Wednesday 25 February 2009

BANCOS e BANCOS + REGULA-SE, Belluzzo?

"Bancos ruins" são uma boa ideia?
Leif Pagrotsky
26/02/2009
A ideia de "banco ruim" parece ficar mais popular a cada dia que passa em países onde ativos tóxicos paralisaram o crédito. A limpeza em bancos suecos no início da década de 90 é frequentente citada como um exemplo de quão bem-sucedida essa ideia pode ser. Mas as lições que por vezes são tiradas da experiência baseiam-se em incompreensões sobre o que efetivamente fizemos, e sobre como nosso sistema funcionou.
A iniciativa de constituir um "banco ruim" na Suécia foi tomada não por políticos, mas pela gerência do Nordbanken. Após anos de má administração e empréstimos irresponsáveis, o banco foi a primeira grande vítima do declínio no mercado de imóveis para uso comercial em 1990.
O Nordbanken tinha sido integralmente estatizado e uma nova administração foi empossada para para devolver viabilidade ao banco, mas logo ficou patente que os administradores tinham pouco tempo para dedicar à atividade bancária central do Nordbanken porque tinham de aplicar uma dedicação desproporcionalmente grande à gestão de uma enorme diversidade de ativos. E cada trimestre trazia novas baixas contábeis que arruinavam os esforços de reconstrução da reputação do banco e do moral de seus funcionários.
A solução radical foi separar todos os ativos estranhos à atividade principal do banco, principalmente empresas imobiliárias, mas também companhias no setor industrial, de construção civil e em setores de serviços.
O "mau banco" que foi criado para esse propósito, o Securum, necessitou uma enorme injeção de capital do proprietário, o governo sueco. Mas o Securum foi então capaz de recrutar uma equipe de funcionários capacitados que pode maximizar o valor dos ativos quando os mercados apresentaram uma recuperação, e posicionar-se financeiramente para esperar essa recuperação. O restante do Nordbanken, hoje denominado Nordea, progrediu no sentido de transformar-se no maior banco na Escandinávia.
Em contraste com a situação atual, os ativos podres eram geralmente companhias inteiras, e não títulos complexos. Mas, assim como no caso dos atuais ativos tóxicos, não havia mercado, e um desinvestimento rápido teria desencadeado vendas a preço de liquidação, deprimindo todos os valores de ativos na economia e resultando em mais falências bancárias.
Além disso, o objetivo não era ajudar bancos privados a se livrarem de seus ativos problemáticos. Quando a maioria dos outros bancos suecos seguiu o exemplo do Nordbanken, e criaram seus próprios bancos ruins, eles o fizeram sem participação estatal. Mas isso foi possível apenas porque o governo sueco já era dono de todos os ativos, contornando, assim, o inapelavelmente difícil problema de atribuir-lhes um preço.
Em caso de proprietários privados, enormes subsídios governamentais teriam sido politicamente inaceitáveis. Os ativos precisariam ter seus preços fixados em níveis bem acima de seu valor de mercado, e assim os contribuintes do fisco subsidiariam os malsucedidos controladores anteriores, ou o banco privado não teria recebido qualquer ajuda. Um mau banco patrocinado pelo governo e envolvendo ativos privados é, portanto, uma ideia muito ruim.
Em 1994, quando tornei-me secretário de Estado para Assuntos Financeiros no Ministério das Finanças da Suécia, a recuperação pareceu estar no horizonte, após a abolição do câmbio fixo, a forte desvalorização do krona que se seguiu e da queda dos juros. O novo governo implementou um programa eficaz e muito grande para eliminar um déficit orçamentário de aproximadamente 12% do Produto Interno Bruto (PIB).
Gradualmente, a confiança cresceu, e os mercados financeiros começaram a funcionar novamente. À medida que as oportunidades apareceram, nós começamos a reprivatizar ativos, e no prazo de poucos anos o Securum foi fechado. Retrospectivamente, creio que vendemos seus ativos rapidamente demais. Os contribuintes do fisco poderiam ter recuperado mais de seus prejuízos se tivéssemos sido mais pacientes, pois os preços continuaram em alta por muito tempo. Mas o estigma de "socialismo" foi mais forte do que o instinto de realizar lucros.
As seguintes lições da experiência sueca parecem relevantes hoje.
Um banco ruim pode ser um instrumento eficaz para a recuperação de prejuízos e revitalização de bancos.
Embora a experiência sueca tenha envolvido ações de empresas usadas como garantias para obtenção de crédito, e não bônus ou instrumentos financeiros similares, essa situação provavelmente se manifestará em muitos países, hoje, à medida que a crise persistir, que mais companhias falirem e que os bancos retomarem suas garantias e apropriarem-se de ações de companhias endividadas.
Subsídios governamentais à criação de bancos ruins privados ou bancos ruins estatais para sanear ativos tóxicos de bancos privados são uma maneira inadequada de os contribuintes do fisco transferirem dinheiro para bancos problemáticos, em comparação com injeções normais de capital. Todos os subsídios deveriam ser transparentes, e bancos ruins, públicos ou privados, não o são.
É essencial dotar os bancos ruins de profissionais e administradores experientes não eivados por escândalos anteriores. Nesse aspecto, a experiência sueca é encorajadora. Foi mais fácil do que esperávamos recrutar boas pessoas para o Securum, porque trabalhar pelo interesse público nesse banco ruim estatal foi encarado como um desafio ímpar.
O princípio norteador precisa ser a maximização dos interesses econômicos dos contribuintes do fisco, e não considerações ideológicas ou políticas. A opinião pública não deveria ter dúvidas sobre isso, pois sua confiança é essencial.
Leif Pagrotsky foi membro do gabinete sueco durante 10 anos, principalmente como ministro de Indústria e Comércio, mas também de Educação, Pesquisa e Cultura. Ele é atualmente membro do Parlamento e vice-presidente do Riksbank, Banco Central da Suécia. © Project Syndicate/Europe´s World, 2009. http://www.project-syndicate.org/




Nacionalizar ou não, essa é a questão
Martin Wolf04/03/2009
Lyndsey Graham, senador republicano, Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o BC americano), e James Baker, 2º secretário de Tesouro de Ronald Reagan, são a favor. Ben Bernanke, presidente do Fed, e o governo atual, de democratas liberais, são contra. O que os divide? A resposta é: "estatização".
Em 1978, Alfred Kan, assessor para assuntos de inflação do presidente Jimmy Carter, usou a palavra "depressão". O presidente ficou tão enfurecido que Khan começou a chamá-la de "banana". A recessão que Khan havia previsto chegou do mesmo jeito. O mesmo pode muito bem acontecer com a estatização. De fato, já começou: como descrever, afinal, as ações do governo federal em relação à Fannie Mae, Freddie Mac, AIG e, cada vez mais, ao Citigroup? A estatização já não se tornou a grande banana financeira?
Grande parte do debate é semântico. Sob ele há pelo menos duas grandes questões. Quem arca com as perdas? Como se reestrutura os bancos da melhor forma?
Os bancos somos nós. Muitas vezes, o debate é conduzido como se as instituições bancárias pudessem ser punidas sem custo para as pessoas comuns. Mas, se tiveram perdas, alguém tem de arcar com elas. Na prática, tomou-se a decisão de fazer os contribuintes arcarem com as perdas que deveriam recair sobre os credores. Uns argumentam que acionistas também deveriam ser resgatados. Corretamente, não foram: as cotações das ações de fato desabaram. É para isso que são os acionistas.
Mas a maior parte - imensamente maior - dos ativos dos bancos é financiada por meio de empréstimos, não por renda variável. Portanto, a decisão de manter os credores a salvo tem implicações enormes. Se aceitarmos a definição de Bernanke para "estatização" como uma decisão de "anular os acionistas privados", então podemos chamar esta atividade de "socialização". Quais são seus prós e contras?
Os maiores contras são dois. Primeiro, a socialização das perdas reduz os custos de financiamento dos megabancos, e com isso seletivamente subsidia seus balanços patrimoniais. Isto, por sua vez, amplifica o problema do "grande demais para quebrar". Segundo, deixa os acionistas com boas opções caso as coisas melhorem e quase sem nada de risco, caso as coisas piorem. Será um incentivo à escolha de "arriscar tudo". Logo, a socialização das perdas aumenta a necessidade de controle da direção das instituições. Os quatro maiores bancos comerciais dos EUA - JPMorgan Chase, Citigroup, Bank of America e Wells Fargo - detêm 64% dos ativos dos bancos comerciais do país. Se os credores dessas empresas não podem sofrer perdas significativas, esta economia não é grande coisa como economia de mercado.
A vantagem de uma socialização parcial é que elimina o risco de outra onda de pânico entre credores ou derramamentos dos passivos dos bancos, como fundos de pensão e seguros, sobre os investidores. Como os bônus dos bancos representam 25% dos bônus empresariais dos EUA com classificação dentro do grau de investimento, o risco de pânico é real. Diante das sequelas da debacle do Lehman Brothers, a decisão parece ser: a única alternativa a uma falência desordenada é absolutamente nenhuma. Isto é assustador.
A segunda grande questão é como reestruturar os bancos. Um ponto está claro: uma vez que se decida resgatar os credores, a recapitalização não pode vir mais das trocas de dívida por ações, normais nas falências.
Desta forma, restaria o capital do governo ou o capital privado. Na prática, ambas as possibilidades estão, no mínimo, parcialmente vetadas nos EUA. A primeira, por irritação política; a segunda por uma ampla gama de incertezas - sobre a avaliação dos ativos problemáticos, o tratamento futuro dos acionistas e o caminho provável da economia. Isto torna a alternativa do "banco zumbi", condenada por Baker no "Financial Times" em 2 de março, um resultado provável. Infelizmente, tais bancos zumbis subcapitalizados também encontram dificuldade em reconhecer perdas e expandir a concessão de crédito.
A resposta do Tesouro dos EUA é seu "teste de pressão". Todos os 19 bancos com ativos superiores a US$ 100 bilhões foram incluídos. Foi pedido que estimassem as perdas em dois cenários. O pior pressupõe, de forma um tanto otimista, que as piores quedas anuais no Produto Interno Bruto (PIB) serão de 4% no segundo e terceiro trimestres deste ano. Os supervisores decidirão se é preciso mais capital. As instituições que precisem de mais capital lançarão papéis preferenciais conversíveis para o Tesouro em volume suficiente e terão até seis meses para levantar capital privado. Caso não consigam, os papéis conversíveis serão transformados em controle acionário "de acordo com a necessidade".
Isto, portanto, é uma socialização das perdas em andamento - garante um amortecedor público para proteger os credores. Poderia acabar dando ao governo uma participação controladora em algumas instituições - o Citigroup, por exemplo. Os polemistas, contudo, dizem que não se trata de uma estatização.
Quais são, então, os prós e contras desta abordagem, em comparação a assumir o controle direto das instituições? Douglas Elliott, da Brookings Institution, analisa a questão em um artigo intrigante ("Bank nationalization: What is it? Should we do it?" , www.brookings.edu). Parte da resposta, sugere, é que ainda está incerto se os bancos estão insolventes. Se Noriel Roubini, da Stern School , em Nova York, estiver certo (como esteve até agora), eles estão. Se não estiver certo, então, não estão. O professor Roubini sugeriu, por este motivo, que seria melhor esperar seis meses, quando, em sua visão, terá acabado a dificuldade para distinguir entre instituições solventes e insolventes; todas serão vistas como estando repulsivamente subcapitalizadas.
Em meio a essas circunstâncias, a ideia de "estatização" deverá ser vista como sinônimo de "reestruturação". Poucos acreditam que os bancos seriam mais bem administrados pelo governo indefinidamente (embora o recente desempenho dê o que pensar). A vantagem da estatização, portanto, é que permitiria a reestruturação dos ativos e passivos em bancos "bons" e "ruins". As grandes desvantagens são inerentes à organização da aquisição, e depois da reestruturação de instituições tão complexas.
Se é impossível impor perdas aos credores, haveria boas chances de o Estado acabar como dono de grandes bancos por um longo tempo, antes de ter condições de devolvê-los ao mercado. A maior reestruturação bancária promovida pelos EUA, antes do ano passado, foi a do Continental Illinois, confiscado em 1984. Era, na ocasião, o sétimo maior banco, e ainda assim levou uma década. Quanto poderia levar a reestruturação e venda do Citigroup, com seus imensos enlaçamentos mundiais? Quais danos a sua marca e a suas operações poderiam ser provocados no processo?
Estamos aprendendo dolorosamente que o megabancos mundiais são demasiado complexos para serem administrados, muito grandes para quebrar e excessivamente complicados para serem reestruturados. Ninguém desejaria começar a partir disto. Mas como mostram as aflições do mercado acionário, os bancos precisam ser consertados de uma forma ordenada e sistemática. Os testes de pressão deveriam ser mais duros do que os atualmente planejados. Depois, a recapitalização precisa ocorrer. Chamem de banana se vocês quiserem. Mas a reestruturação dos bancos de fato precisa começar.
Martin Wolf é colunista do "Financial Times".



15/04/2009
Reduzir o capitalismo financeiro é o grande teste americanoMartin Wolf
Os Estados Unidos são a Rússia? A pergunta parece provocativa, se não ultrajante. Mas a pessoa que a faz é Simon Johnson, o ex-economista chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) e um professor da Escola Logan de Administração do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Em um artigo na edição de maio da "Atlantic Monthly", o professor Johnson compara o domínio da "oligarquia financeira" sobre a política norte-americana com o das elites empresariais nos países emergentes. Essas comparações fazem sentido? A resposta é sim, mas apenas até certo ponto."Em sua profundeza e repentinidade", argumenta o professor Johnson, "a crise econômica e financeira americana lembra chocantemente momentos que vimos recentemente em mercados emergentes". A semelhança é evidente: grandes afluxos de capital estrangeiro; crescimento tórrido do crédito; alavancagem excessiva; bolhas nos preços dos ativos, particularmente imóveis; e, finalmente, colapsos nos preços dos ativos e catástrofe financeira."Mas", acrescenta o prof. Johnson, "há uma semelhança mais profunda e perturbadora: interesses de negócios da elite - financistas, no caso americano - exerceram um papel central na criação da crise, fazendo apostas cada vez maiores, com o apoio implícito do governo, até o colapso inevitável". Além disso, "a grande riqueza que o setor financeiro criou e concentrou deu aos banqueiros um enorme peso político".Agora, argumenta o professor Johnson, o peso do setor financeiro está impedindo a solução da crise. Os bancos "não querem reconhecer a plena extensão de suas perdas, porque isso provavelmente os exporia como insolventes... Este comportamento é corrosivo: bancos não saudáveis ou não emprestam (acumulando dinheiro para escorar as reservas) ou fazem apostas desesperadas em empréstimos e investimentos de alto risco que podem dar um alto retorno, mas provavelmente não pagarão nada. De qualquer forma, a economia sofre ainda mais e, assim, os próprios ativos dos bancos continuam deteriorando - criando um ciclo altamente destrutivo".Essa análise faz sentido? Esta é uma pergunta na qual pensei durante minha estadia recente de três meses em Nova York e visitas a Washington, DC, a atual capital financeira mundial. Eles são o motivo para a análise do prof. Johnson ser tão importante.Sem dúvida, nós testemunhamos uma enorme ascensão da importância do setor financeiro. Em 2002, o setor gerou impressionantes 41% dos lucros corporativos domésticos dos Estados Unidos. Em 2008, a dívida privada americana chegou a 295% do produto interno bruto, um recorde, em comparação a 112% em 1976, enquanto a dívida do setor financeiro atingiu 121% do PIB em 2008. O salário médio no setor saltou de próximo da média de todos os setores entre 1948 e 1982 para 181% dela em 2007.Em uma pesquisa recente, Thomas Philippon da Escola Stern de Administração e Negócios da Universidade de Nova York, e Ariell Reshef, da Universidade da Virgínia, concluíram que o setor financeiro foi um setor de alta capacitação e altos salários entre 1909 e 1933. Ele então caiu em relativo declínio até 1980, quando de novo começou a ser um setor de alta capacitação e altos salários.* Eles concluíram que a principal causa foi a desregulamentação, que "libera criatividade e inovação, aumentando a demanda por funcionários altamente capacitados".A desregulamentação também gera crescimento do crédito, a matéria-prima com a qual o setor financeiro cria e da qual se alimenta. A transmutação do crédito em renda é o motivo da lucratividade do setor financeiro poder ser ilusória. Igualmente, a expansão do setor financeiro reverterá, pelo menos dentro dos Estados Unidos: o crescimento do crédito e da alavancagem mascararam a lucratividade baixa e mesmo inexistente de grande parte das atividades, que desaparecerá, e parte da dívida também deve ser liquidada. A era dourada de Wall Street acabou: o retorno da regulamentação é a causa e consequência desta mudança.Mas o prof. Johnson apresenta um argumento mais forte do que esse. Ele argumenta que a recusa de instituições poderosas em admitir as perdas -ajudadas e com a cumplicidade de um governo atrelado aos "donos do dinheiro"- pode impossibilitar uma saída da crise. Além disso, como os Estados Unidos desfrutam do privilégio de serem capazes de tomar empréstimos em sua própria moeda, é muito mais fácil para eles do que para as meras economias emergentes encobrir as rachaduras, transformando a crise em um mal econômico de longo prazo. Assim, nós testemunhamos uma série de improvisos ou "acordos" cuja meta real é resgatar o máximo possível do sistema financeiro da forma mais generosa que os autores de políticas acham que podem escapar impunes.Eu concordo com as críticas às políticas adotadas até agora. No debate no fórum dos economistas do "Financial Times" sobre a "parceria de investimento público/privado" do secretário do Tesouro, Tim Geithner, as críticas são acertadas: se funcionar, será por causa de sua forma não-transparente de transferir riqueza dos contribuintes para os bancos. Mas é improvável preencher o buraco de capital que os mercados estão ignorando no momento, como argumenta Michael Pomerleano. Nem sou persuadido de que os "testes de tensão" em andamento sobre o capital dos bancos levarão a uma ação que preencherá o buraco de capital.Mas estas fraquezas transformam os Estados Unidos na Rússia? Não. Em muitas economias emergentes, a corrupção é notória e descarada. Nos Estados Unidos, a influência vem tanto de um sistema de crenças quanto do lobby (apesar do segundo não estar ausente). O que era bom para Wall Street era considerado bom para o mundo. O resultado foi um programa bipartidário de desregulamentação imprudente para os Estados Unidos e, dada sua influência, o mundo.Além disso, a crença de que Wall Street precisa ser preservada em grande parte como é agora se deve principalmente ao medo. A visão de que instituições grandes e complexas são grandes demais para falir pode estar errada. Mas é fácil entender por que autores de políticas inteligentes receiam testá-la. Ao mesmo tempo, os políticos temem uma reação pública contrária a grandes injeções de capital público. Assim, como o Japão, os Estados Unidos estão presos entre o medo da falência da elite e a revolta popular contra os resgates. Este é um fenômeno mais complexo do que o "golpe silencioso" descrito pelo prof. Johnson.Mas uma reestruturação decisiva é de fato necessária. Não porque o retorno da economia ao crescimento alimentado pela dívida dos últimos anos seja viável ou desejável. Mas duas coisas precisam ser obtidas: primeiro, as principais instituições financeiras devem se tornar solventes de forma crível; e, segundo, nenhuma instituição financeira com fins lucrativos pode se tornar grande demais para falir. Isto não é capitalismo, mas socialismo. Este é um dos pontos em que a direita e a esquerda concordam. Elas estão certas. A falência - e os prejuízos aos credores sem seguro - deve fazer parte de qualquer solução durável. Sem esta mudança, a solução desta crise só poderá ser a precursora da próxima.*Salários e Capital Humano no Setor Financeiro Americano de 1909-2006, janeiro de 2009, www.nber.orgTradução: George El Khouri Andolfato


Os grandes bancos são símbolos da revolução da responsabilidade limitada
A reforma da regulamentação
Martin Wolf
24/06/2009
A reforma da regulamentação não tem condições de acabar com os bônus financeiros por resultado
As propostas de reforma da regulamentação financeira aparecem agora por todos os lados. As mais significativas vieram dos Estados Unidos, onde na semana passada o governo do presidente Barack Obama propôs um conjunto abrangente de ideias, embora tímido. Será que tais propostas tornarão o sistema menos propenso a crises? Minha resposta é: não. O motivo para meu pessimismo é que a crise exacerbou as debilidades do setor. É improvável que as reformas contempladas neutralizem esse perigo.
No cerne do setor financeiro há negócios altamente alavancados. Sua atividade central é criar e negociar ativos de valor incerto, enquanto suas responsabilidades e riscos são, como nos foi lembrado, garantidos pelo Estado. É uma licença para apostar com o dinheiro dos contribuintes. O mistério é que irrompam tão poucas crises.
O ponto em que se deve começar está no centro do capitalismo moderno: a responsabilidade limitada, a sociedade anônima por ações (JSC, na sigla em inglês). Os grandes bancos comerciais estiveram entre os produtos mais importantes da revolução da responsabilidade limitada. Os bancos, no entanto, são um tipo especial de negócios: para eles, as dívidas são mais do que um meio de se fazer negócios. São o seu negócio. Portanto, a responsabilidade limitada tem probabilidades de exercer um impacto excepcionalmente grande em seu comportamento.
Em excelente estudo recente, Lucian Bebchuk e Holger Spamann, da Harvard Law School, expressam a ideia de forma exemplar. O foco está nos incentivos que influenciam a gestão. São imensamente importantes. Ainda mais importante, contudo, são os motivos pelos quais um banco de responsabilidade limitada, administrado no interesse dos acionistas, é tão arriscado.
Em uma empresa de responsabilidade limitada altamente alavancada, os acionistas racionalmente assumirão riscos excessivos, já que desfrutam de todos os bons momentos, mas os maus momentos são limitados: não podem perder mais do que sua participação acionária, não importa quanto o banco perca. Nos bancos contemporâneos, alavancagens de 30 por 1 são normais. Taxas ainda maiores não são raras. Como argumentam os autores, "os acionistas de bancos alavancados têm incentivos para elevar a volatilidade dos ativos do banco".
Imagine dois modelos de negócios com os mesmos retornos projetados: em um deles, esses retornos são certos e constantes; no outro, o resultado consiste em períodos duradouros de altos retornos e perdas catastróficas ocasionais. Os acionistas mais racionais preferirão este último. O que se leva em conta é o seguinte: altos retornos do patrimônio em comparação a outras empresas estabelecidas e desmoronamentos ocasionais.
Os professores Bebchuk e Spamann acrescentam que quatro características do sistema financeiro moderno tornam a situação mais grave: primeiro, o próprio capital dos bancos é financiado em parte por dívidas; segundo, o papel dos conglomerados donos de vários bancos (BHCs, na sigla em inglês) pode aumentar ainda mais os incentivos para os acionistas subestimarem os riscos; terceiro, os administradores são recompensados por alinhar seus interesses com os dos acionistas; e, quarto, algumas das formas como os administradores são recompensados - opções, por exemplo - são, por si só, uma aposta direcionada às recompensas dos acionistas. Os gestores, portanto, têm um interesse econômico ainda maior em "arriscar tudo" ou em "apostar o banco" do que os acionistas. Como destaca o informe, o fato de que alguns administradores perderam montes de dinheiro não demonstra que foram tolos ao fazer essas apostas, já que suas vantagens foram imensas.
Uma solução parece evidente: deixar os credores perderem. Os credores racionais, então, cobrariam ágio para emprestar a operações de alto risco, o que resultaria em níveis menores de alavancagem. Uma dificuldade é que os credores poderiam estar mal informados sobre os riscos assumidos pelos bancos aos quais emprestam. Há outra dificuldade mais complicada: muitos credores são protegidos por seguros garantidos pelos governos. Tais seguros são motivados pela importância das instituições financeiras como fonte de crédito, sob o aspecto dos ativos, ou como fornecedores de dinheiro, sob o aspecto das dívidas. Como resultado, os credores interessam-se pouco na qualidade dos ativos dos bancos ou em sua estratégia. Parece que emprestam aos bancos mas, na verdade, emprestam ao Estado.
A grande lição da atual crise é, simplesmente, até que ponto tais seguros podem ir no caso de instituições consideradas grandes ou interconectadas demais para quebrar. Os grandes bancos raramente ficam em problemas sozinhos: frequentemente cometem erros similares. Além disso, a quebra de um afeta a solvência real (ou a que se consegue perceber) dos outros. Os credores, portanto, estão sob mais risco em crises sistêmicas. Mas é precisamente em crises sistêmicas que os governos sentem-se mais inclinados a vir em socorro, como o fizeram no fim de 2008.
De acordo o Relatório de Estabilidade Financeira Mundial mais recente do Fundo Monetário Internacional, a ajuda oferecida pelos governos e bancos centrais dos EUA, Reino Unido e região do euro somou US$ 9 trilhões, dos quais US$ 4,5 trilhões na forma de garantias. As contas do Estado foram relegadas em relação aos bancos. Isso não significa que os credores não estão sujeitos a nenhum risco. Seu risco, contudo, é atenuado.
A solução conhecida é regular tais instituições seguradas de forma bem rigorosa. Porém, uma parte enorme do que os bancos fizeram no início da década - os veículos fora dos livros, os derivativos e o próprio "sistema bancário paralelo" - foi encontrar formas de driblar a regulamentação. A questão óbvia, então, é saber se "desta vez será diferente". As pessoas mais sensatas deveriam ter dúvidas quanto a isso. De fato, seria particularmente improvável, com a capitalização dos bancos estando tão baixa. Este é o momento para arriscar tudo.
Em discurso na semana passada, o presidente do Banco da Inglaterra, Mervyn King, deixou claro porque é tão importante encontrar uma melhor abordagem: "Os custos desta crise não devem ser mensurados simplesmente em termos de seu impacto nas finanças públicas, eliminação de riqueza e número de empregos perdidos. Também precisam ser vistos na perda de confiança no setor financeiro, entre outras partes de nossa economia [...] 'minha palavra é minha garantia' são palavras ultrapassadas. 'Minha palavra é meu CDO ao quadrado' nunca vai pegar".
Uma crise dessas não é resultado apenas da resposta racional aos incentivos. Tolice e ignorância também desempenharam seu papel. Tampouco acredito que bolhas e crises possam ser eliminadas do capitalismo. É difícil acreditar, contudo, que os riscos assumidos por gigantescas instituições não tiveram nada a ver com os incentivos. A verdade indigesta é que hoje o incentivo para se comportar dessa forma arriscada, na verdade, é até maior do que era antes da crise.
A reforma da regulamentação não tem condições de acabar com os incentivos. Mas precisa começar a partir dos incentivos. Uma empresa que é demasiado grande para quebrar não pode ser gerida no interesse dos acionistas, já que não faz mais parte do mercado. Deveria ser possível fechar suas portas, ou então deveria ser administrada de uma maneira diferente. É assim de simples - e brutal.
Martin Wolf é colunista do "Financial Times".


Precisamos de um sistema convincente para fechar até instituições financeiras imensas
Abordagem cautelosa não funcionará
Martin Wolf
01/07/2009
Para tornar o sistema mais saudável é necessário eliminar os imensos incentivos fiscais para a captação de crédito
Com um único salto, os bancos ficaram livres, pelo menos, na aparência. O pânico de 2008 já começa a esvair-se. Sem mudanças radicais, no entanto, o surgimento de outra crise é certo. Pode nem tardar muito.
Em recente discurso, Elizabeth Duke, uma das diretoras do Federal Reserve, contou uma anedota ocorrida logo após a quebra do Lehman Brothers em setembro. O presidente do Fed, Ben Bernanke, foi perguntado: "Bem, o que aconteceria se não fizermos nada?". Sua resposta foi: "Não haverá mais uma economia na segunda-feira". Em vez disso, todas as instituições com importância sistêmica foram resgatadas, transferindo-se quase todo o risco aos contribuintes.
"Nunca mais" ter uma crise do tipo poderia ser pedir demais. Mas não ter uma, pelo menos, "por uma geração" é essencial. Os governos não podem arcar tão cedo com uma repetição. Não o podem financeiramente, politicamente e, talvez, nem moralmente: as vidas de tantos não podem ser sacrificadas tão cedo pelos caprichos de alguns poucos tolos.
O que emergiu após a crise, contudo, é, como argumentei na semana passada, um sistema financeiro ainda pior do que o anterior, com o qual entramos nela. Os sobreviventes são um oligopólio de monstros financeiros "grandes-e-bem-interconectados-demais-para-falir". São os vencedores não necessariamente por serem os melhores negócios, mas porque são os mais bem respaldados. Não é preciso ter muita imaginação para perceber o que essas instituições poderiam fazer agora, tendo em vista os incentivos para a assunção de riscos.
Então, o que dever ser feito? A resposta típica, embora fútil, é rearranjar as espreguiçadeiras reguladoras do convés do Titanic para tentar evitar o desastre. As recentes propostas do Tesouro dos EUA recaem nessa categoria. O sistema financeiro, no entanto, deveria ser resgatado de sua própria má gestão do risco. Isso não mudará com supervisão externa. Mudará apenas consertando os incentivos.
O ponto de partida precisa ser o "grande demais para falir". Precisamos de um sistema convincente para fechar até instituições financeiras imensas. As propostas mais atraentes são as dos "bancos bons", nos quais os credores sem garantias tornam-se acionistas. Seria mais fácil se, como o presidente Barack Obama propôs, e o presidente do Banco da Inglaterra (banco central do país), Mervyn King, argumentou, as instituições regulamentadas tivessem de criar um plano para o fechamento ordenado de suas atividades.
As quebras de bancos, entretanto, são como ônibus: por horas não se vê nenhum e, então, uma frota inteira chega ao mesmo tempo. As autoridades não têm como fazer uma promessa crível de que estarão preparadas para colocar todas as instituições afetadas em processo de recuperação judicial durante uma crise sistêmica. Seria uma receita para ondas de pânico ainda maiores. "Grande e interconectado demais para falir" é uma realidade. É assim porque, como apontou Andrew Haldane, do Banco da Inglaterra, em discurso recente, o sistema financeiro torna-se cada vez mais uma rede bem apertada.
Meu colega John Kay argumentou que a resposta adequada é criar "bancos estreitos", que são perfeitamente seguros, deixando o resto do sistema financeiro prosseguir seu jovial caminho, sujeito à ameaça de falências, que, então, passariam a ser plausíveis. Para mim a ideia é tanto atraente como pouco convincente. A atração parece evidente. Por outro lado, é pouco convincente, em parte, porque é muito difícil concordar sobre o que esses bancos estreitos deveriam fazer. Também é pouco convincente porque quanto mais limitados esses bancos sejam imaginados, mais vital será o papel do resto do sistema financeiro e menos plausível será que os governos o deixem desmoronar.
Se as instituições forem grandes e interconectadas demais para falir e nenhuma solução estrutural bem cuidada puder ser identificada será necessário encontrar alternativas: as mais óbvias seriam exigências de capital muito maiores e dar maior atenção à liquidez. Atualmente as grandes instituições financeiras operam com quase nada de capital: nos EUA, a taxa média de alavancagem dos bancos comerciais era de 35 por 1 em 2007; na Europa, de 45 por 1. Como destaquei na semana passada, isso torna lógico para os acionistas "arriscarem tudo", com os resultados que já conhecemos. Permitir que instituições sejam operadas no interesse dos acionistas, que fornecem apenas 3% dos fundos passíveis de serem emprestados, é insano. Tentar alinhar os interesses da diretoria com os dos acionistas é, então, ainda mais maluco. Com sua atual estrutura de capital, as grandes instituições financeiras representam uma licença para apostar o dinheiro dos contribuintes.
Então, quanto capital adicional faria sentido exigir das instituições de importância sistêmica? "Muito mais do que hoje" é a resposta. Além disso, o capital exigido não pode ser ponderado pelo risco dos ativos com base nos modelos bancários, nos quais não se deve confiar. Os fundos dos acionistas deveriam chegar a, no mínimo, 10% do capital. Nos EUA, costumava ser bem maior.
Um capital maior é, além disso, uma boa forma de internalizar as "externalidades" negativas - mais precisamente os riscos - criadas por uma instituição para o sistema inteiro. O ideal, portanto, é que o capital exigido esteja relacionado com a importância sistêmica das instituições, como sustenta o excelente novo informe anual do Banco de Compensações Internacionais (BIS). Além disso, as exigências deveriam ser contrapostas a todas as atividades, baseadas nas contas integralmente consolidadas.
Dentro de um sistema financeiro mais capitalizado, também seria relativamente fácil operar um regime "macroprudencial", com as exigências de capital aumentando durante as ondas de expansão e diminuindo durante crises. Repito, quanto maior a participação em jogo dos acionistas, menos nos preocuparíamos se a recompensa para os gestores está alinhada com eles. Ainda assim, as autoridades reguladoras precisariam ter algum tipo de controle sobre os incentivos para os gestores, enquanto os contribuintes arquem com um risco residual.
Restam duas dificuldades: a transição; e a arbitragem reguladora.
Quanto à primeira, exigir atualmente taxas de capital muito maiores colocaria em risco a recuperação. A resposta é uma transição demorada, talvez de até dez anos. Sobre a segunda, é evidente que não se pode permitir a operação do chamado "sistema bancário paralelo" fora das restrições de capital quando as instituições que o integram têm probabilidades de ser sistemicamente importantes, como foi o caso dos fundos do mercado monetário. Além disso, as taxas de capital teriam de ser impostas por todos os países significativos. Os EUA, contudo, são poderosos o suficiente para forçar um movimento nessa direção se insistirem que qualquer banco estrangeiro operando no país esteja capitalizado apropriadamente.
Em resumo, a desalavancagem é o ponto de partida adequado para um sistema financeiro mais saudável. Isso funcionaria ainda melhor se também eliminássemos os imensos incentivos fiscais atuais para a captação de crédito.
Atualmente, a opção arriscada é o incrementalismo cauteloso e não o radicalismo. Qual deveria ser o ponto de partida de tal radicalismo? A resposta é clara: são os incentivos, estúpido.
Martin Wolf é colunista do "Financial Times".





Difícil solução para os bancos
Maria Clara R. M. do Prado
26/02/2009
Se o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, conseguisse ser tão eficiente em suas decisões quanto é em seus discursos, muito provavelmente boa parte da insegurança crescente que cerca a saúde do sistema financeiro dos Estados Unidos e do mundo, em consequência, jamais teria se instalado.
Veemente como sempre, Obama fez novamente mil promessas para reerguer a economia no pronunciamento desta última terça, mas poucos são os avanços efetivos. Em verdade, a falta de clareza nas ações do governo americano explica em boa parte o prolongamento do estado de desconfiança que tomou conta dos mercados desde outubro.
Devido às características muito específicas do setor bancário, é justamente no sistema financeiro que a porca torce o rabo. É ali que nascem e morrem todas as transações econômicas. A recente declaração do presidente do Fed, Ben Bernanke, de que o governo não planeja nacionalizar os bancos, pode ajudar a esfriar o acirrado debate entre economistas sobre a estatização, mas não traz tranquilidade total a investidores e depositantes.
Bernanke tem sinalizado de que a solução envolveria uma participação minoritária do governo no capital dos bancos. A exceção, à luz do panorama atual, seria o Citigroup e algum outro grande banco. Como se sabe, o governo dos Estados Unidos já adquiriu o equivalente a US$ 52 bilhões de ações do tipo preferencial no Citi, mas isso não foi suficiente para recuperar a credibilidade do banco.
No total, o sistema financeiro americano recebeu US$ 800 bilhões na forma de empréstimos, garantias e injeção de capital desde outubro, mas isso não se mostrou suficiente para aplacar a desconfiança generalizada no setor, como bem revela a tabela aqui estampada. Ela mostra a deterioração que sofreu em pouco tempo o capital dos principais bancos a preço de mercado.
Ontem, um passo promissor foi dado com o anúncio do Tesouro dos Estados Unidos de que até o final de março se saberá afinal em que situação se encontra o capital das 19 maiores instituições bancárias do país tanto em termos de valor, quanto de qualidade dos ativos. A avaliação está sendo feita por um arsenal de especialistas enviados pelo governo americano para escrutinar a contabilidade daquelas instituições com base na aplicação de modelos de testes de estresse que vão contemplar dois distintos cenários econômicos pela frente. No primeiro cenário, a economia dos Estados Unidos sofre queda de 2% este ano e tem expansão de 2,1% em 2010. No segundo, mais drástico, o PIB cairá 3,3% este ano e terá variação positiva de apenas 0,5% no ano que vem.
Os resultados dos testes de estresse darão a dimensão das perspectivas de perdas e da necessidade de capital adicional de cada banco. Os bancos terão um tempo - fala-se em seis meses - para levantar o capital indicado como necessário a partir da revisão dos seus balanços. A nova injeção poderá vir de fundos privados ou do governo, sendo que este se daria na forma de ações preferenciais conversíveis em ações com direito a voto.
Essas novas informações ajudam a clarear o quadro, mas não respondem às inúmeras dúvidas que envolvem questões como regulação e supervisão bancária, forma de atuação das instituições financeiras e atividades que poderão ou não exercer daqui para frente. Por exemplo, devem os bancos comerciais ser proibidos de negociar no mercado de capitais, como defende Paul Volcker, ex-presidente do Fed e atual presidente do Comitê Consultivo para a Recuperação Econômica? A que instituição deve ser conferido o poder único e inconteste da regulação bancária?
Mais relevante de tudo é saber se o arsenal de contabilistas e gerenciadores de risco incumbidos de mergulhar nos balanços dos bancos será capaz de definir o efetivo preço dos ativos considerados podres - os chamados "ativos tóxicos" - com potencial de contaminar o capital dos grandes bancos. Esse é o ponto básico no qual esbarram as tentativas de estabilizar o sistema financeiro dos Estados Unidos. Dele depende a definição crucial do aporte necessário para qualquer plano que busque isolar (pela venda a terceiros) ou cobrir (com injeção de capital), os ativos ruins na esperança de recuperar a confiança no setor.
Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin - Comunicação Inteligente e autora do livro "A Real História do Real". Escreve quinzenalmente, às quintas-feiras. E-mail: mclaraprado@ig.com.br


Op-Ed Contributor
The Great Solvent North
By THERESA TEDESCO
Published: February 27, 2009
Toronto
HAS the world turned upside down? America, the capital of capitalism, is pondering nationalizing a handful of banks. Meanwhile, Canada, whose banking system had long been notorious for its stodgy practices and government coddling, is now being celebrated for those very qualities.
The Canadian banking system, which proved resilient in the global economic crisis, is finally getting its day in the sun. A recent World Economic Forum report ranked it the soundest in the world, mostly as the result of its conservative practices. (The United States ranked 40th).
President Obama has joined the adoring throng. He recently said that Canada has “shown itself to be a pretty good manager of the financial system in the economy in ways that we haven’t always been here in the United States.” Paul Volcker, former chief of the United States Federal Reserve, commented that what he’s arguing for “looks more like the Canadian system than the American system.”
Most people don’t know that the vision behind Canada’s banking system, made up of a few large, national banks with branches from coast to coast, actually had its beginnings in the United States. Canada’s system is the product of a banking framework inspired by Alexander Hamilton, the first American secretary of the Treasury. Hamilton envisioned the First Bank of the United States, chartered in 1791, as a central bank modeled on the Bank of England. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Is Bank Nationalization Still a Radical Idea? - NYTimes.com


Growing Economic Crisis Threatens the Idea of One Europe
By STEVEN ERLANGER and STEPHEN CASTLE
Published: March 1, 2009
PARIS — The leaders of the European Union gathered Sunday in Brussels in an emergency summit meeting that seemed to highlight the very worries it was designed to calm: that the world economic crisis has unleashed forces threatening to split Europe into rival camps. ... ... .... 2 págs.



The Last Days of the Oligarchs?
By ANDREW E. KRAMER The men who saw themselves at the Carnegies or Rockefellers of Russia may soon be thrown into the dustbin of history by the economic crisis.


ECONOMIC VIEW
Nationalize? Hey, Not So Fast
By ALAN S. BLINDER
Play out the consequences of a government takeover of troubled banks, and the strategy loses appeal.


Subprime Europe
By LIAQUAT AHAMED
Losses on subprime mortgages in the United States have already caused a Depression-like banking collapse. Well, believe it or not, Europe’s current crisis is scarier.



Op-Ed Contributors
Home Economics
By TOBY BARLOW, MARC FITTEN, SHEELAH KOLHATKAR and LAN SAMANTHA CHANG
Published: March 7, 2009
The economic news is bleak. On Friday, Americans learned that 651,000 jobs vanished in February, bringing the total number lost in this recession to a staggering 4.4 million. The stock market continues to crater. Banks, despite an almost trillion-dollar bailout, continue to falter. The Op-Ed editors asked four writers from around the country to provide quarterly snapshots of their local economies. Here are their first dispatches.



A crise americana e os bancos no Brasil
Giuliano Contento de Oliveira
09/03/2009
A intensificação da crise americana a partir de setembro de 2008 reorientou, ainda que temporariamente, a estratégia de expansão do crédito delineada pelos bancos a partir de meados de 2003. A perda de depósitos verificada nas pequenas e médias instituições entre setembro e dezembro de 2008, associada ao "empoçamento de liquidez" dos grandes bancos, ensejou a implementação de uma série de iniciativas por parte da autoridade monetária, destinadas a garantir a liquidez do sistema e evitar uma retração ainda mais aguda do crédito.
Os bancos, particularmente os privados, são atores pró-cíclicos, pois intensificam as fases de expansão e contração dos negócios. E isso porque são sensíveis ao estado geral de expectativas prevalecente. Quando ocorre um choque adverso de expectativas, essas instituições buscam "salvar a própria pele", procurando aumentar a relação entre ativos líquidos e ilíquidos em carteira, bem como reconfigurar a estrutura de suas obrigações. Intentam, assim, "limpar seus balanços". Ao procederem dessa forma, contudo, os bancos tendem a aprofundar a retração dos negócios, tornando a intervenção do Banco Central indispensável para evitar uma espiral deflacionária e/ou uma desarticulação do sistema de pagamentos.
Ainda que as iniciativas da autoridade monetária no período mais recente caminhem na direção correta, e supondo que sejam suficientes para garantir a continuidade da normalidade dos mercados de crédito e interbancário, deve-se destacar que a crise externa atual tende a ensejar a conformação de um novo ambiente para os bancos no Brasil. Isso porque, diferentemente dos episódios anteriores, quando se fizeram necessários aumentos abruptos da taxa básica de juros destinados a evitar um processo de intensificação dos efeitos negativos decorrentes de choques adversos, a melhora dos indicadores macroeconômicos ao longo dos últimos anos, ainda que influenciada decisivamente pelo contexto externo altamente benigno, tem anunciado a prevalência de uma taxa básica real de juros bem menor do que no passado recente. Ainda que se possa criticar duramente a conduta do Banco Central no que se refere ao ritmo de redução da taxa de juros, as expectativas de mercado têm apontando para a prevalência de uma taxa Selic real ex ante inferior a 6% ao ano no futuro próximo.
Nas crises anteriores, a prática de juros reais muito altos permitia aos bancos a manutenção de seus níveis elevados de rentabilidade mesmo em contextos altamente adversos. Com suas operações concentradas majoritariamente no curto prazo, essas instituições rapidamente reorientavam seus ativos em direção às operações com títulos e valores mobiliários, o que, juntamente com o instituto da indexação financeira (possibilidade de indexação dos títulos públicos à taxa Selic), permitiu a estruturação de um sistema de acomodação altamente eficiente por parte dessas instituições no que diz respeito ao processo de geração de resultados e de restauração do nível desejado do grau de liquidez de suas carteiras de ativos.
O novo ambiente que se apresenta, desta forma, tende a tornar os indicadores de rentabilidade dos bancos mais sensíveis às oscilações dos negócios, tornando-os menos propensos a reduzirem suas operações de crédito de forma abrupta num horizonte de médio prazo, a menos que se predisponham a arcar com uma redução não desprezível de seus lucros e/ou que a crise atual se transforme numa grande depressão.
Não obstante, mesmo que tudo isso seja verdade, ainda assim a mudança estrutural do padrão de atuação dessas instituições, pautado em alto grau de preferência por flexibilidade, requer a implementação de iniciativas que busquem melhorar ainda mais a solidez dos indicadores macroeconômicos, de sorte a permitir o robustecimento da blindagem da economia brasileira frente a choques adversos. Não menos importante, exige a prevalência de juros reais mais sintonizados com a realidade internacional, bem como a supressão do arcabouço institucional da indexação financeira herdado do regime de alta inflação no Brasil.
A indexação dos títulos públicos à taxa de juros de curto prazo, institucionalizada em 1986 com a criação das Letras do Banco Central (LBCs) no contexto do Plano Cruzado e prevalecente ainda nos dias atuais (LFTs), propicia aos bancos a possibilidade de ajustamentos patrimoniais quase instantâneos, suprimindo o risco indexatório no carregamento de títulos públicos. Com efeito, pode-se afirmar que boa parte da higidez do sistema bancário brasileiro tem na fragilidade fiscal e financeira do setor público uma de suas principais contrapartidas.
A retomada do crescimento sustentado da economia brasileira carece de um sistema de financiamento capaz de propiciar a transformação do espírito empreendedor em realidade objetiva de investimento, ou seja, de viabilizar o financiamento do desenvolvimento. Isso requer, contudo, a prevalência de um arcabouço macroeconômico e institucional que induza os bancos a assumirem maiores riscos para alcançar seus níveis desejados de rentabilidade.
Contudo, não há garantias de que, passada a crise atual, a taxa básica real de juros se mantenha num patamar capaz de induzir a assunção de um padrão de atuação dos bancos pautado majoritariamente nas operações de crédito com prazos e custos compatíveis com a dinamização sustentada dos negócios, do emprego e da renda. Em vista do excesso de conservadorismo do Banco Central, parte do qual decorrente da alta rigidez do desenho institucional do regime de metas para a inflação, não causará surpresa uma inversão da trajetória de queda da taxa de juros quando da observância dos primeiros sinais de recuperação da economia brasileira. Nesse caso, uma vez mais tende a fracassar o alcance do objetivo de se estruturar um sistema bancário privado que faça das operações de crédito ao setor privado a leitmotiv de seu padrão de atuação.
Para que isso seja evitado, além da continuidade da implementação de medidas fiscais e monetárias destinadas a conter os impactos negativos da crise americana, faz-se indispensável a prevalência de um arranjo de política econômica capaz de induzir a assunção de riscos mais elevados por parte dos bancos, de um lado, e propiciar a melhora suplementar dos indicadores macroeconômicos, mesmo diante de um contexto externo menos benigno, de outro. Isso exige, pois, uma reflexão crítica acerca das prioridades do Estado brasileiro, o que envolve, inclusive, uma reavaliação do atual desenho institucional do regime de metas para a inflação.
Giuliano Contento de Oliveira é doutor em Economia pelo IE/Unicamp.



O Fed não causou a bolha habitacional
Alan Greenspan12/03/2009
Estamos no meio de uma crise global que inquestionavelmente será classificada como a mais virulenta desde a década de 1930. Com o tempo, ela diminuirá de intensidade e passará para a história. A forma como as causas e efeitos interativos e revigoradores desta grave contração serão interpretadas, porém, moldarão a reconfiguração do nosso atualmente incapacitado sistema financeiro global.
Há pelo menos duas explicações abrangentes e concorrentes sobre a origem desta crise. A primeira é que as políticas de "dinheiro fácil" do Federal Reserve criaram a bolha habitacional nos EUA, que está no núcleo do desarranjo financeiro atual.
A segunda, e muito mais confiável, aceita que as taxas de juros mais baixas foram realmente o fator que semeou a euforia especulativa. A taxa de juros que importava, contudo, não era a taxa básica de juros federal, mas a taxa sobre financiamentos imobiliários a juros fixos, de longo prazo. Entre 2002 e 2005, as taxas de financiamento da casa própria lideraram a mudança nos preços das moradias dos EUA por 11 meses. Essa correlação entre preços de casas e taxas de financiamento imobiliário foi extremamente importante, e representou um indicador muito mais apropriado da alta nos preços das moradias do que a taxa básica de juros.
Isso não deveria surpreender. Afinal, os preços de ativos de longa duração sempre foram determinados descontando-se o fluxo de renda (ou serviços imputados) das taxas de juros com os mesmos vencimentos da vida do ativo. Ninguém, que eu saiba, emprega taxas de um dia do interbancário - como a taxa básica de juros - para determinar a taxa de capitalização de imóveis, sejam eles um prédio de escritórios ou uma residência unifamiliar.
O Fed tornou-se extremamente consciente da discrepância existente entre política monetária e taxas de financiamento imobiliário quando estas últimas não conseguiram reagir como esperado ao aperto do Fed, em meados de 2004. Além disso, os dados mostram que as taxas de financiamento da casa própria foram se tornando gradativamente descolados da política monetária ainda antes - no rastro da emergência, iniciada no começo deste século, de um mercado global bem arbitrado para instrumentos de dívida de longo prazo.
A vinculação da taxa de financiamento imobiliário dos EUA às taxas de curto prazo tem sido estreita por décadas. Entre 1971 e 2002, a taxa básica de juros e a taxa de financiamento imobiliário se moveram em fileira cerrada. A correlação entre elas foi de rígidos 0,85. Entre 2002 e 2005, porém, a correlação se reduziu à insignificância.
Como observei em dezembro de 2007, a causa presumida da queda mundial generalizada nas taxas de longo prazo foi o deslocamento tectônico do começo da década de 1990 ocorrido em grande parte do mundo em desenvolvimento, que passou da pesada ênfase sobre planejamento central para uma concorrência de mercado cada vez mais dinâmica, liderada por exportações. O resultado foi uma arrancada no crescimento na China e num grande número de economias de mercados emergentes adicionais, que levou a um excedente na poupança global planejada em relação ao investimento planejado em bens de capital. Este excedente de poupança antecipado impulsionou as taxas de juros globais de longo prazo a um nível progressivamente mais baixo entre o começo de 2000 e 2005.
Este declínio nas taxas de juros de longo prazo em um vasto espectro de países explica estatisticamente, e é a mais provável causa relevante, para as taxas de capitalização imobiliárias, que caíram e convergiram em todo o mundo, resultando na bolha de preço habitacional global. (A bolha de preços nos EUA se manteve na média, ou abaixo dela, de acordo com o FMI). Até 2006, as taxas de juros de longo prazo e as taxas de financiamento da casa própria movidas por elas, para todas as principais economias desenvolvidas e em desenvolvimento, haviam declinado para um único dígito - acredito que pela primeira vez na história. Eu teria imaginado que o peso deste tipo de evidência conduziria a um amplo apoio para isto, como uma explicação global da crise em curso.
A partir de meados de 2007, no entanto, a história começou a ser reescrita, em grande parte por meu bom amigo e ex-colega, professor John Taylor, da Universidade Stanford, de quem raramente discordei. Ao escrever no "The Wall Street Journal" no mês passado, porém, Taylor sustentou inequivocamente que, se o Federal Reserve houvesse mantido as taxas de juros de curto prazo de 2003 a 2005 nos níveis sugeridos por sua "Regra de Taylor", "ele teria evitado esta enorme expansão e estouro habitacional". Esta ideia foi mencionada e repetida com tanta frequência que assumiu uma aura de senso comum.
À exceção do uso inapropriado das taxas de curto prazo para explicar o valor de ativos de longo prazo, sua acusação estatística da política do Federal Reserve no período entre 2003 e 2005 não consegue abordar os supracitados desdobramentos estruturais extraordinários na economia global. Sua análise estatística transporta relacionamentos empíricos de décadas anteriores ao período mais recente, onde eles já não se aplicam.
Além disso, apesar de eu acreditar que a "Regra de Taylor" seja uma primeira aproximação útil à rota da política monetária, seus parâmetros e prognósticos derivam de estruturas-modelo que têm sido sistematicamente incapazes de antecipar o começo de recessões ou crises financeiras. Contrafatuais decorrentes de tais estruturas imperfeitas não podem formar a única base para análise ou conselho político satisfatórios, com ou sem o benefício da visão retrospectiva.
Considerando-se o descolamento da política monetária das taxas de financiamento imobiliário de longo prazo, a aceleração da rota de aperto monetário que o Fed buscou em 2004-2005 não teria "evitado" a bolha habitacional. Tudo considerado, pessoalmente prefiro a avaliação de desempenho do Federal Reserve feita por Milton Friedman. Ao avaliar o período de 1987 a 2005, ele escreveu no começo de 2006: "Não há nenhum outro período de duração comparável na qual o Sistema do Federal Reserve tenha atuado tão bem. Trata-se de mais do que uma diferença de medida: ela beira uma diferença de tipo".
Em que medida importa saber se a bolha foi causada por política monetária inadequada, sobre a qual formuladores de política detêm controle, ou forças globais mais amplas, sobre as quais seu controle é limitado? Importa muito.
Se a falha decorrer da política monetária, ela então poderá ser corrigida no future, pelo menos em princípio. Se, no entanto, estamos lidando com forças globais além do controle dos formuladores de política monetária interna, como suspeito fortemente que seja o caso, então estamos diante de um tema mais amplo.
A concorrência nos mercados globais e a integração em bens, serviços e finanças geraram ganhos sem precedentes em bem-estar material. A rota de crescimento de mercados altamente competitivos é cíclica, porém. E em raras ocasiões ela pode se dissolver, com consequências como as que estamos experimentando atualmente. Agora já está muito claro que os níveis de complexidade ante os quais os profissionais de mercado, no auge da sua euforia, tentaram promover técnicas e derivados de gestão de risco, chegaram ao extremo, mesmo para os mais sofisticados participantes de mercado conseguir conduzir de forma prudente e apropriada.
A resposta política apropriada, porém, não é refrear a intermediação financeira com regulamentação pesada. Isso reprimiria avanços importantes que aprimoram padrões de vida. Recordemos que antes da crise a economia dos EUA exibia um impressionante grau de avanço na produtividade. Alcançar esse resultado com um modesto nível de poupanças externas e internas emprestadas (nosso presente déficit em conta corrente) era uma medida do sucesso do nosso sistema financeiro anterior à crise. As soluções para os fracassos do mercado financeiro revelados pela crise são exigências de capital mais elevadas e um monitoramento mais amplo de fraudes, não a intensificação da microgestão patrocinada pelas entidades governamentais.
Qualquer tipo de regulamentação nova deverá aperfeiçoar a capacidade das instituições financeiras de direcionarem eficazmente as economias do país aos mais produtivos investimentos em bens de capital. Muitas regulamentações fracassam neste teste e muitas vezes ele é oneroso e contraproducente. Exigências adequadas de capital e garantias podem dar respostas às fragilidades reveladas pela crise. Essas exigências não serão excessivamente invasivas e, portanto, não interferirão indevidamente nas decisões de negócios do setor privado.
Se quisermos manter uma economia mundial dinâmica capaz de gerar prosperidade e crescimento sustentável futuro, não podemos depender de governos para intermediar os fluxos de poupança e investimento. Nosso desafio nos meses adiante será instituir um regime regulador que garanta gestão de risco responsável da parte das instituições financeiras e que ao mesmo tempo as estimule a continuar assumindo os riscos necessários e inerentes em qualquer economia de mercado bem sucedida.
Alan Greenspan foi presidente do Federal Reserve (1987-2006). O artigo foi originalmente publicado no "Wall Street Journal".




O G-20 e a demanda sustentada
Martin Wolf11/03/2009
Oencontro de cúpula do grupo dos 20 países mais desenvolvidos (G-20) e países emergentes em Londres em 2 de abril de 2009 fracassará. Seus membros estão se recusando a cumprir o que Lawrence Summers, principal assessor econômico do presidente dos EUA Barack Obama, chama de "agenda universal da demanda". O senso comum é o inimigo. Lamentavelmente, ele está vencendo.
Nos EUA, o espírito de Andrew Mellon, secretário do Tesouro de Herbert Hoover, continua vivo. Seu conselho, lamentou Hoover, foi: "liquide a força de trabalho, liquide as ações, liquide os agricultores, liquide os ativos imobiliários". Sua opinião leviana, porém, não está inspirando a política dos EUA. O perigo não está em não fazer nada, mas em fazer muito pouco. Se esse tipo de timidez fracassar, os opositores dirão: essas políticas fracassaram. Isso agravará a confusão, dificultando e tornando ineficazes as tentativas de tomar atitudes decisivas mais adiante.
A coisa certa a fazer é mais do que suficiente. Sempre será possível retirar o incentivo em um ou dois anos. Será muito mais difícil tornar a ação eficaz se a depressão, tanto a econômica como a social, se firmar.
O que, então, é "mais do que suficiente"? Para responder a isso, precisamos reconhecer onde estamos. Primeiro, a recessão é global. Países fortemente dependentes de exportações como fonte de demanda, como Alemanha, Japão e Coreia do Sul, foram ainda mais duramente afetadas que os Estados Unidos ou o Reino Unido. Segundo, as forças subjacentes nessa recessão são poderosas e resistentes. Elas incluem: vastas perdas em riqueza (estimadas num estudo para o Banco de Desenvolvimento da Ásia em perto da produção mundial de um ano); enormes estoques de dívida privada em países deficitários; e uma pane no funcionamento normal do sistema financeiro.
O que deve ser feito então? A política monetária está em grande parte esgotada: mesmo as taxas de juros próximas de zero não conseguem incentivar tomadas de empréstimos, e o mundo não pode se desvalorizar para obter uma recuperação movida a exportação.
A política monetária pode - e deve - desbloquear os mercados de crédito, sustentar a base monetária e apoiar a política fiscal. O Federal Reserve já chegou a extremos nessas direções. Outros estão sendo obrigados, a contragosto, a segui-lo.
A política fiscal tem um grande papel a cumprir. Num artigo excelente, economistas do FMI descrevem o que é necessário como "oportuno, grande e duradouro, diversificado, contingente, coletivo e sustentável": oportuno, grande e duradouro, porque a recessão está aí, implacável e resistente; diversificado, porque a eficácia de cada medida é incerta; contingente, porque as surpresas certamente estão à espreita; coletivo, porque a eficácia de um incentivo aumentará à medida que mais países participarem; e sustentável, porque as reações adversas nos mercados de dívida devem ser contidas ("Fiscal Policy for the Crisis" [Política fiscal para a crise], dezembro de 2008).
Face a essas normas, os pacotes de incentivo são modestos de forma preocupante. De acordo com o FMI, até o incentivo dos EUA equivale a apenas um total de 4,8% do PIB. Além disso, como observa o FMI, estabilizadores automáticos são maiores na Europa do que nos EUA, devido a uma provisão previdenciária mais generosa ("The Size of the Fiscal Expansion" [O tamanho da expansão fiscal], fevereiro de 2009, www.imf.org). No conjunto, os EUA estão fazendo mais do que outros países grandes de alta renda: na comparação com o ano anterior à crise, a variação do balanço fiscal total está projetada em 5,7% do PIB nos EUA neste ano, contra 4,4% na Alemanha.
Não surpreende que os críticos condenam o recente pacote de incentivo dos EUA como sendo pequeno demais. O professor Martin Feldstein da Universidade Harvard, ex-presidente do conselho de assessores econômicos de Ronald Reagan, argumenta que "a economia dos EUA enfrenta um déficit de US$ 750 bilhões na demanda", em grande parte devido a uma queda de US$ 12 trilhões no patrimônio das famílias. O pacote dos EUA compensará, ele diz, apenas 40% da demanda perdida em 2009 e 2010. Se assim for, a recessão será profunda e prolongada. Feldstein conclui que "um segundo pacote de incentivo fiscal é provável". De fato, ele será essencial. Até então, porém, Obama já terá perdido a discussão e a sua autoridade. A vontade de fazer mais, porém, é escassa, nos EUA e alhures. A principal justificativa para a cautela é a preocupação em torno da sustentabilidade de longo prazo. Isso é um erro: a principal ameaça à sustentabilidade não é a crise, mas os gastos com benefícios sociais.
As tentativas de restringir os déficits fiscais enquanto o setor privado está promovendo cortes drásticos deverão fracassar, mesmo nos seus próprios termos. Por fim, a política fiscal não pode se manter independente do que o setor privado está fazendo - na verdade, agora testemunhamos altas gigantescas nos déficits fiscais, devido à prodigalidade passada nos setores privados, muitas vezes de outros países.
Lembremos, especialmente, que mesmo um aumento de 50 pontos percentuais no índice da dívida pública em relação ao PIB impõe um custo permanente sobre os contribuintes, de 1% a 1,5% do PIB num país capaz de tomar crédito a taxas reais de, digamos, 2% a 3%. Contanto que a credibilidade seja mantida, isto é gerenciável e, na verdade, menos preocupante do que o desperdício inerente em qualquer recessão prolongada.
Em suma, deter a depressão incipiente vem em primeiro lugar. Para que isso funcione, a ação fiscal precisa ser reversível de forma verossímil: os gastos temporários e os cortes de impostos dirigidos às categorias de maiores gastos serão mais eficazes e menos arriscados do que os amplos cortes de impostos.
Os chefes de governo do G-20 precisam decidir fazer tudo o que for necessário para sustentar a demanda nos seus países e nos vulneráveis países em desenvolvimento. Eles precisam abandonar o senso comum e, em vez disso, ousar ter sucesso.
Martin Wolf é colunista do "Financial Times".



Crescimento mundial pós-bolha e a regra de ouro
Paulo Tenani10/03/2009
"Não faça aos outros o que não quer que façam com você". Foi baseado neste princípio ético da reciprocidade que o economista Edmund Phelps definiu o conceito de "Golden Rule of capital acumulation" - ou Regra de Ouro da acumulação de capital -, aquela taxa de poupança ótima que permitiria à geração atual um padrão de consumo suficientemente elevado para não comprometer as gerações futuras. O artigo de Phelps, publicado em 1961, recebeu atenção do meio acadêmico e contribuiu para que Phelps recebesse, em 2006, o Prêmio Nobel de Economia. No entanto, é justamente nas circunstâncias atuais - e não mais como mera curiosidade acadêmica, mas sim com implicações práticas objetivas - que a ideia da "Regra de Ouro" ganha uma relevância ainda maior. Afinal, o mundo vive hoje o estouro de uma bolha especulativa que foi inflada justamente por uma dinâmica entre aqueles países que consumiam em excesso - colocando em risco o consumo de gerações futuras - e aqueles países que poupavam demais - acumulando um estoque de capital superior à "Regra de Ouro". As ideias de Phelps, neste sentido, estão mais vivas hoje do que sempre estiveram. Mas o que elas significam para a realidade pós-estouro da bolha, que está por vir?
Na verdade, muito mais do que o conceito abstrato de "Regra de Ouro" sugere à primeira vista. O que acontece é que bolhas especulativas racionais, daquelas que englobam uma economia como um todo, não surgem por si só. Para tanto, uma série de precondições são necessárias: (1) um aparato institucional em que o bem-estar das gerações futuras seja insuficientemente representado na geração presente; (2) um mecanismo de realimentação em que um aumento inicial no preço dos ativos induza a preços ainda mais elevados no futuro; (3) e que a economia tenha acumulado mais capital do que o justificado pela Regra de Ouro - uma situação que Phelps denominou de ineficiência dinâmica. Dentre estes três itens, é justamente o último - ineficiência dinâmica - que terá maiores consequências para o crescimento econômico futuro.
Porém, cada um destes itens encontra referências em uma ou mais características da crise atual. E aqui cabem alguns comentários, antes de nos concentrarmos na ineficiência dinâmica. Por exemplo, o item (1), a baixa representatividade do bem-estar das gerações futuras na geração presente, pode ser ilustrado, entre outras coisas, pela transformação do modelo de negócios dos bancos de Wall Street, que, ao se tornarem instituições de capital aberto, não mais se concentraram em conhecer e zelar pelos seus clientes - o que requer um comprometimento de longo prazo -, e se transformaram em máquinas de criar, empacotar, armazenar e vender produtos, às vezes a estes mesmos clientes; tudo o mais rápido possível.
Já o item (2), o processo de realimentação, pode ser ilustrado pela dinâmica de déficits em conta corrente dos Estados Unidos e superávits em conta corrente da Ásia e Alemanha. Por exemplo, um aumento na taxa de poupança, ou na Ásia ou na Alemanha, deprime as taxas de juros globais, aumentando os preços dos ativos e, desta maneira, a riqueza mundial. Este aumento de riqueza, por sua vez, eleva novamente a taxa de poupança na Ásia e Alemanha, o que deprime ainda mais a taxa de juros global, causando uma segunda rodada de aumento nos preços dos ativos e, por fim, na riqueza mundial. O processo só termina quando novos aumentos na taxa de poupança não mais resultam em aumento de riqueza - ou seja, quando se acumulou mais capital do que indicado pela Regra de Ouro.
Os dados ilustrativos deste processo de realimentação são impressionantes. Segundo estatísticas do FMI, a partir de 1997, o déficit em conta corrente dos Estados Unidos quase triplicou, saltando de uma média de 1,6% do PIB entre 1987-1997, para uma média de 4,55% do PIB entre 1998-2008. Em 2006, logo antes do estouro da bolha, o déficit americano atingiu seu pico: 5,9% do PIB. Já na Ásia e Alemanha, a dinâmica era exatamente a oposta. A partir de 1997, o superávit em conta corrente da Ásia Emergente saltou de uma média de 3,13% do PIB, entre 1987-1997, para 5,53% do PIB, entre 1998-2008. Algo parecido acontecia no Japão e Alemanha, cujos superávits, nos mesmos períodos, aumentaram de uma média de 2,39% do PIB e 0,77% do PIB, para 3,32% do PIB e 2,84% do PIB, respectivamente. Tanto os superávits da Ásia emergente, quanto do Japão e Alemanha, atingiram seu pico em 2007: 7% do PIB para a Ásia emergente, 7% do PIB para a Alemanha e 4,8% do PIB para o Japão. São números assustadores, especialmente quando recordamos que a Inglaterra tinha um déficit em conta corrente de 4% do PIB em 1991, quando o Sistema Monetário Europeu cedeu sob um ataque especulativo; que o Brasil não resistiu a um ataque contra sua moeda em 1999, quando o déficit em conta corrente chegou a 4,2% do PIB; e que a Argentina literalmente quebrou em 2001 com um déficit de 3,2% do PIB.
E isto, finalmente, nos traz ao último e mais importante item: ineficiência dinâmica - uma economia que acumulou tanto capital, que a produtividade marginal deste capital é tão baixa que mal paga sua taxa de depreciação. Em teoria, esta economia estagnaria durante anos, ou décadas, até que a depreciação de suas máquinas e equipamentos - ou quem sabe o estouro de uma bolha - destruísse o excesso de capital, trazendo de volta o crescimento econômico.
Bem, a possibilidade de uma economia ter uma taxa de poupança tão alta, a ponto de acumular capital acima do que seria socialmente ótimo (a Regra de Ouro) parecia há alguns anos um conceito abstrato, com poucas implicações práticas. Mas então, ao final da década de 80, tivemos o Japão, uma economia que se desenvolveu artificialmente exportando - e, portanto, artificialmente poupando -, que se encontra estagnada há duas décadas. Seria ineficiência dinâmica uma descrição apropriada para as economias desenvolvidas de hoje?
Os dados, mais uma vez, são ilustrativos. A partir de 1997, as taxas de juros medidas em termos do PIB nominal dos países desenvolvidos - um proxy para a produtividade marginal do capital - cederam fortemente e entraram em território negativo. Por exemplo, entre 1988-1997, estas taxas de juros médias foram de 0,54% por ano para os Estados Unidos, 1,15% ao ano para Alemanha e -1,91% para o Japão, que já estava estagnado. Entre 1998-2008, estas médias caíram para -1,05% para os Estados Unidos, 0,51% para a Alemanha e -2% para o Japão. Em 2008, a taxa alemã também estava em território negativo, em -1,8%.
Se os países desenvolvidos estão realmente em ineficiência dinâmica, as consequências podem ser drásticas: uma longa estagnação - uma vez que o crescimento econômico via acumulação de capital simplesmente se esgotou. Uma saída poderia ser crescer por meio do desenvolvimento tecnológico, alocando recursos de maneira cada vez mais eficiente - assim como ocorreu na década de 90 com a revolução da informática. Mas duas revoluções tecnológicas em duas décadas, talvez seja contar demais com a sorte! Talvez, como já preveem muitos, o crescimento mundial seja sustentado pelos emergentes, onde o capital ainda é escasso e a produtividade marginal relativamente alta. Afinal, os emergentes, hoje, representam mais do que 30% do PIB mundial, comparado com 20% há uma década. E os Estados Unidos, que representavam 30% faz uma década, hoje representam 20%. O mundo pode, neste sentido, continuar crescendo, mas com países e forças diferentes. Para aqueles que vivenciaram a qualidade do crescimento econômico da década de 90 - baseado na revolução da informática e na alocação cada vez mais eficiente dos insumos - e que agora, depois dos anos da bolha, terão de experimentar um crescimento baseado em acúmulo de capital físico pelos países emergentes, só cabe uma conclusão: o mundo pode até continuar crescendo, mas a qualidade do crescimento econômico global está diminuindo drasticamente.
Paulo Tenani é professor de Finanças Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, São Paulo.




Causas da queda brusca na produção industrial
Yoshiaki Nakano10/03/2009
Os dados do IBGE de janeiro de 2009 de produção industrial brasileira mostram uma queda de 17,2%, comparada ao mesmo período do ano anterior. Mesmo neste mundo conturbado pela pior crise financeira das últimas sete décadas, não me recordo de país que tenha sofrido queda tão forte quanto a produção industrial brasileira. O IBGE deve divulgar hoje os dados de PIB do último trimestre de 2008, que deverá ficar dois pontos percentuais abaixo do trimestre imediatamente anterior. O que explica esta queda tão brusca na produção industrial e no PIB?
Os analistas em geral e o governo interpretaram a violenta queda na produção industrial, desde setembro, como um ciclo de ajuste de estoques. Neste ciclo, uma súbita e inesperada queda na demanda final teria provocado um aumento excessivo e não desejado de estoques, o que teria provocado um freio brusco na produção industrial. Mas, como a demanda final não sofreu uma queda tão grande, como mostram os dados de vendas do comércio varejista no mesmo período, uma vez ajustados os estoques para o nível desejado a indústria voltaria a recuperar e produzir mais. Nesta perspectiva, esperava-se que a produção industrial em janeiro tivesse forte recuperação, de 10% ou mais, e não os meros 2,3% divulgados pelo IBGE. Isto causou surpresa generalizada. Causou surpresa também que o comércio e os serviços nos setores não dependentes de crédito continuassem com o nível de atividade quase normal.
Na realidade, a brusca queda na produção industrial não foi causada por ajuste de estoque. Foi, sim, uma crise de crédito e um quase pânico que provocaram esse impacto na indústria, que tem ainda frescas na memória as crises provocadas pelas sucessivas paradas súbitas no fluxo de capitais do exterior. Não foi uma queda na demanda final pelos consumidores e corte nos pedidos pelo comércio varejista que provocaram tamanha contração na produção industrial. Não estamos vivendo um processo recessivo típico, iniciado pela queda na demanda agregada, o aumento de desemprego e queda na renda, seguida de aumento de estoques e queda na produção.
Foi o desaparecimento do fluxo de capitais do exterior, com o fluxo líquido tornando-se negativo no último trimestre do ano passado - seguido de contração generalizada de crédito doméstico pelos bancos - que, a partir de outubro, gerou um quase pânico que provocou uma parada brusca da produção industrial. Neste quadro, empresas que apostaram ganhar com derivativos na expectativa de apreciação do real tiveram grandes prejuízos, amplificando enormemente os possíveis efeitos da crise financeira, desencadeando a redução ou cancelamentos de encomendas de forma generalizada, seguidos de férias coletivas e demissão de trabalhadores em massa, em dezembro. É bom lembrar que esta contração no crédito foi antecedida por uma grande euforia e aumento no crédito. A partir de 2006, tivemos um verdadeiro boom de entradas de capitais do exterior, particularmente através do mercado de capitais, permitindo às empresas captarem recursos a custo muito mais baixo do que aquelas praticadas pelo nosso sistema bancário. Isso permitiu a geração de emprego e expansão da economia brasileira. Este fluxo de capitais se reduziu ao longo de 2008, mas é no final deste ano que, subitamente, o fluxo se reverte e gera uma restrição generalizada de crédito.
Desta forma, a produção industrial não se ajustou a uma queda autônoma da demanda dos consumidores, que não aconteceu, mas à escassez de crédito do exterior e à reação de pânico dos bancos. Economias abertas e dependentes como a nossa estão sujeitas a duas restrições de liquidez, da moeda nacional e da estrangeira - qualquer delas pode desorganizar e paralisar a produção e os investimentos. Foi a parada no fluxo de capitais do exterior, acompanhada de contração no crédito doméstico, a dupla restrição de liquidez que desorganizou a economia, desencadeando paralisação nos investimentos, corte nos pedidos e demissão de trabalhadores.
Desta forma, se as autoridades responsáveis pela política monetária tivessem reagido para compensar a parada no fluxo de capitais e de crédito do exterior, flexibilizando a política monetária e expandindo o crédito doméstico, certamente a contração na produção teria sido muito menor. O mais grave é que esta estreita visão do Banco Central terá consequências profundas para o desenrolar da economia brasileira nos próximos meses.
Em primeiro lugar, as demissões já ocorridas de trabalhadores vão desencadear uma contração na demanda agregada, que no Brasil tem efeitos retardados em função dos benefícios sociais pagos na demissão, mas vai atuar nos próximos meses, desencadeando novas demissões. Assim, podemos esperar, para os próximos meses, novas quedas na produção, desencadeadas agora pela queda na demanda. Em segundo lugar, o cancelamento de investimentos produtivos vai comprometer a futura taxa de crescimento da economia brasileira que, a duras penas, vinha se acelerando. Em terceiro lugar, o problema da economia brasileira, que era fundamentalmente monetário e creditício, pois o crescimento econômico estava baseado na ampliação do mercado interno e puxado pela demanda da "classe média" em expansão, poderá transformar-se em fiscal. Se, a exemplo do que aconteceu no resto do mundo, a nossa política monetária tivesse sido flexibilizada no crédito doméstico, compensando os efeitos da restrição de crédito externo, as medidas fiscais poderiam ser desnecessárias. É ainda tempo para o Banco Central corrigir seus erros, abrir os olhos e entender que, no atual contexto global de contração de liquidez e no PIB mundial, não há espaço para acelerações inflacionárias - ao contrário, vamos enfrentar fortes forças deflacionárias. Se a taxa de juros for reduzida fortemente na quarta-feira e, se os depósitos compulsórios forem reduzidos, adicionalmente, para reduzir os "spreads" dos bancos, as repercussões negativas da contração do nível de emprego e queda nos investimentos poderão, pelo menos, ser parcialmente neutralizados. Se isto não acontecer, a queda brusca na produção do setor real da economia foi tão forte que vai voltar com toda força sobre o setor financeiro, com aumento de inadimplência e quebra de empresas. Daí sim vamos importar, por vias tortas, a crise financeira.
Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.



Sucesso duvidoso do plano para sanear bancos nos EUA
Editorial
25/03/2009
O governo de Barack Obama está agora com seu arsenal completo para enfrentar a crise financeira. Ele pretende sanear os bancos com vastos incentivos do Estado para amparar uma ínfima parcela de capital privado que absorveria ativos invendáveis dessas instituições. O caminho indireto foi tomado para contornar dois problemas. O primeiro, real, foi o de evitar pedir ao Congresso mais centenas de bilhões de dólares que seriam exigidos se a escolha fosse a da intervenção direta, com nacionalizações ou mais injeções de capital. O segundo, o de evitar, sob premissas duvidosas, que o Estado avalie esses ativos. Os mercados ficaram eufóricos com o plano do Tesouro, mas eles deixaram de ser bússolas confiáveis. Há boas chances de o plano não funcionar.
Um dos sinais ruins emitidos pelo governo foi sua atitude defensiva. Pela explicação oficial do Tesouro, a ganância e irresponsabilidade dos bancos, que jogaram a economia mundial em recessão, parece obra do acaso. Os ativos tóxicos viraram "legados". A guinada semântica esconde questões mais graves. O Tesouro reconhece explicitamente que, se "funcionários do governo" determinassem o preço dos ativos podres dos bancos, "o contribuinte pagaria mais caro". Nem os bancos, nem os investidores, sabem dar preço a estes ativos, que hoje valem quase nada. O governo se eximirá da escolha, aportando mais de 90% do capital necessário para comprar os títulos lastreados nas hipotecas subprime. Os investidores, que pagarão menos de 10% do valor de face dos títulos, teriam uma expertise que não demonstraram até agora, supostamente por falta de quem os bancasse.
O governo americano está fazendo enorme ginástica para, mesmo gastando montanhas de dinheiro, convencer os contribuintes de que a salvação pode vir dos mercados. A definição das regras deixa claro que os bancos não serão nacionalizados, pelo menos até que saiam os resultados dos testes de estresse no início de abril. Esses testes são parte vital da estratégia, já que, com a garantia de que não irão à falência, é duvidoso que os bancos se sintam forçados a vender seus papéis podres, a menos que enxerguem vantagens nisso. Espontaneamente, venderão os títulos para os quais não esperam qualquer remuneração e isso não resolverá o crucial problema da desobstrução dos canais de crédito.
O governo Obama parou no meio do caminho. Os mercados de crédito e de hipotecas só funcionam hoje com a escora do dinheiro público, ou indiretamente, com o apoio de dezenas de bilhões de dólares aos bancos. Mesmo sustentando todo o jogo, o governo terá ainda de convencer os bancos a vender papéis ruins, porque a venda exigirá o lançamento das perdas nos balanços e aumento de capital. O governo teria duas opções a seguir, já que influencia de alguma forma todas as decisões comerciais relevantes tomadas pelos bancos que estão pendurados no Tesouro. Ou ele assume os títulos dos bancos diretamente, retira os responsáveis pelos prejuízos da direção das instituições e revende o que puder no futuro, ou então tenta a solução do "mercado imaginário", a que foi adotada, que não existe sem grande injeções de crédito público. As duas opções são viáveis, mas não é absolutamente certo que o custo da primeira seja maior do que o da segunda, no fim das contas. Obama optou pelo caminho mais demorado, baseado na aposta de que os EUA estão prestes a deixar o fundo do poço e que, com o risco baixo e irrisória exigência de capital, os investidores de grande porte limparão o lixo depositado nos bancos.
Cultural e economicamente, é uma solução de mercado bem americana, além de ser um reconhecimento de que o Estado pode não ter instrumentos nem desejo de assumir bancos falidos. O plano de saneamento sueco, um dos modelos possíveis, foi por uma rota distinta. "Se você injeta capital, precisa entrar na administração do negócio, caso contrário a administração estará concentrada em salvar a pele dos acionistas privados remanescentes", diz Stefan Ingves, que comandou a agência sueca encarregada da reestruturação dos bancos na crise dos anos 90. "Éramos um investidor que não queria lenga-lenga. Éramos brutais" (Valor, 24 de março). Ao optar pelo "lenga-lenga", Obama aposta seu capital político em uma melhoria rápida da economia americana. Se isso não ocorrer, o sistema financeiro continuará atolado na crise - e, com ele, o resto do mundo.




Ainda longe de um resgate bancário bem-sucedido
Martin Wolf
25/03/2009
Se o plano funcionar, pode convencer o americano comum de que seu governo está distribuindo privilégios para Wall Street
Estou cada vez mais preocupado. Nunca esperei muito dos europeus ou dos japoneses. Mas esperava, de fato, que os EUA, sob o comando de um novo presidente popular, fossem mais decisivos do que vêm sendo. Em vez disso, o Congresso deixa-se cair num frenesi populista e o governo fica só esperando pelo melhor.
Caso alguém ainda duvide dos perigos, basta apenas ler as análises mais recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI). Projetam contrações entre 0,5% e 1% na produção mundial de 2009, e entre 3% e 3,5% na dos países com economias mais avançadas. Sem dúvida, é a pior crise econômica no mundo desde a década de 30.
É preciso avaliar os planos de estímulo à demanda e resgate de sistemas bancários levando em conta este pano de fundo lúgubre. De forma inevitável, o foco está nos EUA, epicentro da crise e maior economia mundial. O que emergiu no país foi uma hostilidade explosiva ao setor financeiro. O Congresso discute uma tributação retrospectiva penal dos bônus não apenas da imensa seguradora AIG, mas de todos os receptores de dinheiro do governo sob o programa governamental de recuperação de ativos problemáticos (Tarp, na sigla em inglês). E o procurador-geral do Estado de Nova York, Andrew Cuomo, defende identificar pelo nome os que receberem bônus nas empresas socorridas. Isto, claro, é um convite a um linchamento.
Está evidente por que isso ocorre: a crise quebrou o contrato social dos EUA: as pessoas eram livres para ter sucesso ou fracassar, sem auxílio. Agora, em nome do risco sistêmico, os planos de resgate despejaram somas desconcertantes em instituições falidas que derrubaram a economia. A resposta parlamentar é desastrosa. Caso essas ideias sejam aprovadas, levarão a um êxodo de funcionários de alta capacitação dos bancos dos EUA, minarão a disposição para expandir-se o crédito, destruirão a confiança em acordos assinados com o governo e ameaçarão o Estado de Direito. Presumo que os parlamentares tenham a expectativa de que o presidente os salve de sua tolice. O simples fato de que tais ideias possam ser levadas em conta é um sinal claro da fúria existente.
Este também é o pano de fundo do "programa de investimento de parceria público-privada", anunciado na segunda-feira pelo secretário do Tesouro, Tim Geithner. Nas palavras do Tesouro, "o programa de investimento público-privado, usando entre US$ 75 bilhões e US$ 100 bilhões de capital do Tarp e de investidores privados, criará poder de compra de US$ 500 bilhões para a aquisição de ativos problemáticos - com potencial para ampliar-se a US$ 1 trilhão ao longo do tempo". Sob este plano, o governo entra com praticamente toda a parte financeira e arca com quase todo o risco, mas usa o setor privado para avaliar o preço dos ativos. Em troca, os investidores privados obtêm recompensas - talvez recompensas generosas - com base em seu desempenho, via participação patrimonial ao lado do Tesouro.
Eu vejo isto como o "programa de socorro via fundos abutre" (como costumam ser chamados os fundos que compram ativos agonizantes na expectativa de uma recuperação). Será que vai funcionar? Depende do que se quer dizer com "funcionar". Este não é um mecanismo de um mercado genuíno, porque o governo está subsidiando riscos assumidos. Os preços podem acabar mostrando que não são baixos o suficiente para atrair compradores, ou altos o suficiente para satisfazer os vendedores. Mesmo assim, o programa poderia de fato melhorar o estado horrendo dos livros de negociação dos bancos. Isso não pode ser algo ruim, pode? Bem, sim, pode, caso atrapalhe o caminho de soluções mais fundamentais. Isso porque quase ninguém - certamente o Tesouro também não - acredita que este programa acabará com a subcapitalização crônica das finanças dos EUA. Poderia, é verdade, deixar um pouco mais claro quanto ainda precisa ser revisto para baixo no valor dos ativos nos livros de longo prazo dos bancos.
Por que este programa poderia atrapalhar o caminho da recapitalização necessária? Há dois motivos: primeiro, o Congresso pode decidir que o programa torna a recapitalização menos importante; segundo e mais importante, este plano provavelmente tornará a recapitalização pelo governo ainda mais impopular. Caso o esquema funcione, vários dos gestores de fundos ganharão grandes retornos. Temo que isto convenceria o americano comum de que seu governo está em uma empreitada de distribuição de privilégios a benefício de Wall Street. Agora, imagine o que aconteceria se, depois de os "testes de estresse" dos maiores bancos do país ficarem prontos, o governo concluir - surpresa! - que precisa fornecer mais capital. Como persuadirá o Congresso a pagar?
O perigo é que este programa alcançará, na melhor hipótese, algo não particularmente muito importante - tornar os créditos anteriores mais líquidos - ao custo de dificultar algo que é essencial, a recapitalização dos bancos. Isto é importante porque o governo descartou a única forma de reestruturação das finanças dos bancos que não custaria nenhum dinheiro público adicional: a troca de dívida por patrimônio, ou seja, uma falência de verdade.
Economistas que respeito, como Willem Buiter, por exemplo, condenam esta relutância de imediato. Não há dúvida de que a decisão de bancar os credores de todas as instituições financeiras significativas para o restante do sistema cria receios quanto ao futuro: algo terá de ser feito a respeito do problema "grande demais para falir" que isto cria. Ante isto, o Tesouro insiste que hoje uma onda de falências minaria a confiança nas promessas passadas do governo e geraria novas incertezas. Infelizmente, esta não é uma visão maluca.
Temo, contudo, que a alternativa - uma recapitalização adequada do setor público - também se mostrará impossível. A provisão de dinheiro público a bancos é inaceitável para uma população cada vez mais enfurecida, enquanto o controle dos bancos recapitalizados pelo governo é inaceitável para os banqueiros ainda influentes. Parece ser um impasse. A única saída, sobre a qual o sucesso do plano de segunda-feira poderia ser considerado, seria se a maior transparência trazida pelos novos fundos permitisse aos grandes bancos levantar capital suficiente nos mercados privados. Se isso fosse alcançado na escala necessária - e estamos falando de várias centenas de bilhões de dólares, se não trilhões - o novo programa seria um grande êxito. Mas, mesmo na hipótese de sucesso de definição do preço de ativos e créditos problemáticos, não creio que isso seja suficiente para assegurar esse objetivo. Num mau momento econômico mundial, será que os investidores estarão dispostos a aplicar as enormes quantias requeridas por instituições financeiras imensas e complexas, com histórico comprovado de má administração? A confiança, uma vez destruída, não retorna fácil.
A conclusão, infelizmente, é deprimente. Ninguém pode ter certeza de que os EUA já tenham uma solução viável para seu desastre bancário. Ao contrário, com o público enfurecido, o Congresso em marcha de guerra, o presidente tímido e uma política que depende da capacidade do governo em injetar dinheiro público em instituições subcapitalizadas, os EUA estão num impasse.
Cabe a Barack Obama encontrar uma saída. Quando ele se reunir no grupo de 20 líderes mundiais em Londres na próxima semana, não terá condições de declarar que já a encontrou. Se isto não é assustador, então não sei o que pode ser.
Martin Wolf é colunista do "Financial Times".



O Plano Geithner: início da virada ou aposta de risco?
Armando Castelar
27/03/2009
No relatório preparado para a reunião do G-20, o FMI traça projeções sombrias para o desempenho global em 2009 e adverte que, sem um reforço nos programas de estímulo fiscal para 2010 e a estabilização do sistema financeiro, a recuperação da economia mundial no próximo ano estará em risco. Em especial, o FMI aponta a necessidade de os governos eliminarem "urgentemente as incertezas sobre os balanços (dos bancos), lidando agressivamente com os ativos problemáticos e recapitalizando as instituições viáveis". Sem isso, seria difícil estancar a espiral deflacionária entre os lados real e financeiro da economia.
Esse diagnóstico não diverge muito do que as autoridades americanas utilizam para embasar o Plano de Estabilização Financeira (PEF) apresentado pelo secretário do Tesouro Tim Geithner em 10 de fevereiro passado. Porém, apesar de elogiar partes do PEF, como os testes de estresse a que os grandes bancos estão sendo submetidos e a perspectiva de capitalização daqueles que o necessitarem, o Fundo critica a falta de "detalhes essenciais" e, implicitamente, a relutância em aceitar a estatização temporária como uma alternativa. No todo, avalia que mais detalhes são necessários para acalmar o mercado.
Esta semana o secretário Geithner deu alguns desses detalhes, em especial sobre os mecanismos por meio dos quais o governo americano pretende retirar os ativos problemáticos dos balanços dos bancos, o que em tese facilitaria a sua capitalização por investidores privados e os estimularia a emprestar mais. Muito resumidamente, a proposta é aumentar a demanda por esses ativos por meio de fundos a serem capitalizados paritariamente pelo Tesouro e investidores privados e alavancados com empréstimos ou garantias públicas a captações de mercado. O complicado problema de como precificar esses ativos, que se feito pelo governo poderia levar a acusações de favorecimento dos bancos, será "resolvido" deixando essa tarefa para os investidores privados, que responderão pela gestão dos fundos, e criando competição entre eles na aquisição dos ativos. A expectativa é que depois de comprados esses ativos permaneçam na carteira dos fundos, senão até o vencimento, pelo menos até a situação do mercado financeiro se normalizar.
Em tese, esse esquema permitiria revelar o verdadeiro valor desses ativos, que se pressupõe ser superior às atuais cotações de mercado, artificialmente deprimidas pela ausência de investidores com recursos líquidos para aproveitar a oportunidade que elas oferecem. Os subsídios implícitos nos empréstimos e garantias públicos servem para tornar a transação ainda mais atraente. Neste caso, haveria um espaço para todos, em especial bancos e investidores, ganharem. Os bancos, porque poderiam desfazer-se dos ativos a um preço superior ao que hoje estão cotados; os investidores, por poder comprar os ativos abaixo do seu verdadeiro valor e alavancar seus ganhos com empréstimos a baixo custo. Conforme os primeiros negócios sejam realizados, investidores independentes terão mais confiança para voltar ao mercado e também tentar ganhar com a valorização dos ativos, dando ao processo uma dinâmica própria. O governo atingiria seu objetivo de política e, dependendo de quanto os ativos se valorizarem depois de adquiridos pelos fundos, poderia até extrair um ganho líquido com a operação.
O mercado reagiu positivamente ao anúncio desses detalhes, ou por acreditar que o plano será bem sucedido, ou pelo menos por ver nele uma transferência de subsídios que vai ajudar os bancos. A reação dos analistas, porém, foi bastante dividida. Na questão particular de se o plano vai funcionar, dois pontos principais concentram os debates.
O primeiro é a dimensão do hiato entre o valor real dos ativos problemáticos e o preço a que eles estão cotados no mercado. Se os problemas principais forem a baixa liquidez desse mercado e a incerteza gerada pela assimetria de informação entre investidores e bancos, então esse hiato é grande e o plano tem tudo para funcionar. Se, porém, as cotações de mercado são baixas porque os ativos realmente valem pouco - por exemplo, por estarem lastreados em ativos que perderam valor depois do estouro da bolha imobiliária ou por conta da alta da inadimplência - o espaço para negociação entre fundos e bancos é reduzido, e poucas operações tenderiam a ocorrer. Em especial, os céticos apontam que o diagnóstico que sustenta as medidas ora anunciadas é o mesmo por trás do malfadado plano de criar um super-SIV e do formato inicial do Tarp.
O outro ponto é se, mesmo em esse hiato sendo significativo, ele será grande o suficiente para gerar ganhos atraentes simultaneamente para bancos e investidores. Alguns analistas observam que os elevados rendimentos oferecidos por títulos de dívida de empresas grau de investimento, por exemplo, tornam o custo de oportunidade de investir nesses fundos relativamente alto. Mais importante, porém, é que, como notado pelo Credit Suisse, apenas 15% a 20% dos ativos dos bancos americanos é contabilizado a preços de mercado, o resto sendo marcado por meio de modelos ou pelo valor de face. Isso significa que para uma parcela dos ativos problemáticos essas operações trarão perdas contábeis para os bancos, complicando seus problemas de capitalização. Essa dimensão da crise financeira deve ser atacada pelo Programa de Assistência de Capital, outro pilar do PEF. Como observa Ricardo Caballero, porém, para que os bancos se interessem em vender seus ativos problemáticos pode ser necessário ligar esses dois pilares mais diretamente.
O Plano de Estabilização Financeira procura ser uma alternativa à estatização temporária, por meio da qual o governo poderia tanto separar a parte boa da ruim nos ativos dos bancos, sem a necessidade de enfrentar imediatamente o problema da precificação, como capitalizá-los. Se funcionar, o plano pode ser um marco na estabilização do sistema financeiro e na solução da crise. Se não funcionar, ainda restará a alternativa da estatização, mas esta ocorrerá em um ambiente econômico e político bem mais difícil e arriscado que o atual.
Armando Castelar Pinheiro, analista da Gávea Investimentos e professor do IE - UFRJ. Escreve mensalmente às sextas-feiras.



Economia 25/03/2009 Copyleft
Nobel de Economia defende nacionalização dos bancos nos EUAPara Paul Krugman, o novo plano anunciado segunda-feira pelo governo dos Estados Unidos "vai produzir grandes ganhos para os bancos que na verdade não precisavam de qualquer ajuda; mas, em contrapartida, pouco vai fazer para tranquilizar o público em relação aos bancos que estão seriamente descapitalizados". O plano pretende convencer investidores privados a comprar dos bancos os títulos que ninguém quer, incentivando-os com uma participação do Estado e a concessão de empréstimos públicos que cobrem quase todo o investimento.
Esquerda.Net
O governo dos Estados Unidos anunciou o segundo plano para ajudar os bancos a livrarem-se dos chamados ativos tóxicos, o denominado Plano de Investimento Público-Privado. O plano pretende convencer investidores privados a comprar dos bancos os títulos que ninguém quer, incentivando-os com uma participação do Estado e a concessão de empréstimos públicos que cobrem quase todo o investimento. O prêmio Nobel da Economia, Paul Krugman, criticou o plano e voltou a defender a nacionalização dos bancos, como meio de enfrentar a crise. O plano é uma segunda tentativa, depois do fracasso do plano Paulson, que foi aprovado pelo Congresso norte-americano em Outubro, mas que esbarrou na dificuldade de definir o preço certo dos ativos tóxicos. Assim, as autoridades acabaram por utilizar o dinheiro (cerca de 700 bilhões de dólares) para recapitalizar os bancos. Agora, segundo o plano do secretário do Tesouro Timothy Geithner, são os investidores privados que definem, em negociação com os bancos, qual o valor a pagar pelos ativos. Mas o Estado participa no negócio em partes iguais e ainda empresta, com garantias, a maior parte do dinheiro para a aquisição. De acordo com um exemplo dado pelo próprio Tesouro dos EUA, se o valor negociado pelo ativo for de 84 dólares, o investidor privado entra apenas com seis dólares, o Tesouro com outros seis dólares e os restantes 72 (seis por cada dólar investido) são obtidos através de um empréstimo da Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC). O Estado, apesar de partilhar um eventual lucro com o investidor privado, caso o título não seja totalmente perdido, a exposição a prejuízos é elevada, devido ao empréstimo concedido. A divulgação do plano provocou euforia nas Bolsas de Valores de todo o mundo. Euforia não compartilhada pelo prêmio Nobel da Economia, Paul Krugman. Para ele, "este plano vai produzir grandes ganhos para os bancos que na verdade não precisavam de qualquer ajuda; mas, em contrapartida, pouco vai fazer para tranquilizar o público em relação aos bancos que estão seriamente descapitalizados. E temo que quando o plano fracassar, como quase certamente vai acontecer, a administração terá dado o último tiro: não vai conseguir levar ao Congresso outro plano que realmente funcione", escreveu no seu blog no New York Times. Krugman apela a que a Administração Obama imite a "solução sueca" para a crise financeira, nacionalizando os bancos em dificuldades.



Economia 19/03/2009
O grande fracasso dos Bancos Centrais independentesUm dos principais fracassos evidenciados pela crise atual é a tese dos bancos centrais independentes. Para que serviu dar independência a estas instituições senão para que as suas competências ficassem fora do alcance das instituições democráticas dos Estados? Os bancos centrais independentes só foram úteis para que grandes investidores do setor financeiro e banqueiros sem escrúpulos tirassem proveito nestes últimos anos. O desenvolvimento da crise mostra a sua impotência e a sua efetiva incapacidade para dar respostas, primeiro de previsão e depois de solução.
Juan Torres Lopez e Alberto Garzon Espinosa - Informação Alternativa
A crise que estamos vivendo pôs em evidência muitos fracassos que já ninguém pode dissimular: o da ideia de que os mercados se podem auto-regular com sucesso, o dos princípios que inspiraram a gestão financeira e, sobretudo, o daqueles que fizeram crer a todo mundo que aquilo que convém aos financeiros e especuladores é bom para todos, para citar apenas três deles. Mas há um fracasso especialmente importante, o qual se tenta varrer para debaixo do tapete: o dos bancos centrais independentes. Nas últimas décadas tiveram no papel uma capacidade imensa para decidir, vigiar, autorizar ou pôr em andamento a política monetária. Praticamente não houve um aspecto das finanças nacionais e, por extensão, internacionais sobre o qual não tenham podido atuar mais ou menos diretamente. E tudo isso sem interferências, com plena independência, de modo que agora não podem assacar senão às suas próprias limitações os desastres que contribuíram para provocar. Com o tempo, poder-se-á analisar com mais detalhe o papel que tiveram, mas de momento é fácil avaliar que, ao impulsionar as mudanças tão negativas que ocorreram nos últimos anos e ao deixar agir os grandes poderes financeiros, atuaram como catalisadores da crise. Em primeiro lugar, foram um dos principais instrumentos para aplicar as políticas deflacionárias das últimas décadas. Políticas orientadas a criar escassez e a provocar desemprego para vencer as resistências trabalhistas e que provocaram uma diminuição da capacidade potencial de crescimento das economias. Graças a elas, foi possível recuperar a taxa de lucro, mas, ao debilitar os salários, e com eles a procura, conseguiram-no à custa de uma perda global de rendimentos que foi um dos fatores que impulsionou o contínuo desvio de capitais para o âmbito especulativo, onde se podia alcançar lucros mais elevados e rápidos. Um fenômeno que está na origem dos problemas que agora paralisam a economia mundial. Em segundo lugar, aplicaram políticas monetárias ao serviço dos interesses do grande capital financeiro e para apoiar um modelo produtivo baseado na geração de bolhas que, como se pôde comprovar em inúmeras ocasiões e agora de forma particularmente clara, é materialmente insustentável. Em terceiro lugar, os bancos centrais deixaram atuar os capitais especulativos, favoreceram a criação e o funcionamento dos mecanismos legais e materiais necessários para que as suas atividades se tivessem estendido por todo o planeta e, no sentido de salvar o princípio de liberdade de mercado, não puseram praticamente limite algum à barbárie especulativa das últimas décadas. O Federal Reserve (Banco Central dos EUA) olhou para o outro lado durante anos, quando se gestava a bola de neve das hipotecas-lixo, quando o alavancamento e a engenharia financeira geravam um risco sistêmico a todos os títulos insuportável a médio prazo e quando os bancos e as grandes empresas desviavam sem pudor as suas contas e lucros para os paraísos fiscais. Não os preocupou a opacidade, nem a criação artificial de dinheiro fácil, nem a falta efetiva de supervisão... Como agora se pode saber, fizeram ouvidos surdos aos avisos de fraudes, ao risco ingente acumulado por dúzias de entidades financeiras em operações que os bancos centrais conheciam sem lugar a nenhuma dúvida, e manipularam as taxas de juro para ir favorecendo esse tipo de ganhos... Em quarto lugar, os bancos centrais contemplaram em silêncio, quando não deram seu consentimento explícito, à desnaturalização progressiva do negócio bancário, que acabou por deixar exausta a economia real. Em lugar de obrigar que o financiamento se dirigisse preferencialmente para a atividade produtiva, deixaram agir os bancos e nada fizeram para desestimular a especulação e a transferência de recursos multimilionários da poupança privada para a especulação financeira. E, sempre, os bancos centrais atuaram como os mais privilegiados difusores da ideologia que justificava tudo isso, louvando sempre o mercado, a quem reconheciam propriedades de auto-ajuste que nunca se puderam comprovar na realidade, antes pelo contrário, e promovendo sempre as reformas mais favoráveis ao grande capital para debilitar o poder negociador dos trabalhadores. Apesar de gozarem de mais meios que nenhuma outra instituição econômica, apesar de se auto-apresentarem como o summun da ciência econômica, a verdade é que nada anteciparam, que quando estalou a crise não acertaram em adotar medidas eficazes, que se viram superados pelos fatos e que, finalmente, tiveram que deixar nas mãos dos governos a capacidade para enfrentar os problemas que, com a sua enorme inércia, contribuíram tão decisivamente para gerar. Nem sequer se pode dizer que tenham sido capazes de conseguir sucessos na luta pela estabilidade dos preços. Até há pouco, continuavam a ameaçar com a inflação. Agora, fazem-nos temer a todos pela deflação, o que constitui uma indiscutível mostra de que a estabilidade perseguida está longe de ter sido alcançada. E, quando se conseguiu, foi, como assinalamos no princípio, à custa de reduzir muito perigosamente a capacidade de crescimento potencial das economias. Para que serviu então dar independência a estas instituições senão para que as suas competências ficassem fora do alcance das instituições representativas, para que decisões que antes podiam ser tomadas em função de preferências representativas agora estejam em mãos de políticos que não o são, no melhor dos casos, ou dos poderes financeiros privados, no pior? Os bancos centrais independentes só foram úteis para que os grandes investidores do setor financeiro e os banqueiros sem escrúpulos tirassem proveito nestes últimos anos. O desenvolvimento da crise mostra a sua impotência e a sua efetiva incapacidade para dar respostas, primeiro de previsão e depois de solução. Mas enquanto existirem como tais, subtraindo aos governos representativos a possibilidade de adotar políticas que respondam às preferências cidadãs, não só continuarão a ser um limite material para que se viva em democracia, mas impedirão que as respostas às crises sejam eficazes. É preciso rever o seu estatuto, democratizar a política monetária e pô-la nas mãos de organismos que, como qualquer outro âmbito do estado, estejam sempre ao serviço dos interesses sociais e não dos oligárquicos que uma vez mais provocaram o desastre financeiro e econômico. Fonte: Informação Alternativa



Solucionando a crise bancária: mais ou menos Estado?
Jairo Saddi
30/03/2009
A nacionalização é dramática pela simples razão de que os prejuízos são sempre rateados entre todos
A situação econômica exportada pelos Estados Unidos ao resto do mundo nasceu de uma crise bancária que se tornou, rapidamente, uma crise econômica. Como resolvê-la, o que não é nem fácil nem simples, depende, intrinsecamente, da solução de um antigo (mesmo que ainda atualíssimo) problema de solvência bancária. Na maior parte das jurisdições a solução do saneamento bancário é extrajudicial, ou seja, é um capítulo especial das leis de falência que se dá fora do Judiciário. É verdade que existem também importantes países onde bancos não têm qualquer tratamento diferenciado, como a Inglaterra, e que estão causando imensos problemas de harmonização - como os que observamos com o Lehman Brothers, cuja falência se dá pela lei americana, mas que contém ainda muitos ativos que estão sendo lá realizados provenientes da praça de Londres.
O caso brasileiro, cujo sistema financeiro ainda parece relativamente imune a qualquer tipo de contágio, também adota a liquidação extrajudicial de bancos como solução - e nossa história e tradição na área é longa. O instituto tem origem no Decreto nº 19.479/1930, quando o governo de Getúlio Vargas, face ao impacto da crise de 1929, resolveu inovar o direito e, à inspiração do direito italiano, criou o mecanismo de liquidação obrigatória, ou seja, a autoridade monetária, em benefício à poupança popular, poderia intervir nos bancos. Em 1946, à luz da nova lei falimentar, o decreto sofreu alterações, e, em 1953, foi proibido o acesso das casas bancárias à concordata preventiva. Como se sabe, a incorporação definitiva do instituto da liquidação e da intervenção extrajudicial à nossa legislação, atingindo todos os intermediários do sistema financeiro nacional, deu-se com a Lei nº 6.024, de 13/03/1974.
Há muitas soluções para a crise bancária que se está vivendo hoje. Por analogia, vamos compará-la à religião e à morte, que pode não ser tão distante assim. Por acaso, o Brasil já viveu todos os tipos de crise, e talvez, como já disse, nossa tradição e história pudessem oferecer algum grau de colaboração aos nossos vizinhos do norte.
Por exemplo, depois da vida, o primeiro e mais conhecido ato de qualquer ser vivo é a morte. Quando a vida se extingue, morre-se, simples assim. O mesmo acontece com os bancos: assim como os seres humanos em qualquer sociedade organizada, enterram ou incineram seus mortos. Bancos falidos também devem sofrer a tradicional liquidação bancária. Como na vida, a morte é o fim e o enterro, um ritual de passagem triste e doloroso. A liquidação bancária é a morte, é o não-pagamento dos passivos e o posterior rateio, num concurso de corredores, dos ativos restantes. Mais ou menos como qualquer divisão de espólio humano, partilha-se o que sobrou, e como, em geral, pouco sobra, restam apenas os prejuízos para os que ficaram. Isso aconteceu com o Lehman Brothers, liquidado em outubro do ano passado, que, reconhecidamente, foi o estopim da crise atual. Na cena brasileira, muitos foram os bancos liquidados (aliás, a grande maioria), e exemplos mais distantes, como o Comind, Auxiliar etc. são casos típicos de liquidação bancária.
Mas há também a reencarnação dos mortos, como alguns creem, que no caso bancário ocorre quando um banco está morto, mas em vez de ser enterrado, volta a viver. A reencarnação humana não é fácil de comprovar (se é que existe...) mas, para muitas religiões, é possível resgatar um ente da morte por meio da reencarnação, ou seja, voltar à carne. No caso bancário, um banco que estava para ser liquidado (ou seja, morto) volta a viver. Isso pode acontecer com a fusão bancária - o caso do Bear Stearns com o JP Morgan, em março do ano passado, é tipicamente de reencarnação. No caso brasileiro, o melhor exemplo é o BUC (Banco União Comercial), que em 1974 foi absorvido pelo Itaú, em decorrência da liquidação do Banco Halles, e que causou uma corrida bancária até então sem precedentes no país. A reencarnação é sempre uma opção, quando há outros interessados em manter vivo o que está morrendo. No entanto, essa não é uma solução viável para a crise atual.
Há também a ressurreição, caso em que o banco sequer morre, conseguindo viver para a vida eterna. Nesta hipótese, o Estado entra com garantias e assume os prejuízos. AIG é um exemplo de ressurreição na atual crise. No Brasil, podemos citar o banco gaúcho Sul Brasileiro, transformado em Banco Meridional, por meio da Lei nº 7.325, de 24.05.1985, que, como bem lembrou Eduardo Lundberg, foi o "único caso de estatização de bancos do período [...], uma decisão democrática" do início da Nova República.
Finalmente, há a intervenção divina, que é a nacionalização pura e simples. O todo-poderoso Estado entra e assume a entidade bancária. Isso ainda não se verificou até agora nos EUA (se bem que existem defensores ardorosos de tal ideia...), mas foi o que ocorreu com os ingleses Northern Rock e Royal Bank of Scotland, dos quais o governo inglês assumiu 70% do controle. No Brasil, o melhor caso de nacionalização foi o Banespa, se bem que já pertencia ao Estado de São Paulo. A hipótese da nacionalização é dramática pela simples razão de que, aqui, os prejuízos são sempre rateados entre todos.
Qual é o melhor modelo? Assim como na vida, o melhor é ter saúde e não morrer. Mas o ser humano tem como certa desde o dia que nasce, a morte - este é o efeito da senescência, a sua certeza diante do fato da morte inevitável. Instituições, contudo, deveriam ser diferentes. Só deveriam morrer se fossem mal gerenciadas (que é o caso...) e não deveriam reencarnar, ressurgir, nem sofrer intervenção divina. Cada uma das opções expostas tem o seu custo em termos de políticas públicas, e o mundo certamente pagará muito caro por qualquer uma delas.
Jairo Saddi é doutor em Direito Econômico (USP), pós-doutor pela Universidade de Oxford e diretor do Ibmec Direito - Ibmec São Paulo


Resposta à crise não pode ser recuo
Gustavo Loyola
30/03/2009 + [22-06-09]
O Brasil sofre com a crise econômica internacional e, sem dúvida, medidas devem ser adotadas pelo governo para mitigar seus efeitos sobre a economia do país. Contudo, a resposta necessária à crise não pode levar a recuos na política macroeconômica, como pretendem alguns integrantes da administração Lula.
A boa performance da economia brasileira nos últimos foi ajudada pelas condições favoráveis da economia internacional. No entanto, não fosse a prática de uma política macroeconômica responsável em suas linhas gerais, muito provavelmente o Brasil não teria obtido os bons resultados no que diz respeito ao crescimento econômico e à geração de empregos. Nesse particular, foram indispensáveis o regime de metas para a inflação, o câmbio flutuante e a manutenção de robustos superávits fiscais primários. Quaisquer ações anticrise que conduzam a retrocessos nessas áreas serão contraproducentes e somente atrapalharão a retomada do crescimento econômico sustentado nos próximos anos. Do mesmo modo, retrocessos no campo microeconômico também seriam lamentáveis.
Por exemplo, a condução da política monetária tem sido alvo de frequentes ataques, a ponto de uma facção do PT ligada a um ministro de Lula defender publicamente o fim da autonomia operacional do Banco Central. Isso sem contar os petardos desferidos de dentro de órgãos do próprio governo, como o Ipea "sob nova direção". Mesmo ignorando os ataques tipicamente oportunistas, que antecipam uma eventual futura mudança na direção do BC, é flagrante a confusão mental que leva à conclusão de que o Brasil pode se safar da crise apenas com um choque de juros patrocinado pela autoridade monetária. Nada mais ilusório.
Há de fato espaço para a queda dos juros e o BC vem se aproveitando disso. Não obstante essa folga, é necessário atentar para a necessidade de preservação da credibilidade da política monetária, o que implica manter-se o BC dentro dos limites estreitos do regime de metas para inflação. O uso contracíclico da taxa de juros, desse modo, deve observar sempre o balanço de riscos entre a inflação e a atividade econômica de modo a evitar a volatilidade excessiva do PIB que poderia vir a ser causada por uma política tipo "stop-and-go".
Nunca é demais ressaltar que a manutenção da autonomia operacional do BC é de fundamental importância para o país num momento de retração dos fluxos de capitais internacionais e de aumento de aversão ao risco nos mercados financeiros. O ideal, aliás, seria o Brasil avançar institucionalmente, dando ao BC uma autonomia de direito, por meio de instrumento legal atribuindo mandatos fixos à diretoria da instituição. Mas, no mínimo, não se deveria atentar contra a credibilidade do BC conquistada a duras penas na última década.
Ainda com relação ao BC, sua política de regulação bancária deve ficar insulada de pressões que buscam, a qualquer custo, elevar "na marra" a oferta de crédito no país. Estão circulando ideias dentro do governo que já se mostraram muito danosas no passado. Entre as frequentes más ideias, estão as que recomendam a limitação dos "spreads" bancários, o direcionamento obrigatório do crédito e a criação de condições regulatórias especiais para que os bancos públicos possam atuar mais livremente na oferta de crédito.
Quanto à política fiscal, a rigidez da despesa pública, por força dos gastos obrigatórios por lei, agravada pela sua grande expansão a partir de 2003, tira o espaço para o aumento dos investimentos públicos, o que seria recomendável para sustentar a demanda agregada nesse momento. Na presença de queda de arrecadação, o governo tem que ser cauteloso na execução de programas fiscais de estímulo, devendo buscar aqueles que apresentem maior potencial de impacto sobre a atividade econômica. Até o momento, felizmente, o governo não renunciou formalmente à manutenção de superávits primários robustos nos próximos anos, mas a pressão nesse sentido se intensifica com demandas setoriais que, em muitos casos, pouco têm a ver com a crise conjuntural.
Aliás, no campo fiscal, um dos equívocos frequentes é a redução temporária de impostos, como ocorreu com o IPI incidente sobre a produção de veículos. Esse tipo de medida, além de discriminatória, não tem o condão de aumentar a demanda, mas apenas antecipa o consumo que seria de qualquer modo realizado no futuro. Havendo espaço fiscal, o correto seria, no Brasil, buscar-se uma menor carga tributária, por meio de quedas de tributos que beneficiam a economia como um todo, e não apenas setores eleitos pelo poder do príncipe.
Outro exemplo dos tiros a esmo que o governo vem dando no enfrentamento da crise encontra-se no aumento das parcelas do seguro-desemprego para trabalhadores de determinados setores, supostamente mais afetados pela retração econômica. Além do seu caráter fortemente discriminatório - afinal de contas nenhum trabalhador tem "culpa" de ter sido demitido por uma empresa de um setor "não atingido pela crise" - a medida em si pouco contribui para mitigar os efeitos da retração da economia, ao contrário, estimula ainda mais a rotatividade da mão-de-obra.
Por sua vez, com relação à política creditícia, o uso dos bancos oficiais não deve ultrapassar os limites da prudência, cuidado que parece não haver no discurso agressivo de algumas autoridades que consideram razoável que as instituições oficiais de crédito persigam uma política de expansão de crédito e de redução de margens financeiras num ambiente de maiores riscos de inadimplência. Ademais, pelo que se observa até aqui, a atuação dessas instituições, mormente do BNDES, privilegia certos setores em detrimento de outros, por razões que não estão muito claras. Vale dizer, a propósito, que as grandes órfãs da crise até aqui são as pequenas e médias empresas, as maiores afetadas pela contração do crédito verificada a partir de setembro último.
Em suma, embora em linhas gerais o governo tenha até aqui mais acertado do que errado nas suas respostas à crise, vemos ideias perigosas sendo ventiladas dentro da própria administração. Não apenas isso sinaliza falta de comando na área econômica, como também prejudica os esforços de contenção da crise, ao criar desnecessariamente incertezas entre os agentes econômicos.
Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do Banco Central, é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo. Escreve mensalmente às segundas-feiras. gloyola@tendencias.com.br


Op-Ed Contributor
How to Clean a Dirty Bank
By ANDREW ROSENFIELD
Published: April 5, 2009
Chicago
COMMERCIAL banks in the United States are not subject to the bankruptcy statute — when they become insolvent they are simply acquired by the government. This is what banks sign on for in return for a charter, deposit insurance and direct access to the Federal Reserve lending window, which generally allow banks to prosper as long as they control risk.
Now Treasury Secretary Timothy Geithner wants to apply this same swift acquisition process to large insolvent “shadow banks” that risk doing damage to the financial system — big hedge funds, investment banks, insurance holding companies and the like — because bankruptcy proceedings move too slowly to allow these institutions to be quickly refinanced or restructured.
Secretary Geithner says the lack of a good mechanism to restructure Lehman Brothers contributed to that firm’s failure last fall. And it is why the Bush administration’s ill-designed overnight infusion of capital into American International Group turned out to be such a mess. The company avoided bankruptcy, but could not be properly restructured.
Mr. Geithner is right to want a rapid seizure system for shadow banks. What’s odd is that at the same time that he is proposing one, the government is failing to use powers it already has to restructure insolvent commercial banks. Instead, Mr. Geithner continues to suggest a variety of other actions that seem unlikely to solve the banks’ central problem — a lack of equity capital. Perhaps he fears what would happen if large bank holding companies were to default on their bonds, which are held by insurance companies and other institutional investors. But that is a problem that needs to be tackled head-on, not by propping up failing banks.
Consider what happens when the government acquires an insolvent bank. The shareholders and the debt holders of the bank’s holding company may be essentially wiped out — even as the bank itself is merged into another institution. That is what happened, for example, when JPMorgan Chase “acquired” Washington Mutual bank; its holding company promptly went bankrupt. This approach allows the market to properly discipline banks. The fear of loss gives investors the critical incentive to deny capital to those that take excessive risks. Also, when the price of a bank holding company’s stock and debt plummets, it is an early warning of trouble.
Treasury’s new plan, the Public-Private Investment Program, reduces that incentive by preserving shareholder and debt holder ownership of insolvent banks. It also injects capital into those banks in a roundabout, unproductive way. Under the program, the government will help private investors buy at auction the banks’ toxic assets (what Treasury now calls “legacy assets”). Private firms will use government funds, along with some money of their own, to buy the assets at prices above current market value.
The government will bear almost all the exposure to losses from these transactions, but earn only a small fraction of any profits. Another problem is that if the buyers of these assets harvest significant gains, they will have to worry that Congress might seek to recapture the money in the future, as it has threatened to in the recent bonus turmoil at A.I.G. This fear will lower the bids and therefore the amount paid for the toxic assets.
Even if it is successful, the program will add very little new capital to the banks — roughly only the amount paid for toxic assets that is over and above their current value.
There is a simpler, sounder and fairer way to recapitalize an insolvent bank. The government should seize it, as it is already authorized — indeed, compelled — to do. Then it could inject cash (in the form of Treasury notes) as equity in the bank and, at the same time, remove the toxic assets the bank holds. Bank regulators might perhaps swap Treasury securities for toxic assets “at par” — that is, in an amount equal to the original purchase price of the assets removed. This would be a fair transaction, and it would cost nothing, because the government would own both the bank and the bonds. The toxic assets could then be placed in the basement of the Treasury building while we wait to see what they turn out to be worth.
The government could then quickly — say within a month — auction off the bank. Speed would be critical: If Treasury were to hold a large bank for a long time, it would be difficult to retain the most talented employees, and it is the people, along with a clean balance sheet, that make a bank valuable.
If markets work at all (and if they don’t, Treasury’s new plan is doomed to fail), such an auction would produce a new privately owned “clean” bank, with ample capital to lend. It would also generate proceeds from the sale that would be at least as great as the value of the securities injected into the bank as equity — and likely greater.
If the recapitalized bank could not be sold at a price that amounts to (at least) the new cash injected, then the bank would be worthless, but not because of the toxic asset problem. It would be because the bank has been mismanaged or has other bad loans unrelated to the mortgage crisis, and such a bank should be allowed to fail.
If the sale succeeds, however, the government would have created a fully financed private bank at essentially no incremental cost to taxpayers, and Treasury would still hold the toxic assets on its books — to be sold whenever it becomes economical to do so.
This is a simple and fair plan. And unlike the Public-Private Investment Program, it would not reward bank investors for their folly or inject too little capital when more is needed.
Andrew M. Rosenfield is a senior lecturer at the University of Chicago Law School and the chief executive of an investment advisory firm.


Op-Ed Columnist
Awake and Sing!
“I am pronouncing the depression over!” declared CNBC’s irrepressible Jim Cramer on April 2. The next day the unemployment rate, already at the highest level in 25 years, jumped yet again, but Cramer wasn’t thinking about the 663,000 jobs that disappeared in March. He was thinking about the market. Mad money. Fast money. Big money. The Dow, after all, has rallied in the weeks since Timothy Geithner announced his bank bailout 2.0. Par-tay! On Wednesday, Cramer rang the opening bell at the New York Stock Exchange, in celebration of the 1,000th broadcast of his nightly stock-tip jamboree.
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Op-Ed Contributor
Mr. Soddy’s Ecological Economy
By ERIC ZENCEY
Published: April 11, 2009
Montpelier, Vt.
INNOVATIVE and opaque instruments of debt; greedy bankers; lenders’ eagerness to take on risky loans; a lack of regulation; a shortage of bank liquidity: all have been nominated as the underlying cause of the largest economic downturn since the Great Depression. But a more perceptive, and more troubling, diagnosis is suggested by the work of a little-regarded British chemist-turned-economist who wrote before and during the Great Depression.
Frederick Soddy, born in 1877, was an individualist who bowed to few conventions, and who is described by one biographer as a difficult, obstinate man. A 1921 Nobel laureate in chemistry for his work on radioactive decay, he foresaw the energy potential of atomic fission as early as 1909. But his disquiet about that power’s potential wartime use, combined with his revulsion at his discipline’s complicity in the mass deaths of World War I, led him to set aside chemistry for the study of political economy — the world into which scientific progress introduces its gifts. In four books written from 1921 to 1934, Soddy carried on a quixotic campaign for a radical restructuring of global monetary relationships. He was roundly dismissed as a crank.
He offered a perspective on economics rooted in physics — the laws of thermodynamics, in particular. An economy is often likened to a machine, though few economists follow the parallel to its logical conclusion: like any machine the economy must draw energy from outside itself. ......
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Eric Zencey, a professor of historical and political studies at Empire State College, is the author of “Virgin Forest: Meditations on History, Ecology and Culture” and a novel, “Panama.”





Artigo: Sem reforma financeira, crise atual será só início de dias piores

Op-Ed Columnist
Making Banking Boring
By PAUL KRUGMAN
Published: April 9, 2009
Thirty-plus years ago, when I was a graduate student in economics, only the least ambitious of my classmates sought careers in the financial world. Even then, investment banks paid more than teaching or public service — but not that much more, and anyway, everyone knew that banking was, well, boring.
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Os amigos de Tim GeithnerLuiz Gonzaga Belluzzo
28/04/2009
A edição de segunda-feira, 27 de abril, do jornal New York Times oferece aos leitores a biografia profissional de Timothy Geithner, o atual do secretário do Tesouro dos Estados Unidos. A matéria pretende desvendar as relações entre Geithner e o mundo da alta finança, como se as relações incestuosas entre o Estado e os mercados fosse novidade.
Ainda assim, o rol de equívocos promíscuos cometidos por Geithner em sua função de autoridade reguladora, presidente do Fed de Nova York, é impressionante. Entre tantas proezas figura com "aplomb" afirmação em 15 de março de 2007: "As inovações financeiras, como os derivativos, melhoraram a capacidade de avaliar e administrar os riscos". Para Geithner "as maiores instituições estavam em geral mais fortes no que diz respeito aos requerimentos de capital em relação ao risco". O palpite infeliz foi pronunciado em 2007, quando a crise financeira já mostrava os dentes e afiava as garras. Dois dias depois, entrevistas e gravações mostram que Geithner trabalhou nos bastidores para reduzir o capital dos bancos. A crise veio brava e os amigos do Dr. Geithner foram pegos no contrapé, com capital e reservas insuficientes para contrabalançar as perdas. Remeto o leitor desejoso de informações mais completas sobre as façanhas de Tim Geithner ao texto do NYT.
O propósito aqui não é individualizar as responsabilidades, mas repetir o que já foi dito em outra ocasião no espaço que o jornal Valor generosamente me concede: desde sua fundação, mas sobretudo na posteridade da Guerra de Secessão, o peso dos interesses e os interesses de peso transformaram o Estado americano numa caricatura da República, num mercado de influências e relações perigosas. Essa engrenagem controla o Estado por dentro e precisa produzir as condições que a ajudem a reproduzir a si mesma. Não é, portanto, surpreendente que os episódios de promiscuidade se multipliquem. Os liberais querem resolver isto fazendo com que o Estado deixe de se intrometer nos assuntos econômicos. O problema desta sugestão é que, a despeito das lamentações dos liberais, são os mercados se intrometem na política.
Em um de seus derradeiros ensaios, "A Economia das Fraudes Inocentes", John Kenneth Galbraith fala dos Estados Unidos, a economia capitalista mais avançada do planeta e, por isso mesmo, o país em que as relações entre o público e privado se apresentam sob a forma mais evoluída. Ele diz: "A intrusão do setor nitidamente privado no setor público se generalizou. Dotados de plenos poderes na grande empresa moderna, é natural que os executivos estendam este papel para a política e para o Estado". As recentes investidas neoliberais conseguiram desfigurar algumas das dimensões do Estado do Bem-Estar, a dano dos subalternos.
O Estado está cada vez mais envolvido na sustentação das condições requeridas para o bom desempenho das suas empresas na arena da concorrência generalizada e universal. Elas dependem do apoio e da influência política de seus Estados nacionais para penetrar em terceiros mercados (acordos de garantia de investimentos, patentes etc.), não podem prescindir do financiamento público para suas exportações nos setores mais dinâmicos e seriam deslocadas pela concorrência sem o benefício dos sistemas nacionais de ciência e tecnologia. Muito menos podem dispensar o papel crucial das políticas do Estado quando a euforia do ciclo financeiro e de investimento leva à sobre acumulação produtiva e à ameaça de desvalorização da riqueza.
As transformações ocorridas nas últimas décadas não se propõem a reduzir o papel do Estado, nem enxugá-lo, mas almejam aumentar sua eficiência como agente da acumulação capitalista, em detrimento do seu papel "social". Em alguns países, como nos Estados Unidos da era Bush, o deslocamento do eixo das políticas do Estado é de uma evidência chocante, com o inequívoco enfraquecimento das políticas sociais.
Deveria ser óbvio que a parolagem dos mercados livres serviu aos senhores da grana para colocar a seu serviço as forças da política. Imagino que até mesmo os vendedores de cachorro-quente nas alamedas de Wall Street saibam do contubérnio entre autoridades reguladoras e instituições (des)reguladas.
A concorrência entre as grandes empresas e bancos não só impõe a presença do Estado nos negócios, mas promove a captura da função reguladora pelos privados e incita a luta pela apropriação de recursos fiscais. Os agentes de favorecimentos estão por toda a parte, surgem dos cantos, brotam das paredes dos edifícios públicos. Tentar caçá-los como quem organiza um safári é candidatar-se a um monumental fracasso. O jogo abusivo e agressivo de influências não raro culmina em acusações recíprocas.
As denúncias de corrupção escancaradas pelos meios de comunicação não raro fazem parte da rivalidade cruenta entre grandes empresas e grupos econômicos poderosos. Os protagonistas do minueto entre a lei e sua transgressão sistemática não sabem, mas fazem: dançam conforme os desígnios das relações promíscuas entre a esfera pública e os interesses privados, típicas da economia moderna. Nelas se enlaçam o arbítrio, o segredo, a obscuridade e a denúncia escandalosa, vícios constitutivos do modo de funcionamento do capitalismo realmente existente. O jogo plutocrático não tem outra regra senão a usurpação sistemática dos princípios do Estado de Direito para uso particular. (A palavra ética frequenta certos círculos que podem comprometer sua reputação.)
Diante da sucessão de episódios sombrios, alguém pedirá a palavra para proclamar que os desmandos das autoridades e as práticas ilícitas são inerentes à natureza humana. Invocar a "natureza humana" é um recurso de preguiçosos. É possível demonstrar que, em certos momentos da história recente, as crenças, os valores e as praticas dominantes na sociedade - a ética, diria Hegel, não os arroubos de moralismo narcisista - conseguiram acuar a corrupção nos becos escuros da vida social.
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo , ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras. E-mail: BelluzzoP@aol.com


Sinal amarelo para o projeto de Obama
Luiz Gonzaga Belluzzo
23/06/2009
Domingo, 21 de junho, o Wall Street Journal informa: as investigações de fraude apanharam mais um peixe, agora miúdo, em sua tarrafa. Miúdo, diga-se, pelos padrões contemporâneos de Wall Street. O financier texano R. Allen Stanford construiu sua fraude de US$ 7 bilhões sob os auspícios dos métodos de Charles Ponzi e o auxílio dos reguladores de Antígua e Barbuda, paraísos fiscais encravados no Caribe. Bernard Madoff tem seguidores em suas estripulias financeiras.
As aventuras de Bernie Madoff e Allen Stanford foram perpetradas sob o patrocínio de formulas manjadas e estimuladas pela mãozinha de autoridades coniventes. Os truques foram aqueles do financiamento Ponzi: aumentar o passivo para sustentar a posse de ativos que produzem um fluxo de rendimentos insuficiente para cobrir os compromissos vincendos.
Hyman Minsky usou a qualificação "Ponzi" para designar uma estrutura de financiamento situada no degrau mais elevado da escala de fragilidade financeira, acima daquela denominada por ele de "estrutura especulativa". Esta última requer o refinanciamento dos encargos financeiros decorrentes da dívida passada para que o devedor possa honrá-los. Um agente "Ponzi" deve aumentar a dívida para cumprir suas obrigações financeiras.
A SEC, Securities and Exchange Commission, foi alertada desde 1999 para as manobras fraudulentas que infestavam os mercados financeiros. Fez vista grossa para os indícios de fraude denunciados por concorrentes de Madoff. Tais indícios foram, então, descartados com a colaboração de funcionários da agência. Agora, Leroy King, administrador da agência reguladora de Antígua, é acusado de "levar bola" para encobrir os malfeitos de Stanford.
Os episódios Madoff e Stanford não são apenas frutos de desvios de caráter de indivíduos, mas o resultado natural da promiscuidade entre governos lenientes, agências capturadas e negócios espertos. Sob o manto protetor do governo permissivo, os negócios deitaram e rolaram. Exploraram as "falhas de regulação" para impor suas razões e interesses, acobertados por um clima de euforia e irresponsabilidade.
Durante a depressão dos anos 30 do Século XX, o povo americano arremeteu sua ira contra a ganância de Wall Street. Franklin Delano Roosevelt - aquele que assumiu o governo do país quando a depressão de 1929 andava brava - tratou de salvar as grandes corporações e os bancos de seus próprios desvarios e preconceitos. O New Deal era visto, naturalmente, com horror por J.P. "Jack" Morgan, o júnior. Em 1935, a multidão de desempregados e empobrecidos vivia dos programas de obras públicas e de assistência social do Estado. Ao desembarcar de uma viagem à Europa, ainda a bordo do Queen Mary, o desastrado herdeiro de John Pierpont proclamou: "Todos os que ganham dinheiro nos Estados Unidos trabalham oito meses por ano para sustentar o governo". O historiador Ron Chernow escreve em seu livro "The House of Morgan" que John Pierpont deixou de ser uma pessoa para tornar-se o símbolo político dos ricos reacionários que se opunham às reformas do capitalismo americano.
Os newdealers estenderam sua influência até os anos 50 e 60, o período da "era dourada" do capitalismo. Os bancos relutaram, como agora relutam, em aceitar a intervenção do Estado no sistema financeiro. O grand monde financeiro americano jamais se conformou com a regulamentação imposta aos bancos e demais instituições não-bancárias pelo Glass-Steagall Act, no início dos anos 30. A partir da década dos 80 do século passado, os republicanos, de Reagan a "Bushs", sem poupar o democrata Clinton, todos cuidaram de restabelecer a preeminência da alta finança nos gabinetes de Washington. O lobby de Wall Street voltou a dominar os plenários do Congresso e os escritórios do Executivo. O Legislativo colaborou decisivamente para desmontar os controles e enfraquecer a capacidade de supervisão e de controle das agências reguladoras.
Senão vejamos: a lei Sarbannes-Oxley foi aprovada a contragosto, depois da sucessão de escândalos corporativos, as peripécias da Enron, Worldcom e outras menos votadas. Considerada excessivamente rigorosa por Henry Paulson, o Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, a Sarbannes-Oxley ficou na marca do pênalti até 2007. Paulson argumentava que os rigores excessivos estavam promovendo a saída das operações para mercados de regulamentação mais frouxa. Dura ou não, ela foi impotente para conter a explosão do crédito que levou à exasperação as práticas "criativas" e frequentemente fraudulentas dos mercados. Os criativos inventaram "novidades", manipularam preços de ativos e engambelaram clientes e devedores "sem lenço nem documento".
Madoff e Stanford foram tão abusados e fraudulentos em sua estratégia "Ponzi" quanto os demais protagonistas da farra financeira recente. Falo dos analistas que recomendaram aos clientes ações de suas próprias carteiras ou vendedores de hipotecas que, com o truque da taxas de juros reajustáveis, "pegaram a laço" devedores sem condições de servir as dívidas contraídas.
Sem muito esforço, os senhores da finança conseguiram atrair para sua banda os luminares da academia, com seus modelos tolos e suas desastrosas recomendações de política. Mesmo diante das provas contundentes a respeito da promiscuidade entre desregulamentação e práticas fraudulentas, os gênios da "finança criativa" estão na mídia dispostos a utilizar quaisquer argumentos para desqualificar as críticas aos métodos e procedimentos utilizados no ciclo financeiro recente.
Os mercados receberam o "pacote regulatório" de Obama com nariz torcido. Seriam necessárias páginas e mais páginas para discutir as virtudes, as falhas e as omissões da proposta apresentada ao legislativo. Seja como for, o comportamento do Congresso no passado recente e a fúria dos ideólogos não garantem uma trajetória tranquila para o projeto do presidente Barack Obama.
Luiz Gonzaga de Mello Belluzz, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras. E-mail: BelluzzoP@aol.com




: A flexibilidade do Brasil para exercitar política monetária ou fiscal é limitada
Caindo na real?
Fernando B. Sotelino
28/04/2009
O custo da retomada deverá ser de alguns trilhões e deverá ser assustador o aumento da dívida americana
Passados pouco mais de ano da absorção (com o apoio do Fed, o banco central dos EUA) do banco de investimento Bear Stearns pelo banco JP Morgan Chase; sete meses da entrada às claras do Tesouro americano no esforço de proteção ao sistema financeiro via nacionalizações dos bancos hipotecários Fannie Mae e Freddie Mac e da seguradora AIG; seis da aprovação pelo Congresso dos EUA dos US$ 700 bilhões para o Tarp; e à luz da dimensão das iniciativas já tomadas pelo governo Obama para estímulo à demanda agregada e assistência ao sistema financeiro, algum consenso em relação ao vendaval dos últimos doze meses vai sendo alcançado.
Primeiro, é cada vez mais difícil negar que a política de juro real praticamente nulo adotada pelo Fed, inicialmente em resposta à ameaça de recessão que se seguiu ao atentado às torres do World Trade Center, em setembro de 2001, foi mantida por tempo demais. Juros muito baixos por período excessivamente prolongado alimentaram disparada de preço dos imóveis, explosão da oferta de crédito e crescimento exagerado do consumo das famílias. Sinais claros de problemas à frente já no terceiro trimestre de 2007 se manifestavam: 680 mil imóveis retomados por inadimplência, contra 150 mil no primeiro trimestre de 2005.
Segundo, parece hoje entendido o potencial de destruição do coquetel criatividade em mercado de capitais, supervisão regulatória inapropriada e ganância generalizada. Avaliações incorretas de risco e brechas regulatórias permitiram que importantes instituições financeiras atingissem graus insustentáveis de alavancagem, com efeito devastador sobre si mesmas e o sistema financeiro em geral.
Terceiro, percebe-se definitivamente como sonho o tão decantado decoupling, a noção de que o impacto de uma eventual crise imobiliária nos EUA ficaria restrito apenas àquele país ou, no máximo, a alguns países com sistemas financeiros mais interconectados com o americano.
Isto posto, o que se desenha?
Para os EUA, a aceitação de que há que se estimular a demanda agregada via substancial aumento dos gastos do governo, ao mesmo tempo em que se busca a todo custo evitar colapso maior do sistema financeiro. Existe hoje pouca dúvida de que o custo fiscal da retomada deverá ser de alguns trilhões de dólares e que será assustador o aumento da relação dívida/PIB americana. Mas tem ainda aquele país a capacidade de se financiar a taxas de juros fixas e baixas por prazos longos e em moeda doméstica.
Para o sistema financeiro, profundo re-exame dos padrões de supervisão regulatória e de controle de riscos. Em algum momento um novo aparato regulatório emergirá, do ponto de vista conceitual provavelmente semelhante ao estabelecido pelo segundo acordo da Basileia (exigências mínimas de capital para cobrir perdas de crédito, mercado e operacionais), mas exigindo das instituições financeiras - banco depositário ou não - muito mais transparência de balanço, níveis bem mais elevados de capitalização mínima e, provavelmente, como no Brasil, maior grau de responsabilização dos administradores.
Finalmente, para cada país, a busca em função de sua realidade - em alguns casos com apoio explícito do FMI - da combinação ideal entre afrouxamento monetário e estímulo fiscal que possa minimizar o impacto da desaceleração econômica sem comprometer a percepção de risco soberano. Relativamente mais tendem a sofrer aqueles com maior fatia das exportações no PIB e os forçados a dedicar recursos substanciais ao resgate de seus principais bancos.
Sob essa perspectiva, bem figura o Brasil. Relativamente modesta é ainda a participação das exportações no PIB. E solvente e saudável parece se encontrar o sistema financeiro. Rigorosas - e por mais de uma década cuidadosamente monitoradas - são as regras brasileiras de capitalização mínima dos bancos. E frescas na memória parecem ter permanecido as lições do impacto sobre o balanço dos bancos das crises mexicana (que precipitou a crise bancária de 1995 e a necessidade dos programas Proer e Proes), asiática (1997), russa (1998) e, finalmente, a de meados de 2002, que provocou desvalorização cambial de quase 100% e interrompeu o que parecia ser tendência clara de redução das taxas de juros e crescimento sustentado.
Ainda assim, vai ficando claro que se precisaria estar em outra galáxia para não ser fortemente afetado pela desaceleração econômica global. E limitada é a flexibilidade do Brasil para exercitar política monetária ou fiscal. Passados quinze anos da introdução do Real, segue o Brasil ainda em busca da consolidação de sua moeda. Do lado monetário, predomina o receio de que uma redução brusca da Selic possa despertar o vírus da inflação e jogar por terra uma credibilidade ainda tênue e a custos altos alcançada. E do lado fiscal, como aumentar a demanda agregada via expansão significativa de gastos ao custo financeiro hoje prevalecente?
Meritórias têm sido as várias ações desde outubro passado do Banco Central - apoio de liquidez a bancos de menor porte, redução de compulsórios e oferta de linhas de crédito em dólar aos bancos para financiamento ao comércio exterior e de empresas com necessidade de rolagem de créditos externos - e do Copom, de reduções da Selic dos 13,75% ao ano de fins de 2008 para 11,25% neste momento; e elogiável - particularmente se para viabilizar novos investimentos - o esforço do Tesouro de reforçar a capacidade de desembolso do BNDES.
Mas muito mais seria possível - e, ironicamente, bem menos necessário -, tivera o Brasil caminhado para fazer as reformas estruturais, conquistar a credibilidade fiscal duradoura e ser hoje capaz de emitir títulos do Tesouro de prazo longo (no mínimo 10 anos) a taxas fixas razoáveis (digamos 9%, 400 pontos-base acima da inflação esperada).
Quem sabe a oportunidade que se abre com a repentina redução da relação dívida/PIB - em razão da desvalorização do real e esperada gradual redução da Selic ao longo do ano - não anime a sociedade brasileira a discutir não apenas o urgente, como também o importante, e consolidar de vez a libertadora credibilidade fiscal de longo prazo?
Fernando B. Sotelino é professor da School of International and Public Affairs, Columbia University, NY; ex-presidente do Unibanco.



O governo permitiu que os banqueiros "negociassem" os resultados de seus testes de estresse
O capitalismo de compadres dos EUA
Sin-ming Shaw
22/05/2009
Nenhum dos homens da equipe de Obama viu qualquer dificuldade em aceitar a lógica absurda dos banqueiros
Por vinte anos, os americanos têm denunciado o "capitalismo de compadres" dos países do Terceiro Mundo, especialmente na Ásia. Exatamente no momento em que aquelas regiões começaram a aprimorar sua governança pública e corporativa, porém - Hong Kong testemunhou há pouco a decisão inovadora de um tribunal contra um magnata das telecomunicações que é o filho do mais rico e poderoso homem da província - o capitalismo de compadres está deitando raízes nos Estados Unidos, país que o mundo há muito considerava representar uma referência das condições iguais para todos nos negócios. Os recentemente concluídos "testes de estresse" dos bancos dos EUA são apenas o mais recente indício de que os compadres capitalistas tomaram a capital Washington.
Não surpreende que os mercados acionários tenham gostado dos resultados dos testes de estresse que o secretário de Estado Timothy Geithner administrou para os bancos dos EUA, pois o resultado geral já havia sido vazado semanas antes. De fato, a maioria dos investidores profissionais descartou os testes, considerando-os desonestos, mesmo enquanto seus investimentos se beneficiavam de um mercado ascendente.
Até o "The Wall Street Journal", geralmente o mais estridente chefe de torcidas dos mercados financeiros, desacreditou abertamente da integridade dos testes. O governo havia permitido aos banqueiros "negociar" os resultados, como um estudante que presta um exame final e em seguida negocia sua nota.
Os testes pretensamente revelariam as verdadeiras condições de bancos sobrecarregados com ativos tóxicos não-auditados nos empréstimos habitacionais e nos derivativos financeiros. O argumento para os testes parecia incontestável. Era mesmo?
Como qualquer banqueiro experiente sabe, um banco bem administrado deveria se submeter a "testes de estresse" regularmente, como uma questão de boa manutenção doméstica. A crise financeira deveria ter imposto o acionamento de um teste de estresse para manter o alto escalão executivo atualizado diariamente. Porque, então, o governo dos EUA precisou conduzir um exercício financeiro que os próprios banqueiros deveriam ter feito melhor e mais rápido?
A verdade é que os testes não foram projetados para encontrar respostas. Os caciques de Wall Street, assim como a administração Obama, já conheciam a verdade. Eles sabiam que se as verdadeiras condições em muitos bancos de grande porte fossem divulgadas ao público, muitos teriam sido imediatamente declaradas falidas, necessitando de recuperação judicial com a ajuda do governo para sustar um tsunami de corridas a bancos.
O governo Obama, porém, não quis ser rotulado de "socialista" por nacionalizar bancos, por mais temporário que fosse o processo, apesar de especialistas como o ex-presidente do Federal Reserve Paul Volcker terem recomendado exatamente isto. Ademais, nacionalizar bancos teria exigido rejeitar os caciques de Wall Street e seus conselhos de administração por terem administrado as suas firmas de forma extremamente incompetente.
Os titãs de Wall Street, porém, convenceram Obama e sua equipe de que sua administração continuada é essencial para tirar o mundo da sua crise. Eles conseguiram se retratar como vítimas de um incêndio incontrolável, em vez de cúmplices de incêndio premeditado.
Geithner e Larry Summers, principal assessor financeiro de Obama, compartilham a cultura de Wall Street como protegidos de Robert Rubin, o ex-secretário do Tesouro, que passou a atuar como diretor e consultor sênior no Citigroup. Nenhum destes homens viu qualquer dificuldade em aceitar a lógica absurda dos banqueiros.
Os testes de estresse pretendiam sinalizar ao público que não existia nenhuma ameaça imediata de falência de bancos. Esta mensagem, esperava-se, estabilizaria o mercado de forma que os preços dos ativos "tóxicos" aumentaria até um nível em que os banqueiros se sentiriam à vontade para vendê-los. Afinal, os banqueiros do alto escalão vinham alegando que estes ativos tiveram seus "preços distorcidos" e que a fixação dos seus preços a níveis de mercado penalizaria os bancos desnecessariamente.
Por enquanto, Geithner parece ter logrado êxito nos seus "testes", na medida em que o mercado acionário realmente mais do que se estabilizou, sendo que preços de ações de bancos como Citigroup e Bank of America quadruplicaram em relação às suas cotações mais baixas. A temida implosão de Wall Street parece ter sido evitada.
Ninguém jamais acreditou seriamente, porém, que os EUA permitiriam que o Citigroup e o Bank of America, para citar apenas dois, quebrassem. Na verdade, o mercado acionário atingiu o fundo do poço no começo do ano. Os mercados embutiram nos preços das ações a crença de que o governo dos EUA não permitiria que nenhum outro banco fosse à bancarrota.
O que o mundo queria era uma imagem fiel de quanto os bancos valiam e avaliações "marcadas a mercado" para orientar os investidores sobre quanto de capital novo necessitariam.
O mundo também queria ver os EUA retornarem à via principal, no fortalecimento da ética e integridade empresarial - tão em falta sob a administração anterior. Considerando que os contribuintes já haviam aplicado enormes somas no socorro a bancos quebrados, com a perspectiva de mais por vir, era imperativo ter um processo transparente que revelasse como o dinheiro estava sendo usado.
Consideráveis recursos públicos de socorro teriam sido desviados para bancos estrangeiros, Goldman Sachs e gratificações a funcionários, para finalidades não relacionadas com a proteção do interesse público. Nada disto foi revelado ou desmascarado pelos testes de Geithner. Pelo contrário, os servidores públicos parecem estar em conluio com Wall Street para arquitetar uma aura artificial de rentabilidade.
Além disso, o valor dos ativos tóxicos continua nebuloso como sempre. Princípios contábeis outrora sacrossantos foram modificados por ordem de Wall Street com o propósito de permitir que os bancos informem essencialmente o que quiserem. E agora, os resultados dos testes de estresse negociados foram divulgados para "provar" que os bancos são muito mais robustos. Chamar isso de "esquema Ponzi" seria hostil demais. Mas poucos profissionais financeiros foram enganados.
Enquanto isso, os caciques de Wall Street e seus conselhos diretores nada têm a temer do governo. Pelo contrário, agora eles são os sócios do governo numa parceria feita para administrar este programa desonesto.
Assim como a gripe suína, o capitalismo de compadres migrou dos países corruptos do Terceiro Mundo para a América, que já foi a cidadela da sólida governança pública e privada. Surpreende que a China seja vista como um modelo cada vez mais mais confiável para grande parte do mundo, ao passo que os EUA agora são vistos como um símbolo da hipocrisia e das duas medidas?
Sin-ming Shaw foi presidente fundador de um fundo de hedge e de um fundo de "private equity" na Ásia, foi professor convidado nas universidades de Columbia, Harvard, Princeton e Oxford e continua atuando como investidor ativo. Ele mantém um blog em sinmingshaw.blogspot.com. © Project Syndicate/Europe´s World, 2009. http://www.project-syndicate.org/




O Brasil é provavelmente o único país que tributa a intermediação financeira
Spread bancário: uma contribuição para o debate
Rubens Sardenberg
26/05/2009
O spread bruto é elevado no Brasil, mas disso não decorre necessariamente que o spread e o lucro líquido também o sejam
"Para problemas complexos, sempre existem soluções simples... e erradas". A frase parece ajustar-se como uma luva no debate sobre o spread bancário no Brasil, que vem aparecendo com frequência no noticiário econômico, mas quase sempre de forma superficial e limitada. Este artigo é uma tentativa de contribuir para esse debate, esclarecendo alguns aspectos, de natureza técnica, que podem ajudar a termos um melhor entendimento do assunto. Vamos a eles:
1) Dados parciais: os dados do Banco Central (BC) consideram apenas parte das operações bancárias, as do chamado mercado livre de crédito, que em geral são de prazo menor e que correspondem a cerca de 45% das operações do sistema. As restantes são, em geral, de spread mais baixo, como financiamento imobiliário, leasing e repasses do BNDES. Nossos cálculos indicam que a inclusão dessas operações reduziria em cerca de 7,4 pontos percentuais (pp) o spread bancário bruto referente a março.
2) Spread bruto: embora spread bruto e lucros do setor financeiro sejam com frequência tratados como sinônimos, são conceitos bastante distintos. O spread calculado pelo BC equivale à diferença entre as taxas de captação, pagas pelos bancos, e as taxas cobradas nas operações de empréstimo. Spreads elevados podem ou não implicar em lucros elevados, a depender de outros fatores, entre eles a taxa de inadimplência e a carga tributária. Para se chegar ao spread líquido, que seria uma melhor aproximação do lucro líquido, é necessário descontar os demais custos que incidem sobre as operações de crédito.
3.1) Inadimplência - cálculos do BC indicam que só a inadimplência responde por algo como 37% do spread bancário, certamente um dos mais elevados níveis do mundo. O custo é alto porque a qualidade da informação no Brasil é deficiente, elevando muito o risco para o emprestador. Assim, bons pagadores pagam pelos maus e é por isso que o setor bancário defende o cadastro positivo e todas as iniciativas que possam melhorar a qualidade da informação disponível aos agentes econômicos. Os custos associados à inadimplência também são elevadíssimos se incluirmos gastos com a cobrança judicial, a demora na recuperação de garantias etc. Destaque-se a evidência de que nas linhas com melhores garantias, como o crédito consignado e o financiamento de veículos, os spreads são bem menores.
3.2) Carga tributária: o Brasil é provavelmente o único país que tributa a intermediação financeira, onerando poupadores e tomadores de crédito. Sobre as operações de crédito incide uma alíquota de 3,65% referente a PIS/ Cofins e outra, de IOF, que pode atingir até 1,88% ao ano. Na tributação direta, além do IR os bancos recolhem a alíquota diferenciada de CSLL de 15%. Segundo o BC, os tributos diretos e indiretos respondem por cerca de 18,5% do spread bruto nas operações de crédito livre.
3.3) Compulsórios: é provável que o Brasil tenha os maiores níveis de depósitos compulsórios do mundo. Sobre depósitos à vista o percentual é de 47% comparativamente a, por exemplo, 10% nos EUA e 3% na zona do euro. Também há compulsórios sobre depósitos a prazo, o que é uma clara distorção em relação aos demais países. Esse nível de compulsório até ajudou o Banco Central a injetar liquidez rapidamente no sistema após o agravamento da atual crise externa, mas é inegável que se trata de mais um custo que infla o spread, onera os tomadores de crédito e eleva as despesas de captação dos bancos.
3.4) Custos administrativos/operacionais - no cálculo do BC, esses custos respondem por 13,5% do spread, mas avaliamos que este percentual pode estar subestimado. A metodologia do BC só considera os custos "alocáveis" a um número limitado de operações, os 45% citados no item 1. Ficam de fora outros custos, inclusive o das operações obrigatórias, como o crédito rural. Se os incluirmos de alguma forma, certamente teremos uma elevação deste percentual.
É importante mencionar que os percentuais aqui citados correspondem a um estudo do BC para o ano de 2007, feito para as operações do mercado livre de crédito. Mas, feita esta ressalva, achamos que essa metodologia pode nos ajudar a pelo menos chegar a um cálculo mais correto sobre o spread líquido do setor bancário no Brasil. E qual seria este número? De acordo com os dados do BC para março de 2009, o spread bruto para as operações de crédito livre foi de 28,5%. Incluídas outras operações de crédito direcionado e de taxas controladas, de acordo com a metodologia da Febraban, este spread cairia para 21,1%
Ainda segundo o BC, o spread ou resíduo líquido corresponde a cerca de 27% do spread bruto (27% de 21,1%), o que daria, portanto, 5,7% ao ano. É provável que este número seja ainda mais baixo, já que em nossa avaliação os custos administrativos parecem subestimados na metodologia utilizada pelo BC. De todo modo, é o spread líquido (5,7% ao ano) e não o spread bruto, que deveria ser utilizado na comparação com o desempenho do setor financeiro em outros países (em tempos normais) e com a rentabilidade de outros setores da economia brasileira.
O spread bruto é elevado no Brasil, mas disso não decorre necessariamente que o spread e o lucro líquido também o sejam. Uma discussão séria para reduzir o spread bruto deveria ser centrada nos fatores estruturais listados acima. Análises apressadas e pouco técnicas podem até render boas manchetes, mas não contribuirão para que se encontrem as soluções corretas para este problema.
Rubens Sardenberg é economista-chefe da Febraban. Foi diretor de Finanças do Banco Nossa Caixa (2003/2007 ) e secretário-adjunto do Tesouro Nacional (2000/2002).



Editoriaismailto:Editoriaiseditoriais@uol.com.br - 20-06-2009
Reforma americanaOs custos fiscais e sociais da crise justificam novas normas de regulação e supervisão das atividades financeiras nos EUA
EM RESPOSTA à crise econômica, desencadeada pela especulação sem limites, o governo do presidente Barack Obama propôs uma abrangente reforma do sistema de regulação e supervisão de bancos e outras instituições financeiras. As propostas, que terão de ser aprovadas no Congresso, foram organizadas em torno de cinco grandes diretrizes.A primeira visa a fortalecer o arcabouço institucional. Por meio da criação de um conselho de supervisão dos serviços financeiros, presidido pelo Tesouro, procura-se monitorar todas as instituições financeiras, inclusive seguradoras (atualmente, sob jurisdição estadual). Esse órgão terá a função de identificar os riscos que ameaçam o sistema e coordenar as ações das agências de regulação e supervisão para enfrentá-los.O Fed, o banco central americano, terá poderes ampliados para supervisionar toda instituição - banco, sistema de poupança e empréstimo, seguradora- que ameaçar a estabilidade financeira. Prevê-se ainda o registro dos fundos de investimento de risco na Securities Exchange Commission (a CVM americana).O segundo item do plano propõe-se a proteger o usuário dos serviços. Será criada a Agência de Proteção dos Consumidores Financeiros, com autoridade para proteger os clientes e regular os fornecedores de hipotecas, crédito ao consumo e poupança.O terceiro tópico da proposta estabelece normas para o funcionamento de alguns instrumentos financeiros, como os títulos securitizados e os derivativos de crédito. O absoluto descontrole sobre esses instrumentos complexos foi crucial para a derrocada econômica.O quarto mecanismo aperfeiçoa a gestão de crises financeiras e melhora a supervisão preventiva. Prevê, por exemplo, que os bancos terão de aumentar o capital próprio para garantir as apostas e os créditos que concedem com dinheiro de terceiros.Essa última proposição se articula com o quinto tema das reformas, qual seja, o aprimoramento dos padrões internacionais de regulação financeira. Sugere a revisão do Acordo de Basileia 2 (negociado entre os países ricos no Comitê de Basileia) para mitigar a propensão à tomada excessiva de risco pelos bancos.Os elevados custos fiscais e sociais da crise, que acabaram bancados pelo contribuinte e pelo trabalhador americano, legitimam o grande aperto nas regras proposto pelo governo Obama. O conjunto de medidas poderá não impedir futuras crises, dada a natureza da atividade financeira, que produz a todo tempo inovações, algumas delas fora do alcance do regulador.Mas pelo menos se pode evitar a repetição dos erros conhecidos do passado e mitigar, pela ação rápida de agências mais ágeis e equipadas, o potencial destrutivo das rupturas imprevisíveis e inevitáveis.


"Obama and 'Regulatory Capture'"
Thomas Frank says the administration's regulatory overhaul plan is not putting enough emphasis on the problem of regulatory capture:



Making Financial Regulation Work: A Systemic Risk Regulator - Dean baker



Why all regulatory roads lead to the Fed - Frederic Mishkin

Mishkin: How to Get the Fed Out of Its 'Box'
Frederic Mishkin is worried about the long-run budget and how it constrains what the Fed can do:



The Global Financial Crisis: Selective Recent Research - NBER Reporter



Reforming financial regulations in America: - The Economist



How the Obama Financial Reform Plan is Insufficient - Richard Green



Don't "Nullify" Fiscal Policy
My entry at the Romer Roundtable:



A thin outline of regulatory reform - Clive Crook



Review of Akerlof and Shiller - John Quiggin


The Science of Economic Bubbles and Busts - Scientific American




Principles that must guide financial regulation - FT


A Real Regulatory Review: Interview with Bill Singer - Sense on Cents



"Making Financial Regulation Work" +++++ ref
This is something I did for the The Hearing blog at the Washington Post:


The Dollar as a Reserve Currency: Apres le Deluge - Econbrowser
The Decoupling Debate Is Back! - Foreign Policy

The myth of decouplingSébastien Wälti
27 July 2009
Have emerging market economies decoupled from advanced economies’ business cycles? This column, looking at emerging markets’ trend growth rates, argues that decoupling was always a myth and that globalisation brings national business cycles closer together.
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How to police the banking system
The Independent
ontem, 7 de julho de 2009, 20:00:01
Today's White Paper has two audiences. First, there is the public, who want to know whether they can trust the banks and insurance firms, and the products they peddle. For them, the Government will have plenty to offer, including a flagship scheme to offer the financial equivalent of NHS Direct – independent financial advice delivered by the likes of the Citizens Advice Bureaux and Age Concern. A pilot scheme has been running since April in the North-east and North-west and a national rollout could take place over the next year.



Em vista da crise que sofremos, as medidas tomadas para o setor bancário são patéticas
Pressionar os leviatãs financeiros
John Gapper
24/07/2009
Em vista da crise que recém-sofremos, as medidas para o setor bancário são patéticas
Se você não prestou muita atenção nos últimos meses, poderá achar que não mudou muita coisa no mundo das finanças. Bancos como JPMorgan Chase e Goldman Sachs anunciaram grandes lucros no segundo trimestre - para o que contribuíram grandes receitas de negócios com renda fixa - e quitaram os empréstimos neles injetados pelo governo americano no segundo semestre de 2008.
Por seu turno, as agências regulamentadoras estão em dificuldades para conceber uma solução para o flagrante problema de que hoje temos consciência: o fato de que aquelas instituições são grandes demais para que se permita falirem. Não apenas desfrutam acesso cotidiano a recursos financeiros de bancos centrais, como também tendem a ser socorridas caso surjam problemas - não há como negar os fatos.
A mais recente tentativa de reformular a regulamentação para corrigir esse problema veio do Partido Conservador britânico nesta semana. A "grande ideia" de George Osborne, "primeiro-ministro" no gabinete-sombra oposicionista, é abolir a Autoridade de Serviços Financeiros (FSA, na sigla em inglês) e entregar a supervisão cautelar de todas as instituições financeiras ao Banco da Inglaterra.
Politicamente, o banco está atuando melhor do que o Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA), que se defronta com hostilidade do Congresso depois que o Tesouro americano propôs uma ampliação de seus poderes. Assim, mais energia política está agora sendo despendida não em regulamentação propriamente dita, mas no nome do regulamentador.
Em vista da escala da crise que recém sofremos, e à qual parecemos ter sobrevivido, isso é patético. Se eu fosse um executivo bancário, estaria rindo discretamente diante dos esforços atropelados e desorientados dos governos visando mudar meu comportamento.
Pode ser excessivo cinismo de minha parte, mas suspeito que Osborne tenha proposto grande remanejamento de instituições regulamentadoras para desviar atenção do fato de ter recuado de uma genuína reforma estrutural ao defender a separação do setor bancário varejista do setor de "investment banking" mediante a criação de uma versão britânica da lei Glass-Steagall, de 1933.
Sua explicação por ter lançado um balão de ensaio da ideia - e depois não incluí-la no "Livro Branco" publicado pelos Conservadores sobre reforma da regulamentação financeira - foi de que, "embora haja alguns argumentos válidos para essa abordagem se implementada em nível internacional, não seria factível ou desejável para o Reino Unido impor unilateralmente uma separação absoluta".
Isso nos deixa exatamente na estaca zero, em que a França e a Alemanha preocupam-se equivocadamente com fundos de hedge enquanto o Reino Unido e os EUA temem reprimir grandes bancos, receando que eles migrem de Nova York para Londres (ou vice-versa) ou fujam para paraísos fiscais.
Osborne tem razão em dizer que seria melhor ter uma abordagem coordenada na reformulação de legislação bancária para evitar "arbitragem jurisdicional" mas, tendo em vista que o Reino Unido poderá, segundo o FMI, acabar gastando 9% de seu PIB em apoio ao setor bancário, ele não pode omitir-se.
Já defendi alguma forma de separação do tipo criado pela lei Glass-Steagall, e se isso não puder ser feito simplesmente legislando, devido à extrema dificuldade de detalhamento regulamentar, então a separação deveria ser produzida mediante incentivos financeiros.
Neste momento, esses incentivos operam no sentido oposto e tornaram-se ainda mais acentuados. Permitiu-se que grandes bancos mantenham menos capital, segundo as regras de Basileia II, porque foram considerados não apenas mais sofisticados, como também supostamente desfrutavam dos benefícios de redução de riscos decorrentes de diversificação de seu portfólio.
Atualmente, grandes bancos de investimentos não apenas têm economias de escala a seu favor, e uma garantia governamental implícita que reduz seus custos de capital, como também são tratados - em termos de requisitos de capital exigidos pelas agências regulamentadoras -de modo similar a bancos menores e sistemicamente menos importantes.
Evidentemente, as instituições continuarão intensificando suas operações de trading e pagando regiamente seus funcionários. Como disse Mervyn King, presidente do Banco da Inglaterra, em recente discurso: "Não é fácil persuadir pessoas - especialmente aquelas que em consequência dessas operações estão ganhando muito dinheiro - de que o que parece uma prática de sucesso no curto prazo são, na verdade, operações extremamente arriscadas no longo prazo".
King também defendeu que a regulamentação seja "simples e vigorosa". Nessa abordagem, uma boa maneira de tornar alguns dos incentivos menos perversos seria impor um "imposto" regulamentador muito maior aos bancos grandes do que aos pequenos, mediante encargos de capital mais elevados e limites mais severos à alavancagem.
Analogamente, iniciativas como a pressão da FSA contra o pagamento de bônus garantidos de longo prazo a executivos de brilhante desempenho em "investment banking" deveriam aplicar-se a grandes instituições - e não às de menor porte. Se um fundo de hedge passível de sofrer um colapso (sem implicar nenhum risco sistêmico) pagar regiamente seus traders, quem se importa?
Por ora, instituições como o Citigroup e a AIG precisam remunerar gente de talento suficiente para tirá-las do sufoco e restituir o dinheiro do contribuinte. Mas, no longo prazo, seria bom se eles não pudessem competir, em termos de remuneração a funcionários, com pequenos fundos de investimento em participações e fundos de hedge.
O Tesouro do Reino Unido apresentou, neste mês, alguns argumentos esfarrapados sobre por que pequenas instituições podem criar, para o sistema, risco igual ao criado pelas maiores. Mas nossa intuição não se engana: é necessário impor limites rigorosos a bancos considerados "grande demais para permitirmos seu colapso".
Antes desta crise, autoridades de bancos centrais temiam admitir que algum banco estivesse nessa categoria, mas não não faz sentido agora pretender essa ficção. Tais instituições existem, quer as denominemos "grande demais para um colapso", sistemicamente importantes, companhias financeiras sujeitas a Nível 1 de exigências de capital ou seja lá que denominação lhes atribuamos.
Sejamos justos com Osborne: ele é um dos que defende tratar grandes e pequenos bancos diferenciadamente. Mas, como outros políticos, Osborne mudou rapidamente de posição, abraçando argumentos diversionistas sobre instituições, em vez de manter o foco nos incentivos que podem efetivamente fazer alguma diferença.
John Gapper é colunista do "Financial Times"



O retorno da ganância: Bancos reabrem o cassino global
29/07/2009
DER SPIEGEL
Frank Hornig, Christoph Pauly e Wolfgang Reuter
Os bancos de investimento voltaram a apresentar lucros substanciais, graças em parte à ajuda governamental. Ironicamente, eles estão se beneficiando da crise que ajudaram a criar. E, à medida que os lucros crescem, os salários também sobem - só que desta vez quem está arcando com os riscos é o contribuinte.Anshu Jain, 46, ouviu de maneira estoica e silenciosa as observações dos acionistas na reunião anual do Deutsche Bank, no final de maio. Muitos deles estavam insatisfeitos com o fato de o banco ter anunciado o seu maior prejuízo da história em 2008. Uma perda de 3,9 bilhões de euros (US$ 5,6 bilhões, R$ 10,54 bilhões), pela qual Jain, o principal gerente de investimento da instituição, foi o responsável.
O Deutsche Bank, assim como todos os grandes bancos de investimento, assumiu grandes riscos nos anos de prosperidade, especulando com securities que atualmente nós chamamos de tóxicas, porque elas envenenaram o balanço patrimonial dos bancos.
Enquanto muitos acionistas presentes na reunião anual discutiam as causas e os efeitos da crise financeira, e os políticos de todo o mundo debatiam a implementação de regulamentações mais rígidas para a imposição de limites mais estritos às atividades de risco dos diretores dos bancos de investimento, Jain via a crise como uma oportunidade. O seu primeiro passo foi colocar as contas dos clientes de volta no jogo, ao que se seguiu um retorno ao investimento especulativo em proprietary trading (investimentos diretos do próprio banco).
"Nós veremos cinco ou seis protagonistas globais formidáveis no setor de bancos de investimento", disse à publicação comercial britânica "Euromoney" o normalmente reservado banqueiro, no início de maio. "As vendas e os negócios continuarão determinando a maior fatia dos lucros".
Aparentemente, a especulação deu bons resultados para o Deutsche Bank. Graças ao bom timing de Jain, o diretor-executivo Josef Ackermann foi capaz de anunciar, na terça-feira (28/07), uma estimativa de lucro na casa dos bilhões de euros para a primeira metade deste ano. O banco parece ter também destinado bilhões de euros em reservas para o pagamento de bônus aos seus gerentes de investimento.
O cassino está novamente aberto em todo o mundo. Muitos bancos de investimento estão mais uma vez registrando lucros enormes, assumindo riscos e atraindo talentos com a oferta de altos salários. É como se nada tivesse acontecido, e como se esse tipo de comportamento não tivesse sido exatamente o fator que colocou o sistema financeiro à beira do colapso no outono passado e que lançou a economia mundial na sua pior crise desde a Segunda Guerra Mundial.
O colapso do sistema financeiro foi evitado, mas somente por meio de um gasto público colossal, quando os governos auxiliaram os bancos em apuros com garantias de empréstimos e injeções de equity, e os bancos centrais injetaram bilhões em liquidez nos mercados.
Mas agora que o pior parece ter passado, os bancos estão voltando a comportar-se da mesma forma que faziam antes da crise. E o que é pior, graças às garantias governamentais concedidas ao setor financeiro e ao dinheiro barato dos bancos centrais, nunca foi tão fácil para os bancos ganharem dinheiro.
Oportunidades de ganhar dinheiro em meio à crise
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O presidente do Fed exerce influência mundial não só por intermédio da política monetária
Deixem os céticos das finanças nas rédeasDani Rodrik12/08/2009
O que atrapalhou Greenspan e Bernanke como reguladores financeiros foi sua excessiva reverência a Wall Street
A corrida para preencher o cargo de política econômica mais importante do mundo começou. O mandato do presidente do Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) acaba em janeiro e o presidente do país, Barack Obama, precisa decidir antes disso: ou mantém Bernanke ou escolhe outra pessoa - os nomes mencionados com mais frequência são Larry Summers e Janet Yellen - com credenciais democratas mais sólidas.
É uma decisão de consequências cruciais não apenas para os EUA, mas também para a economia mundial. Como guardiões da base monetária do país e encarregados das taxas de juros de curto prazo, as autoridades monetárias sempre desempenham papel crítico. Reduza demais os juros e o resultado será inflação e instabilidade monetária. Eleve-os demais e a economia deslizará em recessão e desemprego.
A política monetária dificilmente é uma ciência, portanto um bom banqueiro central precisa ser humilde. Precisa reconhecer os limites de seu poder de compreensão e da eficácia das ferramentas a sua disposição. Não pode, entretanto, ser visto como indeciso, algo que apenas seria um convite para uma especulação financeira desestabilizadora.
Aliás, dada a importância de suas funções, nas últimas décadas as autoridades monetárias tornaram-se ainda mais relevantes em decorrência do desenvolvimento dos mercados financeiros. Apesar de não serem formalmente designados como tal, os banqueiros centrais tornaram-se guardiões da sanidade do mercado financeiro. Os perigos de fracassar na tarefa ficaram dolorosamente claros na débâcle das hipotecas "subprime", de baixa qualidade. Pelas novas regras propostas sob o regime de Obama, o Fed terá responsabilidades ainda maiores e estará encarregado de evitar crises financeiras e assegurar que os bancos não assumam riscos demasiados.
É um trabalho no qual o ex-presidente do Fed Alan Greenspan mostrou um fracasso espetacular. Seu ponto cego para os excessos do mercado financeiro - a pequena "falha" em seu raciocínio, como posteriormente a chamou - o deixou alheio aos perigos das inovações financeiras dos titãs de Wall Street. Bernanke, como membro do Conselho de Governadores do Fed entre 2002 e 2005, sob o mandato de Greenspan, também pode ser acusado de ter seguido o jogo.
O presidente do Fed exerce influência mundial não apenas por meio da política monetária, mas também com suas palavras. Ele dá o tom das discussões políticas e ajuda a moldar o sistema de confiança dentro do qual operam as autoridades monetárias de todo o mundo.
O que atrapalhou Greenspan e Bernanke como reguladores financeiros foi sua excessiva reverência e temor a Wall Street e a sua influência. Operaram sob o pressuposto de que se algo era bom para Wall Street, também era bom para a "Main Street" (a economia da população em geral). Isso mudará, sem dúvida, em decorrência da crise, mesmo se Bernanke continuar no comando. O que o mundo precisa, entretanto, é de um presidente do Fed instintivamente cético quanto aos mercados financeiros e seu valor social.
Aqui estão algumas das mentiras que o setor financeiro conta a si mesmo e a outros e às quais qualquer novo presidente do Fed precisará resistir:
Os preços determinados pelos mercados financeiros são os apropriados para alocar capital e outros recursos para seus usos mais produtivos. Isso é o que os livros acadêmicos e os financistas vão lhes dizer, embora agora tenhamos muitos motivos para ficarmos desconfiados.
Na linguagem dos economistas, há demasiadas "falhas de mercado" nas finanças para que esses preços sejam um bom guia para a alocação de recursos. Há os "problemas de representação", que separam interesses dos donos do capital dos de seus representantes, os executivos-chefes de bancos e outros executivos de finanças. A assimetria de informações entre vendedores e compradores de produtos financeiros podem facilmente deixar os compradores vulneráveis a abusos, como vimos com os "títulos lastreados por hipotecas" (MBS, na sigla em inglês).
Além disso, a garantia, implícita ou explícita, de resgates financeiros induz à assunção de riscos excessivos. Grandes intermediários financeiros colocam em perigo todo o sistema financeiro quando usam modelos de risco equivocados e tomam más decisões. A regulamentação é, na melhor hipótese, um remédio parcial para tais problemas. Portanto, os preços que os mercados financeiros geram têm a mesma probabilidade de enviar sinais errados ou certos.
Os mercados financeiros trazem disciplina aos governos. É um dos benefícios mais alardeados dos mercados financeiros, embora tal reivindicação seja evidentemente falsa. Quando os mercados estão em estado de euforia, não estão em posição de exercer disciplina nem sobre captadores de crédito, quanto mais de um governo com classificação de risco de crédito razoável. Se há duvidas quanto a isso, pergunte aos montes de governos de países emergentes que não encontraram dificuldade de captar nos mercados internacionais, tipicamente antes de crises de pagamento.
Em muitos dos casos - a Turquia nos anos 90 é um bom exemplo -, os mercados financeiros permitiram a governos irresponsáveis embarcarem em ondas de captações insustentáveis. Quando a "disciplina do mercado" chega, normalmente é tarde demais, severa demais e aplicada indiscriminadamente.
A disseminação dos mercados financeiros é um benefício que não foi mitigado. Bem, não. A globalização financeira supostamente teria permitido aos países pobres e descapitalizados ganhar acesso à poupança dos países ricos. Supostamente, teria promovido um compartilhamento mundial de riscos.
Na verdade, nenhuma dessas expectativas concretizou-se. Nos anos anteriores ao desmoronamento financeiro, o capital saiu dos países pobres para os ricos, em vez do contrário. Isso pode não ter sido algo ruim, já que no fim das contas grandes captadores (líquidos) de crédito nos mercados internacionais tendem a crescer menos do que os outros. E com a globalização, a volatilidade econômica, na verdade, aumentou nos mercados emergentes, em parte pelas frequentes crises financeiras decorrentes da mobilidade de capital.
A inovação financeira é um grande motor de crescimento de produtividade e bem-estar econômico. Novamente, não. Imaginem que há cinco anos tivéssemos perguntado exemplos de tipos de inovação financeira realmente úteis. Teríamos ouvido uma longa lista de instrumentos ligados a hipotecas que supostamente possibilitavam financiamento a compradores de casas que, de outra forma, não teriam condições de comprá-las. Sabemos aonde isso nos levou. A verdade é algo mais próximo à visão de Paul Volcker, de que, para a maioria das pessoas, os caixas automáticos de banco trouxeram mais benefícios do que qualquer bônus arquitetado financeiramente.
A economia mundial vem sendo guiada há tempo demais por entusiastas das finanças. É hora de os céticos das finanças começarem a assumir as rédeas.
Dani Rodrik, professor de Economia Política na Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade Harvard, é o primeiro ganhador do Prêmio Albert O. Hirschman, do Social Science Research Council. © Project Syndicate/Europe´s World, 2009. www.project-syndicate.org



Estrada para a prosperidadePor Edmund S. Phelps
14/12/2009
A retomada de um capitalismo em boas condições pode ser uma tarefa dificílima
O quase derretimento financeiro mundial e as recessões que se seguiram deixaram as nações anglo-saxãs ponderando o que deveriam fazer - tanto para repôr suas economias num caminho de recuperação como para evitar uma crise semelhante no futuro. Algumas recomendações de membros do Centro de Estudos sobre Capitalismo e Sociedade da Universidade de Colúmbia foram enviados para a reunião do G-20 em abril. Para criar mais empregos na economia, propus que os governos estabelecessem uma classe de bancos que adquiririam a arte perdida de financiar projetos de investimento no setor empresarial - o tipo de financiamento que os velhos bancos "mercantis" faziam tão bem um século atrás. Também renovei meu apoio a um subsídio às empresas para manutenção do emprego de trabalhadores de baixa renda. (Cingapura adotou essa ideia com resultados invejáveis.)
Para proteger os bancos comerciais de colocarem mais uma vez em risco sua própria solvência (e a solvência do país inteiro), Richard Robb sugeriu que um pequeno imposto sobre dívidas de curto prazo dos bancos fosse aplicado para dissuadi-los de tomar empréstimos excessivos. Amar Bhidé sugeriu que os bancos comerciais voltassem à prática de atividades "estritamente bancárias". Se assim fizessem, não poderiam, de modo algum, tomar empréstimos.
Mas apesar de todas as políticas de ação e discursos desde então, nenhuma dessas sugestões foi adotada por países do G-20. A ênfase desses países foi em medidas anticíclicas com a intenção de abrandar a recessão, em vez de focar na reestruturação. Tal moderação, vista isoladamente, é bem-vinda. Mas as medidas tomadas podem retardar a recuperação.
Boa parte do "estímulo" fiscal em benefício dos consumidores faz com que as empresas conservem seus empregados por algum tempo a mais, em vez de de liberá-los para setores concorrentes voltados para exportação e importação que estão em expansão. Boa parte do estímulo aos proprietários de moradias está dando sustentação aos preços das habitações, levando-as a níveis insustentáveis. Isso está retardando a absorção, pela economia, do excesso de recursos no setor de construção civil. Outra rodada de estímulo mundial depois que a recessão terminar ou estiver quase no fim exerceria pressão ascendente nas taxas de juros do mundo e diminuiria a atividade investidora.
Iniciativas governamentais de reconstrução de "infraestrutura" - para substituir investimento privado declinante por investimento do Estado no setor de saúde, para controle do clima e em conservação de energia - não tem aquela desvantagem. Mas, como meio para criação de emprego é questionável. O investimento privado é sustentado por inovação privada, que renova boas oportunidades. Mas, boas oportunidades de investimento estatal seriam, igualmente, renovadas? Poderiam as incertezas criadas com a entrada em tais territórios desconhecidos impor um grave ônus à atividade de investimento privado?
Os governos precisam abandonar a ilusão de que a recuperação plena é apenas uma questão de apertar botões. Desde as economias surpreendentemente inovadoras que surgiram no século XIX, o método testado e comprovado de alcançar grande prosperidade - para uma ampla oferta de postos de trabalho envolvente e desafiador - tem sido um sistema de iniciativa privada inovadora no setor empresarial.
O que os governos deveriam fazer é "estimular" uma economia inovadora, e não estradas intermináveis, energia eólica e projetos de construção civil. A melhor maneira de abreviar a recessão é reestruturar a economia de modo que ela se recupere a um "nível normal" mais elevado.
Neste mês de dezembro, o Centro de Estudos sobre Capitalismo e Sociedade reuniu-se em Berlim, apenas algumas semanas após as comemorações da queda do Muro. A reunião destina-se a buscar formas de simplificar e apoiar economias complexas e trôpegas para que tenham o dinamismo que proporciona elevada prosperidade- muitos empregos e grande satisfação no trabalho.
Nem todos os instrumentos para a criação de prosperidade são conhecidos, é claro. Muitos, no entanto, são. É bom ter um setor bancário administrado por uma diversidade de financiadores espertos, capazes de reconhecer e dispostos a financiar projetos de investimento inovadores. É bom ter um setor de negócios em que acionistas não são presas de CEOs que operam em benefício próprio. É ruim ter gestores de fundos que vendem as ações de uma companhia quando não atingem suas metas de lucros para o trimestre seguinte.
No entanto, o objetivo de elevado dinamismo levanta um problema. Mercados, sendo povoados por meros seres humanos, têm dificuldade para descobrir onde estão as oportunidades de investimento rentáveis (e muito menos as mais rentáveis). O conhecimento que uma empresa tem sobre os resultados futuros de um novo empreendimento é incompleto, para dizer o mínimo. E quanto mais inovador o empreendimento, mais incompleta é qualquer antevisão de seu resultado potencial.
O conhecimento de um investidor sobre os resultados da decisão de comprar este ou aquele ativo, financeiro ou real, é também imperfeito. Além disso, o que os outros pensam - em especial, o que os concorrentes estão fazendo -pode ter um grande efeito sobre os resultados de uma decisão, e muito do que outros compreendem e planejam é sigiloso, e portanto inacessível. Assim, o dinamismo de uma economia depende de um número suficiente de pessoas ousar agir, a despeito de quão pouco sabem.
Aqueles de nós que, na conferência de Berlim e em outros lugares, buscamos reconstruir as economias para maior dinamismo devemos fazê-lo com consciência dessas realidades econômicas. Os poderes mágicos do mercado são limitados. Felizmente, existem alguns preceitos de políticas e de ideias nos quais os governos fariam bem em investir seu capital político, se quiserem uma retomada das inovações e de sua resultante prosperidade.
Um preceito consagrado com o passar dos tempos é evitar abalar a confiança dos investidores. Quando John Maynard Keynes visitou o presidente Roosevelt, nas profundezas da Depressão, ele aconselhou o governo a moderar o tom da retórica antiempresarial do governo. Mas os governos devem também evitar injetar confiança excessiva no setor privado, algo que poderia seduzir as empresas a elevar seus preços e prejudicar as vendas.
Simplificar as instituições financeiras, especialmente aquelas com um respaldo implícito do governo, também será importante na reconstrução de uma economia dinâmica. Classificações de crédito que pretendem levar em conta "risco sistêmico" podem ser tão perigosas como pontuações que ignorem tal risco. Fundos de hedge, empresas de capital de risco que efetivamente se aventuram em coisas novas e bancos mercantis "renovados" são relativamente bem adequados para tomar decisões financeiras que exijam discernimento, capacidade de lidar com o desconhecido, e fazê-lo num horizonte de tempo não balizado por lucros trimestrais.
Um quadro conceitual - "Imperfect Knowledge Economics" (economia de conhecimento imperfeito) - desenvolvido recentemente por Roman Frydman, um membro do Centro, em colaboração com Michael Goldberg, mostra como oscilações excessivas nos preços de ativos resultam da compreensão imperfeita dos participantes no mercado sobre as recompensas futuras das suas decisões.
A análise reconhece que, dentro de uma ampla margem, o mercado funciona bem melhor (embora não seja perfeito), na fixação dos preços, do que seriam capazes as agências competentes. Mas argumenta em favor de novas medidas, inclusive "bandas balizadoras" para os preços dos ativos e variações em torno de metas para margens e requisitos de capital, para ajudar a amortecer tais movimentos excessivos de preços.
A retomada de um capitalismo em bom funcionamento pode ser uma tarefa dificílima. No entanto, há razões para acreditar que ela está ao nosso alcance.
Edmund S. Phelps é diretor do Centro de r on Capitalism and Society da Universidade de Columbia e vencedor do Prêmio Nobel 2006 em Economia. Project Syndicate, 2009. www.project-syndicate.org . Podcast no link: http://media. blubrry.com/ps/media.libsyn.com/media /ps/phelps11.mp3



REPENSANDO AS INSTITUIÇÕES
por Pascal Lamy e Ian Goldin

Solucionar os problemas do século XXI exigirá uma reavaliação abrangente e uma renovação das instituições internacionais

VALOR ECONÔMICO, 25-11-2013

Quando as Nações Unidas (ONU) e as instituições de Bretton Woods foram estabelecidas, quase sete décadas atrás, na esteira da Segunda Guerra Mundial, o poder econômico e político estava concentrado nas mãos de uns poucos países "vitoriosos", o que tornou relativamente fácil um consenso sobre como restaurar a ordem internacional. Mas a partir de então a governança mundial tornou-se cada vez mais confusa, impedindo progressos em áreas de preocupação mundial.

Além de mais de 190 países agora pertencerem à ONU, instituições internacionais com financiamento público têm proliferado e nenhuma instituição multilateral encerrou suas atividades desde a Segunda Guerra Mundial. O resultado é um amálgama ineficiente e confuso de missões institucionais superpostas.

Enquanto isso, partes significativas do sistema internacional não dispõem de recursos financeiros suficientes para proporcionar progresso significativo em áreas críticas - um problema que só vai se agravar, à medida que crescem as necessidades e expectativas de uma população em constante expansão mundial. Nesse contexto, progresso em questões mundiais como as alterações climáticas, cibercrime, desigualdade de renda e problemas crônicos de doenças estão revelando-se elusivos.

As instituições existentes precisam adaptar-se a mudanças na distribuição do peso do poder mundial. Isso significa ampliar a representação não só das grandes economias emergentes, como China, Índia e Brasil, mas também de países como Nigéria e Indonésia

Sem dúvida, os esforços de muitas instituições públicas têm um impacto real positivo e duradouro sobre o mundo. De fato, as instituições internacionais têm liderado avanços em uma ampla gama de áreas, inclusive saúde, finanças, economia, direitos humanos e manutenção da paz. Mas tais instituições são largamente vistas como inacessíveis, ineficientes e opacas, levando os governos nacionais a praticamente ignorá-las. À medida que diminuem sua legitimidade e financiamento, o mesmo acontece com sua eficácia.

Solucionar os problemas do século XXI exigirá uma reavaliação abrangente e uma renovação das instituições internacionais. Em seu relatório "Now for the Long Term", a Commission Martin, de Oxford - formada por um grupo de líderes experientes e de estudiosos (inclusive nós) reuniu-se para contribuir para a formulação de reações aos problemas mundiais - propõe mecanismos para empreender esse processo.

Por exemplo, a incorporação de cláusulas de caducidade nas estruturas de governança das instituições internacionais com financiamento público asseguraria reavaliações regulares do desempenho organizacional e de propósitos organizacionais. Instituições que tenham cumprido seu papel ou tenham se mostrado incapazes de responder de forma eficaz às demandas por mudança deveriam ser fechadas e seus recursos redirecionados para esforços mais produtivos.

Para escapar a esse destino, as instituições existentes precisam adaptar-se a mudanças na dinâmica da distribuição do peso do poder mundial. Isso significa ampliar a representação não apenas das grandes economias emergentes, como China, Índia e Brasil, mas também de países como a Nigéria e a Indonésia, onde, somados, vivem mais de 400 milhões de pessoas.

Questões envolvendo relações e organizações internacionais, operam, em larga medida, sob marcos institucionais de meados do Século XX - o que produz duas falhas graves. Em primeiro lugar, países com participação cada vez menor conservam um poder desproporcional. Em segundo lugar, tomadas de decisões em âmbito mundial agora envolvem um número quatro vezes maior de países do que na época do pós-guerra imediato, bem como uma infinidade de organizações não governamentais e grupos da sociedade civil, do que resulta um processo confuso - e frequentemente improdutivo.


À medida que os problemas do mundo tornam-se cada vez mais complexos e interligados, os processos de tomada de decisões em âmbito mundial devem ser os mais simples e eficientes possíveis. Quando diversas comissões reúnem-se paralelamente, os países que têm as maiores equipes de especialistas dominam o processo, na prática impedindo a participação da maioria países das decisões chave e inviabilizando um diálogo significativo.

A fim de intensificar a produtividade das negociações mundiais, a Oxford Martin Commission recomenda a criação de coalizões de países motivados, juntamente com outros atores, como cidades e empresas. À medida que os resultados melhorem, a legitimidade dos organismos internacionais será reforçada, o que ao longo do tempo ampliaria a disposição dos países para delegar poderes a elas.

Além disso, a Comissão propõe a criação de plataformas voluntárias para facilitar a criação de tratados mundiais em áreas vitais. Por exemplo, uma câmara de tributação e de regulamentação ajudaria os países a combater a evasão tributária e harmonizar a tributação sobre as empresas, promovendo cooperação e compartilhamento de informações. Analogamente, uma plataforma para compartilhamento de dados de segurança cibernética poderá ser vital para compreender, evitar e reagir a ataques cibernéticos.

À medida que os governos aprenderem a colaborar uns com os outros e com outros atores, como empresas e organizações da sociedade civil, a confiança no poder da cooperação internacional seria restaurada. Em tal ambiente, romper impasses em torno de questões mundiais urgentes seria muito mais fácil do que tornou-se em meio à atmosfera atual de desilusão e desconfiança.

O fato simples é que interconexão produz interdependência. A fim de proteger os bens de uso comum em âmbito mundial, os líderes mundiais precisam buscar soluções compartilhadas tão inclusivas e eficientes quanto possível - um processo que só pode ser realizado por meio de instituições internacionais. Não fazer isso colocaria em risco o enorme progresso que a globalização vem facilitando nas últimas décadas.

As mudanças necessárias não acontecerão da noite para o dia. Mas se governos, empresas e sociedade civil trabalharem juntos, as mudanças serão viáveis, prometendo um futuro mais sustentável, inclusivo e próspero para todos. (Tradução de Sergio Blum)

Pascal Lamy, ex-diretor geral da OMC, é presidente da Oxford Martin Commission for Future Generations

Ian Goldin é diretor da Oxford Martin School na Universidade Oxford e vice-presidente da Oxford Martin Commission for Future Generations. Copyright: Project Syndicate, 2013.

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