Venezuela, que controla importações e câmbio, recorrerem ao FMI? "São países com políticas heterodoxas populistas, que possuem inflação alta e contas desequilibradas. Se o FMI for socorrê-los, vai ser pelas condições tradicionais", observa Simão David Silber, professor da USP.
Kenneth Rogoff, professor de Harvard e ex-economista-chefe do FMI, avalia que o motivo determinante do fortalecimento do fundo foi a necessidade dos países ricos de transferir recursos para as nações emergentes atingidas pela crise. O temor de Estados Unidos e União Europeia é que a quebradeira desses países provoque uma nova onda de turbulência global. É o caso do México, vizinho e um dos principais parceiros dos EUA, mas principalmente do Leste Europeu. "Eles não conseguiram pensar em um sistema alternativo para o salvar a Europa Orienal", afirma Rogoff ao Valor.
A União Europeia não possui os mecanismos e a expertise para socorrer essas economias em transição do comunismo para o capitalismo. Uma crise de grandes proporções no Leste Europeu pode ter consequências econômicas e políticas significativas para todo o continente. Japão e China também aceitaram participar do esforço para capitalizar o FMI, porque estão preocupados com a situação de países na Ásia. Na América Latina, o Brasil está em melhores condições que muitos de seus vizinhos.
Outro temor de Rogoff é com a sustentabilidade das "dramáticas" mudanças que o fundo promoveu em seus critérios de financiamento. O economista questiona o que pode ocorrer se os países que receberam montanhas de recursos do fundo para enfrentar a crise simplesmente não se recuperarem. "Se a confiança dos mercados não for reconstruída, o que acontece depois? Parece que os líderes mundiais apenas jogaram o problema para a frente."
Uma das principais críticas de diversos especialistas é que prevaleceu entre os líderes mundiais na reunião do G-20 a percepção equivocada de que era preciso apenas resolver os problemas dos países em desenvolvimento. Praticamente nada foi feito até agora para promover mudanças significativas na regulação do mercado financeiro global, especialmente nos países ricos onde a crise nasceu. Há muitas dúvidas sobre se o FMI pode desempenhar esse papel. "Em princípio, o fundo pode fazer isso, mas não tem a expertise suficiente. Seria preciso contratar uma equipe completa de novos funcionários", diz Rogoff.
Sob os auspícios de um FMI fortalecido e com um novo papel na governança global, os líderes mundiais foram bem-sucedidos em sua ofensiva de relações públicas e uma onda de otimismo se espalhou após a reunião do G-20, culminando em um rally dos mercados de ações. O problema é que se as promessas em relação ao fundo não começarem rapidamente a se transformar em realidade, tudo pode cair em descrédito. Com a crise, o keynesianismo e sua receita de estimular gastos públicos estão nos planos de todos os países, com mais (americanos) ou menos (europeus) ênfase. Mas, quando se refere ao FMI, é bem provável que mesmo depois dessa crise White continue vencendo a batalha contra Keynes.
O presidente do Banco Central chinês, Zhou Xiaochuan, revelou recentemente suas preocupações sobre a utilização do dólar como moeda de reserva internacional e sugeriu a adoção dos Direitos Especiais de Saque (DES) do FMI como alternativa, mas sua proposta tem pouquíssimas chances de ir para a frente. E ninguém chega a cogitar a criação de um dinheiro internacionalizado como o "bancor" de Keynes. Ronald McKinnon reconhece que a expansão fiscal está na ordem do dia, mas diz que isso vem sendo feito sem radicalismos, por meio da expansão do poder de empréstimo do FMI através da contribuições dos países membros - exatamente como previa o plano de White.




GROUP OF 20
G20 aid pledges must be more than just hot air
Promises of action are only worthwhile when they affect the domestic policy debate of members
- Apr 5 2009
G20 pledge on SDRs unlikely to threaten dollar
Experts say a single creation of SDRs, worth $250bn, is a long way from a fundamental remaking of the worldwide economic order
- Apr 5 2009
China greets G20 results with caution
Chinese officials listed a number of their achievements from the London summit, at the same time acknowledging that some of their main priorities were not addressed
- Apr 4 2009
Swiss counters impact of tax haven listing
Switzerland’s finance ministry says ‘the list does not specify the criteria on the basis of which it was drawn up’. OECD insists the country has not been stigmatised as a tax haven
- Apr 4 2009
G20 takes a large leaf out of Bretton Woods
The lasting lesson of this G20 is that emerging markets are ever more important, says John Authers
- Apr 3 2009
G20 leaders hail crisis fightback
World leaders heralded the G20 summit as the day the world ‘fought back against the recession’ as they put on a show of unity that lifted global markets and mapped out a new future for financial regulation
- Apr 3 2009





G20: Do what we say, not what we do
The G20 finance ministers may have yet again reaffirmed their opposition to protectionism, but there's plenty of it around, warns Sean O'Grady
Tuesday, 17 March 2009
Having packed their bags and left Horsham, the finance ministers of the G20 – and indeed their political chiefs planning to meet for the main summit at Downing Street on 2 April – might want to plan a trip to Quito, capital of Ecuador, where they can witness a remarkable protectionist experiment at first hand.
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Though the country's economy ranks only 67th in the world (Brazil, Mexico and Argentina represent the Latin interest at G20 gatherings), Ecuador leads the world in production of tariffs and quotas. The slogan "Ecuador First" has appeared everywhere, and Ecuador's new trade barriers cover 627 different goods – affecting everything from Peruvian shampoo to Chilean grapes and US-made trainers.
The policy may be populist, but it hasn't done the population much good. It has hurt Ecuador's neighbours and made Ecuadoreans themselves poorer: it has not protected Ecuador from the world recession.
No other nation may have reacted to the economic crisis with such naked defiance as Ecuador – but she is hardly alone. Researchers at the World Bank say that, since the last G20 leaders' summit in Washington, several countries, including 17 of the G20, have implemented 47 major measures whose effect is "to restrict trade at the expense of other countries". Of the G20 group, only Japan, Saudi Arabia and South Africa were given a clean bill of heath.
More broadly, World Bank officials have identified 78 often inventive actions in restraint of trade. They include: Russia's increased tariffs on used cars; the European Union reintroducing export subsidies for butter, cheese and milk powder; Argentina's imposition of non-automatic licensing requirements on auto parts, textiles, TVs, toys, shoes, and leather goods; Indonesia's requirement that five categories of goods (including clothes, footwear, toys, electronics, food and drink) would be permitted through only five ports and airports.
In some countries, tightening standards have slowed import entry. For example, India has banned Chinese toys for six months, and China has banned imports of Irish pork and rejected some Belgian chocolate, Italian brandy, British sauces, Dutch eggs and Spanish dairy products.
China has also slapped a 5 per cent tariff on some iron and steel products, irked by the "Buy American" clause in President Obama's $787bn (£560bn) stimulus package, and America's 1979 Trade Act, both of which favour the US steel industry.
The World Bank talks about "incipient but worrisome trends", though it concludes that, for now, the global collapse in demand and shrinking trade finance has had a more significant effect than new tariffs and quotas. The IMF says world trade will decline by 5 per cent this year – the first decline since 1982 and the largest reduction since the Second World War.
But protectionism isn't helping, and it is in the auto industry that the protectionist urge is at its most virulent. Even the most apparently virtuous members of the G20 seem to have difficulty in resisting. For example, the German Chancellor Angela Merkel has long been an outspoken critic of the protectionist tendencies in the US Congress – yet last week even she was offering a carefully calibrated offer of state aid to her native motor industry, and, in particular, General Motors' Opel division, based in Russelsheim. "If we think about Opel, the conditions on the links with General Motors and others are so complicated that we have a political responsibility to be helpful on a possible separation, for example, of General Motors and Opel or partial independence."
Vauxhall, the British arm of GM, has indicated that it is confident of £350m of UK government aid, and the Swedish and Spanish governments stand ready to stand by the GM operations in their countries.
There could be few more potent symbols of the dangers of deglobalisation than this fracturing of a business that has taken GM some 80 years to integrate – nor of the weakness of national political will in the face of "strategic interests". That is, after all, what lay behind the British Government's recent offer of a total of £2.3bn in aid to the auto industry, and a £27m special grant to Land Rover to pursue "green" technology.
Still, as ever, these nations' governments cannot compete internationally with that cradle of chauvinism – economic and otherwise – France. The recent €6bn (£5.5bn) rescue of Renault and PSA Peugeot Citroë*came with remarks from President Sarkozy that it was "not justified" for a French carmaker to build a factory in the Czech Republic – a fellow EU member – to sell cars in France. The Single Market has never been in such danger.
It all seems an age away from the sprit of the declaration by the G20 summit in Washington last November. "Within the next 12 months, we will refrain from raising new barriers to investment or to trade in goods and services, imposing new export restrictions, or implementing World Trade Organisation [WTO] inconsistent measures ."
Despite the urgings of South Korea and others in east Asia, the G20 finance ministers published an ominously less concrete formulation in their Communiqué, merely saying: "We commit to fight all forms of protectionism and maintain open trade and investment."
The G20 has also ducked the issue raised often by Gordon Brown – financial protectionism (though the UK, like others, is tacitly pushing its banks to put domestic customers first in return for billions in state aid).
The best that can be hoped for from the Downing Street summit next month, perhaps, is a renewal of November's pledge not to increase the level of protectionism prevailing in the world today – and perhaps persuade the US to conclude its knife-edge bilateral trade treaties with nations such as South Korea and Colombia. All concerned will commit once again to carry on with the Doha talks, though these seem further away from consummation than ever. The WTO has promised a "name and shame" paper cataloguing crimes against free trade by G20 members.
Still, the slump in world trade already in train will itself hasten the next wave of financial crises. These seem certain to happen in two regions. In east Asian economies, such as Thailand, which earns as much as 65 per cent of its GDP from exports (compared to say 30 per cent for Germany), the vulnerability to trade slowing is obvious.
On the other side of the world the drying up of financial flows will send nations such as Romania towards bankruptcy – hitting the Western banks invested there, with unknowable repercussions. Both will stress the IMF to the limit. "In the end," Gordon Brown is fond of saying, "protectionism protects no one." True, but it does seem to be a vice that few can protect themselves from.



Duas lentes para observar o G-20
José Eli da Veiga
14/04/2009
O documento lançado pela cúpula do G-20 no histórico encontro londrino de 2 de abril contém afirmações que poderiam ser consideradas bem auspiciosas. Principalmente nos três últimos parágrafos, que destoam de todo o restante, além de não constarem de nenhum dos quatro relatórios finais dos grupos de trabalho que prepararam o evento.
Quatro das mais relevantes estão no 27º, no qual os 20 líderes anunciam: a) que pretendem fazer de tudo para que os investimentos bancados por programas de estímulo fiscal gerem uma recuperação resiliente, sustentável e verde; b) que farão a transição para tecnologias e infraestruturas que sejam limpas, inovadoras, eficientes no uso dos recursos naturais e de baixo carbono; c) que encorajam os bancos multilaterais de desenvolvimento a contribuírem de forma decisiva para que esse objetivo seja atingido; d) e que identificarão e trabalharão juntos em outras iniciativas que construam economias sustentáveis.
No parágrafo seguinte, comprometem-se em chegar a um acordo na conferência de Copenhague, de dezembro de 2009, que cuide da ameaça de irreversível mudança climática com base no princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas. E no último anunciam que a próxima cúpula será antes do fim do ano.
Outras pérolas também podem ser pinçadas nos primeiros 26 parágrafos. Como a repetida necessidade de se promover "atividades econômicas sustentáveis", de "construir uma recuperação inclusiva, verde e sustentável", ou de "acelerar a transição a uma economia verde". Com destaque especial para a solene declaração inicial de que o crescimento "não deve refletir apenas os interesses da população atual, mas também o das futuras gerações".
Todavia, tudo isso mais parece chique maquiagem de um conteúdo que não poderia ser mais vulgar. Pois o comunicado insiste em fazer crer que a atual crise só ocorreu porque vários governos de países centrais cometeram a imprudência de deixar que suas esferas financeiras galopassem com rédeas soltas. Ou seja, nada teria ocorrido de grave com o precedente crescimento das atividades econômicas não-financeiras. Estas, coitadas, agora seriam apenas trágicas vítimas de uma dinâmica bancária autônoma, que contou com o beneplácito de autoridades irresponsáveis.
Para perceber que essa interpretação da crise é pura estória da carochinha, basta que se leia os artigos semanais no Financial Times do convencional Martin Wolf, sempre traduzidos nesta página do Valor. Enfatizam os colossais excedentes de oferta dos países superavitários, dos quais China, Alemanha e Japão são os mais importantes, com seus respectivos excedentes em conta corrente de US$ 372 bilhões, US$ 253 bilhões e US$ 211 bilhões em 2007. Aí está a base material das patuscadas bancárias, e ela não será contornada pelo cumprimento do comunicado do G-20, que tem o surrealista título de "Plano Global para Recuperação e Reforma".
Mais do que chamar a atenção para a base real dos desmandos financeiros, a ênfase de Wolf só reforça duas hipóteses que ele certamente desdenha por jogarem areia demais em seu circunspeto caminhão. A primeira é a da atual crise como episódio sinalizador de uma complexa mudança global, com apenas três precedentes históricos. Os do começo do Século XVII, do final do XVIII e do início do XX, que marcaram as ascensões da Holanda, da Grã-Bretanha e dos EUA. Desde o final do século passado fica cada vez mais clara a indomável ressurreição da China, cujos vínculos econômicos com os EUA repetem o padrão das três anteriores grandes mudanças capitalistas. Que os EUA tiveram com a Grã-Bretanha até o início do Século XX, que esta manteve com a Holanda até o final do XVIII, e que Amsterdam se entreteve com os genoveses até o começo do XVII.
A segunda hipótese está ainda mais distante dos horizontes mentais de qualquer analista do Financial Times. É possível que, ao longo dessa quarta grande mudança do capitalismo mundial, a macroeconomia dos países centrais venha a ser cada vez menos centrada no ininterrupto aumento do consumo de suas populações, favorecendo simultaneamente a decolagem de mais de uma centena de economias periféricas. Em outras palavras, que ocorra significativa redistribuição geopolítica da oferta e da demanda globais, conforme os países mais avançados busquem os caminhos de uma planejada prosperidade sem crescimento, única saída para que suas economias possam vir a ser ambientalmente sustentáveis.
Essas duas hipóteses - que estão se tornando cada vez mais plausíveis - ajudam a entender tanto a importância do G-20 para a imprescindível governança mundial, como as incongruências dos 29 parágrafos que sua cúpula se dispôs a adotar na falta de um verdadeiro plano. Medidas de reforma do sistema financeiro e perorações contra o protecionismo combinam muito mais com os atuais presidentes e primeiros ministros das 19 nações do que a perspectiva de enfrentamento dos dois maiores desafios deste século: mitigação do aquecimento global e reestruturação da geopolítica mundial engendrada pela ressurreição da China.
Explanação detalhada da primeira hipótese pode ser encontrada na fascinante obra de Giovanni Arrighi "O Longo Século XX; Dinheiro, Poder e as Origens de Nosso Tempo" (Contraponto/Unesp, 1996). Como a pesquisa que gerou esse livro foi feita nas décadas de 1970 e 1980, o início do deslocamento da acumulação para o eixo asiático levou o autor ao erro de dar mais importância ao Japão do que à China. Mas isso em nada diminui a riqueza analítica que precede as últimas páginas.
Já os detalhes sobre a segunda hipótese foram sistematizados em "Prosperity Without Growth? The Transition to a Sustainable Economy", relatório que o professor Tim Jackson, da Universidade de Surrey, elaborou para a Sustainable Development Commission, "watchdog" criado pelo governo britânico para ajudá-lo na formulação de uma estratégia de desenvolvimento sustentável. (http:// www.sd-commission.org.uk/publications.php?id=914 )
José Eli da Veiga, professor titular do departamento de economia da FEA-USP e autor de diversos livros sobre desenvolvimento sustentável, escreve mensalmente às terças. Página web: http://www.zeeli.pro.br/



O enterro neoliberal na reunião do G-20
José Carlos de Assis
14/04/2009
Esta crise já é mais profunda que a de 1929 em termos de derrocada dos sistemas financeiros dos países centrais
A reunião do G-20 em Londres enterrou definitivamente o neoliberalismo como ideologia de estruturação da ordem mundial. Ergueu em seu lugar o princípio da cooperação. É uma sinalização de mudança de era, ou de idade da civilização, que transcende a economia. O que morre não é apenas o liberalismo econômico, mas a própria ideia de liberdade individual ilimitada que caracterizou, na Idade Moderna, o movimento civilizatório também nas esferas moral e política, com crescente indiferença ao outro.
O comunicado final da reunião de Londres está ancorado firmemente no reconhecimento de que nenhum país, sozinho, pode escapar das consequências da crise econômica ou superá-las. Somos uma comunidade mundial interdependente. A cooperação não é uma escolha moral, mas um imperativo de sobrevivência. É uma ironia do jogo dialético da história que a globalização, em grande parte promovida pelo movimento neoliberal, agora resulta em seu oposto, com o reconhecimento das liberdades do outro.
Alguns analistas lamentaram a falta de medidas concretas, em Londres, para reverter a crise mundial - principalmente um compromisso maior da Europa com o aumento de estímulos fiscais tais como sugeridos pelos Estados Unidos com apoio da Inglaterra, do Japão e da China. Isso, porém, é irrelevante. A Europa não resistirá à deterioração de sua situação econômica interna: a retração prevista na área do euro, este ano, é de 4,1%, e o desemprego deve aumentar para 10,1% e 11,7% em 2010. Terá, pois, de recorrer a maiores estímulos fiscais.
Numa reunião de líderes, o importante não é tanto medidas concretas, que de qualquer modo devem ser ajustadas país a país, mas acordos em torno de princípios gerais que orientam essas medidas. O que foi acordado em Londres vai além das melhores expectativas: a regulação dos sistemas financeiros, a eliminação ou controle dos paraísos fiscais, a rejeição do protecionismo e do nacionalismo econômico, e o compromisso de condicionar a retomada a uma firme política de proteção ambiental para conter ou reverter as mudanças climáticas.
Mais do que isso, os líderes reconheceram a responsabilidade comum em apoiar os países pobres e em desenvolvimento com recursos da ordem de US$ 1,1 trilhão, a maior parte através do FMI, mas com condicionalidades mais frouxas. Igualmente importante é o fato de que o comunicado final reflete uma preocupação explícita com a questão do emprego e a segurança das famílias e dos trabalhadores, algo que raramente vi em documentos políticos internacionais. E vai implícita a derrocada dos fetiches de ortodoxia fiscal de Maastricht e do BCE.
Em 1985, estive em Bonn, na Alemanha, no auge da Guerra Fria, para cobrir a reunião do G-7. Reagan exercia sua hegemonia imperial no Ocidente. Havia dois líderes socialistas no encontro, François Mitterrand, da França, e Bettino Craxi, da Itália. O documento final refletiu a capitulação mais completa dos progressistas europeus ao ideário neoliberal. Não havia uma única menção a trabalhadores e famílias. Era o absoluto império do mercado, da eficiência econômica e do apelo à desestruturação do Estado de bem-estar social na Europa Ocidental. Foi o marco inicial da hegemonia quase absoluta do pensamento neoliberal no mundo.
Curiosamente, é para os "estabilizadores automáticos" do Estado do bem-estar social - isto é, seguro-desemprego e sistemas de saúde e de educação - que os ortodoxos europeus estão apelando para justificar sua resistência a maior aporte em estímulos fiscais, relativamente aos americanos, chineses e japoneses. Atacados como responsáveis pela baixa eficiência e competitividade da indústria europeia, desses estabilizadores se espera agora contribuição decisiva para impedir o aprofundamento da crise. Infelizmente, eles são apenas estabilizadores, e num nível baixo. Não são recuperadores e estimuladores.
Apesar do sucesso inequívoco da reunião de Londres, não se deve esperar melhoras a curto prazo. Esta crise já é mais profunda que a de 1929 em termos de derrocada dos sistemas financeiros dos países centrais e da extensão planetária de seus efeitos. Na Grande Depressão, nenhum grande banco e nenhuma grande corporação industrial americana quebrou. Agora, quebraram, só nos Estados Unidos, o maior banco de investimento (Lehman), a maior seguradora (AIG), as duas maiores financiadoras imobiliárias (Freddie e Fannie) e dois dos três maiores bancos comerciais (Bank of América e Citigroup), sem falar na vanguarda do sistema produtivo, a indústria automobilística (GM e Chrysler).
A recuperação do sistema financeiro americano será lenta e difícil. Basta observar que o crédito bancário ao setor privado desabou de US$ 1,75 trilhão em meados do ano passado para praticamente zero no fim. O plano do secretário do Tesouro Geithner é engenhoso mas vai requerer tempo de maturação. Além disso, enfoca apenas um ângulo do sistema. A estatização paira sobre muitos bancos mas, independentemente de questões ideológicas, envolve problemas práticos quase insolúveis, como a precificação de ativos podres - que o plano de Geithner tenta resolver criando os fundos públicos privados, mas que não é certo que todos os bancos com problemas aceitarão.
De qualquer modo, por mais penoso que venha a ser o processo de recuperação, pode-se ter alguma segurança de que, se forem cumpridos os princípios de Londres, teremos um mundo novo a nossa frente, baseado na cooperação e na solidariedade. Haverá regulação do sistema financeiro, e não apenas uma volta ao sistema anterior. Terá regras morais jamais anteriormente aceitas, como já mencionado. Contudo, se acham pouco, recordem-se: ainda há pouco, tentou-se empurrar goela abaixo da Europa uma Constituição que promovia o dumping social e fiscal entre os países, em nome da eficiência, e elegia entre seus princípios fundamentais, lado a lado com os direitos humanos, o direito ao mercado autorregulado.
José Carlos de Assis é economista e professor, autor de "A Crise da Globalização".



: O que ocorre ou deixa de ocorrer na China tem agora uma relevância central para os latino-americanos.
A América Latina e o G-20
Por Javier Santiso
27/04/2009
O que ocorre ou deixa de ocorrer na China tem agora uma relevância central para as economias da América Latina
A reunião recente do G-20 corroborou o que vem se acelerando desde o começo desta década: o auge e o papel crescente dos países emergentes. Este auge é especialmente da Ásia e, em primeiro lugar, da China, mas é também de outras regiões do mundo, incluindo a América Latina. De fato, nada menos do que três países da região estiveram presentes na mesa do G-20: México, Brasil e Argentina.
É possível inferir três observações importantes desta região, cada qual com implicações para a América Latina.
A primeira é sem dúvida o reconhecimento deste foro internacional como um espaço legítimo e confiável para lidar com a crise global. O mero fato de haver nada menos do que três países da região neste foro é também uma ocasião única para a região impulsionar uma maior coordenação intrarregional e esperar ter maior peso nas decisões internacionais. O G-20 convida a mais buscas de consenso intrarregional e, com eles, a região poderia aumentar a sua influência.
A segunda observação decorre do papel crescente da China, que está se impondo como um dos principais protagonistas do G-20. A cúpula de Londres sem dúvida consagra o dragão chinês como uma das principais potências emergentes. Até bem pouco tempo se discutia se a China poderia ou deveria se somar à Rússia no âmbito do G-8. Como observava o ensaísta Timothy Garton Ash, até pouco tempo atrás a política chinesa parecia vestir-se de modéstia, como se o dragão fosse um lagarto. Há pouco tempo, o dragão despertou. Prova disso são as multiplicações das turnês internacionais do presidente e do vice-presidente da China pela África, Ásia e inclusive pela América Latina. Na mais recente excursão por esta região, em fevereiro de 2009, até o vice-presidente Xi Jinping, tido como o herdeiro de Hu Jintao, se atreveu a dar lições aos países ricos (e aos Estados Unidos em particular), e tudo isso diante de um público chinês na capital federal do México. Bem simbólico.
Também chama a atenção como, já há alguns meses, os líderes chineses vem multiplicando as ações e propostas para mudar o sistema internacional. Em artigo recente, o presidente do Banco Central chinês sugere a criação de uma moeda de reserva internacional acima do dólar e das demais divisas. No mesmo âmbito monetário, a exemplo do Federal Reserve (banco central dos EUA), o BC também concretizou acordos de swap de moeda. Até agora, assinou seis acordos no total, na maioria com países asiáticos, mas o último ocorreu com um país da América Latina - a Argentina. Como se não bastasse, a China agora está fechando o seu terceiro acordo comercial com um país da América Latina, ou seja, com a Costa Rica, depois de tê-lo feito com Chile e Peru. Na recente Cúpula do Banco Interamericano de Desenvolvimento, ocorrida em Medelin no fim de março, a China estreou como novo membro deste organismo.
O fato de a América Latina estar no radar chinês é em si positivo para a região. Certamente, a China representa um desafio comercial para alguns países da região (seus produtos competem diretamente com os mexicanos, por exemplo, nos Estados Unidos), mas também representa uma oportunidade, não só porque absorve produtos de toda a América Latina (em 2008, as importações chinesas originadas a partir da América Latina mais uma vez superaram os US$ 100 bilhões), mas porque o fato de que o país se interessa pela região aguça os ciúmes dos Estados Unidos e da Europa. Desde que a China passou a se interessar pela África, aumentou o interesse de Washington, Paris e Londres pelo continente.
Uma consequência deste auge para a região é que o que ocorrer ou deixar de ocorrer na China tem agora uma relevância central para as economias da América Latina. Há uma década, um espirro na China passava despercebido na América Latina. Em 2009, as coisas não são mais assim. De fato, logo no começo do ano, por exemplo, uma das incógnitas para a região será precisamente a Ásia e, em particular, a China. Para alguns países da região, como o Chile, por exemplo, a Ásia já é a principal região de destino das suas exportações (35% das exportações chilenas se destinam a esta região do mundo, mais do que na direção da América do Norte ou Europa). Para o Peru, a cifra é de 19% e outros países, como Brasil e Argentina, também dirigem cada vez mais as suas atenções na direção do Pacífico. Desde 1995, o intercâmbio comercial da América Latina e Caribe com a China aumentou 13 vezes, passando de US$ 8,4 bilhões para mais de US$ 100 bilhões em 2007. Em 2008, a China passou a ser o segundo maior parceiro comercial da região, logo depois dos EUA. Como se não bastasse, os preços das matérias-primas, que representam mais de 60% do total das exportações da América Latina, dependem em parte desta demanda asiática, com a China devorando petróleo, cobre, soja e outros produtos estratégicos da região.
A última observação derivada do G-20 de Londres é o novo papel de destaque cobrado pelo Fundo Monetário Internacional. Desde setembro de 2008, o fundo emprestou mais de € 50 bilhões a países emergentes. Há pouco, até o México negociou, de forma muito acertada, uma linha de € 36 bilhões, numa ação preventiva inédita. O país procurou, desta forma, blindar-se com um seguro a mais, algo que os mercados financeiros aplaudiram. O aumento de recursos do Fundo, celebrado em Londres, que elevará a capacidade financeira de € 186 bilhões a € 560 bilhões, é sem dúvida uma boa notícia para os países emergentes, que agora podem dispor desta liquidez tão escassa.
Todas as crises são injustas. A atual, porém, implica um paradoxo e uma injustiça ainda maiores: no mundo dos países emergentes, muitos fizeram as suas lições de casa, se reformaram, apostaram em economias abertas. Haveria certa injustiça se a crise atropelasse todos estes esforços. As empresas emergentes, assim como as dos países da OCDE, conseguiram se voltar para o exterior e se converter em multinacionais. Os indicadores de pobreza melhoraram em muitos países. Deixar que este processo fosse interrompido, ou, pior, que retroceda, seria irresponsável. Por isso, é preciso celebrar o que foi decidido no G-20. Agora seria de se esperar o cumprimento do que foi acertado. A melhor coisa que a América Latina pode fazer é continuar levantando a sua voz. Neste contexto, o G-20 lhe proporciona uma oportunidade única de fazer sua música ser entendida neste concerto barroco de nações. Como no romance de Laejo Carpentier, estamos testemunhando uma mudança de melodia, com a música clássica das décadas anteriores se diversificando agora com ares mais exóticos. Seria de se esperar que alguns deles também sejam latinos.
Javier Santiso é diretor do centro de desenvolvimento da OCDE.






19/04/2009 - 00h01
O que poderá vir após o capitalismo?
PROSPECT
Geoff Mulgan*
O sistema bancário americano enfrenta perdas de mais de US$ 3 trilhões. O Japão está em uma depressão. A China caminha para crescimento zero. Alguns ainda esperam que uma cirurgia de emergência possa restaurar o status quo. Entretanto, cada vez mais pessoas sentem que estamos em um daqueles pontos raros de inflexão quando nada será novamente o mesmo.
Mas se um sonho acabou, que outros sonhos aguardam nas sombras? O capitalismo se adaptará? Ou devemos nos perguntar de novo uma das grandes perguntas que agitam a vida política há quase dois séculos: o que poderá vir após o capitalismo?
Há poucos anos atrás a pergunta foi abandonada, considerada tão sensível quanto perguntar o que viria após a eletricidade. Mas a lição do próprio capitalismo é de que nada é permanente. Dentro do capitalismo há tantas forças que o minam quanto há forças que o conduzem adiante.
Nas primeiras décadas do século 19, as monarquias da Europa pareciam ter se livrado de seus desafiantes revolucionários, cujos sonhos foram enterrados na lama de Waterloo. Monarcas e imperadores dominavam o mundo e tinham provado ser extraordinariamente adaptáveis. Assim como os atuais defensores do capitalismo, aqueles que os apoiavam podiam argumentar de forma plausível naquela época que as monarquias estavam enraizadas na natureza. Mas assim como a monarquia se deslocou do centro do palco para a periferia, o capitalismo não mais dominará a cultura e a sociedade tanto quanto atualmente. Em resumo, o capitalismo poderá se tornar servo em vez de mestre, e a atual depressão acelerará esta mudança.
Para entender no que o capitalismo poderá se transformar, nós primeiro temos que entender o que ele é. Isto não é tão simples. O capitalismo inclui uma economia de mercado, mas muitas economias de mercado tradicionais não são capitalistas. Ele inclui o comércio, mas o comércio também há muito precede o capitalismo. Ele inclui o capital - mas os faraós egípcios e os ditadores fascistas também administravam superávits.
O historiador francês Fernand Braudel ofereceu talvez a melhor descrição do capitalismo quando escreveu sobre ele como sendo uma série de camadas construídas acima da economia de mercado comum de cebolas e madeira, encanamentos e cozinha. Estas camadas, local, regional, nacional e global, são caracterizadas por uma abstração ainda maior, até no topo se encontrar finanças sem corpo em busca de retorno em qualquer lugar, sem compromisso com qualquer lugar ou setor em particular, e transformando tudo e qualquer coisa em commodity. ... ... ... ... .... ... ...... ...... ...... ...... ....... ....... ....... ....... .... ... ... .... ... ..... ..... .... ..... ....


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